Princípio do equilíbrio financeiro e atuarial – uma breve análise do princípio insculpido no caput do artigo 201 da Constituição Federal

Resumo: Com o advento da Emenda Constitucional nº. 20 de 15 de dezembro de 1998, a legislação previdenciária vigente que já era extremamente complexa, tornou-se ainda mais dificultosa, reclamando trabalhos esmiuçadores e interpretativos. Assim é que, alguns dos novos postulados ainda encontram-se na fase de consubstanciação, como é o caso do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, o qual será objeto do presente trabalho.


Sumário: 1. Introdução. 2. Os regimes de financiamento da previdência social e o sistema adotado no Brasil. 3. Equilíbrio financeiro – conceituação 4. Equilíbrio atuarial – conceituação. 5. Atendimento ao princípio do equilíbrio financeiro e atuarial – breve análise.


1. INTRODUÇÃO


O presente trabalho tem como objetivo analisar o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial insculpido no caput do art. 201 da Constituição Federal, modificado pela Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro de 1998, objeto, ainda hoje, de divergências.


Até a edição da referida emenda, o artigo 201 era do seguinte teor:


Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:


I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão;


II – ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda;


III – proteção à maternidade, especialmente à gestante;


IV – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;


V – pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 5º e no art. 202. (…)”


Após a Emenda, o artigo passou a ter a seguinte redação:


Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:


I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;


II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;


III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;


IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;


V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (…)”


Diversas foram as relevantes modificações inseridas no art. 201 após a Emenda Constitucional nº 20/98, a começar pela enorme mudança na redação do caput do artigo, o qual passou a contar com a menção expressa a um princípio antes não existente, qual seja, o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial.


Trata-se de princípio de grande alcance, o qual ainda não foi definido unanimemente pela doutrina e pela jurisprudência e que afetou significativamente o Direito Previdenciário. Bem compreendido, o referido princípio permitirá ao legislador ordinário promover as alterações necessárias no modelo, ajustando a técnica protetiva aos seus reais objetivos.


O princípio em estudo está baseado em dois conceitos distintos, quais sejam, equilíbrio econômico e equilíbrio atuarial, os quais serão separadamente tratados para melhor entendimento do tema e, em seguida, unidos de maneira a formar a compreensão acerca da matéria.


2. OS REGIMES DE FINANCIAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL E O SISTEMA ADOTADO NO BRASIL.


O regime de financiamento da previdência social encontra algumas técnicas básicas, além de diversas combinações entre elas. De modo elementar, pode-se identificar dois regimes básicos e opostos: a repartição simples e a capitalização.


Sucintamente, podemos caracterizar o sistema da repartição simples como o sistema em que os segurados contribuem para um fundo único, responsável pelo pagamento de todos os beneficiários do sistema. Dentro deste regime, há o chamado “pacto intergeracional”, onde os trabalhadores que se encontram em idade contributiva custeiam os benefícios daqueles que já estão aposentados, dentro do mesmo exercício. Tal regime tem sido muito criticado, uma vez que é diretamente influenciado pelo envelhecimento da população e pela taxa de natalidade.


Já o regime da capitalização consiste em sistema onde os recursos arrecadados com contribuições são investidos pelos administradores do fundo, tendo em vista o atendimento das prestações devidas aos segurados futuramente, ou seja, os valores pagos no futuro variarão de acordo com as taxas de juros obtidas e a partir das opções de investimento dos administradores.


Temos ainda, um terceiro tipo de arrecadação, resultante da variação e combinação dos dois primeiros regimes, a chamada “capitalização virtual”, que consiste não na capitalização individualizada dos pagamentos feitos pelo trabalhador, mas sim na aplicação de uma relação atuarial do cálculo do benefício a ser pago, de modo que o valor final do benefício variará de acordo com o período pago pelo segurado, além de sua expectativa de sobrevida.


Os benefícios previdenciários brasileiros são, na maioria, financiados pelo regime de repartição simples, com exceção da aposentadoria por tempo de contribuição, a qual se submete ao regime de capitalização virtual, devido a aplicação obrigatória de fator previdenciário ao seu cálculo.


3. EQUILÍBRIO FINACEIRO – CONCEITUAÇÃO.


A palavra equilíbrio quer dizer “estado de um corpo que se mantém sobre um apoio, sem se inclinar para nenhum dos lados” ou “estado de equilíbrio de um corpo (como, p ex, de um pêndulo, pendente perpendicularmente para baixo do seu ponto de suporte) tal que, ao ser levemente deslocado, o corpo tende a retomar a sua posição original”. Ou ainda, proporção, harmonia[1].


Resumidamente, pode-se entender o equilíbrio financeiro como o saldo zero ou positivo do encontro entre as receitas e a despesa do sistema. É a adequada arrecadação dos valores a serem pagos ao sistema e a realização de todos os pagamentos devidos, ou seja, o pagamento de todos os benefícios previdenciários a que fazem jus os indivíduos.


O equilíbrio financeiro consiste em depois de realizada a arrecadação e feitos os pagamentos, não haver saldo negativo nos fundos previdenciários, evitando danos às contas públicas.


4. EQUILÍBRIO ATUARIAL – CONCEITUAÇÃO.


O equilíbrio atuarial traz conceito complexo, aduzindo ao estudo da matéria conceitos oriundos da atuária, ciência do seguro[2].


Atuarial é a ciência dedicada aos cálculos feitos pelas companhias de seguro de vida, estabelecendo as bases de suas operações e verificando os resultados, ou seja, é calculado o risco protegido e os recursos para sua cobertura, vislumbrando as possibilidades em variadas situações, no caso do sistema previdenciário, especialmente dentro das expectativas futuras em relação ao envelhecimento da população e às tendências da natalidade populacional.


Através das análises atuárias, os administradores públicos do regime previdenciário podem elaborar medidas para a correção de desvios, como por exemplo, o aumento da natalidade, que pode causar grande impacto futuro nos fundos da previdência, de maneira que através das correções, o sistema continue protegido, mantendo sempre seu equilíbrio financeiro, evitando sua falência e a ausência de cobertura para os cidadãos.


Neste tipo de equilíbrio, cabe à entidade, ao desenvolver o plano de benefício adotado, trabalhar com uma gama de variáveis existentes, como o número de segurados existentes, número de segurados que futuramente irão existir, etc.


5. ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL – BREVE ANÁLISE.


O equilíbrio financeiro, como já foi anteriormente explicado, reflete a existência de reservas monetárias ou de investimentos, numerário ou aplicações suficientes para ao adimplemento dos compromissos atuais e futuros previstos. Não se vislumbra apenas os direitos atuais, mas também os que futuramente irão se materializar, isto é, a razoável certeza do adimplemento dos benefícios que irão surgir.


A Constituição Federal, a partir da nova redação dada ao art. 201, aduz que “a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (…)”.


O tema, apesar de contar com mais de dez anos de existência (a emenda que o introduziu é de 1998), recebeu pouca atenção, tendo sido pouco discutido, permanecendo ainda hoje, sem definição pacífica na doutrina e jurisprudência, bem como não há definição legal do que sejam os mencionados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, razão pela qual, no presente trabalho é formulado um posicionamento com base na pouca bibliografia existente acerca da matéria.


O sistema previdenciário é de grande importância dentro do ordenamento jurídico pátrio, sendo suas parcelas, em alguns casos, a única fonte de renda de alguns cidadãos. Além disso, os contribuintes, ao longo de sua vida profissional, contam com que no futuro, terão o suporte financeiro deste Sistema. Assim, para que o Sistema Previdenciário não deixe de existir, é que foi instituído o princípio que analisamos neste estudo.


O Princípio do equilíbrio financeiro e atuarial pretende direcionar o Sistema Previdenciário em sua gestão, para que sempre seja viável a sua manutenção. Diante de tamanha importância, o princípio foi elevado ao nível constitucional.


A Previdência Social possui suas fontes de arrecadação, entre elas, as contribuições previdenciárias pagas pelos empregados e empregadores e possui, também, as suas despesas, como as prestações que deve pagar aos segurados, aposentadorias e auxílios-doença. O equilíbrio financeiro que almeja a Constituição Federal é que, ao final do período, após feita toda a arrecadação e efetuadas todas as despesas, não exista um saldo negativo na Previdência, o que pode, se ocorrer repetidamente, levar a inviabilização de todo o sistema.


Já o equilíbrio atuarial é a maneira que se buscará o equilíbrio financeiro, isto porque a atuária uma ciência exata que através de diversos fatores é capaz de prever os gastos futuros da previdência e, com base nestes, possibilitar a melhor gestão da arrecadação e pagamentos, não perdendo de vista as obrigações que irão existir em um futuro não muito distante.


O referido princípio, na Corte Constitucional, tem servido de base para o julgamento de diversas ações onde se pleiteia a não incidência da cobrança de determinado tributo. O Supremo Tribunal Federal tem entendido pela aplicação do princípio do equilíbrio econômico e atuarial a fim de manter a cobrança, uma vez que a arrecadação dos tributos se presta a favorecer a manutenção de todo o sistema.


Acerca do tema, veja-se abaixo julgados do Supremo Tribunal Federal:


“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. REPERCUSSÃO POSITIVA DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. CONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA. INSTRUMENTO DE ATUAÇÃO DO ESTADO NA ÁREA DE PREVIDÊNCIA. INSTITUIÇÃO MEDIANTE LEI ORDINÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE. ALEGADA OFENSA AO ART. 201, CAPUT, § 11. OFENSA REFLEXA. AGRAVO IMPROVIDO. I – Esta Corte entende que o tributo previsto no art. 195, II, da Constituição Federal, classifica-se como contribuição social, diferenciando-se, portanto, das taxas e impostos. II -A referida contribuição social é instrumento de atuação do Estado na área de previdência social e sua exigência se dá em “obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento”. III – Esta Corte entende ser possível a instituição de contribuição de seguridade social por meio de Lei Ordinária. IV – A apreciação dos temas constitucionais depende do prévio exame de normas infraconstitucionais. Afronta indireta à Constituição. V – Precedentes. VI – Agravo regimental improvido.” (STF. AI 487075 AgR – RS, Rel. Ricardo Lewandowski, Julgamento: 27.11.07, DJ. 19.12.2007)


“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PROVENTOS. MILITAR. INCIDÊNCIA. EC 41/03. 1. O Supremo, por ocasião do julgamento da ADI n. 3.105, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 18.8.04, registrou inexistir “norma de imunidade tributária absoluta”. A Corte afirmou que, após o advento da Emenda Constitucional n. 41/03, os servidores públicos passariam a contribuir para a previdência social em “obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento”. 2. Os servidores públicos militares não foram excepcionados da incidência da norma, razão pela qual não subsiste a pretensa imunidade tributária relativamente à categoria. A inexigibilidade da contribuição — para todos os servidores, quer civis, quer militares — é reconhecida tão-somente no período entre o advento da EC 20 até a edição da EC 41, conforme é notório no âmbito deste Tribunal [ADI n. 2.189, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 9.6.00, e RE n. 435.210-AgR, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 14.6.05]. Agravo regimental a que se dá provimento”. (STF. RE 475076 AgR – SC, Rel. Eros Grau, Julgamento: 25.11.2008, DJ. 19.12.2008)


 


Bibliografia

CARDONE, Marly A., Dicionário de Direito Previdencial, 3ª ed. atualizada, São Paulo: Editora LTr LTDA, 2002.

IBRAHIM, Fábio Zambitte; Curso de Direito Previdenciário, 15ª ed. revista, ampliada e atualizada, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2010.

JUNIOR, Nelson Nery, NERY, Rosa Maria de Andrade; Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, 2ª ed. revista, atualizada e ampliada até 15.1.2009, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

MARTINEZ, Wladimir Novaes; Curso de Direito Previdenciário, 3ªed.,São Paulo: LTr Editora LTDA, 2010.

 

Notas:

[1] Dicionário Michaelis; Editora Melhoramentos. Disponível em www.michaelis.uol.br.

[2] IBRAHIM, Fábio Zambitte; Curso de Direito Previdenciário, 15ª ed. revista, ampliada e atualizada, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2010, p.805.


Informações Sobre o Autor

Sylvia Pozzobon Torraca

Advogada. Pós-graduanda em Direito Previdenciário (Universidade Cândido Mendes) e Pós Graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (Universidade Veiga de Almeida).


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