Princípios consumeristas e sua importância em uma sociedade consumista

Resumo: O Código de Defesa do Consumidor surge em 1990, oriundo de uma garantia fundamental prevista no artigo 5º, XXXII da Constituição Federal de 1988. Desde então, as formas de se consumir mudaram de maneira gritante, sobretudo com o advento da internet. Para tanto, de forma a se fazer frente à estas mudanças, se trabalha a possibilidade de explorar os princípios consumeristas, dissecando-os individualmente, como possível solução. Com o intuito de compreender melhor as mudanças dinâmicas do capitalismo e seu reflexo direto nas formas de se consumir, cumpre trazer à baila conceitos cunhados pelo sociólogo polônes Zygmunt Bauman, tais como os conceitos de “liquidez”, “capitalismo pesado”, “capitalismo leve”, dentre outros, e relacioná-los com o consumismo exacerbado que assola a contemporaneidade, de forma a facilitar a compreensão histórica deste e, ainda, ao final, propor uma forma de assegurar o respeito aos direitos do consumidor, mantendo-os em estado de permanente atualização, o que garantiria sua eficácia plena. [1]

Palavras-chave: Princípios consumeristas. Sociedade de consumo. Capitalismo leve.

Abstract: The Code of Consumers Protection arose in 1990, coming from a fundamental guarantee provided by the fifth article, XXXII of the Federal Constitution of 1988. Since then, the ways of consuming have changed in a striking way, especially with the advent of the Internet. In order to deal with these changes, it is explored the possibility of using the consumerist principles, dissecting them individually, as a possible solution. To make it possible the understanding of the dynamic changes of capitalism and its direct reflection on the forms of consumption, it is necessary to bring to light concepts coined by Polish sociologist Zygmunt Bauman, such as the concepts of "liquidity", "heavy capitalism", "light capitalism", among others, and relate them to the exacerbated consumerism that plagues contemporaneity, in order to facilitate the historical understanding of the latter, and finally, to propose a way to ensure respect for consumerist rights, keeping them in a state of permanent update, which would guarantee its full effectiveness.

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Keywords: Consumer Principles. Consumer society. Light capitalism.

Sumário: Introdução. I – A passagem do capitalismo pesado para o leve e como o direito do consumidor pode acompanhar esta mudança. II – Estudo dos princípios consumeristas: compreender para aplicar. Conclusão. Referências.

Introdução

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) já se aproxima de sua terceira década de vigência. Desde então o mundo mudou muito. Foi depois da entrada em vigência do CDC que a internet começa a ser comercializada (1993) e a Google, ferramenta de busca nº01 no mundo, somente surge em 1998.

O CDC antecede o consumo virtual, que revolucionou a forma de se consumir, além de outras tantas modificações que ocorreram nesses quase 30 anos. A defasagem do código em questão não limita o seu objetivo, de proteger os consumidores? Em tempos de consumismo desenfreado, como adequar um código que precede as maiores mudanças na forma de se consumir?

Em um ambiente que exige a sua perpétua reinvenção para continuar vendendo e batendo metas cada vez maiores, temos como resultado, por exemplo, aparelhos eletrônicos que são considerados ultrapassados desde poucos meses após seu lançamento e obsoletos em alguns poucos anos. Nosso código de 1990 não estava preparado para esta “liquidez”.

Aponta-se, porém, que uma interpretação do CDC que envolva uma análise mais exaustiva de seus princípios seria capaz de auxiliar nesta problemática. É a possibilidade de uma maior interpretação principiológica no âmbito do direito do consumidor, realizando um paralelo com o pensamento do sociólogo polônes Zygmunt Bauman, que será explorada como meio de fazer frente à um meio consumista que trata de reinventar-se diariamente.

I – A passagem do capitalismo pesado para o leve e como o direito do consumidor pode acompanhar esta mudança

Zygmunt Bauman, em seu livro “A Modernidade Líquida”, decreta o fim do capitalismo “pesado”, substituído pelo capitalismo “leve”, trazendo consigo uma nova conceituação de consumo. 

Segundo o sociólogo polonês (2001, pg. 96), a marca do consumo no capitalismo “pesado” do século XIX era a satisfação de necessidades. O capitalismo não se deteve nesse conceito baseado em necessidades, chegando, então, a um conceito muito mais volátil e caprichoso: o desejo.

O desejo supera as necessidades pois é essencialmente não referencial, ou seja, trata-se de um motivo autogerado que não necessita de outra justificação que não ele mesmo. Apesar do avança que o “desejo” claramente possui em comparação com a “necessidade” não se trata, ainda, da forma perfeita para os fornecedores de bens de consumo. Sai de cena o “desejo” e surge, graças a este, um conceito ainda mais poderoso, o “querer”.   

Enquanto os consumidores do desejo necessitam ser “produzidos”, processo que aumenta muito o custo de produção, o “querer” não mais necessita da produção de novos consumidores pois, para o sociólogo, estes já estariam viciados.

“Agora é a vez de descartar o desejo. Ele sobreviveu à sua utilidade: tendo trazido o vício do consumidor a seu Estado presente, não pode mais ditar o ritmo. Um estimulante mais poderosos, e sobretudo mais volátil, é necessário para manter a demanda do consumidor no nível da oferta. O ‘querer’ é o substituto tão necessário; ele completa a libertação do princípio do prazer, limpando e dispondo dos últimos resíduos dos impedimentos do ‘princípio da realidade’: a substância naturalmente gasosa foi finalmente liberada do contêiner.”  (BAUMAN, 2001, pg. 98)

Diante do exposto, a legislação deve permanecer-se em um processo contínuo de atualização com o propósito de acompanhar as mudanças nos conceitos de consumo e consumidores. Uma forma de fazê-lo sem que tenhamos de passar por demoradas e complicadas alterações legislativas é fazer uso dos princípios que norteiam o Direito do Consumidor.

Através de interpretações principiológicas podemos ter decisões mais coerentes com o momento histórico em que vivemos. Para que o mesmo se proceda de maneira eficaz se faz necessário o estudo dos referidos princípios – pelo menos daqueles que surgem como protagonistas no tema aqui proposto – o que será feito em breve, sendo eles: princípio da precaução; princípio da dimensão coletiva; princípio da boa-fé; princípio da proteção; princípio da confiança; princípio da informação; e princípio da transparência.

II – Estudo dos princípios consumeristas: compreender para aplicar

O princípio da precaução encontra-se implícito do Código de Defesa do Consumidor e almeja a proteção do consumidor no tocante a riscos desconhecidos envolvendo produtos e serviços que encontram-se no mercado de consumo. Guglinski (2012) cita como exemplo a “regulação do fornecimento de alimentos transgênicos, uma vez que a ciência ainda desconhece todos os efeitos dos gêneros alimentícios geneticamente modificados sobre a saúde humana.”

Dimensão coletiva é o princípio que trata da proteção da coletividade, significando, em suma, que o interesse coletivo deve prevalecer o individual, encontra-se positivado no art. 4º do CDC.

A boa-fé é o princípio que afirma que “nas relações de consumo, as partes devem proceder com probidade, lealdade, solidariedade e cooperação na consecução do objeto do negócio jurídico, de forma a manter a equidade nesse tipo de relação” (Guglinski, 2012). Assim como o princípio supra, encontra correspondência explícita no art 4º, inciso III, do CDC.

O princípio da proteção encontra-se implícito no art. 6º do CDC e almeja a proteção básica de bens jurídicos considerados mais relevantes, apontados nos próprios incisos do artigo, expõe Guglinski (2012):

‘’Incolumidade física (inciso I)

Refere-se ao direito à vida, à saúde e segurança do consumidor em relação aos riscos oferecidos por produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

Incolumidade psíquica (inciso II)

Diz respeito à liberdade de escolha e igualdade nas contratações;

Incolumidade econômica (incisos III e IV)

Relaciona-se aos riscos de lesão econômica afetos a preço, características dos produtos e serviços, práticas abusivas etc.”

O princípio da confiança é autoexplicativo, o indivíduo que contrata jamais o fará acreditando piamente que será lesado. Crê-se que ambas as partes cumpriram com suas obrigações contratuais de maneira leal.

Quanto ao princípio da informação, que encontra respaldo no artigo 4º, IV, do CDC, este enseja o dever de as partes presentes na relação de consumo informarem mutuamente todas as circunstâncias de maior relevância do contrato, trata-se, portanto, de um princípio que enseja direitos e deveres, sobre isso:

“[…] a informação, nesse âmbito da ciência jurídica, tem dupla face: o dever de informar e o direito de ser informado, sendo o primeiro relacionado com quem oferece o seu produto ou serviço ao mercado; e o segundo, com o consumidor vulnerável” (TARTUCE, 2007, p. 141).

Ressalta-se que o princípio da informação deve ser atendado desde a fase pré-contratual até a fase pós-contratual.

Por fim, o princípio da transparência, que encontra-se no caput do art. 4º do CDC, visa a plena informação do consumidor sobre os riscos do negócio e deve ser observado no momento da formação do vínculo contratual, qualificando, então, a informação a ser dada.

“Preconiza a forma como a informação deve ser prestada ao consumidor no ato da contratação (qualificação da informação), a qual deve ser clara, ostensiva, precisa e correta, visando a sanar quaisquer dúvidas no ato da contratação e garantir o equilíbrio contratual entre as partes contratantes.” (SILVA, 2012, p.271)

Conclusão

É diante de todo o exposto quanto à defasagem do Código de Defesa do Consumidor frente às mudanças constantes da forma de se consumir causadas, conforme prelecionou o sociólogo Zygmunt Bauman, pelo chamado “capitalismo leve”, sobretudo com o advento da internet – posterior ao CDC de 1990 – que os princípios consumeristas, explorados individualmente neste artigo, assumem um papel de grande protagonismo na proteção do consumidor.

Torna-se possível concluir, então, que a observância dos princípios consumeristas pode ser uma poderosa ferramenta para a proteção dos consumidores, a fim de que possa o Direito acompanhar de maneira mais enérgica a constante mudança do capitalismo em sua forma “líquida”.

 

Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Liquída. Rio de Janeiro – RJ: Zahar, 2001.
VILELA GUGLINSKI, Vitor. Princípios norteadores do direito do consumidor. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 104, set 2012.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Lei 8.078 de 11/09/90. Brasília, Diário Oficial da União, 1990
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do código de defesa do consumidor ao código civil de 2002. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Método, 2007.
KLEINA, Nilton. A história da Internet: a década de 1990, 2011. Disponível em:<https://www.tecmundo.com.br/infografico/10054-a-historia-da-internet-a-decada-de-1990-infografico-.htm>
SILVA, Michel César. O direito do consumidor nas relações de consumo virtuais. 2012. Disponível em: < https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496589/000952705.pdf?sequence=1>
Notas
[1] Artigo orientado pela Profa. MsC. Cláudia Mota Estabel – Mestra em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande.

Informações Sobre os Autores

Lucas Braunstein da Cunha

Acadêmico de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande

Bruno Bandeira Fonseca

Acadêmicos de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande


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Equipe Âmbito Jurídico

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