Nome do Autor: Ruben Mauro Lucchi Rodrigues – Advogado. Mestre em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha. Pós-graduado em Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Graduado em Direito pela Universidade Vila Velha. E-mail: advrubenlucchi@gmail.com.
Nome do coautor: Lucas Amadeu Lucchi Rodrigues – Advogado. Mestre em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha. Pós-graduado em Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio. Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio. Graduado em Direito pela Universidade Vila Velha. E-mail: advlucaslucchi@gmail.com.
Resumo: O estudo proposto, por este artigo, visa analisar os princípios norteadores do rito do tribunal do júri. O referido rito foi criado para julgar os crimes dolosos contra a vida, tentados, consumados ou conexos no Brasil. A hipótese principal da presente pesquisa é a de que os princípios norteadores do tribunal do júri são de suma importância para o referido procedimento, bem como atuam em consonância com os demais princípios constitucionais e fundamentais. Para tanto recorre-se ao uso de documentação indireta por meio de textos legais (normas), e através de pesquisas bibliográficas com textos jurídicos de autores modernos. Concluiu-se que são quatro os princípios norteadores do júri popular, quais sejam: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. E que é necessário a observância desses princípios para que sejam respeitadas as especificidades do procedimento do júri que é tão complexo e destoante dos demais procedimentos processuais penais, para que tal instituto seja plenamente exercido.
Palavras-chave: Processo Penal. Tribunal do Júri. Princípios do tribunal do júri.
Abstract: The study proposed by this article aims to analyze the guiding principles of the jury court rite. This rite was created to judge the intentional crimes of life, attempted, consummated or related in Brazil. The main hypothesis of the present research is that the guiding principles of the jury court are of paramount importance for this procedure, as well as acting in line with the other constitutional and fundamental principles. The main objective of this paper is to analyze / research, based on law and doctrines, the application of these principles in the jury procedure. The methodology used was the literature review research. It was concluded that we can consider four guiding principles of the popular jury, namely: the fullness of defense, the secrecy of the votes, the sovereignty of the verdicts and the competence to judge intentional crimes against life. And that the observance of these principles is necessary in order to respect the specificities of the jury procedure that is so complex and out of line with other criminal procedural procedures.
Keywords: Criminal proceedings. Jury court. Jury Tribunal Principles.
Sumário: Introdução. 1. Princípios de direito no estado brasileiro. 1.1. Princípios gerais. 1.2 Princípios processuais penais. 2 Princípios constitucionais norteadores do tribunal do júri. Conclusão. Referências.
Introdução
Com a re-estabilização da democracia e a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que, além de manter a instituição do júri e sua competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, ainda o revestiu, novamente, com os princípios consagrados antes da ditadura, dentre os quais a plenitude de defesa, a soberania dos veredictos, os sigilos da votação, o respeito à liberdade, todos dispostos no art.5°, XXXVIII da CF/88 (BRASIL, 1988).
O júri é considerado uma garantia do devido processo legal, tendo em vista que possibilita ao acusado por crime doloso contra a vida o meio certo para a busca de seus direitos, se for o caso, ter a sua liberdade suprimida. Assim, (MORAES, 2008, p. 20) “é uma garantia formal e não material vislumbrada na Constituição Federal como cláusula pétrea (art. 60, §4º, IV, CF)”.
Desse modo, a presente pesquisa pretende analisar os princípios norteadores do rito do tribunal do júri e os demais princípios constitucionais que servem de base para que tal instituto seja plenamente exercido.
Assim, recorre-se ao uso de documentação indireta por meio de textos legais (normas), e através de pesquisas bibliográficas com textos jurídicos de autores modernos, no que diz respeito à conceituação e fundamentação dos princípios fundamentais e constitucionais do Direito brasileiro, bem como os referentes ao rito do tribunal do júri.
1 Princípios de direito no estado brasileiro
O ordenamento jurídico tem como base os princípios de direito, e existem dois tipos de princípios, quais sejam: os princípios gerais, que são aqueles que cabem para todo ordenamento jurídico e os específicos para determinada matéria. Veremos adiante os princípios do Estado Democrático de Direito, os princípios no direito penal e processual penal, e os exclusivos do Tribunal do Júri.
1.1 Princípios gerais
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, elegeu como fundamentos da República Federativa do Brasil em seu inciso III, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho (inciso IV), dentre outros.
O reconhecimento de tais preceitos como princípios constitucionais fundamentais são de extrema importância, eis que tais princípios dão fundamento a todo o conjunto de regras existentes no ordenamento jurídico, ou seja, os princípios fundamentais “traduzem valores superiores que vinculam o intérprete na aplicação do direito” (PEIXINHO, 2005, p. 173).
Assim, os princípios fundamentais são o pilar de todos os preceitos constitucionais, devendo sempre ser observados tanto pelo legislador como pelo aplicador da norma, e até mesmo na interpretação de outros princípios e normas contidos na própria Constituição, pois se apresentam como a essência de toda a sistemática constitucional.
Dessa forma, para a aplicação das próprias normas existentes na Constituição faz-se necessária à observância dos princípios constitucionais, a partir da coesão lógica, da harmonia interpretativa e da uniformização de entendimentos.
Os princípios estão, sem dúvida, numa posição hierarquicamente superior às outras normas constitucionais, porque, sendo os princípios o húmus fecundo de que se orienta todo o projeto constitucional, aqueles dependem destes como fonte diretiva da missão política do Estado. Na ordem de hierarquia da pirâmide da Constituição, têm-se os princípios constitucionais fundamentais, os princípios gerais e as normas setoriais (PEIXINHO, 2005, p. 173).
Ademais, a Constituição é a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém um conjunto de normas reguladoras referentes, entre outras questões, à forma de governo, à organização dos poderes públicos, à distribuição de competências e aos direitos e deveres dos cidadãos.
Para se entender melhor o sentido ideal da palavra, é indispensável à análise de estudiosos e doutrinadores da área do Direito Constitucional. E, de acordo com o doutrinador Soares (1997), Constituição é um conjunto de normas jurídicas, com a finalidade de limitar a autoridade política do Estado e conceder garantias ao indivíduo como membro da sociedade, é o instrumento jurídico que ordena e compõe o Estado. Por outro lado, cria a abstração jurídica do Estado, ao mesmo tempo em que determina as normas de sua manutenção e funcionamento.
Já o doutrinador Silva (1977, p. 38) dispõe que a “Constituição é um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação”.
Da afirmação acima, pode-se concluir que uma Constituição vem a ser a lei suprema de uma sociedade politicamente organizada. Ela estabelece os direitos e os deveres dos cidadãos e determina as formas de funcionamento e poder do Estado. Nenhuma outra lei no país pode entrar em conflito com a Constituição, podendo ser considerada inconstitucional.
Pode-se dizer em linhas gerais, que o histórico constitucional brasileiro, relacionado com a positivação dos direitos fundamentais, acompanhou a evolução geral dos direitos fundamentais ocidentais, considerando que o Direito Constitucional brasileiro tomou relevância a partir de 1824 com a Constituição Política do Império do Brasil, e até mesmo pela juventude do Estado brasileiro.
O direito constitucional brasileiro seguiu com peculiaridades de nossa história, visto que nosso país é relativamente novo e a própria colonização portuguesa com o modelo que variou entre exploração e povoação, bem como as diversas influências das múltiplas nacionalidades que aqui também se estabeleceram (Holanda, Espanha etc.), resultou em descompassos com o modelo ocidental. Abordaremos a evolução constitucional brasileira em traços gerais até tratar da Constituição Federal de 1988 o diploma mais importante para os Direitos Fundamentais brasileiros.
No sentido de conferir efetividade aos direitos e garantias necessárias à completa noção de prática de cidadania e acesso aos direitos humanos fundamentais, a Constituição Federal de 1988 contempla direitos e suas formas de proteção, notadamente em relação aos direitos individuais, coletivos, sociais, políticos e outras formas de proteção desses direitos.
Assim, a dignidade da pessoa humana, engajada como princípio fundamental da República é um direito supremo e exige que o homem, acima de tudo, deve ser tratado com elevado respeito, ou seja, deve ser observada a sua dignidade de pessoa humana por todo o ordenamento jurídico. Segundo esse princípio todo ser humano tem o direito de viver uma vida digna, justa e com o mínimo de subsistência.
Para tanto, a Constituição de 1988 expõe em seu artigo 1º, inciso III que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito; outrossim, em seu artigo 3º, nos incisos I e III, continua destacando a dignidade da pessoa humana, aduzindo como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais; além disso, destaca em seu artigo 4º, inciso II que o Estado deve reger em suas relações internacionais observando o princípio da prevalência dos direitos humanos.
Do ponto de vista de Martins (2005), enfatizar a dignidade da pessoa humana como alicerce, resulta na junção da própria noção de República e Estado Democrático de Direito, uma importância histórica e condicionado, já que o valor da dignidade da pessoa humana só pode ser medido por meio de uma perspectiva concreta que considere a pessoa humana como ser dotado de dignidade própria; levando em consideração além da categoria jurídica a pessoa real. O autor alega ainda, que coibir a dignidade da pessoa humana, seja por ato ou falha, estabelece injúria ao próprio Estado Democrático de Direito em que se constitui a República brasileira.
Ainda, a título de explicação, no tocante aos Direitos Humanos, de acordo com Herkenhoff:
“Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir” (HERKENHOFF, 1994, p. 30).
Diante desta definição, entende-se que direitos humanos são considerados os direitos de todas as pessoas sem qualquer tipo de distinção, independentemente de quem sejam: mulheres, homens ou homossexuais; negros, brancos, indígenas ou mestiços; crianças, adolescentes ou idosos; doentes ou pessoas portadoras de deficiências; refugiados, estrangeiros ou emigrantes; policiais ou presos; pobres ou ricos, ou seja, todo ser humano deve ter a sua dignidade e integridade protegida e respeitada.
Deve-se também registrar que esses direitos não são apenas um conjunto de princípios morais que devem informar a organização da sociedade e a criação do direito. São normas programáticas que obrigam os Estados nos planos interno e externo, isto é, enumerados em diversos tratados internacionais e constituição, assegurarem direitos aos indivíduos e estabelecerem obrigações jurídicas concretas aos Estados.
Além disso, o conjunto dos Direitos Humanos Fundamentais tem como objetivo primordial oferecer e garantir ao ser humano o respeito ao seu direito à vida, à liberdade, à igualdade e à dignidade, entre outros. Eles garantem a não ingerência do Estado na esfera individual, e consagram a dignidade humana. Sua proteção deve ser reconhecida positivamente pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais.
Reale (apud DINIZ, 1988, p. 55) ensinara, em sua teoria tridimensional do Direito que toda norma se integra aos fatos humanos e ao juízo de valor que permeia a sociedade naquele dado momento. Nas palavras da autora “não há como separar o fato da conduta, nem o valor ou finalidade a que a conduta está relacionada, nem a norma que incide sobre ela”. Por isso, não se pode tecer qualquer análise ou estudo de Direito abstraindo-se dos fatos históricos e do juízo de valor daquele momento.
Por conseguinte, percebe-se o quanto é fundamental e necessária à observância da dignidade da pessoa humana na prática de todos os atos, principalmente aqueles atos praticados pelo Estado, seja legislando, aplicando a norma ou outros.
1.2 Princípios processuais penais
O processo penal deve sempre observar e estar pautado na Constituição Federal. Apesar disso, o processo é uma das previsões constitucionais e visa a efetividade da prestação jurisdicional. O processo penal é composto por princípios, alguns deles estão expressos na própria Constituição da República (art.5º, CF/88), como por exemplo, o princípio de presunção de inocência.
Esses princípios que regem o processo penal não são taxativos, sendo possível aplicar tanto princípios constitucionais expressos como princípios constitucionais decorrentes do sistema constitucional (TÁVORA & ALENCAR, 2012). Vejamos então os principais princípios que regem o processo penal:
a) Princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade: esse princípio advém do art. 5º, inc. LVII da CF/88, que diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (BRASIL, 2016a).
Diante disso, a regra é que ninguém deve ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou seja, a pessoa apenas pode ser considerada culpada de algum fato criminoso depois de ser condenada por sentença penal transitado em julgado.
Por seu turno, o Código de Processo Penal (CPP) brasileiro determina, em seu artigo 156, que: A prova da alegação incumbirá quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: ordenar de forma antecipada, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, ainda que seja antes de iniciada a ação penal, ou no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, determinar a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante (BRASIL, 2016f).
Caso o juiz, mesmo após a produção de provas relevantes ou de diligências necessárias para sanar dúvidas em relação a culpabilidade do réu, não conseguir esclarece-las, deverá absolver o réu, de acordo com o princípio do in dubio pro reo e presunção da inocência.
Tourinho Filho (2010), amparado em BETIOL, assim considera a questão:
“Os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo não se confundem, nem são sinônimos. Pode-se, no entanto, estabelecer que o princípio in dubio pro reo é uma decorrência do princípio da presunção de inocência, bem como do princípio do favor rei que proclama que no conflito entre o jus puniendi do Estado, por um lado, e o jus libertatis do acusado, por outro lado, a balança deve inclinar-se a favor deste último se quiser assistir ao triunfo da liberdade. O princípio da presunção de inocência encontra variações em sua definição, alguns chamam-no de princípio do estado de inocência, sendo que a expressão mais utilizada atualmente é princípio da presunção constitucional de não-culpabilidade” (BETIOL apud TOURINHO FILHO, 2010, p. 71).
Conforme o autor acima, na esfera do direito penal brasileiro, prevalece o princípio do in dubio pro reo, em que vigora o pensamento de que, na dúvida sobre a culpabilidade do acusado, considerar-se-á como inocente, até que prove em contrário. Observa-se que, o procedimento se faz amparado com a garantia constitucional da presunção de inocência, onde ninguém é considerado culpado até trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Távora e Alencar (2012) afirmam que do princípio da presunção de inocência derivam duas regras fundamentais:
“a regra probatória, ou de juízo, segundo a qual a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado – e não este de provar sua inocência – e a regra de tratamento, segundo a qual ninguém pode ser considerado culpado senão depois de sentença com trânsito em julgado, o que impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade” (TÁVORA & ALENCAR, 2012, p. 55-56).
A partir da afirmação acima, pode-se entender que o primeiro aspecto se refere que no curso do processo penal é a parte acusadora que tem o ônus de provar a culpa do acusado e o segundo aspecto é que o tratamento a ser dado ao imputado é o de inocente, pois este será assim presumido até sentença penal transitada em julgada, que é aquela sentença que não cabe mais recurso.
Dessa forma, impede-se qualquer ato antecipado de juízo condenatório, e, caso isso ocorra, somente será possível se fundamentado em elementos concretos de periculosidade do acusado, por exemplo, a análise de necessidade da prisão como medida cautelar, mas ainda assim, o juiz não pode condenar o réu, trata-se apenas de uma medida preventiva.
Dotti (apud SOUZA NETTO, 2003) defende a ideia de que o acusado tem direito à liberdade, como forma de garantia de seus direitos civis e políticos constitucionais (presunção de culpabilidade ou de inocência e devido processo legal, por exemplo) até que seja imputado a esse acusado uma sentença penal condenatória ou sejam identificados pelo magistrado os pressupostos e requisitos que exijam a restrição da liberdade, sob pena de ter comprometido o processo criminal, não logrando êxito na condenação e aplicação da sentença penal condenatória futura, em caso do acusado manter-se livre durante a instrução criminal do Tribunal do Júri.
Sobre o assunto, prossegue o doutrinador Dotti (apud SOUZA NETTO):
“[…] quando houver insuficiência de provas […], o juiz deve prolatar sentença penal absolutória, pois […] é melhor uma possível absolvição de um culpado, do que uma possível condenação de um inocente. Trata-se do princípio in dubio pro reo que […] aplica-se “sempre que se caracterizar uma situação de prova dúbia, pois a dúvida em relação à existência ou não de determinado fato deve ser resolvida em favor do imputado” (2003, p. 155).
Desse modo, pode-se deduzir que o princípio da presunção de inocência (ou da não culpabilidade, como seria mais correto afirmar, em função do texto constitucional não se referir a inocência e, sim, a culpabilidade) está distribuído em várias formas de comprovação e responsabilidade quanto ao ônus da prova, por exemplo, revestindo-se de maior complexidade.
No entender de Jardim (2003, p. 206) “[…] o princípio in dubio pro reo, embora aceito pela doutrina, vem sendo negado de forma implícita pelo sistema de distribuição do ônus da prova”. Além disso, a contrário sensu da letra do art.156 do Código de Processo Penal, que determina que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”, princípio que determina que, na dúvida, prevalece o direito do acusado, é transformado no princípio do in dubio pro societate, sob a alegação da supremacia do interesse público (sociedade) sobre o interesse privado, mantendo-se, via de regra, o acusado preso.
Vê-se que, na aplicação da lei processual penal, o Estado brasileiro inverte o ônus da prova, em detrimento do acusado, presumindo-o culpado até prova em contrário, de maneira a afrontar o princípio constitucional da presunção de não culpabilidade até trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Tourinho Filho acrescenta que:
“A regra concernente ao onus probandi, ao encargo de provar, é regida pelo princípio actori incumbit probatio ou onus probandi incumbit ei qui asserite, isto é, deve incumbir-se da prova o autor da tese levantada. Se o Promotor denuncia B por haver praticado lesão corporal em L, cumpre ao órgão da acusação carrear para os autos os elementos de prova necessários para convencer o julgador de que B produziu lesão corporal em L. Se a defesa alegar qualquer causa que vise a exculpar a conduta de B, inverte-se o onus probandi: cumprirá à defesa a prova da tese levantada” (2010, p. 233).
Novamente, outro autor argumenta em favor do direito do acusado de ter provado pela acusação a autoria e materialidade do crime, antes de ser previamente considerado culpado, antes mesmo do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Para melhor análise do assunto, faz-se importante descrever julgados relativos ao tema, colaciona-se:
“PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – APELAÇÃO N. 290.105.741 – PORTO ALEGRE. […].
EMENTA: Circunstância em que é resguardado o direito ao exame da distinção entre a prescrição da pretensão punitiva e a executória. Aplicação do princípio da ampla defesa. Inteligência do artigo 601 do CPP. Rol dos culpados. Lançamento do nome do réu. Possibilidade somente após o trânsito em julgado da condenação. Aplicação do princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 5º, LVII da CF. […].. Por força do artigo 601 do CPP, subindo o apelo sem as razões, é tido como pleno, posto abranger, não só o apenamento, como também, e sobretudo, o mérito, com o que fica assegurada ao apelante a garantia constitucional da ampla defesa” (BRASIL, 2016l).
Conforme julgado acima, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) confirmou o princípio da ampla defesa e da presunção de não culpabilidade, assegurando ao apelante o direito de não ter lançado seu nome no rol dos culpados antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Segue julgado no mesmo sentido do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
“APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES – ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06 – INÉPCIA DA DENÚNCIA – INOCORRÊNCIA – INICIAL ACUSATÓRIA QUE BEM INDIVIDUALIZOU A CONDUTA DO RÉU, EXPONDO DE FORMA PORMENORIZADA OS FATOS CRIMINOSOS – OBSERVÂNCIA AO ART. 41, DO CPP – PRELIMINAR AFASTADA – AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS – DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS VÁLIDOS E HARMÔNICOS – CONJUNTO PROBATÓRIO SÓLIDO QUE ENSEJA O DECRETO CONDENATÓRIO – DOSIMETRIA – PENA-BASE – CONDUTA SOCIAL – AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE EXASPERAÇÃO – PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA – SENTENÇA REFORMADA NESTA PARTE – PLEITO DE FIXAÇÃO DO REGIME ABERTO E DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS – IMPOSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 44 DA LEI N. 11.343/06 – APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJ-PR – ACR: 6457585 PR 0645758-5, Relator: Edvino Bochnia, Data de Julgamento: 29/04/2010, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 382)” (BRASIL, 2016m).
Esse também foi durante algum tempo a decisão do STF, que tinha como entendimento tradicional a impossibilidade de execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da sentença, salvo rara exceções, vejamos:
“HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”. 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados — não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional , o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante viola[art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52]ção do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque — disse o relator — “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida.
(STF – HC: 84078 MG, Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 05/02/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05<span id=”jusCitacao”> PP-01048</span>)” (BRASIL, 2016g).
Destarte, desde o julgamento do HC, no ano de 2009, o STF teve como consolidado que se houvesse pendência de julgamento dos Recursos Especial e Extraordinário, o réu não poderia sofrer a aplicação provisória da pena, tendo em vista que se há recurso do réu é porque a sentença ainda não transitou em julgado.
Vale destacar que o entendimento era de não ser possível a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, todavia, nada impedia de que o réu fosse privado de sua liberdade por meio de uma prisão preventiva (cautelar), devidamente fundamentada, haja vista que a decretação de prisão cautelar não se confunde com o início do cumprimento de pena.
Ocorreu que no dia 17 de fevereiro de 2016, quando do julgado do HC 126292, o STF mudou seu entendimento anterior e passou a permitir a prisão provisório antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, desde que haja decisão condenatória emanada por um Tribunal de 2º grau.
Para melhor análise do julgamento, segue ementa do voto:
“HABEAS CORPUS 126.292 SÃO PAULO
RELATOR :MIN. TEORI ZAVASCKI
PACTE.(S) :MARCIO RODRIGUES DANTAS
IMPTE.(S) :MARIA CLAUDIA DE SEIXAS
COATOR(A/S)(ES) :RELATOR DO HC Nº 313.021 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.
1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.
2. Habeas corpus denegado.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria, em denegar a ordem, com a consequente revogação da liminar, nos termos do voto do Relator.
Vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente). Falou, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da República.
Brasília, 17 de fevereiro de 2016.
Ministro TEORI ZAVASCKI
Relator
(HC 126292, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016)” (BRASIL, 2016h).
Vê-se que o STF, no julgamento acima, decidiu, por maioria de votos (7 a 4), a possibilidade de execução da pena logo após a decisão condenatória ser confirmada em segunda instância, alterando o até então entendimento da Corte de que a sentença só poderia ser executada após o trânsito em julgado da condenação.
O relator Ministro Teori Zavascki, argumentou no sentido de que a execução da decisão condenatória confirmada em segunda instância, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não comprometeria o princípio constitucional da presunção de inocência, uma vez que tais recursos não teriam efeito suspensivo.
O entendimento do relator foi acompanhado pelos seguintes Ministros: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Foram vencidos os seguintes Ministros: Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente), que, em seus votos, mantiveram o entendimento até então prevalente de que a sentença condenatória somente poderia ser executada após seu trânsito em julgado.
A modificação do entendimento até então prevalente gerou inquietações no mundo jurídico, pois enquanto alguns entendam que o novo entendimento servirá para combater a impunidade no Brasil, outros afirmam que essa nova orientação estabelece uma afronta à garantia fundamental do princípio da presunção da inocência. Porém, o fato é que, atualmente, a pendência de julgamento dos recursos especial e extraordinário não mais suspende o início do cumprimento da pena.
Princípio da imparcialidade do juiz: segundo esse princípio o juiz deve ser neutro, isento, despido de vínculo subjetivo com o processo. Segundo entendimento de Távora e Alencar (2012, p. 57) “a imparcialidade […] é entendida como característica essencial do perfil do juiz consistente em não poder ter vínculos subjetivos com o processo de modo a lhe tirar o afastamento necessário para conduzi-lo com isenção”.
Assim, deve o juiz reconhecer de ofício as causas de impedimentos (art. 252, CPP) e as causas de suspeição (art. 254, CPP) para que não haja nulidade em seus atos, primando sempre pela imparcialidade.
b) Princípio do contraditório e ampla defesa: O princípio do contraditório confere ao réu, conhecer o processo com exatidão, e assim exercer o princípio da ampla defesa que é contraria acusação sem limitação.
Esses princípios estão elencados no art. 5º, inc. LV, da CF/88: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 2016a).
Na visão de Távora e Alencar (2012, p. 59) “o contraditório vai abranger a garantia de influir em processo com repercussão na esfera jurídica do agente” e a ampla defesa “está adstrito aos argumentos jurídicos (normativos) a serem invocados pela parte no intuito de rebater as imputações formuladas […] (2012, p. 60).
Em suma, vê-se que o contraditório serve para tornar a defesa possível e a ampla defesa serve para tornar a defesa efetiva.
c) Princípio do devido processo legal: O art. 5º, inc. LIV da CF/88, assegura que ninguém será privado de sua liberdade ou dos seus bens, senão através de um processo judicial onde devem ser obedecidos todos os princípios e garantias constitucionais.
Assim, esse princípio garante que “a pretensão punitiva deve perfazer-se dentro de um procedimento regular, perante a autoridade competente, tendo por alicerce provas validamente colhidas, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa” (TÁVORA & ALENCAR, 2012, p. 69).
d) Princípio da verdade real: O juiz não se contenta com a verdade meramente produzida pelas partes, mas sim com a realidade dos fatos. Deste modo, no processo penal o juiz pode produzir a prova, mas age subsidiariamente as partes (art.156, CPP).
Esse princípio permite que o magistrado supere eventual desleixo das partes na colheita probatória, como forma de exarar um provimento jurisdicional mais associado possível do ideal da justiça (TÁVORA & ALENCAR, 2012).
É importante destacar que a Constituição da República (art. 5º, LVI) e o Código de Processo Penal (art. 157), estabeleceram limites a verdade real. O legislador proibiu as provas produzias por meio ilícitos, ainda que tratem de verdade real.
e) Princípio da iniciativa das partes ou do impulso: Também é conhecido como nemo judex sine actore, este princípio significa que o juiz não pode dar início ao processo sem a provocação da parte interessada, pois cabe às partes exercerem o direito de ação, na busca do provimento jurisdicional (TÁVORA & ALENCAR, 2012).
No caso de ação penal pública, cabe ao Ministério Público promover a denúncia (art. 24, CPP), e já na ação penal privada deve ser promovida pelo ofendido ou por quem tenha legitimidade para representa-lo, mediante queixa (art. 30, CPP).
f) Princípio da obrigatoriedade: de acordo com este princípio, presentes os indícios de autoria e materialidade do crime, os órgãos responsáveis pela persecução criminal são obrigados a atuar. Segundo Távora e Alencar (2012, p. 63) “a persecução criminal é de ordem pública, e não cabe juízo de conveniência ou oportunidade”. Assim, o delegado é obrigado a indiciar o acusado e o Ministério público fica obrigado a denunciar.
Entretanto, há exceções, como na ação penal privada e na transação penal (art. 76 da lei 9.099/95). Na ação penal privada vigora o princípio da oportunidade, pois cabe a parte ofendida ou seu representante legal, escolher em dar início ao processo ou não. E no caso da transação penal, o suposto autor da infração de submete a uma medida alternativa, em troca do não início do processo.
g) Princípio da indisponibilidade: este princípio decorre da obrigatoriedade, pois em se tratando de ação penal pública, “uma vez indiciado o inquérito policial ou o processo penal, os órgãos incumbidos da persecução criminal não podem deles dispor” (TÁVORA &ALENCAR, 2012, p. 63).
Todavia, a lei nº 9.099/05 trouxe exceção a esse princípio, permitindo a suspensão do processo.
h) Princípio da motivação das decisões: já este princípio é auto-explicativo. Deve o juiz fundamentar adequadamente as suas decisões, para que não venha causar insegurança jurídica ao caso concreto. Destaca-se que esse princípio decorre do art. 93, inc. IX, da CF/88, que diz que o juiz tem que decidir de forma motivada, sob pena de nulidade insanável (TÁVORA & ALENCAR, 2012).
i) Por fim, não menos importantes, os princípios da publicidade e duplo grau de jurisdição: o princípio da publicidade assegura que todos os atos processuais são públicos, contudo, trata-se de princípio relativo, mas a regra é a publicidade. A exceção está expressa no art. 5º, inc. LX, da CF/88 (intimidade ou interesse social). Já o princípio do duplo grau de jurisdição assegura ser direito de qualquer pessoa (MP ou acusado) a possibilidade de recorrer da decisão para que a sentença do juiz a quo seja reapreciada pelo tribunal (TÁVORA & ALENCAR, 2012).
2 Princípios constitucionais norteadores do tribunal do júri
Este item demonstrará a relevância dos princípios constitucionais, importante no estudo de toda matéria do direito, e, especificamente, no Tribunal do Júri, estes princípios servem de base para que tal instituto seja plenamente exercido.
Atualmente, podemos ponderar quatro princípios norteadores do júri popular, quais sejam: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida (NUCCI, 2008).
Precipuamente, cabe falar a respeito da plenitude de defesa, sendo relevante dizer que parte da doutrina busca fazer a diferenciação deste direito garantido pelo art. 5º, XXXVIII, “a” da Constituição Federal, da terminologia da ampla defesa, afirmando Francisco Dirceu Barros que a ampla defesa esta diretamente ligada à defesa técnica que deverá ser realizada por advogado inscrito na OAB ou por defensor público, enquanto a plenitude de defesa seria mais ampla abrangendo a defesa técnica, e a autodefesa que é a defesa vulgar onde tanto o réu quanto o seu advogado, fazem uso do psicológico, buscando enternecer os jurados, conduzindo-os para o lado sentimental (BARROS, 2009).
No conceito de plenitude de defesa, temos por certo, em princípio, que se encontram implícitos neste, os princípios da ampla defesa e do contraditório, também previstos constitucionalmente no art. 5 ° LV, devendo estar presente em todos os processos judiciais.
Neste ínterim, cabe salientar que a plenitude de defesa no Tribunal do Júri, possui um aspecto muito particular, uma vez que permite, ou melhor exige, a defesa por meio da oralidade não sendo necessário que se faça alegações somente de cunho jurídico, mas permitindo a defesa por todos os meios e alegações legais e emocionais permitidos, conforme dispõe o art. 476 e seguintes do CPP (NUCCI, 2008).
Desta forma, sendo que no Tribunal do Júri o julgamento do processo se da pelos jurados populares, a defesa do réu precisa ser perfeita, plena. Vale lembrar que no Tribunal Popular a decisão não é fundamentada, uma vez que os jurados apenas dão o seu voto, respondendo os quesitos formulados pelo juiz togado, condenando ou absolvendo o réu (NUCCI, 2008). Devendo assim, a defesa do réu está atenta as teses que deverão ser levantadas.
Englobando este assunto, é de se mencionar a explicação um tanto quanto didática do renomado doutrinador Fernando Capez, ao dizer que:
“A plenitude de defesa implica o exercício da defesa em um grau ainda maior do que a ampla defesa […] Compreende dois aspectos: primeiro, o pleno exercício da defesa técnica, por parte do profissional habilitado, o qual, não precisará restringir-se a uma atuação exclusivamente técnica, podendo servir-se de argumentação extrajurídica, invocando razões de ordem social, emocional, de política criminal, etc […]. Segundo, o exercício da autodefesa, por parte dos próprios réus, consistente no direito de apresentação de sua tese pessoal no momento do interrogatório […]” (CAPEZ, 2004, p. 595).
Ademais, podemos ver este princípio consagrado, também, no art. 497, V do CPP (BRASIL, 2015f), ao determinar que o juiz presidente do Plenário, deverá nomear defensor ao acusado quando considerá-lo indefeso, podendo, inclusive, dissolver o conselho de sentença determinando outro dia para julgamento, com a nomeação ou constituição de novo defensor, afim de que se garanta a defesa técnica do acusado, por meio patrono devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.
Portanto, a ausência da plenitude de defesa é vício insanável no Procedimento do Júri, não podendo o juiz ao seu arbítrio ultrapassá-lo, ainda que acredite que não trará prejuízo ao acusado, posto que se configure como direito fundamentalmente garantido.
Quanto ao segundo princípio analisado, o sigilo das votações, este garante que as votações serão secretas, ou seja, ninguém saberá qual a decisão de cada jurado, logo, cada voto será recolhido e lido “anonimamente”, no entanto, apesar de sigilosas as votações, em geral, a sessão do julgamento perante o Tribunal do Júri será pública, pois o art. 5°, LX da Constituição Federal prevê que em regra os atos processuais serão públicos, só podendo a lei criar restrições a sua publicidade se em prol da defesa da intimidade ou do interesse social.
Para que haja plena e segura proteção deste princípio, já previsto na Constituição Federal, o Código de Processo Penal estabelece preceitos a serem observados, quando no Capítulo II que trata do Procedimento do Tribunal do Júri, na Seção XIII descreve acerca do questionário e da votação no Plenário, determinando, por exemplo, a incomunicabilidade dos jurados, a votação em sala especial ou na falta desta somente a presença do Ministério Público, assistente de acusação, se houver, do querelante e seu defensor, do escrivão e do oficial de justiça, e votação com abertura da maioria dos votos (NUCCI, 2008).
Conceitua ainda, acerca da finalidade deste princípio, com excelência Porto assevera que o sigilo das votações:
“[…] visa assegurar aos jurados a livre formação de sua convicção e a livre manifestação de suas conclusões, afastando-se quaisquer circunstâncias que possam ser entendidas, pelos julgadores leigos, como fontes de constrangimento. Relevante é o interesse em resguardar a formação e a exteriorização da decisão” (PORTO, 1994, p. 315).
Isto porque, a opinião pública poderia macular a intima convicção dos jurados, que poderiam ser influenciáveis, quando da apreciação dos fatos e das provas, até mesmo pela falta de conhecimento técnico daqueles que formam o conselho de sentença, objetivando tal princípio os resguardar de qualquer tipo de opinião de terceiros e, também, de receios de possíveis consequências vindouras de suas decisões.
Em suma, o princípio do sigilo das votações tem como intuito assegurar uma votação imparcial, livre de mácula ou de qualquer interferência externa na formação da livre convicção dos jurados, onde cada qual ao decidir, deverá fazê-lo por sua própria consciência, sem interferência de terceiros no seu julgamento, motivo pelo qual devem se sentir seguros (TÁVORA & ALENCAR, 2012).
A soberania dos veredictos não impossibilita que se recorra da decisão proferida pelos jurados, mas, tão somente, assegura que sejam devolvidos os autos ao Tribunal do Júri, para que haja um novo julgamento, portanto, o caráter soberano não torna a decisão irrecorrível, pois não tem esta um caráter arbitrário, mas tão somente visa garantir um novo julgamento para que seja respeitado o julgamento por juízes leigos, característica esta própria do Tribunal do Júri (PORTO, 1994).
Contudo, caso existam duas escolhas alternativas da análise das provas dos autos e os jurados optem por condenar o acusado, não poderá o Tribunal, em sede recursal, modificar tal decisão, uma vez que os jurados ao analisarem o caso escolheram a vertente de acordo com sua livre convicção e não contrária as provas contidas nos autos, não podendo o Tribunal ad quem reformar a referida decisão sob pena de estar ferindo o princípio da soberania dos veredictos (TÁVORA & ALENCAR, 2012).
Ademais não existem motivos para garantir tal direito institucional ao acusado em detrimento do direito ao “recurso”, devendo-se observar, como dispõe o doutrinador Júlio Fabrini Mirabete (2006), que a soberania do júri não nega as partes o direito a recorribilidade, sendo assegurada a remessa dos autos, pelo juízo ad quem para que haja novo julgamento, até mesmo em consonância com o duplo grau de jurisdição.
Assim se posiciona o jurista Fernando Capez sobre o tema:
“A soberania dos veredictos não exclui a recorribilidade de suas decisões, limitando-se, contudo, a esfera recursal ao juízo rescindente (judicium rescindem), ou seja, à anulação da decisão pelo mérito e a consequente devolução para novo julgamento. Ainda, “do mesmo modo, em obediência ao princípio maior da verdade e em atenção ao princípio da plenitude de defesa, admite-se alteração do meritum causae, em virtude de revisão criminal” (2000, p. 154).
Por fim, o último princípio basilar ao Tribunal do Júri é o da competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, ou seja, o júri é competente para julgar os crimes de homicídio, induzimento ao suicídio, infanticídio bem como o aborto, tanto na forma tentada quanto na consumada, deste modo estes delitos serão julgados pelo Conselho de Sentença.
Contudo, existem situações em que ainda que os crimes sejam dolosos contra a vida não serão julgados pelo Tribunal do Júri, são as hipóteses em que o próprio constituinte excluiu da competência do júri tais julgamentos, em virtude de suas particularidades, é o que ocorre por exemplo, nos casos do genocídio e do latrocínio e ainda nos casos em que haja prerrogativa de função, desde que esta prerrogativa, também, tenha sido estabelecida pela Constituição Federal.
Neste último caso, o STF já decidiu que, estando envolvidos dois cidadãos no mesmo crime em que um tem foro privilegiado e outro foro comum o processo deverá ser bipartido (HC 69325 – STF: RTJ 143/925).
Ressalta-se que, o que não pode, de forma alguma, ocorrer, é o desaparecimento do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sejam tentados ou consumados, do Tribunal do Povo, vez que isso afronta o texto constitucional, em seu art. 5º, XXXVIII, letra d. Trata-se de um direito e garantia fundamental do cidadão, não podendo ser tal competência afastada do Tribunal do Júri. Portanto, quer se trate de delito de competência da Justiça Federal ou Estadual, o julgamento compete ao Tribunal Popular (LIMA, 2006).
Estas sucintas exposições demonstram a necessidade de observância a cada princípio constitucional garantidor do pleno exercício do julgamento pelo Tribunal do Júri, para que sejam respeitadas as especificidades deste procedimento tão complexo e destoante dos demais procedimentos processuais penais.
Conclusão
Em síntese, evidenciou-se com este trabalho a importância da observância dos princípios do Tribunal do Júri em consonância com os demais princípios constitucionais, para a legalidade dos julgamentos de crimes dolosos contra a vida.
Concluiu-se que são quatro os princípios norteadores do júri popular, quais sejam: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. E que é necessário a observância desses princípios para que sejam respeitadas as especificidades do procedimento do júri que é tão complexo e destoante dos demais procedimentos processuais penais, para que tal instituto seja plenamente exercido.
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