Procuração ad judicia com poderes especiais – Questões práticas

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Ao iniciar o exercício da profissão de advogado, dá-se o primeiro passo, com a elaboração da procuração, instrumento do mandato, a ser conferido pela  parte que será representada em juízo.

Repetir mecanicamente formulários até seculares deste instrumento, sem refletir sobre seu conteúdo, pode não ser uma boa idéia, pelo inconveniente de não se avaliar possíveis riscos, por exemplo, o de praticar atos no processo que excedam os poderes neles conferidos.

Pela dicção do artigo 38 do Código de Processo Civil, a  procuração que designa poderes gerais para o foro, habilita o advogado à prática de todos os atos do processo, exceto dos que correspondem aos  denominados poderes especiais: receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso.

A inserção na procuração dos poderes especiais, por um lado significa praticidade, de outro, responsabilidade que o advogado  assume ao exercê-los em nome do constituinte.

A prática revela que este expediente, só se justifica caso haja estreita confiança e entendimento mútuo entre o advogado e a parte que representa, pois um ato do rol dos poderes  especiais que o profissional formalize, embora vantajoso aos seus olhos, pode não estar ao gosto de seu cliente.

A doutrina disseca sobre a natureza jurídica dos poderes especiais, principiando por regra de exclusão: não são atos do processo, nem judiciais – são atos de disposição, afetos ao direito material:

“Os poderes especiais, especificados na lei, não são atos do processo, nem sequer atos judiciais – § 3º, do art. 70,  da Lei nº. 4.215/63 – exceto o de receber citação. São atos de disposição, todos eles de direito material, que podem, em certas circunstâncias, ser praticados no processo.”[I]

Daí se vislumbra também, que estes poderes, são regidos pelas regras do Código Civil, depois de exauridas as disposições do Código de Processo Civil, como dispõe o artigo 692 da lei substantiva:

“Art. 692. O mandato judicial fica subordinado às normas que lhe dizem respeito, constantes da legislação processual, e, supletivamente às estabelecidas neste Código.”

Das reminiscências do Código de Processo Civil anterior, de 1939, se extraí a essência da responsabilidade atinente aos poderes, que não sofreu maiores modificações nesta parte ao longo dos últimos 65 anos, como mostra Affonso Fraga, em português contemporâneo, ao tecer sobre o mandato:

“(..) não se trata de saber si tal profissão constitue ou não um munus publicum ou privatum; mas de determinar a natureza do objeto do contracto que o advogado celebra com o seu cliente; e, assim sendo, a solução legitima da questão, quer se tenha em vista o direito romano, quer o pátrio que tem n’aquelle a sua fonte, é que tal objecto se constitue de relações jurídicas entre mandante e mandatário. Trata-se sem nenhuma duvida de obrigações e direitos pertencentes exclusivamente á esphéra do mandato.”

Mais adiante, perora o autor sobre a necessidade da suficiência de poderes no  mandato judicial:

“Ordinariamente as partes litigantes constituem, por seus procuradores judiciaes, os advogados ou solicitadores do fôro, mediante mandato escripto lavrado por instrumento publico ou particular, que deve sempre conter poderes sufficientes, pois, como é corrente em direito, o contituido para o foro em geral não confere poderes para actos que requerem especiaes, como para os de desistir, transigir, em summa, para todos que importem em disposição.”

E finaliza, mostrando a abrangência do mandato:

“Em relação à matéria, porém, predomina antes de tudo, no que concerne ás relações jurídicas do procurador judicial para  com o constituinte, e deste para com elle, o que se achar estabelecido no contracto do mandato.  Este constitue a lei das partes.[II]

A doutrina italiana atual, lança luz sobre o tema, quanto à relação do advogado com seu constituinte, e a prática dos atos junto a terceiros:

“Os atos levados a cabo pelo defensor ativo e as razões expostas pelo defensor-consultor no lugar da parte têm efeito como se proviessem da própria parte, e esta não poderia de modo algum fazer valer uma transgressão das instruções que ele tenha dado, senão aos fins da responsabilidade dele.”[III]

Identicamente, o artigo 679 do novo Código Civil, buscado em subsídio, dá noção exata do alcance dos atos praticados pelo causídico, em nome do constituinte, frente a terceiros, ao dispor  que  “ficará o mandante obrigado para com aqueles com quem o seu procurador contratou;”

Esta vinculação com terceiros, decorrente da prática de atos de disposição pelo causídico é válida, se este estiver munido de poderes especiais, ainda que contrarie a vontade do constituinte, por se revestir o ato das formalidades previstas em lei.

Eventual descompasso quanto ao cumprimento das instruções dadas pelo  constituinte,  se resolve nos lindes do contrato de mandato entre o causídico e o representado, como orienta a jurisprudência paulista, colacionada por Rui Stoco:

“5.03 –  Acordo sem o consentimento do cliente

Advogado.  Transação.  Renúncia de parte substancial do crédito do cliente sem o seu consentimento.  Responsabilidade pelo dano.  Indenização que deve corresponder à diferença entre o montante recebido e o que teria direito o autor. – “A desobediência às instruções do constituinte, seja variando as que foram traçadas, seja excedendo os poderes ou utilizando os concedidos em sentido prejudicial ao cliente é fonte de responsabilidade do advogado.” (TJSP – 14ª C. – Ap. Rel. Ruiter Oliva – j. 13.06.1995 – JTJ-Lex 172/9).”[IV]

Por esta e outras, excetuados os casos especiais em que a ausência de poderes especiais mais se presta a servir de entrave burocrático, pode-se concluir que nem sempre é vantajoso estofar a procuração com uma série de poderes especiais; ao passo que há maior segurança e transparência  para todos, quando a parte representada, prestigia os atos de disposição no processo com seu autógrafo.

Notas
[I]  NEVES, Iêdo Batista. O Processo Civil na Prática do Advogado e dos Tribunais – Editora:  Edições Fase. 6ª edição –  1992.   Pág. 176.
[II] FRAGA,   Affonso. Instituições do Processo Civil do Brasil – Editora:  Saraiva & CIA.  São  Paulo.   Tomo II –  1940.   Págs. 122, 134 e 135.
[III] CARNELUTTI,  Francesco. Instituições do processo civil – Editora:  Classic Book,  –  2000.  Título original:  Instituciones Del proceso civile.  Tradução:  Adrián Sotero De Witt Batista.  Pág. 239.
[IV] STOCO,  Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – Editora: RT. 6ª edição –  2004.  item 5.03 –  Pág. 490.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Ricardo Calil Fonseca

 

Advogado em Itaberaí, Goiás, atuante desde 1992, nas áreas: cível e trabalhista, inscrito na OAB/GO sob nº. 12.120. Pós-graduado em direito do trabalho, pelo convênio Universidade Católica de Goiás/PUC-SP

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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