Resumo: O presente estudo adverte para a necessária atenção que se impõe conferir às especificidades que envolvem as várias modalidades de provas penais consagradas no rol exemplificativo estatuído pelo legislador processual penal, sua natureza e finalidade, com escopo de promover a necessária efetividade dos seus resultados a todo evolver probatório.
Palavras-chave: Lei das interceptações telefônicas. Prova pericial. Prova documental.
Abstract: The present study warns on the necessary attention required in giving the specificities that involve the several types of admitted penal evidence enlisted and consecrated by the legislators in criminal procedure, its nature and purpose, with the scope in promoting the necessary effectiveness of the results and in all the elements of proof.
Keywords: Law of telephone interceptation. Forensic evidence. Documental evidence.
Sumário: Introdução. 1. Especificidades da prova colhida na interceptação telefônica. 2. Interceptação telefônica e a prova pericial. 3. Prova pericial e prova documental. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A peculiaridade que envolve algumas situações no campo da pesquisa científica de natureza jurídica autoriza, o estudioso do Direito, a conjugar aspectos teóricos e fundamentos doutrinários com a práxis, notadamente aquela que decorre da aplicação de instrumentos legais que compõem todo o arcabouço jurídico nacional, tudo em prol da melhor didática que se pretenda imprimir e da melhor compreensão que se possa extrair do que agora se passa a expor.
Inicia-se, pois, observando que para melhor elucidação dos pontos que serão objeto do presente estudo, desde logo se adota o tema tratado na Lei n. 9.296 de 24 de julho de 1996, alcunhada de Lei das Interceptações Telefônicas, que permitirá, de forma singular, trazer à evidência o ponto central que norteia a problemática posta em debate.
1. ESPECIFICIDADES DA PROVA COLHIDA NA INTERCEPÇÃO TELEFÔNICA
A presente discussão envolve a atividade da transcrição fonográfica tratada no artigo 6º, §1º Lei n. 9.296/96[i] que, em face da natureza que se reveste, não permite, como se verá, seja inserida no âmbito da prova pericial.
A prescindibilidade de manifestação técnico-científica na atividade da transcrição fonográfica poderá, preliminarmente, fundamentar-se, com se verá adiante, sobre três linhas de raciocínio.
Primeiramente, é cediço que qualquer indivíduo, que detenha o domínio da escrita e que seja dotado de uma razoável capacidade auditiva, se apresenta plenamente capaz de realizar a tarefa de transcrição.
É razoável também afirmar que um suporte digital ou disco digital (compact-disk) é, em verdade, uma forma variada de mídia[ii], posto que apto a registrar o conteúdo de um pensamento ou a manifestação de uma vontade e que, destarte, nada difere, na essência, do papel, assim entendido como um meio idôneo a servir de base e vetor de uma manifestação humana. Nesse sentido, da mesma forma que se permite classificar o disco digital como espécie de mídia, lógico, portanto, enquadrar o papel nessa mesma classificação.
Por fim, mister atentar para o nefasto resultado produzido pela transcrição fonográfica e para o significativo prejuízo que essa atividade representa para toda a instrução probatória e, portanto, para a persecução penal, na medida em que deteriora a qualidade da prova colhida, haja vista a impossibilidade de se ver representado, em um papel, a força e veemência de uma conversa.
Dessume-se, portanto, com esteio no raciocínio apresentado, que a transcrição fonográfica representa apenas e tão somente a atividade mediante a qual o conteúdo de um diálogo captado é transferido de uma mídia para outra, ou seja, os dados contidos em um disco digital ou equivalente serão, mediante a transcrição, simplesmente transferidos para um papel.
Demais disso, não se pode olvidar que a materialidade do delito que se pretende apurar, e que servirá de fundamento à justa causa de eventual ação penal, restará demonstrada pela apreciação do conteúdo do diálogo que se travou, fato esse que independe do meio, ou mídia, que, para tanto, se utilizou.
No entanto, são considerações periféricas, que aparentemente abarcam toda a problemática na qual se inserem, mas que em verdade passam ao largo da questão central.
2. LEI DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E A PROVA PERICIAL
Há um ponto, de capital importância, relativo à problemática que envolve a prova penal resultante da atividade de transcrição fonográfica, que não se fez presente nas proposições expendidas.
Sob esse prisma, portanto, é que se pretende trazer ao presente estudo as razões que dão sustentação a essa constatação, observando que toda essa análise se desenvolverá à luz dos elementos que permitem reconhecer as situações de prescindibilidade e imprescindibilidade da prova pericial penal.
Para tanto, importa fixar os contornos da perícia, adequada para aquelas situações em que se entenda necessária à elucidação da matéria fático-probatória.
Nesse sentido, fundamental o alerta que faz Nicola Framarino dei Malatesta:
“O juiz não há de recorrer à perícia todas as vezes que seja incapaz de julgar uma dada coisa, mas sempre que se trate de coisa não incidente na percepção comum. […]
É preciso, por isso recorrer à perícia, sempre que qualquer outro homem racional, nas condições de cultura, seja incapaz de julgar” (MALATESTA, 2005, p. 526).
Nesse passo, importa, pois, contextualizar o tema relativo à transcrição fonográfica à presente problemática.
Para tanto, merece especial atenção a leitura de alguns artigos do diploma legal em comento.
“Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;[…]
Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova […]”
Deflui da leitura da parte final do inciso II, do artigo 2º […] “outros meios disponíveis” […] e, bem assim da parte final do artigo 5º […] “a indispensabilidade do meio de prova”[…] que a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, se presta, não há dúvida, como meio de prova.
Noutra vertente, sabe-se que o legislador processual penal, cônscio de que a verdade é um fim a ser atingido pela prova, fez prever meios probatórios que permitissem alcançá-la. Dentre outros meios, se insere a perícia ou o exame pericial.
De igual modo, importante sublinhar que, em face do avanço tecnológico que o transcorrer do tempo permite alcançar, outros meios de prova poderão se unir àqueles já previstos em nosso diploma processual penal, tal como se operou com a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, regulada pela Lei n. 9.296/96.
Assentado o seu caráter induvidoso de meio de prova, vem à baila a leitura do artigo 6º Caput e § 1º do diploma legal em estudo:
“Art. 6° Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.
§ 1° No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição”.
Extrai-se da parte final do § 1º do artigo anteriormente reproduzido a necessidade de realização de transcrição fonográfica, reduzindo a escrito, o conteúdo da gravação da comunicação interceptada. Ressalve-se, contudo, a ausência de expressa previsão legal acerca do agente público a quem competirá a tarefa de proceder à transcrição.
3. PROVA PERICIAL E PROVA DOCUMENTAL
Nessa esteira, releva reconhecer que o próprio diploma processual penal, dentro do procedimento comum ordinário, de forma recorrente, revela sua preferência pela forma escrita, conforme se extrai da leitura dos seus artigos 9º, 27, 97[iii] e tantos outros que os sucedem no texto do Estatuto Processual Penal brasileiro de 1941.
Em que pesem as várias formas que hodiernamente se oferecem para o registro de comunicação entre pessoas, não se pode olvidar que os conceitos que vigiam à época em que nossa lei processual penal foi elaborada e o grau de tecnologia colocada à disposição daquela sociedade não permitiam a adoção de forma diferente à da escrita.
No entanto, acompanhando o dinamismo das novas relações sociais que o caminhar do tempo acaba por introduzir, deve o hermeneuta atentar para dissonâncias que se estabelecem entre o espírito da lei e aquilo que a lei literalmente revela.
Ao determinar a realização de transcrição da gravação da comunicação interceptada, vê-se que o legislador contemporâneo, sem atentar para outras possibilidades, preferiu conservar a forma adotada na lei processual penal de 1941, não obstante a forma escrita inegavelmente se mostre incapaz de reproduzir, com fidelidade, o conteúdo da gravação de conversações.
Importa sublinhar que, de um modo, ou de outro, ou seja, na forma gravada ou escrita mediante transcrição fonográfica, é estreme de dúvida que o resultado obtido da interceptação telefônica já é a prova colhida propriamente dita, prescindindo, portanto, de qualquer outro meio de prova para ratificar o conteúdo daquilo que já restou provado.
Claro, portanto, que a transcrição opera tão somente o exaurimento das vias procedimentais previstas na Lei das Interceptações Telefônicas em tela, mediante ato formal de redução a escrito dos diálogos captados, dando origem ao que se permite denominar termo[iv] de interceptação telefônica, a exemplo do Termo de Interrogatório ou do Termo de Depoimento de Testemunha, lavrados dentro da instrução processual.
Os dados colhidos e reduzidos a escrito representam, portanto, a reprodução documental do conteúdo do diálogo travado por interlocutores de uma conversa telefônica interceptada.
De se observar que uma vez captada a conversação travada entre os interlocutores por meio da interceptação telefônica, este meio probatório já coloca o interessado, desde o início, diante da prova que se pretendeu produzir.
Repise-se que a perpetuação do conteúdo dos diálogos captados pela interceptação telefônica, independe da forma, escrita mediante transcrição ou originalmente gravada, corroborando o entendimento de que se trata, de fato, de mera reprodução documental.
O conteúdo desses diálogos, que se consubstancia em declarações humanas ou expressões do pensamento, perenemente fixado na forma gravada ou escrita, assume características que permitem identificá-lo como documento.
Francesco Carnelutti referindo-se a documento, leciona que:
“Objeto da representação documental pode ser qualquer fato. E como queira que não existem limites nem podem estabelecer-se categorias de fatos a provar, é inútil tentar uma enumeração dos fatos do documento.
A única distinção a estabelecer se baseia no critério de se o fato documentado é ou não uma declaração do homem. A categoria dos fatos representados consistentes em declarações do homem é, sem dúvida, mínima em comparação com o conjunto de fatos documentáveis: porém constitui o núcleo mais importante destes se tem em consideração a frequência da sua documentação. Tão frequente resulta, que se justifica a utilização antonomástica da palavra documento para indicar a representação objetiva das declarações humanas do mesmo (documento em sentido estrito), assim como se explica que a noção jurídica do documento se formou quase exclusivamente neste campo”. (CARNELUTTI, 2005, p. 213).
Ao conceituar documento, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda assim se manifestou:
“O documento, como meio de prova, é toda coisa em que se expressa por meio de sinais, o pensamento. Esse é o sentido restrito e técnico, que supõe o conteúdo intelectual como elemento definidor de documento.[…] Sem exame, não podem os documentos ter efeitos probatórios. Mas essa inspeção sensorial é apenas porta aberta à compreensão do conteúdo intelectual, que é nenhuma na inspeção sensorial da coisa. Se está em causa a materialidade do documento, como se ele é falso ou falsificado, aquela inspeção não basta; mas o que então se prova não se prova por meio de “prova documental”, e sim por meio de inspeção ocular ou outra ou por meio de perícia. É a coisa e não o documento, que se examina; examina-se o documento sem se ir até o seu conteúdo intelectual, ou se analisa materialmente esse conteúdo”. (MIRANDA, 2001, t. IV, p. 357).
Das lições doutrinárias é possível extrair conceitos que permitem, de forma particular, aclarar questões que normalmente suscitam dúvidas.
Isto autoriza a entender que um disco digital, onde se registra o diálogo captado por meio de interceptação telefônica, guarda perfeita equivalência com documento produzido em papel, onde se reduz a escrito, no denominado "termo de interceptação”, aludido diálogo.
Importante reavivar que o conteúdo extraído de uma conversação telefônica interceptada é também passível de captação em tempo real. Na medida em que permite que a conversação venha a ser ouvida no mesmo instante em que os diálogos se desenvolvem, revela, e mesmo confirma, que se está de fato, e previamente, diante da prova pretendida pela lei.
Vê-se, portanto, que o conteúdo do que se colhe por meio da interceptação telefônica é, ab initio, a própria prova do que se busca demonstrar e que, juntamente às demais que compõem todo material probatório, deverá influenciar o espírito do julgador.
Dessume-se que a prova obtida por meio da interceptação telefônica e que se traduz no teor dos diálogos captados, os quais se consubstanciam em declarações humanas ou expressões do pensamento, adquire natureza documental a partir do momento em que adere a um suporte material, que poderá ser magnético, digital ou uma folha de papel.
Assim, não recaindo sobre questões cuja compreensão se faça depender de manifestação técnico-científica, afasta-se a possibilidade de identificá-la como prova pericial.
Aplicável, portanto, a regra lógica da exclusão, haja vista que ao se permitir reconhecê-la como prova documental, resta excluída a hipótese de considerá-la pericial, mesmo quando atue na elaboração da transcrição dos diálogos um perito criminal.
Isto porque o objeto da prova não se situa na coisa, mas no conteúdo, in casu, o diálogo colhido por interceptação telefônica.
Ao revés, passível a coisa de perícia ou exame pericial, se sobre ela recaísse a dúvida, permitindo com isso atestar-se sua idoneidade ou inidoneidade material e, portanto, sua autenticidade ou falsidade[v].
Ressalve-se, por oportuno que, não obstante a previsão legal, fruto do formalismo que norteia o Diploma Processual Penal e a legislação a ele correlata, não será a transcrição a forma condicionante para que se possa fazer prova dos fatos que se pretende demonstrar, posto que o diálogo captado por meio de interceptação telefônica e registrado em disco digital (ou mesmo nas antigas fitas magnéticas) faz, igualmente prova plena[vi] desses mesmos fatos.
Em face da ausência de dispositivo expresso acerca do tema em nossa Lei Processual Penal, lícito a aplicação analógica[vii] do artigo 383 do Código de Processo Civil e seu parágrafo único, adiante reproduzidos, in litteris:
“Art. 383. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade.
Parágrafo único. Impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial.”
Extrai-se do parágrafo único do dispositivo anteriormente transcrito que o cabimento de um exame pericial cinge-se, portanto, às hipóteses em que haja dúvida de natureza material.
O que se pretende pelo raciocínio que ora se desenvolve, invocando conceitos acerca do significado de prova documental, é, sobretudo, aviventar a linha que permite demarcar a fronteira da prova pericial penal com as demais provas e que, de igual modo, possibilita evidenciar sua distinção.
A perícia, ou o exame pericial, se presta como adequado e necessário instrumento para elucidação de fatos, cujo saber comum se mostra incapaz de esclarecer. E toda prova pericial penal deverá resultar da aplicação, em matéria criminal, de conhecimentos que escapam do discernimento mediano.
Assim, sobejam razões para que o malsinado § 1º do artigo 6º do mesmo diploma legal em exame, que determina a transcrição da gravação da comunicação interceptada, não escape de críticas.
Trata-se de um vezo anacrônico que não se compatibiliza com os ideais de justiça que devem permear toda a atividade probatória, antes revela um desajuste com o tempo em que se insere.
Acerca da conformação de institutos do direito à sua realidade, com clareza peculiar preleciona Luis Recaséns Siches:
“O ordenamento adequado para a vida de ontem não serve para as necessidades de hoje. O ordenamento jurídico congruente para os problemas atuais provavelmente será incapaz de satisfazer as demandas da civilização de amanhã. Se as realidades sociais mudam, o Direito não pode permanecer invariável. Também quando as formulações verbais da lei permanecem as mesmas, porque a lei não foi modificada, o sentido e o alcance de tais formulações variam inevitavelmente ao transformarem-se as realidades sociais. Essas mesmas fórmulas, quando se aplicam à conduta e aos problemas de hoje, significam algo diferente do que significavam ao serem aplicadas à conduta de ontem”[viii].
Nesse diapasão, importa assinalar que, malgrado o descurado rigor na elaboração da lei em referência, parte representativa dos aplicadores do direito têm preferido a atuação de peritos criminais na realização das transcrições de gravações interceptadas.
Essa realidade obriga a rememorar, de pronto, os básicos conceitos de prova pericial, que fundamentam a própria existência dessa modalidade de prova penal.
Nunca é por demais lembrar que o âmbito da prova pericial, e que justifica sua produção, avança para além dos limites que circundam o saber comum.
Sendo modalidade de prova que decorre da aplicação de conhecimento técnico-científico e especializado, não pode, tampouco deve, sub-rogar outra espécie de prova, máxime quando essa já se deu por perfeita e acabada.
Nesse passo, cabe alertar para o fato de que a natureza da prova formalmente produzida não se transmuda em razão do agente que a produziu, tampouco do instrumento que registra sua produção; isso equivale a dizer que a transcrição de uma gravação, mesmo que realizada por perito criminal e conquanto se apresente intitulada laudo pericial, não perde a natureza de prova documental.
Como bem observam Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes, Antônio Magalhães Gomes Filho:
“O resultado da interceptação deve revestir-se de forma documental. Normalmente, vem ela acompanhada de gravação da conversa telefônica, com a finalidade de se dispor de uma reprodução sonora, que permita a escuta. Tal gravação, de per si, já constitui documento, […]
Também constitui documento a degravação (transcrição) da conversa, para reduzí-la à forma escrita.” (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 1999, p. 174.)
Ao se referir à utilização do vocábulo documento em nosso Diploma Processual Penal, Eduardo Espínola Filho adverte que:
“Pouco importa a forma por que se objetive a manifestação da vontade ou do pensamento; pode tratar-se de uma declaração manuscrita, datilografada, impressa, desenhada, esculpida, gravada, por meio de letras, de cifras, de figuras, de notas musicais, de hieróglifos, de sinais telegráficos, estenográficos etc. Em suma, não é possível estabelecer limitações, devendo aceitar-se qualquer elemento material apto a receber e conservar uma declaração de vontade ou de pensamento expresso por qualquer modo capaz de ser compreendido, traduzido ou interpretado”. (ESPÍNOLA FILHO, 2000, v. 3, p. 207-208).
Quanto ao valor que se poderá atribuir à transcrição fonográfica, mister referir que o artigo 157 do Código de Processo Penal declara que o juiz formará a sua convicção pela livre apreciação da prova.
Como visto, o Código de Processo Penal, ao adotar o principio da persuasão racional, outorgou ao julgador plena liberdade na apreciação das provas para a formação do seu convencimento, sem, por conseguinte, sujeitá-lo a critérios apriorísticos quanto à valoração da prova colhida.
Afasta-se, com isso, o estabelecimento de hierarquia no rol dos meios probatórios, sendo todas as provas analisadas no conjunto, não se sobrepondo uma à outra, não havendo, portanto prefixação ou tarifação do valor de cada prova penal[ix].
Contudo, não é o que nos revela, por vezes, a práxis jurídico-probatória, nas hipóteses em que há determinação judicial para que se renove a produção de uma prova, quando por outro meio legal, já se permitiu, de forma inequívoca, provar o alegado ou o que fora objeto da investigação. Isto, em última análise, significaria o resgate do Sistema da Prova Legal ou Tarifada.[x]
Demais disso, muito embora não haja expressa indicação na lei em comento do agente público a quem competirá a tarefa de proceder à transcrição fonográfica, atividade que não se subtrai à crítica, é recorrente, reitere-se, a opção por peritos criminais para o desempenho desse mister.
Não se pode deslembrar que por ocasião da análise de todo arcabouço probatório, incumbe ao julgador a tarefa de harmonizar a prova pericial (não obstante o conteúdo eminentemente científico que a caracteriza e que por vezes lhe confere importância de relevo) com provas resultantes das demais modalidades de meios de prova previstos na legislação processual.
É certo, porém, que, nas hipóteses em que o convencimento judicial dependa de conhecimentos técnico-científicos especializados e que, portanto, refogem do saber comum, caberá a determinação de exame pericial, o que não significa atribuir a esse meio de prova grau de importância superior às demais provas.
Portanto, não se reconhecendo a superioridade da prova pericial frente às demais provas na busca da verdade no processo penal, antes sua especificidade, não se revelaria razoável, tampouco lógico, estar-se de posse de prova já produzida, como ocorre com a colheita de conversação oriunda de interceptação, e renovar a determinação de sua produção por outro agente especializado, in casu o perito.
De fato, malgrado o produto continue a resultar prova documental, em face da absoluta ausência de manifestação técnico-científica na atividade de transcrição fonográfica, também denominada degravação, em última instância, tal conduta judicial equivaleria, de fato, a uma tentativa de retorno à concepção de provas tarifadas, incompatível com o postulado adotado pela Lei Processual Penal. Nesse sentido colhe-se da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal a seguinte observação:
“O projeto abandonou radicalmente o sistema da "certeza legal". Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá ex vis legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra”. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência. Nunca é demais advertir, porém, que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre de preconceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo”.[xi]
Em suma, essencial para a própria higidez de toda a persecução penal, atentar-se para os propósitos do exame pericial e suas especificidades, porquanto cabível nas hipóteses em que a elucidação do fato probando fique a depender de conhecimentos especializados, de cunho técnico e científico, que faltam ao julgador, fundamento, ademais que inspirou o legislador processual de 1941, conforme artigo 158 do Código de Processo Penal, a obrigar a sua realização nas infrações penais que viessem a deixar vestígio.[xii]
CONCLUSÃO
A determinação da realização de exame pericial sem a devida atenção para as características que dão identidade a esse meio de prova conjugada à pouca importância atribuída a conceitos que envolvem o universo probatório penal conduzem a equívocos na produção de prova prevista na legislação que regulamenta a interceptação telefônica, como restou demonstrado no confronto entre a prova pericial e a prova documental. Esse aparente preciosismo traz à evidência os danos que aludida desatenção poderá significar para todo o evolver processual, que não poupam o acusado, tampouco o acusador, alcançando o próprio interesse público.
No âmbito das provas penais, tendo em mira a busca da verdade possível, a faculdade conferida ao juiz penal para determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, consoante artigo 156 do Código de Processo Penal Brasileiro, deverá se pautar nos limites fixados pela lei e, sobretudo, nos princípios que norteiam a liberdade probatória.
A necessária atenção judicial para a natureza e especificidades que envolvem as várias espécies de provas penais afasta o risco de indesejáveis equívocos na determinação de produção de prova, evitando-se, por exemplo, o que se opera na hipótese em que se designam peritos criminais para a realização de transcrição de gravação de diálogos interceptados; reconhecido e manifesto desacerto não apenas decorrente da absoluta prescindibilidade de manifestação técnico-científica para o esclarecimento da questão de fato, mas, e sobretudo em face da natureza eminentemente documental do produto resultante da transcrição.
Mestre em Direito Processual Penal pela PUC/SP Especialista em Gestão de Políticas de Segurança Pública pela ANP/DF Perito Criminal Federal
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