Resumo: Este estudo científico compreende uma investigação acerca da viabilidade de se classificar a concessão de incentivos fiscais e financeiro-fiscais pelos estados federados a empresas, em cenário da chamada guerra fiscal, como uma infração à ordem econômica, bem como da possibilidade desses estados federados serem processados por tal conduta perante o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Para o alcance desse objetivo foi desenvolvida pesquisa bibliográfica doutrinária, legislativa e jurisprudencial. Diante das pesquisas realizadas, conclui-se que, relativamente à classificação das condutas de concessão de incentivos fiscais e financeiro-fiscais, é perfeitamente aplicável o conceito de infração à ordem econômica. Quanto à submissão do estado federado a processo perante o CADE, é impraticável, uma vez que os estados federados dispõem de autônima constitucional, não tendo o CADE, entidade autárquica, poder sancionador contra eles, podendo, e devendo, nesses casos, atuar apenas como orientador nas questões que envolvam infrações à ordem econômica.[1]
Palavras-chave: Guerra fiscal. Incentivos. CADE. Estado federado. Infração à ordem econômica.
Abstract: This scientific research comprises an investigation about the possibility of classifying tax and financial incentives arising from brazilian´s states to companies – in a scenario known as war tax – as a violation of economic order, as well as the CADE’s (Administrative Council of Economic Defense) possibility of processing these states. In order to achieve these objectives, a bibliographic, legislative and jurisprudential research was done. Relating to the classification of tax and financial incentives, it was concluded that the concept of violation of economic order is perfectly applicable. Regarding the possibility of processing brazilian´s states before the CADE, it was concluded that it´s impracticable, since the states of Brazil have constitutional autonomy and CADE, as an autarchy, does not have sanctioning power against them. In matters involving violations of economic order, it should act just as an adviser.
Keywords: War tax. Incentives. CADE. state of Brazil. Violation of economic order.
Sumário: 1 Introdução. 2 Ordem Econômica e a guerra fiscal travada entre os estados da federação. 3 Incentivos fiscais e financeiro-fiscais como infração à ordem econômica. 4 Competência para a defesa da concorrência em face de políticas tributárias de incentivos fiscais ou financeiro-fiscais. 5 Considerações finais. Referências bibliográficas.
1 Introdução
A concessão de incentivos fiscais e financeiro-fiscais por determinados estados federados a determinadas empresas para que se instalem em seus territórios, em detrimento da escolha por outros estados, tem-se tornado uma constante, sendo realizada, entretanto, sem a devida formalização que a lei exige, dando espaço ao cenário conhecido por guerra fiscal. A delimitação do campo de estudo deste artigo, reside, portanto, na problemática de se classificar tais concessões como infrações à ordem econômica, bem como a da possibilidade de se levar a processo perante o CADE o estado federado como sujeito ativo da conduta infratora.
Diante disso, este artigo apresenta como objetivo primordial analisar a estrutura normativa, constitucional e infraconstitucional, bem como as posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca da classificação e processamento das práticas de concessão de incentivos fiscais por parte dos estados federados. Desse objetivo geral, desenvolveu-se o trabalho em três itens distintos: o primeiro deles tratando da ordem econômica e fornecendo um panorama geral da guerra fiscal travada entre os estados federados; um segundo, debatendo a questão da classificação dos incentivos fiscais e financeiro-fiscais como infrações à ordem econômica; e, por fim, uma discussão a respeito da competência para defesa da concorrência em matéria de guerra fiscal.
O estudo foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica, com abordagem doutrinária, legislativa, jurisprudencial e coletânea de artigos científicos, no intuito de se atingir os objetivos propostos.
2 Ordem Econômica e a guerra fiscal travada entre os estados da federação
Fácil perceber que uma nação não progride ou mesmo sobrevive sem o constante desenvolvimento e aperfeiçoamento de seu setor e agentes econômicos, cujos princípios norteadores encontram-se dispostos na Constituição Federal.
Imperativo constitucional vigente, pois, a necessidade de observação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência no âmbito da atividade econômica, conforme se extrai dos artigos 10, inciso IV e 170, caput e inciso IV, princípios estes estruturantes da ordem econômica constitucional.
Isso porque toda atividade se realiza em prol de um fim, e: “A atividade econômica devidamente organizada gera o desenvolvimento, pois cumpre a sua finalidade de satisfação de necessidades. Em outras palavras, a atividade econômica eficiente tem por finalidade desencadear o desenvolvimento. Dessa maneira o desenvolvimento representa sucesso na organização da produção e na satisfação das necessidades” (MASSO, 2007, p. 103).
Nesse contexto, a livre iniciativa pode ser entendida como: “[…] uma manifestação, no campo econômico, da doutrina favorável à liberdade: o liberalismo. Este tem por objeto o pleno desfrute da igualdade e das liberdades individuais frente ao Estado. Assim sendo, a livre iniciativa consagra a liberdade de lançar-se à atividade econômica sem se deparar com restrições impostas pelo Estado” (BASTOS, 2002, p. 451).
De outro lado: “[…] infere-se da livre concorrência, enquanto princípio constitucional expresso, a contemplação, dentre suas finalidades, concomitantemente com a tutela do mercado, a tutela do consumidor, considerando este como ente principal das relações de consumo travadas no cenário de desenvolvimento econômico do país” (TAVARES, 2003, p. 257, grifo nosso).
Em síntese, a livre iniciativa abre o caminho dos empreendedores ao mercado, para que produzam mercadorias e ofereçam serviços, o que, por conseguinte, culmina na natural competição – ou concorrência – pelos potenciais clientes de seus produtos ou serviços. E assim: “A concorrência formada gera a necessidade do desenvolvimento de estratégias competitivas, uma vez que a presença de vários ofertantes desencadeará, em regra, necessidade de os agentes econômicos serem mais eficientes […]” (MASSO, 2007, p. 112).
E a livre concorrência, pois, é um dos fundamentos elementares de quaisquer de todos os sistemas capitalistas, porque: “Sendo livre a concorrência, as leis do mercado determinarão as circunstâncias em que haverá ou não o êxito do empreendedor (livre iniciativa). A livre concorrência não tolera o monopólio ou qualquer outra forma de distorção do mercado livre, com o afastamento artificial da competição entre os empreendedores. Pressupõe, pelo contrário, inúmeros competidores, em situação de igualdade” (TAVARES, 2003, p. 254, grifo nosso).
Em outros termos, a livre concorrência é uma prática desenvolvida por um número considerável de competidores, que atuam livremente no mercado de um produto igual, sendo que, no terreno da livre e legal concorrência, a oferta e a procura advêm de compradores e vendedores “[…] cuja igualdade de condições os impeça de influir, de modo permanente e duradouro, nos preços de bens ou serviços” (VAZ, 1993, p. 27, grifo nosso).
Ou de outro modo, ainda: “A livre concorrência é um esteio do sistema liberal, porque é pelo seu jogo, pelo seu funcionamento, que os consumidores vêem assegurados os seus direitos a consumir produtos de qualidades e preços justos. E, de outra parte, para quem se lança à atividade econômica, é uma forma de obter a recompensa pela sua maior capacidade, pela sua maior dedicação, pelo seu empenho maior, prosperando, consequentemente, mais do que seus concorrente”(BASTOS, 2002, p. 255).
E assim, a ordem econômica: “[…] é um plano de fixação de objetivos para proporcionar o melhor nível de vida possível. A política econômica é o plano efetivo de ação que pode constar ou não em uma norma de natureza constitucional, mas que será criada nos limites dos objetivos determinados constitucionalmente” (MASSO, 2007, p. 107).
Fundamentada, portanto, primordialmente nos princípios da livre iniciativa e concorrência: “A ordem econômica determina os limites éticos de produção econômica, que deixam, portanto, de ser éticos para se tornarem legais, quando equilibra o princípio da livre iniciativa com o princípio de defesa do meio ambiente ou do consumidor. Os fundamentos e princípios constitucionais da ordem econômica funcionam como limites da produção. O que permite ao empreendedor explorar quaisquer atividades livremente, mas ciente dos limites de proteção a alguns valores circunscritos como substanciais para uma vida digna” (MASSO, 2007, p. 111).
No que se conclui que: “As medidas de política econômica representam a forma de implementação pragmática dos instrumentos econômicos para se alcançar os resultados dispostos juridicamente na ordem econômica de uma Constituição” (MASSO, 2007, p. 107, grifo do autor).
Assentadas essas considerações iniciais, tem-se que, ao mesmo tempo em que o Estado deve proporcionar meios de desenvolvimento, deve atuar com fiscalização isonômica para todos os agentes econômicos. E, além disso, deve trabalhar firmemente para seu próprio desenvolvimento e alcance de metas, enquanto ente de direito público.
Assim é que, todos os entes federativos, no âmbito de seus respectivos territórios, além de trabalhar para o desenvolvimento econômico da nação, atraindo investimentos de iniciativa privada, devem organizar suas próprias finanças de modo a cumprir suas responsabilidades como pessoa jurídica de direito público.
Nesse sentido, também como imperativo constitucional, está a prerrogativa de instituição e arrecadação, pelos entes federativos, de tributos. E, no que se refere aos estados federados, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é o mais importante instrumento de autonomia financeira, o responsável pela maior parcela tributária arrecadada para os cofres estaduais.
De todo modo, a Constituição Federal, da mesma forma que prevê sua instituição e arrecadação pelos estados e Distrito Federal, no artigo 155, inciso II, proíbe, no § 2º do mesmo artigo, que um estado preveja um incentivo fiscal relativo ao ICMS sem que haja a concordância de todos os demais estados federados, em convênio formalizado perante o Conselho de Administração Fazendária (Confaz), conforme dispõe o artigo 10, da Lei Complementar n. 24, de 07 de janeiro de 1975.
Quando, todavia, os estados burlam a regra da realização de convênios para as concessões de benefícios, configura-se o cenário da guerra fiscal, tema que: “[…] vem assumindo importância crescente, frente aos benefícios fiscais e financeiros que vêm sendo concedidos de forma generaliza pelos estados às grandes empresas, para que estas se instalem em seus territórios. Estes benefícios têm produzido, acreditam alguns estudiosos, concorrência predatória entre os estados, contribuindo para agravar a crise financeira em que se encontram. O que se tem, de fato, é um confronto entre interesses econômicos dos estados, os quais através de concessão de benefícios, que geralmente são via ICMS, buscam favorecer suas economias internas” (VALENTIM, 2003).
E assim são concedidos incentivos fiscais ou financeiro-fiscais de maneira desregrada. Os primeiros de modo que, além isenção e suas prorrogações e extensões, podem ser materializados por meio de: a) redução de base de cálculo; b) devolução total ou parcial do tributo, direta ou indireta, condicionada ou incondicionada, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; c) concessão de créditos presumidos; d) quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, que tenham por base o ICMS, dos quais resulta eliminação direta ou indireta do ônus tributário (BRASIL, 1975), além de, no segundo caso, operacionalizarem-se através de devolução de impostos e concessão de créditos com juros abaixo do mercado.
O que tem ocorrido na prática é que os estados federados burlam as determinações legais e oferecem incentivos fiscais e financeiro-fiscais sem a aprovação do Confaz, em ofensa às disposições da Lei Complementar n. 24, de 07 de janeiro de 1975, como modo de atrair alocação de recursos financeiros e instalações fabris para seu território. Assim: “Os estados federados optaram por uma política de investimentos e geração de empregos, em detrimento de uma política fiscal estável que propiciasse o saneamento de suas finanças. Esta política foi implementada por meio de benefícios fiscais baseados no ICMS e concessões de créditos, no decorrer de processo de incentivos fiscais o ICMS perdeu sua vitalidade como tributo neutro incidente sobre o valor adicionado” (VALENTIM, 2003).
Essa postura, entretanto, é potencial e efetivamente danosa ao desenvolvimento econômico dos demais estados da federação, porquanto acarreta prejuízos econômicos, financeiros e mesmo sociais, ou seja, prejudica sobremaneira a legal concorrência e o desenvolvimento local, regional e nacional, pois o déficit da arrecadação não é a única consequência visível da guerra fiscal, porque: “[…] A troca dos critérios de eficiência econômica por artificialismo tributário, na localização de uma indústria, acaba por reduzir o custo privado da produção e aumentar seu custo social. A conseqüência é a queda na qualidade e/ou quantidade de serviços públicos. De fato, esses incentivos fiscais não geram, agregadamente, aumento de investimentos, mas apenas determinam sua relocalização dentro do território brasileiro. Dessa forma, não há aumento da produção e do emprego. A “guerra fiscal” pode comprometer a capacidade do estado de dinamizar sua economia” (VALENTIM, 2003, grifo do autor).
É justamente por isso que o termo comumente utilizado para denominar essas condutas de concessão de incentivos fiscais pelos estados federados é guerra fiscal, uma vez que, o que se tem, verdadeiramente, é um cenário de briga entre estados, e diante de cenários como esse, mostra-se imprescindível a atuação na defesa da concorrência, para que se realinhe o mercado em parâmetros concorrenciais legais, beneficiando tanto concorrentes quanto consumidores, uma vez que a guerra fiscal materializa fatores artificiais de influência no mercado, afetando, diretamente, a concorrência.
Passa-se, portanto, no próximo item, a se analisar as concessões de incentivos fiscais como infração à ordem econômica, dentro do contexto de proteção múltipla da defesa da concorrência, para, ao final, identificar a competência para eventual processo e julgamento dos estados federados pela prática de guerra fiscal.
3 Incentivos fiscais e financeiro-fiscais como infração à ordem econômica
O trabalho pela defesa da concorrência, ainda que indiretamente, tem objetivos plurais, uma vez que, dos interesses defendidos, distinguem-se e, ao mesmo tempo, aproximam-se facilmente, duas vertentes. A primeira delas diz respeito à proteção ao consumidor, parte que, via de regra, vulnerável nas relações de consumo, vulnerabilidade esta que, em parte, pode ser contornada pela proteção da livre concorrência. O segundo ângulo, por sua vez, prega que a defesa da concorrência presta-se a garantir e a manter um “[…] eficiente e legítimo sistema econômico de mercado” (TAVARES, 2003, p. 256)
Isso porque: “Pode-se dizer que hoje predomina a tendência de afirmação de uma economia social de mercado, em que se valoriza o chamado capitalismo democrático. Enfatiza-se o direito de propriedade individual e sua consequência inarredável, o princípio da liberdade de iniciativa, como fatores indispensáveis para o progresso e impulso da atividade econômica. Mas, ao mesmo tempo, defendem-se os princípios da função social da propriedade, da liberdade de concorrência, de respeito aos direitos dos consumidores e dos trabalhadores. Propugna-se pela presença regulamentadora do Estado, predominantemente, mas também por uma presença atuante nos casos em que a lei específica como necessários. A ordem jurídico-econômica tem por finalidade estabelecer os princípios e regras, informadores das normas que regerão as relações econômicas” (FONSECA, 1995, p. 86-87, grifos do autor).
Diante do estabelecimento desses conceitos, quando, então, uma conduta pode ser considerada infração à ordem econômica? Quando ela estará ferindo a concorrência em uma dessas duas órbitas – consumidores e concorrentes? Para que se obtenha uma resposta, há que se analisar os dispositivos legais a esse tema pertinentes.
A Constituição Federal é pouco específica, deixando a cargo da lei às definições, disciplinando que: “Art. 173 […] § 5º – A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular” (BRASIL, 1988).
Desse modo: “[…] a Lei [n. 8.884] estabelece mecanismos jurídicos para combater, administrativamente, a concentração econômica e evitar abusos que possam comprometer o equilíbrio do sistema de livre concorrência estatuído constitucionalmente” (TAVARES, 2003, p. 262).
No que toca à defesa da concorrência, portanto, a Lei 8.884: “[…] dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso de poder econômico” (SILVA, 2003, p. 59).
Essa lei, ao utilizar-se de um conceito positivado de ordem econômica, passa a definir as espécies de infrações, baseadas em critérios estipulativos e funcionais, uma vez que, no campo das relações econômicas não é possível valer-se de tipos, como na esfera penal, posto que as definições de infração consideram o objetivo do ato, independentemente da intenção do agente, e não estrutura ou característica desse ato, como o é na seara penal (FONSECA, 1995, p. 87-88).
Ao se verificar o texto da lei, tem-se, por conseguinte, que: “De acordo com o art. 20 da Lei n0 8.884/94, uma conduta é considerada infração à ordem econômica quando sua adoção tem por objeto ou possa acarretar os seguintes efeitos, ainda que só potencialmente: limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência; aumentar arbitrariamente os lucros do agente econômico; dominar mercado relevante de bens ou serviços; ou quando tal conduta significar que o agente econômico está exercendo seu poder de mercado de forma abusiva. A caracterização de uma infração à ordem econômica ocorre independentemente de culpa e pode ser configurada ainda que os efeitos nocivos sejam somente potenciais” (CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA, 2007, p. 33).
No que diz respeito aos parágrafos 10 e 20 do artigo 20, que definem hipóteses de exclusão do conceito de infração à ordem econômica, importante registrar que tais elisões somente podem ser deferidas em situações de normalidade de competição, o que não é o caso do panorama de guerra fiscal.
Importante salientar, também que o legislador utilizou-se de um rol exemplificativo – artigo 20, da Lei n. 8.884, permitindo que condutas efetivamente prejudiciais à ordem econômica sejam punidas, independentemente de sua previsão quando da elaboração do texto legal, sendo essa postura louvável, pois: “Do ponto de vista econômico, no âmbito do mercado, será impossível tipificar com plena segurança, todos os fatos que poderiam constituir infrações contra a ordem econômica. Esta tipificação poderá centrar-se na ação praticada pelo agente, devendo-se ainda atentar para o objeto da ação e, muitas vezes, para a finalidade objetiva” (FONSECA, 1995, p. 97, grifos do autor).
Desse modo, para que se possa caracterizar uma conduta como infração à ordem econômica, independentemente da previsão legal da conduta, importante verificar quais são os efeitos ou consequências das infrações descritas na lei. Assim, a definição da infração e sua punição independem da intenção ou de taxação legal, guardando relação, sim, com os efeitos gerados pelos atos praticados.
Sobre o tema específico deste estudo, a guerra fiscal e os incentivos fiscais ou financeiro-fiscais concedidos pelos estados federados, a Constituição Federal define, em seu artigo 174, que: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado” (BRASIL, 1988).
É por meio dos incentivos que o Poder Público trabalha para alcançar os seguintes objetivos: “1) estabelecer um modelo de desenvolvimento nacional visando ao fortalecimento da economia; 2) estabelecer um modelo de desenvolvimento regional com propósitos de integração nacional e recuperação econômica regional; 3) estabelecer uma política de desenvolvimento setorial, em face de algumas peculiaridades que justificam tratamentos especiais para alguns setores básicos da economia” (TRAMONTIN, 2002, p. 111).
A concessão de incentivos, então, se realizada de acordo com os parâmetros legais, é prática eminentemente legal, uma vez que: “Incentivo é a segunda das funções do exercidas pelo Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, aliás, a mais moderada forma da presença do Estado na economia. Os incentivos podem ser de natureza não fiscal, como ocorre nos casos de doações de áreas a empresas para a exploração de atividades econômicas – industriais, comerciais, de exportação e importação – ou de natureza fiscal, como as isenções de tributos a empresas, em pleno funcionamento, quando se trata de atividade que interesse à região ou país” (CRETELLA JÚNIOR, 1993, p. 4.047).
E também: “Assim, o termo incentivo pode ser compreendido como norma jurídica de direção econômica a serviço do desenvolvimento que interesse ao país ou determinada região ou setor da economia. É uma manifestação de dirigismo estatal através da intervenção do Estado na iniciativa privada para estabelecer os rumos da economia. Com a prática de incentivos fiscais, o Estado quebra a uniformidade do imposto e exonera o contribuinte de recolhê-lo, sendo que, em troca, espera a expansão econômica de certa região ou certa atividade econômica” (TRAMONTIN, 2002, p.111).
Ou ainda: “Incentivo fiscal é a medida imposta pelo Poder Executivo, com base constitucional, que exclui total ou parcialmente o crédito tributário de que é detentor o poder central em prol do desenvolvimento de região ou de setor de atividade do contribuinte” (CRETELLA JÚNIOR, 1993, p. 3.585).
O que se busca definir nesta pesquisa, como infração ou não à ordem econômica, são as condutas de incentivos em desacordo com as normativas constitucionais e infraconstitucionais, isto é, em cenário de guerra fiscal, pois a concessão dos incentivos fiscais ou financeiros fiscais em desacordo com as determinações legais: “[…] permite também que a estrutura de formação de preço das empresas incentivadas possa ser artificialmente modificada, possibilitando o uso de preços predatórios – aplicar os preços abaixo do custo variável médio, para eliminar concorrentes e, em um momento posterior, praticar preços mais elevados – ou sua manutenção em nível “normal” para que a empresa aufira lucros maiores que os dos concorrentes. Tudo isto compromete a sobrevivência da empresa não beneficiada e afeta o jogo de mercado em que se baseia o princípio constitucional da livre concorrência” (GILBERTO, 2004).
Assim, conforme ensina Fonseca (1995, p. 88, grifos do autor), ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica: “Para caracterizar tais atos [como, por exemplo, a concessão de incentivos fiscais sem a devida observância aos requisitos e finalidades legais] como infrações a ordem econômica, terá o julgador que verificar se eles são concretamente aptos a produzir qualquer dos efeitos, mesmo que estes, na vida econômica real, não sejam alcançados”.
A guerra fiscal entre os estados, portanto, além da renúncia à arrecadação do tributo, cria um ambiente de concorrência desleal, tendo em vista que, parte dos agentes econômicos continua a cumprir suas obrigações tributárias, enquanto outros são beneficiados pelo poder público, com incentivos. Situação que conduz a uma potencial dominação de mercado não decorrente de processos naturais, fixação de preços predatórios ou mesmo efeito cascata, ou seja, instigação ao deslocamento de agentes econômicos envolvidos na concretização final de um determinado bem para o mesmo território, como, por exemplo, fábricas de auto-peças e pneus deslocando-se para lugar próximo às montadoras de automóveis.
Para que, efetivamente, a prática de incentivos apenas materializasse o permissivo constitucional, deveria ser realizada com: “[…] indicação dos beneficiários, a finalidade da concessão, as condições para a fruição, o prazo de vigência e o montante dos benefícios concedidos” (TRAMONTIN, 2002, p. 112). O que não ocorre na prática, dando corpo, como já visto, à guerra fiscal.
Em adição, afirma-se, ainda, que agride a harmonia federativa o estabelecimento isolado de incentivos fiscais, sem a devida observância da lei, uma vez que: “Em princípio, o Estado que concede os benefícios não corre riscos de piorar a situação de suas finanças, desde que sejam destinados a setores não presentes em sua economia e condicionar seu gozo a recursos gerados pelo próprio projeto implantado [, além do respeito ao Confaz]” (TRAMONTIN, 2002, p. 140).
No que concerne, finalmente, a estabelecer as condutas praticadas em guerra fiscal como infrações à ordem econômica, não obstante já entender restar claro pelo demonstrado supra, de clareza indiscutível, para que não persistam as dúvidas, traz-se a tona posicionamento do CADE, em consulta formulada, em 1999, pelo Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE), acerca do tema, onde o órgão de defesa da concorrência assim se posicionou, com as conclusões do relator do caso, Conselheiro Marcelo Calliari: “[…] 2) Benefícios concedidos no âmbito da “guerra fiscal”, como visto numericamente, conferem vantagem dramática às empresas afetadas, podendo aumentar lucros em várias centenas de pontos percentuais. 3) Esse brutal favorecimento desnivela o campo em que se desenrola a dinâmica econômica, gerando diversos efeitos para a concorrência e o bem estar da coletividade, entre os quais: a) Retira o estímulo ao aumento constante do nível geral de eficiência da economia, permitindo uso menos eficiente de recursos e afetando negativamente a capacidade de geração de riquezas do país. b) Protege as empresas incentivadas da concorrência, mascarando seu desempenho, permitindo que mantenham práticas ineficientes e desestimulando melhorias na produção ou inovação. c) Permite que empresas incentivadas, ainda que auferindo lucros, possam “predatoriamente” eliminar do mercado suas concorrentes não favorecidas, mesmo que estas sejam mais eficientes e inovadoras, em função do enorme colchão protetor de que dispõem. d) Prejudica as demais empresas que, independentemente de sua capacidade, terão maiores dificuldades na luta pelo mercado, gerando com isso mais desincentivo à melhoria de eficiência e inovação. e) Gera incerteza e insegurança para o planejamento e tomada de decisão empresarial, dado que qualquer cálculo feito pode ser drasticamente alterado – e qualquer inversão realizada pode ser drasticamente inviabilizada com a concessão de um novo incentivo. f) Desestimula, por tudo isso, a realização de investimentos tanto novos quanto a expansão de atividade em andamento. É mais do que evidente, assim, que a guerra fiscal tem efeito altamente prejudicial à concorrência e danoso ao bem estar da coletividade. […] Dada a patente relação do tema com a concorrência, o CADE permanece passível de engajamento no debate, dentro evidentemente de sua esfera de competência legal […]” (BRASIL, 1999, grifo do autor).
Independentemente dessa consulta ter sido realizada em abstrato, sem ligação direta à conduta específica de qualquer estado federado, serve para demonstrar, com nitidez, a correta subsunção da prática de incentivos fiscais, em âmbito de guerra fiscal, às condutas anticoncorrencias descritas na norma correspondente.
Isso tudo devido ao fato de os estados federados terem perdido a correta concepção de suas prerrogativas constitucionais, pois: “O que está faltando […] é uma efetiva consolidação da idéia de planificação do desenvolvimento a ser perseguido. O que se vê no Brasil, de uma forma geral, é uma insana guerra fiscal sem qualquer plano diretor e que resulta em efeitos negativos com a retração dos setores ou regiões não beneficiadas, manifestando redução ou queda de desenvolvimento econômico nas áreas de captação dos recursos. Aliás, o planejamento é tão importante que, quando a Constituição reconhece o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica (art. 174), estabelece como suas funções o incentivo e planejamento, do que se conclui que o incentivo somente pode ser concedido de forma planejada” (TRAMONTIN, 2002, p. 113).
Diante disso, por fim, resta analisar, ao final, a quem compete o processo e julgamento de entes federados na prática de referidas condutas, o que será a diante discutido.
4 Competência para a defesa da concorrência em face de políticas tributárias de incentivos fiscais ou financeiro-fiscais.
Quem, efetivamente, detém o poder investigativo e sancionador contra a guerra fiscal, considerando que: “A guerra fiscal é, como o próprio nome indica, uma situação de conflito na Federação. O ente federado que ganha […] impõe, na maioria dos casos, uma perda a algum ou a alguns dos demais, posto que a guerra raramente é um jogo de soma positiva. O federalismo, que é uma relação de cooperação entre as unidades de governo, é abalado. Também a Federação — cara aos brasileiros a ponto de a Constituição conter cláusula pétrea que impede sua abolição — perde” (VARSANO, 1997, p. 06).
Evidenciado que está tratarem-se, as condutas de incentivos praticadas em cenário de guerra fiscal infrações à ordem econômica, e, em uma primeira análise da Lei n. 8.884, fácil concluir que o CADE seria o órgão competente para apreciar a prática de tais condutas, uma vez que, a própria Constituição Federal, em seu artigo 173, § 4º, estabelece que: “A lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação de mercados, à eliminação da concorrência e ou aumento arbitrário dos lucros” (BRASIL, 1988).
A Lei 8.884 (BRASIL, 1994), portanto, ao dispor, em seu artigo 15, que se aplica a quaisquer pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, assim como a associações ou entidades de pessoas, constituídas de fato ou de direito, mesmo que temporariamente ou desprovidas de personalidade jurídica, ainda que exerçam atividades sob regime de monopólio legal, parece assentar a esfera de atuação do CADE, todavia, o entendimento é divergente a respeito de quais pessoas jurídicas de direito público estão sujeitas ao arbítrio do poder sancionador do CADE.
No entanto, as opiniões se dividem. Fonseca (1995, p. 81)[2], assevera que: “Tais infrações podem provir de pessoas físicas ou jurídicas, sejam elas de direito privado ou público, tenham-se constituído segundo as exigências legais, quer sejam sociedades meramente de fato”.
Já Coelho[3], ao se referir à dicção do artigo 15, não identifica nele, especialmente, os agentes ativos das infrações, considerando que as pessoas jurídicas de direito público não são possíveis de figurarem como agentes ativos das condutas naquela lei descritas. E conclui que: “Assim, a referência às pessoas jurídicas de direito público não deve ser necessariamente entendida como a definição de um gênero de agente ativo de infração contra a ordem econômica, mas sim considerada no amplo universo das pessoas em relação às quais a lei se aplica, não necessariamente para submetê-las a sanções” (1995, p. 41).
Continua Coelho (1995), discorrendo a partir do ponto de vista de que, em um processo administrativo instaurado perante o CADE, um ente estatal não pode figurar como agente ativo de uma conduta infratora à ordem econômica. E afirma que: “Esse é o único entendimento possível, em face da isonomia constitucional dos entes públicos. O CADE, como autarquia federal, […] não [tem] poder hierárquico e sancionador sobre a União e seus desdobramentos de natureza pública (órgãos da Administração direta e autarquias); não têm igualmente ascendência hierárquica sobre os estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios” (1995, p. 41).
De outro lado, no entanto, Fonseca (1999, p.81), aponta na análise do artigo 15, entendimento diverso, ao afirmar que: “Tais infrações [as descritas na Lei 8.8884] podem provir quer de pessoas físicas, quer de pessoas jurídicas, sejam elas de direito privado ou público, tenham-se constituído segundo as exigências legais, quer sejam sociedades meramente de fato”.
Na defesa da tese de Coelho (1995): “O Estado-membro goza de autonomia. Quer dizer, é livre no campo a ele deixado pela Constituição do Estado federal. Este, o Estado total, na sua soberania, fixa a organização de todo e ao fazê-lo cria um campo aberto para os Estados federados. Tal campo, como já se viu, tem um espaço mínimo: auto-organização, descentralização legislativa, administrativa e política” (FERREIRA FILHO, 1999, p. 53, grifo do autor).
O estado federado pode ser – como de fato o é – sujeito ativo de concessões fiscais ou financeiro-fiscais em âmbito de guerra fiscal, condutas caracterizadas como infração à ordem econômica. A questão divergente, de outro modo, é o órgão competente para processá-lo e julgá-lo, em face da autonomia constitucional do ente federativo delimitada com clareza inquestionável o artigo 18 da Constituição Federal vigente.
Assim, de acordo com o Parecer n. 294, de 2008, exarado nos autos do processo n. 08700.004867/2007-33, que tramita perante o CADE: “[…] quando lei 8.884/94 dispõe sobre a repressão à infração contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico, atinge prioritariamente os agentes econômicos em sentido estrito, quer de origem pública ou privada. Nesse sentido, a interpretação do art. 15 da Lei 8.884/94, que trata dos sujeitos passíveis de cometer infração à ordem econômica abarca os agentes que exercem atividade econômica, quer seja o poder público (quando excepcionalmente exerce tal função nos moldes do art. 173 da CF em razão do interesse coletivo ou segurança nacional), e, no caso mais comum, a iniciativa privada” (BRASIL, 2007, grifos do autor).
Nesse sentido também é a posição do Parecer da Procuradoria do CADE n. 563 de 2006, no Processo n. 08700.001132/2006-77, que tratava de uma consulta a respeito da Regulação do uso de resina PET reciclada em embalagens alimentícias, onde fica assentado que: “Todavia, o Plenário do CADE pode, de ofício ou por provocação de qualquer interessado, sempre que lhe parecer conveniente e oportuno à proteção da ordem econômica, “requisitar a órgãos do poder público das três esferas da federação as medidas necessárias ao cumprimento da Lei 8.884/94” (art. 7º, X) e “instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica” (art. 7º, XVIII). Esse poder-dever está associado à missão institucional do CADE de promoção da cultura de defesa da concorrência (competition advocacy), atividade que, ao lado da repressão de condutas anticompetitivas e de controle de estrutura do mercado, constituem as três principais vertentes de atuação do CADE” (BRASIL, 2006, grifos do autor).
No mesmo sentido, ainda, é a posição do então Conselheiro Ricardo Cueva, expressada nos autos do Processo n. 08012.007443/1999-17, ao dizer que: “Não é o CADE um ‘revisor’ de políticas públicas, porque, em agindo assim, estaria atentando contra os postulados básicos da legalidade e de toda a doutrina que informa a atividade dos órgãos reguladores. Entretanto, deparando-se com situações que possam configurar infração contra a ordem econômica, é dever das autoridades antitruste investigar e julgar tais condutas, nos estritos termos da Lei 8.884/94, de resto em perfeita harmonia com o arcabouço jurídico-institucional vigente” (BRASIL, 2002, grifo do autor).
Diante das pesquisas realizadas e dos argumentos apontados, portanto, entende-se ser possível – e mesmo recomendável – a manifestação do CADE em casos como o da guerra fiscal. Inviável, porém, que se fale em julgamento do estado federado perante seus conselheiros, posto que suas decisões seriam inexeqüíveis perante entes dotados de autonomia constitucional.
É assim recomendável ao CADE que dê corpo à prerrogativa do artigo 7°, inciso X da Lei n. 8.884, bem como o procedimento de consulta – do artigo 59, que, em regra não necessita de procedimento formal para ser exercido. Deve, outrossim, servir como defensor da concorrência, em relação à legislação, sua regulamentação e cumprimento. Isso porque o CADE desempenha papel fundamental na defesa da concorrência, pois é o único com a expertise necessária a opinar em questões de política da concorrência[4].
Em síntese, a corroborar esse entendimento, do mesmo Parecer n. Parecer n. 294, de 2008, infere-se que: “Quando o CADE se depara com ato normativo, oriundo de competência constitucional ou legal de autoridade pública, a competência do CADE não é sancionatória, cujos sujeitos estão previstos no art. 15 […] indicado. Trata-se de uma defensa/orientação dos preceitos de concorrência salvaguardados na Constituição Federal e na Lei 8.884/94. Assim, o CADE não profere ato constritivo contra o agente regulador, mas “ato de constatação” para que o ente público relacione suas manifestações aos preceitos de concorrência exigidos por Lei (art 7, X, da Lei 8.884/94). Fala-se em ato de constatação por faltar ao CADE competência para desconstituir atos normativos ou que caracterizem exercício de autonomia constitucional. Nesse aspecto, entendo acertado o posicionamento da SDE de que o SBDC não pode imiscuir-se de forma sancionatória na discricionariedade municipal” (BRASIL, 2007, grifo do autor).
Assim, independentemente de casos como este escaparem à competência de processo e julgamento do CADE, faz-se recomendável que, no caso quaisquer condutas anticoncorrencias, protagonizadas por quaisquer sujeitos, que, como órgão antitruste, posicione-se sobre os aspectos concorrenciais envolvidos[5].
E assim, para finalizar, constata-se que, se a prática das condutas descritas fere um ditame constitucional, é o Poder Judiciário, sobretudo quando acionado pelos estados federados prejudicadas em Ações Diretas de Inconstitucionalidade – do artigo 102, alínea a, da Constituição Federal – não somente o órgão, mas o poder competente a dar julgamento para o caso, num contexto em que, em relação ao CADE: “[…] podemos afirmar que se a prática infrativa de agentes econômicos não enseja dúvidas quanto à competência sancionatória do CADE, a ausência de competência constritiva para punir desvios concorrenciais não impede a “constatação” da admissibilidade/necessidade de concorrência na manifestação da autoridade reguladora. Trata-se do dever de orientação, competition advocacy, que também é uma das missões do CADE” (BRASIL, 2007, grifos do autor).
Tal solução, além de ser a mais adequada em matéria de competência, posto que de acordo com normas constitucionais e infraconstitucionais, é também a mais acertada sob o ponto de vista prático, uma vez que não retira do CADE, órgão antitruste por excelência, a prerrogativa de análise, manifestação e orientação quanto às condutas anticompetitivas, de modo que, o Poder Judiciário, acionado por estado federado a processar tais condutas, poderá utilizar-se da expertise do conselho para orientar seu julgamento e decisório.
5 Considerações Finais
Conforme proposto, este trabalho teve por objeto a realização de pesquisa bibliográfica doutrinária, legislativa e jurisprudencial, com a finalidade de investigação acerca da viabilidade de classificação da conduta de concessão de incentivos fiscais e financeiro-fiscais pelos estados federados a empresas, em cenário da chamada guerra fiscal, como uma infração à ordem econômica, bem como da possibilidade desses estados federados serem processados como sujeitos ativos de tal conduta perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Do estudo correspondente, foi possível constatar que as leis, que por vezes guardam aparência de higidez e clareza, podem levar a divergências, que são discutidas em âmbito doutrinário e jurisprudencial. É o caso da guerra fiscal, que, além da renúncia de arrecadação por parte do estado federado, alimenta um ambiente concorrencial artificialmente distorcido, uma vez que, entre empresas concorrentes há diferenças brutais na questão de cumprimento de obrigações tributárias, não sendo, na prática, tão facilmente resolúvel ou punível a conduta estatal.
O desenvolvimento desta pesquisa, portanto, favoreceu o entendimento de que, para cada problemática encontrada, seja ela de que ordem for, é necessária uma análise conjunta, sob pena de se posicionar equivocadamente, como ficou demonstrado na questão da competência para processo e julgamento dos estados federados pela prática de infrações à ordem econômica.
Atendendo ao problema central da pesquisa, observou-se que, em relação às hipóteses, a primeira foi confirmada, ou seja, os incentivos fiscais ou financeiro-fiscais concedidos pelos estados federados em cenário de guerra fiscal configuram infração á ordem econômica; já a hipótese de competência do CADE para processo e julgamento dessas infrações restou prejudicada, devendo ocorrer, necessariamente, perante o Poder Judiciário, podendo – e devendo – o CADE apenas orientar na análise e delimitação das condutas, uma vez que é o órgão dotado da maior expertise para opinar em casos de condutas anticoncorrenciais, não podendo ser executada, entretanto, uma eventual decisão sua, enquanto entidade autárquica, em face de um estado federado, que detém autonomia constitucional, para, também, conceder incentivos.
Como sugestão para pesquisas futuras, sugere-se trabalhar a questão da fixação de alíquotas mínimas para o ICMS, com intuito de diminuir o poder de manobra dos estados federados, bem como o estudo da implantação de uma regra de destino das receitas de ICMS, visando, efetivamente ao desenvolvimento nacional planificado, sustentável no longo prazo e em âmbito nacional, não deixando de lado, é lógico, as notáveis diferenças entre as regiões do país, mas respeitando regras legais na concessão de eventuais benefícios ou incentivos.
Advogada; MBA Executivo em Gestão Tributária; Mestranda em Desenvolvimento Regional
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