Resumo: o presente artigo tenta apresentar, de maneira sucinta, os principais aspectos e discussões que envolvem a sistemática de sobrestamento dos recursos excepcionais interpostos contra decisão interlocutória, prevista no art. 542, §3°, do CPC.
Palavras-chave: processo – civil – recurso – especial – sobrestamento – art. 542 cpc – pressupostos – exceções – recursos – reiteração.
Sumário: 1 – Considerações gerais; 2 – Pressupostos para a retenção do recurso especial; 3 – Situações em que a medida de retenção se afigura inadequada ou não recomendável; 4 – Recursos contra a retenção; 5 – Pressupostos para o futuro processamento oportuno do recurso especial retido; 6 – Conclusões finais.
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Com a entrada em vigor da Lei n° 9.756/98, que acrescentou o §3° ao art. 542 do CPC, o sistema processual passou a prever uma nova modalidade de interposição (e recebimento) de recurso especial, nos seguintes termos:
“Art. 542. (…)
§ 3º O recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões.” (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)
Trata-se, em linhas gerais, de uma forma cogente ex vi legis de retenção do recurso especial, em que ele deixa de ser processado de imediato, só o sendo posteriormente, quando da análise dos eventuais recursos excepcionais interpostos contra a decisão final.
Em essência, a novel sistemática tem dois objetivos primordiais: primeiro, contribuir para o desafogamento das pautas dos Tribunais Superiores, evitando que os processos judiciais sejam submetidos ao crivo do juízo excepcional ad quem mais de uma vez, ora para o controle de uma decisão intermediária, ora para o controle de uma decisão final ou mesmo de todo o procedimento; segundo, evitar que o órgão ad quem seja levado a reexaminar uma questão jurídica que poderia vir a perder o seu objeto com o transcorrer da demanda.
No começo, muitos questionaram a sua constitucionalidade, argumentando que a lei ordinária teria restringido indevidamente os pressupostos de admissibilidade do recurso extremo previstos na Carta Constitucional. Entretanto, a doutrina amplamente majoritária, atenta sobretudo às salutares intenções da medida introduzida, se posiciona pela sua constitucionalidade, sob o fundamento de que a inovação cuidou de modificar apenas a forma de interposição e processamento dos recursos excepcionais, e não propriamente as suas hipóteses de cabimento, estas sim reguladas pelos arts. 102 e 105 da CF.[1]
Quanto ao direito intertemporal, tema que sempre ressurge quando da implementação de alguma mudança legislativa, cabe registrar que a norma instituída, por ser de natureza eminentemente processual, aplica-se de imediato aos recursos especiais pendentes de admissão, ainda que tivessem sido interpostos antes da vigência da lei.[2]
2. PRESSUPOSTOS DA RETENÇÃO DO RECURSO ESPECIAL
Lendo atentamente o apontado dispositivo legal, vê-se logo de início que a retenção é cabível apenas para os recursos especiais interpostos contra “decisão interlocutória”, que, segundo o §2° do art. 162 do CPC, “é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente”.
Disso se deflui, a contrario sensu, que não se pode determinar a retenção de recurso especial interposto contra decisão que põe termo ao processo, mesmo em sede de agravo de instrumento; é o que acontece, por exemplo, quando o Tribunal conhece de recurso de agravo para, acolhendo questão de ordem pública, extinguir a demanda originária sem resolução do mérito[3]; nesse caso, a decisão proferida é típica decisão “final”, insuscetível, pois, de justificar eventual medida de retenção.
Logo em seqüência, a lei faz a ressalva de que essa decisão (interlocutória) recorrida no especial tem que ser proferida em “processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução” para autorizar a medida legal de retenção.
Quanto ao processo de conhecimento, a aplicabilidade da norma não oferece maiores dificuldades, na medida em que as ações em geral, sejam elas declaratórias, constitutivas ou condenatórias – incluindo-se aí as ações mandamentais e executivas lato sensu – encerram uma cadeia de atos processuais tal que acabam suscetíveis de gerar decisões interlocutórias no curso do procedimento, até chegar à prolação da decisão final.
Também no âmbito de processo cautelar a questão da aplicação da sistemática de retenção não oferece maiores dificuldades. Por ser de natureza instrumental, geralmente destinado a assegurar a utilidade prática de um processo principal (exceção feita às cautelares satisfativas), o processo cautelar também se compõe de decisões intermediárias (interlocutórias) e de decisões finais.
Por fim, os embargos à execução seguem o mesmo raciocínio empreendido quando se tratou do processo de conhecimento, uma vez que também constitui uma ação de natureza eminentemente cognitiva. Mas vale apenas lembrar que, com o advento da Lei n° 11.232/2005, que alterou a sistemática da execução para pagamento de quantia certa, o provimento executivo deixou, em muitos casos, de ser perquirido em via autônoma, passando a ser apenas em um módulo dentro do mesmo processo cognitivo originário, tal como já se sucedia com as execuções colimadas à satisfação de obrigações de fazer/não fazer e entrega de coisa (arts. 461 e 461-A do CPC). Por conseqüência, a via dos “embargos” acabou em muitos casos substituída pela via da “impugnação”, agora não mais ação autônoma e sim mero incidente do módulo de execução. Por isso, deve-se ficar atento para o fato de que nesses casos onde não mais se prevê o manejo de embargos à execução, descabe aplicar a medida de retenção.
Como se percebe, o legislador não fez referência expressa ao processo de execução, razão por que se conclui que não se lhe aplica a sistemática de retenção.[4] E a conclusão não poderia ser outra, pois nesses processos não existe sentença final propriamente dita, o que inviabiliza a oportunização para reiteração de eventual recurso retido.[5] Isso porque, em regra, a sentença proferida na execução tem por finalidade apenas declarar extinta a relação jurídico-processual executiva (art. 794 do CPC), não entrando no mérito da (in)existência do direito de crédito afirmado, tanto que pode não ficar acobertada pela coisa julgada material.[6] Para que sejamos ainda mais claro, colacionamos abaixo a lição de Tereza Arruda Alvim Wambier:
“o regime de retenção dos recursos extraordinários lato sensu não se aplica ao processo de execução. Isso se deu porque, no processo de execução, embora exista decisão a que a lei chama de sentença (art. 795) – e existem muitas dúvidas no plano da doutrina a respeito da natureza desta decisão -, raramente há apelação. Assim, se o regime de retenção dos recursos extraordinários incidisse no processo de execução, muitíssimos desses recursos, provavelmente a grande maioria deles, não seriam julgados. Certamente, aliás, não se pode chamar a sentença que extingue a execução de ‘sentença final’, pelo menos não no mesmo sentido em que se usa a expressão para o processo de conhecimento”[7]
Ademais, importa sublinhar que mesmo diante da incidência subsidiária do CPC nos processos criminais, não é recomendável aplicar-lhes o regime de retenção, haja vista lidarem com o direito de liberdade dos cidadãos, direito esse que, pela sua inegável importância, não pode ter o seu exercício condicionado a qualquer circunstância processual que seja.[8] Nesse sentido, já se decidiu:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. LEI Nº 9.756/98. RECURSO RETIDO. SUSPENSÃO DO PROCESSO (ART. 366 DO CPP, REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 9.271/96). I – O § 3º do art. 542 do CPC, com a redação da Lei nº 9.758/98 não se aplica aos processos criminais. A incidência concorrente, e não subsidiária, das regras do CPC, na esfera penal, carece de amparo jurídico. II – A suspensão do processo, prevista no art. 366 do CPP (Lei nº 9.271/96) só pode ser aplicada em conjunto com a suspensão do prazo prescricional, razão pela qual é vedada a retroatividade.Recurso provido.”(REsp 203227/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 08/06/1999, DJ 01/07/1999 p. 205)
3. SITUAÇÕES EM QUE A MEDIDA DE RETENÇÃO SE AFIGURA INADEQUADA OU NÃO RECOMENDÁVEL
Existem, contudo, algumas circunstâncias em que não se recomenda a retenção do recurso especial, mesmo sendo ele interposto contra decisão interlocutória.
Por isso, “em casos excepcionais, a jurisprudência, ultrapassando esse óbice legal, tem admitido o processamento do recurso especial, sem que haja sua retenção nos autos, objetivando, com isso, evitar a ocorrência – ante a eventual postergação do exame do recurso – de dano irreparável ou de difícil reparação ou, ainda, o perecimento do direito”[9]. É que “a ratio essendi da regra inserta no § 3º, do art. 542, do CPC deve ser aferida em consonância com o § 4º do art. 522, do mesmo diploma legal, posto introduzida no sistema processual a posteriori”[10]. Afinal, toda e qualquer norma deve ser interpretada sistemática e teleologicamente, tentando garantir sempre que possível a máxima efetivação e concreção dos princípios que iluminam e balizam o processo, mormente se considerado que, no particular da discussão, “a imposição irrestrita do regime de retenção aos recursos extraordinário e especial violaria o disposto no art. 5°, XXXV, da Constituição Federal (‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’)”[11].
O caso mais evidente de necessidade de flexibilização se dá quando o recurso é interposto contra decisão que denega ou concede tutela de urgência, na medida em que eventual retenção fatalmente acarretaria o esvaziamento da utilidade prática do recurso, sem contar os potenciais riscos de dano que proporcionaria à parte recorrente. Em inúmeras circunstâncias como essa, o STJ determinou a subida imediata de recursos retidos na origem, como por exemplo:
“MEDIDA CAUTELAR. PROCESSAMENTO DE RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NOS AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. ART. 542, §3°, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, COM A REDAÇÃO DA LEI Nº 9.756/98. 1. Não incide a regra do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil, com a redação da Lei nº 9.756/98, na hipótese de tutela antecipada, sob pena de perder eficácia o recurso interposto. 2. Ação cautelar julgada procedente.” (MC 1659/PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/09/1999, DJ 08/11/1999 p. 73)[12]
Outra situação excepcional bastante recorrente se dá quando o recurso especial é interposto contra decisão que extingue o processo com relação a um ou alguns dos litisconsortes, determinando o prosseguimento do feito quanto aos demais. Em hipóteses tais, apesar de não por termo ao processo em seu todo, e de não ser portanto uma decisão tecnicamente “final” sob a ótica dos litigantes em geral (visualizados indistintamente), esta decisão terminativa, do ponto de vista de seu conteúdo, constitui típica modalidade de sentença, eis que resolve uma “questão” final, ainda que o seja sob a ótica apenas da parte excluída, para quem seria inapropriado falar em questão “incidente”.[13] A jurisprudência vem acertadamente se posicionando pela não incidência da norma de retenção quando isso acontece, senão vejamos:
“PROCESSUAL – MANDADO DE SEGURANÇA – DECISÃO QUE DECLARA EXTINTO O PROCESSO – NATUREZA JURÍDICA – RECURSO ESPECIAL – RETENÇÃO (CPC – ART. 542) – INOCORRÊNCIA. – A decisão que extingue o processo, por ser terminativa do processo não é interlocutória, constituindo sentença. O Recurso Especial manejado contra ela não deve permanecer retido, por efeito do Art.542, § 3º.”(MS 6.909/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 06/06/2001, DJ 22/10/2001 p. 259)
A contrario sensu, utilizando o raciocínio inverso, não há motivo aparente para a mitigação da norma quando uma preliminar dessas é rejeitada.[14]
A prudência também recomenda o processamento imediato dos recursos especiais interpostos contra decisões que resolvem questões atinentes à competência, pois, pendendo controvérsia a respeito, o melhor é resolver desde logo a quaestio para evitar a eventual invalidação de atos praticados por órgão que depois venha a ser declarado incompetente.[15] A jurisprudência do STJ é pacífica nesse sentido:
“Na hipótese dos autos, em que se pretende destrancar recurso especial impugnando acórdão originário de decisão interlocutória relativa à competência, a jurisprudência desta Corte tem-se posicionado no sentido de afastar a regra de retenção prevista no art. 542, § 3°, do CPC, com o objetivo de evitar o esvaziamento da prestação jurisdicional futura. Nesse sentido: REsp n° 669.990/CE, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4ª Turma, DJ de 11/09/2006; MC n° 3.378/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ de 11.06.2001; REsp n° 227.787/CE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ de 18/06/2001.” (MC 10.811/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/10/2006, DJ 16/11/2006 p. 216)[16]
Também o recurso especial interposto contra decisão que indefere pedido de assistência judiciária gratuita não pode ficar retido nos autos, sob pena de criar grave desestabilização da demanda pela pendência de uma questão decisiva no comportamento das partes e no desenrolar do procedimento:
“PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. RECURSO ESPECIAL. ART. 542, § 3º, DO CPC. DESRETENÇÃO. NECESSIDADE. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO PENDENTE DE ADMISSIBILIDADE. SÚMULAS N.º 634 E 635 DO STF. APLICAÇÃO. 1. O recurso especial deve permanecer retido nos autos quando interposto contra decisão interlocutória proferida em processo de conhecimento, cautelar ou embargos à execução (art. 542, § 3º do CPC). 2. Deveras, tratando-se de interlocutória que versa medida urgente, com repercussão danosa, impõe-se o destrancamento do recurso. Precedentes: AGA 447101, Rel.Min. Luiz Fux, DJ de 02/12/2002; MC nº 3645/RS, 3ª Turma, Relª Minª NANCY ANDRIGHI, DJ de 15/10/2001; MC nº 3564/MG, 3ª Turma, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ de 27/08/2001. 3. In casu, é possível vislumbrar dano grave à parte, uma vez que, com a retenção do especial, fica sem resposta a pretensão da parte de obter o julgamento da apelação julgada deserta, em virtude do indeferimento do pedido de assistência judiciária formulado pela pessoa jurídica, nos autos da ação anulatória do débito fiscal que fundamenta a execução fiscal noticiada. O dano vislumbrado seria de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, teria pouca ou nenhuma relevância. 4. Compete ao Tribunal de origem a apreciação de pedido de efeito suspensivo a recurso especial pendente de admissibilidade. Incidência dos verbetes sumulares n.ºs 634 e 635 do STF (Súmula 634 – “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem”; Súmula 635 – “Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade”). 5. Medida cautelar parcialmente procedente, para determinar, em definitivo, o destrancamento do recurso especial, submetendo-o ao respectivo juízo de admissibilidade perante a C. Corte a quo.” (MC 9.989/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/2006, DJ 30/10/2006 p. 246)
Outra hipótese, bastante interessante, e muito bem ilustrada pelo Professor Luiz Guilherme Marinoni, consiste naquela em que o Tribunal dá provimento a apelação e reforma sentença terminativa, determinando o prosseguimento do feito. Nesse caso, segundo o indigitado jurista, a decisão do Tribunal é típica interlocutória, e mesmo assim o recurso contra ela interposto deve ser processado de imediato.[17]
Acreditamos, a rigor, que o motivo para o processamento imediato é outro, e se justifica não porque as peculiaridades concretas autorizariam a mitigação da regra, mas porque a regra mesma não se mostra subsumível a esta hipótese. É que, atentando-nos sobretudo à finalidade da norma, pensamos que só se deve aplicar a retenção àqueles recursos especiais cuja decisão atacada originariamente seja “interlocutória”. Assim, as decisões proferidas em sede de apelação cível, ainda que tenham anulado sentença face ao reconhecimento de algum error in procedendo, não ensejam futura retenção na fase do especial, porque a decisão originariamente recorrida era uma sentença, ou seja, uma decisão “final” que havia encerrado o procedimento do primeiro grau de jurisdição.
Pensássemos o contrário e teríamos que nos confrontar com manifesta teratologia jurídica. Suponha-se que determinada demanda seja antecipadamente (art. 330 do CPC) julgada improcedente em primeira instância, mas o Tribunal anula a sentença por entender necessária instrução probatória. Inconformado, o então réu interpõe recurso especial, o qual acaba retido na origem. Após a ordenada instrução do feito, prolata-se nova sentença, desta vez de procedência, e o Tribunal, em sede de apelação, a mantém. Novamente inconformado, o réu interpõe outro recurso especial, aproveitando-se do ensejo para também reiterar o anterior. Veja-se que nessa situação teríamos duas sentenças, sendo que a segunda se submeteria a uma espécie de condição resolutiva, por ficar na dependência da confirmação da anulação da primeira. Diante dos embaraços que uma situação como essa poderia criar, acreditamos que não há outra saída senão adotar uma interpretação mais restritiva do art. 542 do CPC, de modo a abarcar em regra somente aquelas decisões originariamente interlocutórias.
4. RECURSOS CONTRA A RETENÇÃO
A impugnação da decisão que determina a retenção do recurso especial pode ser feita através de simples pedido de reconsideração dirigido ao Tribunal a quo, ou, ainda, por medida cautelar.[18]
O STJ, contudo, tem sido mais flexível, aceitando o manejo de qualquer meio de impugnação, autônomo ou não, como por exemplo medida cautelar[19], agravo de instrumento[20] e até mandado de segurança[21]. Inclusive, já chegou a admitir até pedido de simples petição atravessado diretamente a ele, mesmo que a competência instância a quo não estivesse ainda esgotada[22].[23] Enfim, diante das controvérsias existentes em torno da matéria, o STJ tratou de encampar a “fungibilidade dos meios”, partindo conscientemente da premissa de que as partes não podem jamais ser prejudicadas pela circunstância de a doutrina e a própria jurisprudência “não terem chegado a um acordo quanto a qual seja o meio adequado para se atingir, no processo, determinado fim”[24].
Como a decisão de retenção não possui caráter jurisdicional, pode ela ser reformada a qualquer tempo, não se sujeitando a nenhum prazo preclusivo.[25]
De qualquer sorte, vale advertir que a decisão que alberga o pleito de destrancamento de recurso especial retido não tem o condão de propiciar a subida imediata do recurso ao STJ, mas apenas o de ensejar a análise imediata da admissibilidade do recurso pela instância de origem, o que pode ou não importar na subida. Qualquer entendimento em sentido contrário implicaria em supressão indevida de instância. Confira-se o julgado abaixo colacionado:
“Outrossim, a decisão desta corte, que determina a desretenção do recurso especial, não conduz à sua imediata subida, impondo-se, após contra-razões, a submissão do recurso ao juízo de admissibilidade perante o tribunal a quo, que, evidentemente, não fica jungido aos fundamentos que justificaram a inaplicabilidade da retenção.” (MC 9529/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/2006, DJ 30/10/2006 p. 245)
5. PRESSUPOSTOS PARA O FUTURO PROCESSAMENTO OPORTUNO DO RECURSO ESPECIAL RETIDO
Uma vez retido, a lei diz que o recurso especial que assim permanecer somente será processado “se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões”.
Disso se percebe que caso ainda persista o seu interesse no julgamento do recurso retido, a parte que o interpôs deve manifestar o seu interesse nos autos. O momento a tanto é que varia conforme o resultado da demanda: (1) sendo-lhe em alguma medida desfavorável, deve a parte recorrente reiterar no prazo para a interposição de seu recurso especial contra a decisão final; (2) sendo-lhe em alguma medida favorável, deve a parte recorrente reiterar no prazo para a apresentação de contra-razões ao recurso especial interposto pela outra parte contra essa mesma decisão final, desde que, logicamente, ainda subsista o interesse em seu processamento.[26]
Questão interessante consiste em saber se a parte recorrente deve obrigatoriamente interpor recurso especial contra a decisão final para que o seu recurso retido seja processado. Embora a doutrina seja dividida a respeito, prevalece o entendimento de que não é necessário interpor recurso contra a decisão final para se reiterar o recurso retido, bastando que no prazo do recurso contra a decisão final[27], a parte requeira o seu processamento por meio de um simples requerimento avulso.
O STJ já adotou essa última posição:
“Não interposta a apelação pela parte, e persistindo o seu interesse no recurso especial interposto contra Acórdão decorrente de decisão interlocutória, é admissível o processamento deste, desde que a reiteração se opere no prazo da apelação.” (REsp 651.001/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 16/09/2004, DJ 27/06/2005 p. 407)
A mesma posição é compartilhada pelo Prof. Rodolfo de Camargo Mancuso, senão vejamos:
“Esta é a posição de Rodolfo de Camargo Mancuso: “E se a decisão final não for de molde a ensejar RE ou REsp, seja por nela não se vislumbrar querela constitucional ou federal adrede prequestionada, seja por lobrigar matéria de fato ou direito local? Parece-nos que, em tais circunstâncias, não pode deixar de ser processado o RE ou REsp que antes ficaram retidos, e isso para que se assegure a boa lógica na interpretação e a integral ineficácia do §3° do art. 542 do CPC, incluído pela Lei 9.756/98: se ali se diz que o recurso retido, para ser efetivamente processado, demanda reiteração ‘no prazo para interposição do recurso [principal] contra a decisão final, ou para as contra-razões’, não faria sentido que, vindo a configurar-se a inviabilidade técnica de RE ou REsp contra a decisão final, ficasse por isso ‘trancada’ ou ‘abortada’ a subida de recurso antes retido. A interpretação, como se sabe, deve conduzir ao entendimento que assegure a maior utilidade prática do dispositivo – princípio da máxima efetividade -, e não que esvazie ou comprometa seu significado. No ponto, propõe Tereza Arruda Alvim Wambier ‘que se deve admitir, nestes casos, a apresentação de um requerimento ‘avulso’, no sentido de ‘desvinculado de qualquer recurso’, já que a lei alude à necessidade de reiteração no prazo do recurso, e não necessariamente com o recurso’. Assim também entende José Miguel Garcia Medina, que traça, ainda, interessante cotejo: ‘Nota-se, aqui, uma diferença substancial entre os regimes dos recursos extraordinário/especial retidos e do agravo retido. É que, no caso deste último, a parte deverá requerer expressamente o julgamento do agravo ‘nas razões ou na resposta da apelação’ (cf. art. 523, §1°, do CPC). Assim, o agravo retido somente será conhecido se houver apelação e, ainda, se nas razões de apelação ou nas contra-razões de apelação o agravante requerer, expressamente, o julgamento do agravo. No caso do art. 542, §3°, do CPC, não há necessidade de interpor outro recurso para provocar o julgamento do recurso extraordinário ou especial retido’.”[28]
6. CONCLUSÕES FINAIS
Em suma:
a) O recurso especial, quando interposto contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões (art. 542 do CPC).
b) Sendo uma norma de natureza processual, trazida pela Lei n° 9.756/98, incide imediato aos recursos especiais pendentes de admissão, ainda tenham sido interpostos antes da vigência da lei. No entanto, o STJ firmou o entendimento de que a retenção não se aplica aos processos criminais (REsp 203227/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 08/06/1999, DJ 01/07/1999 p. 205).
c) Em casos excepcionais, a jurisprudência tem passado por cima desse óbice legal e admitido o processamento imediato do recurso especial, sem que haja sua retenção nos autos, objetivando com isso evitar a ocorrência – ante a eventual postergação do exame do recurso – de dano irreparável ou de difícil reparação ou, ainda, o perecimento do direito.
d) Eis algumas situações em que não se recomenda a não incidência da norma de retenção: (1) recurso especial contra decisão que concede ou indefere tutela de urgência, sob pena se tornar inócua a apreciação da questão pelo STJ; (2) recurso especial contra decisão interlocutória mista, que, embora julgue questão incidente (CPC, art. 162, §2°), no plano prático implique em pôr termo a uma relação processual; (3) recurso especial contra decisão relativa à competência, dada a necessidade de se evitar o esvaziamento da prestação jurisdicional futura; (4) recurso especial contra decisão que indefere pedido de assistência judiciária gratuita, sob pena de se criar grave desestabilização da demanda pela pendência de uma questão decisiva para o desenrolar do procedimento.
e) Tem-se entendido que “o destrancamento do especial, em caso de absoluta urgência, pode ser obtido por qualquer meio processual, seja por agravo, medida cautelar ou até mesmo mandado de segurança” (AGRMC 5737/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 19/12/2002). Outrossim, “a desretenção do recurso especial pode ser pleiteada a este Tribunal através de simples petição” (RCL 727/SP, Rel. p/ acórdão Min. Barros Monteiro, DJ 11/06/2001).
f) Por fim, seguindo a esteira dos precedentes da Corte, a decisão que determina a retenção do recurso especial pode ser revista a qualquer tempo, não se sujeitando a nenhum prazo preclusivo.
Advogado, Chefe de Gabinete da Vice-Presidência do TJ/ES biênio 2008-2009, Pós-graduando em Direito Constitucional pela PUC/SP, Bacharel em Direito pela UFES
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