Resumo: Ao se falar em reconstrução de alguma coisa, necessário se faz que a mesma já tenha existência prévia, que já existisse anteriormente. A reconstrução do direito administrativo brasileiro requer que este já existisse, fosse destruído ou severamente modificado por meios variados e, finalmente, com o passar do tempo, se subordinasse à sua reconstrução propriamente dita. Assistimos nas últimas décadas a uma série de modificações constitucionais sobre o regime jurídico da administração pública brasileira a partir da reforma administrativa de 1998, por meio da Emenda Constitucional nº 19. O que se fez foi uma tentativa de substituição da administração pública burocrática por uma administração gerencial. Conceitos pretensamente inovadores importados do direito administrativo norte-americano e britânico foram utilizados para se configurar um novo modelo de administração pública no Brasil que fosse dinâmico e eficiente e não lento e burocrático como o modelo anterior.
Palavras-chave: Reforma Administrativa. Direito. Direito Administrativo. Tendências. Constituição. Alienígena.
Introdução.
A História do Brasil registra que a nossa nação nasceu faz pouco tempo. A proclamação República, em 1889, poderia ser o marco deste nascimento. À esta indagação, é possível se objetar no sentido de que a nossa nação teria nascido com o descobrimento do Brasil em 1500, ou até mesmo com a Proclamação da Independência, em 1822. Entretanto, tais afirmações podem ser desfeitas com os argumentos de que de 1500 em diante, só havia inicialmente índios em nosso território e, posteriormente, nossa população foi sendo aumentada com colonizadores e escravos que não tinham qualquer sentimento parecido com o de uma nacionalidade, posto que estavam aqui apenas para explorar as nossa riquezas – no caso dos colonizadores – e ou não eram livres para serem donos dos próprios destinos – no caso dos escravos.
Após o Dia da Independência, em 07 de setembro de 1822, fato que teoricamente desligaria os destinos do Brasil aos da nação portuguesa, permanecemos sob a forma de um império cujo trono foi ocupado por Dom Pedro I e, posteriormente, Dom Pedro II, da família real portuguesa.
A República brasileira, segundo informam os historiadores, teria nascido praticamente de um golpe de militares insatisfeitos e poderia ser configurado quase como que um acidente não previsto. Seja como for, somente em 1889, o Brasil passou a ser realmente dono de seus próprios destinos.
Após a promulgação da nossa primeira Constituição republicana, em 1891, o Estado brasileiro teria sido formado, nos moldes de então. Logicamente que a influência alienígena, ou seja, a influência dos demais países que representavam o que de melhor e mais avançado havia no mundo, até então, foi muito grande. Basta dar o exemplo do modelo de federalismo que teria sido importado dos Estados Unidos da América, segundo escolha de Rui Barbosa, conforme opinião de autores brasileiros.
Além da influência norte-americana na primeira constituição do nosso país, após o desligamento total dos laços políticos com Portugal (1822) e com a sua Família Real (1889), o Brasil sempre se orgulhou de ter as constituições políticas mais avançadas em suas épocas devido a termos buscado nas fontes européias e norte-americanas.
A partir de então, como foi revelado acima, as doutrinas importadas sempre foram mais valorizadas do que tudo, até mesmo porque no Brasil não tínhamos propriamente publicações e nem muito menos doutrinas.
As correntes de pensamento que nos influenciavam sobremaneira eram justamente as originárias da América do Norte e da Europa.
No Direito Administrativo, propriamente dito, recebemos influência francesa mesmo porque até a década de 1940/50 este ramo do Direito praticamente não existia nem na Inglaterra e nem nos Estados Unidos da América do Norte.
Conforme sabemos, a Escola Européia Continental, se assim podemos denominá-la, foi composta por países como França, Alemanha e Itália.
O Direito Administrativo Francês foi o primeiro a surgir com a Lei do dia 28 do pluvioso do ano VIII. Esta data equivale ao dia 28 de fevereiro de 1800. Isto porque na linguagem da Revolução Francesa de 1789, que gerou a Constituição da República Francesa de 1792, o ano VIII seria o equivalente ao ano de 1800. O mês pluvioso ou chuvoso pode ser considerado o mês de fevereiro, conforme informações de nacionais franceses que habitam em Paris.
Daí, segundo informam os doutrinadores, teria se expandido para a Alemanha, Itália e demais países do continente europeu até chegar ao Brasil e aqui se instalar na nossa tradição de direito público.
Observe-se que, dentro deste contexto evolutivo, o direito britânico se manteve separado da tradição francesa no tocante ao Direito Administrativo até a atualidade recente. Basta lembrar que o advogado Roscoe Pound, em Nova York, em meados da década de 1940, afirmou que Direito Administrativo não passava de uma técnica processual a ser utilizada nas agências até então existentes, e que já eram demasiadas e atrapalhavam o desenvolvimento do livre mercado, etc.
Desenvolvimento.
Conta a História do Direito Administrativo no Brasil que Antônio Joaquim Ribas, um dos primeiros professores de Direito Administrativo da disciplina na Faculdade de Direito de São Paulo buscou nas fontes de sua obra didática com o apoio de um professor alemão com quem tivera contato o referido mestre da Academia paulista.
Tal professor seria Julius Frank, com quem escrevera Ribas a obra Resumo de História Universal, no ano de 1839. Tal livro também é tido como obra de apoio para Ribas em suas aulas na Faculdade de Direito.[i]
Ao mesmo tempo, fartos são os estudos da disciplina a que apontam para a origem francesa e até mesmo para as influências italianas trazidas para o direito brasileiro pelos nossos mestres.
Durante todo o período do Império e da República brasileira, a utilização de autores europeus e freqüentar cursos superiores na Europa e ou na América do Norte sempre foi sinal de riqueza e de ostentação, de forma que os membros das elites econômicas se tornavam também uma elite cultural e que influenciava toda a nação.
Cretella Jr. já explicava em seu Tratado de Direito Administrativo que a relevância de nosso direito administrativo não mais se limita, como anteriormente, às fronteiras pátrias, mas, ultrapassa-as, e exerce relevante influência na América do Sul. Isto por si só já traria enorme responsabilidade aos construtores do mesmo.
Caberia, assim, aos nossos doutrinadores da matéria importante papel na elaboração de nosso direito administrativo, com a nossa intensa produção atual, documentada com o que de melhor se escreveu nos grandes centros, como o exemplo da Alemanha, Itália, França, Espanha, Bélgica e Portugal, Argentina, Uruguai e México.[ii]
Desde o início do desenvolvimento da doutrina administrativa brasileira, foi trazido o que se produziu, no mundo, em três fontes distintas – a escola francesa, a germânica e a italiana, síntese das outras duas – na intenção mesma de beneficiar-nos com as obras mais representativas e trazer para o Brasil a experiência comprovada dos grandes mestres do direito.
Conclui o mestre que tais influências eram tradicionais em nosso direito administrativo e que nunca vivemos isolados dos movimentos dos grandes centros.[iii]
Fácil destacar, desde sempre, a influência a européia no direito administrativo pátrio.
Em nossa primeira fase, ainda no século XIX, predominam as obras de professores filiados à escola francesa da época, como Rego, Furtado, Rubino, Cabral, Uruguai e Ribas.
O início da República é marcado, no direito administrativo, pela obra de Viveiros de Castro, volumosa, mera compilação ou repetição servil de mestres italianos e franceses.
Destaca Alfredo Buzaid, no prefácio ao volume II do Tratado de Direito Administrativo de Cretella Jr., que o direito administrativo alcançou entre nós, a partir de 1930, importante e considerável progresso. Teria florescido uma literatura rica e profunda. Velhos conceitos foram revistos à luz das novas tendências legislativas.
Função Pública.[iv]
Em nossa tese de doutorado defendida no ano de 2001, explorávamos as origens da evolução do tema da função pública.
A origem da função pública seria anterior ao surgimento do Estado de Direito, sendo este nascido com o advento das revoluções burguesas que culminaram na Revolução Francesa de 1789.
Os funcionários públicos seriam originários da época em que prevaleceu o feudalismo na Europa medieval. As suas instituições teriam sido transportadas e adaptadas durante o absolutismo e o Estado Moderno.
A partir do desenvolvimento dos relacionamentos entre suseranos e vassalos, no decorrer dos tempos, foi sendo moldada a relação de função pública nas diversas sociedades politicamente organizadas.
Este processo se deu no decorrer da Idade Média até o século XIX. Foi, então, a seguir que se completou o processo de substituição dos vassalos por funcionários públicos profissionais escolhidos de acordo com suas aptidões técnicas e lealdade ao senhor a que serviam.
As semelhanças do funcionário público e do vassalo estariam relacionadas aos dois fatores interligados da figura do funcionário público, concebida para cumprir tarefas até então atribuídas aos vassalos e a ligação pessoal de fidelidade entre o funcionário e o seu senhor em regra, príncipe ou semelhante detentor de autoridade pública.
A conclusão a que se quis chegar é a de que todas as enumerações de deveres dos funcionários públicos presentes nas legislações dos Estados contemporâneos têm como antepassados comuns os deveres presentes nos juramentos de fidelidade do vassalo ao seu senhor feudal.
Destaca-se também a influência exercida pela Igreja Romana, no tocante à função pública, porque esta detinha o monopólio da formação intelectual e influenciou a administração existente. Isto além de hierarquizar os seus cargos e distribuí-los conforme as divisões territoriais.
Durante o período absolutista, no tocante à consolidação da função pública, temos que, à medida que foram sendo os vassalos substituídos pelos funcionários públicos, os teóricos políticos tentaram esboçar o que chamam de “linhas ideais da função pública”, em escritos que se amoldariam às demandas da época. Podem ser citados autores como Maquiavel, Erasmo de Roterdã, Seckendorf, Melchior von Osses, Hermann Corings, Johanes Althusius e Christian Wolff.
Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, lemos que todos os cidadãos são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. (art. 6º)
A teoria do contrato social de Rousseau fundamentaria a concepção do cidadão-funcionário.
O Código de Direito prussiano de 1794 já conhecia um título que tratava da função pública.
No decorrer dos séculos XIX e XX surgiram em diferentes países leis que tratavam da função pública.
Agentes Públicos e Regime Jurídico.
Regime jurídico pode ser entendido como o conjunto dos dispositivos legais que tratam da vinculação do servidor ao Estado, e dos princípios que a informam. É o conjunto de direitos e deveres que regem a relação entre o Estado e as pessoas que nele exercem atividades laborais ou a ele pertencem.
O regime jurídico constitucional dos servidores públicos é formado dos institutos normativos inscritos na Constituição do país relativos ao acesso aos cargos, empregos e funções públicas, ao ingresso no serviço público, à carreira, à remuneração e aposentadoria, entre outros itens.
A Constituição Federal de 1988 originariamente previa a obrigatoriedade de regime jurídico único para os servidores públicos dos órgãos e entidades da Administração direta, indireta e fundacional. A Emenda Constitucional nº 19, de 1998, no entanto, ao modificar o caput do art. 39, omitiu a unicidade do regime.
O novo texto do caput do art. 39 da Constituição diz o seguinte:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política e administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.
Os regimes de pessoal da Administração Pública direta e indireta, no Brasil, sempre foram diversificados. Da análise das diferentes constituições se deduz que coexistiram o estatutário ou unilateral e o contratual ou bilateral, além do especial.
O regime jurídico único acolhido na Constituição de 1988 subordinava as vinculações dos servidores públicos destacados acima ao regime jurídico estatutário ou unilateral.
Há opiniões no sentido de que o termo “único” apenas significava a presença de um regime jurídico único, no âmbito da pessoa jurídica. Em outras palavras, o regime jurídico dos servidores poderia ser estatutário ou trabalhista, um ou outro.
Pelo estudo das diferentes Constituições brasileiras, percebe-se predominância de dispositivos estatutários. Entretanto, detectam-se também manobras dos governantes, no intuito de possibilitar a contratação de agentes públicos mediante vínculo mais flexível que o estabelecido legalmente nos estatutos.
Anteriormente à Constituição de 1967, por exemplo, era admitido pessoal para serviços temporários. Estas pessoas poderiam ser admitidas em duas qualidades, ou seja, como extranumerários ou como interinos. A primeira categoria mantinha com o poder público uma relação de natureza estatutária.
Cargo, emprego e função pública.
Em relação às unidades de atribuições, ou seja, aos cargos, empregos e funções públicas, são extraídos temas da Constituição Federal e dos Estatutos dos servidores federais de 1952, Lei nº 1.711, da Lei 3.780, de 1960 e da Lei 8.112, de 1990.
Em relação à evolução dos referidos temas, note-se que a Constituição de 1891 utilizava os termos “cargos” e “empregos públicos” indistintamente.
Mattos de Vasconcelos, em seu Direito Administrativo, após cogitar da colocação de diferentes autores, alude à posição do Supremo Tribunal Federal que reconheceu, em 1914, perfeitamente idênticas as expressões funcionários e empregados públicos.
Tratando-se do funcionário público propriamente dito, esbarrava-se na dificuldade inicial de defini-lo, de se determinarem sua extensão e atributos essenciais e específicos.
As funções de jurado ou a advocacia não caracterizavam os que as exerciam como funcionários públicos, embora fossem consideradas funções públicas; pelo regulamento da Ordem dos Advogados, advogados, tutores e jurados exerciam “serviço público federal”.
Os cargos públicos revelavam subordinação hierárquica no campo administrativo e caracterizavam claramente função.
Existiam, assim, pessoas que exerciam encargos públicos sem serem necessariamente funcionários públicos.
As pessoas que prestavam serviços ao Estado ou com o mesmo contratavam seus serviços, embora exercessem funções de Estado, não eram funcionários públicos.
Todas as pessoas que exerciam cargos públicos eram do quadro dos funcionários públicos. Funcionário público era quem ocupava cargo público.
Os chefes da Administração Pública Direta, ou seja, o Presidente da República e os seus Ministros exerciam cargos públicos, mas não pertenciam ao quadro dos funcionários. Exerciam suas funções de maneira transitória. Desta forma, admitia-se que eram funcionários públicos.
O exercício de função pública, de toda a forma, trazia para a pessoa a qualidade de funcionário público.
Funcionários públicos para a Constituição de 1934 eram os que exerciam cargos públicos. Os que eventualmente realizassem qualquer serviço público não eram necessariamente funcionários públicos.
A Constituição de 1937, no artigo que previa o conteúdo do Estatuto dos Funcionários, previa a formação de um quadro de funcionários que exerciam cargos públicos criados em lei; primeira investidura mediante concurso de provas ou de títulos; estabilidade após dois anos de exercício, quando nomeados em virtude de concurso de provas; aposentadoria compulsória aos sessenta e oito anos, aposentadoria por invalidez com vencimentos integrais, para o funcionário com mais de trinta anos em serviço, invalidez por acidente de serviço, com vencimentos integrais por acidente em serviço, não podendo as vantagens da inatividade superar as da atividade; férias anuais e licença de três meses para as gestantes.
A Constituição promulgada em 1946 trata no título dos funcionários públicos apenas de cargos públicos, assim como a Constituição de 1967.
A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, dispõe sobre cargos e funções públicas.
Da Estabilidade.
Estabilidade é a condição adquirida pelo servidor concursado, após o cumprimento do período de estágio probatório, de não ser exonerado do serviço público, senão nos casos previstos de sentença judicial ou processo administrativo, com ampla defesa.
A Constituição de 16 de julho de 1934 incorporou a estabilidade dos funcionários públicos ao sistema administrativo brasileiro. Para os autores da época, entretanto, deve ser notado que a estabilidade dos funcionários incluía a vitaliciedade.
Lembram o artigo 169 da Constituição de 1934, que tratava do assunto, e concluem que somente gozavam de estabilidade os funcionários, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, nos demais casos, depois de dez anos de exercício.
O art. 188 da Constituição de 1946 estabelecia que eram estáveis os funcionários efetivos nomeados por concurso, depois de dois anos de exercício; depois de cinco anos, os funcionários efetivos nomeados sem concurso. Por fim, parágrafo único explicava que aos cargos de confiança e aos que lei declarasse de livre nomeação e demissão não se aplicava o disposto no caput do artigo.
O texto do artigo 99, caput, na Constituição de 1967 determinava que eram estáveis, após dois anos, os funcionários nomeados pela via concursal. Por isso mesmo, não poderiam ser efetivados ou adquirir estabilidade, se não prestassem concurso público. Em caso de extinção do cargo ocupado pelo funcionário estável, ficaria este último em disponibilidade remunerada, recebendo vencimentos integrais, até o seu obrigatório aproveitamento em cargo equivalente.
A estabilidade só se dava no serviço público e nunca no cargo, isto de acordo com a Carta Magna de 1969.
De acordo com a previsão da Carta de 1969, durante dois anos, após a nomeação por concurso (atributo da efetividade), ou nos casos em que a lei o considerasse dispensável (art. 97, § 2º), o funcionário aguardaria a estabilidade, sendo considerado, então, em estágio probatório. Os estatutos da época davam maior ou menor importância ao estágio probatório, mas sua utilidade estava em permitir à Administração avaliar, no exercício do servidor, a capacitação teoricamente demonstrada em concurso.
Durante o estágio probatório, o funcionário ficava sujeito à exoneração (desprovimento compulsório e discricionário), se se concluísse por sua incapacidade ou inadaptabilidade para o serviço público. Após este estágio, o desprovimento só ocorreria como pena disciplinar (demissão).
A efetividade é condição da estabilidade, é qualidade do provimento originado por concurso ou nos casos em que a lei expressamente o dispensa.
Não existiam parâmetros certos de capacitação a serem avaliados no funcionário, durante o estágio probatório. Prova disto é que, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 19, em 1998, emenda que condiciona a aquisição da estabilidade por parte dos servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público a estágio de três anos e à avaliação especial de desempenho, não há parâmetros para se medir ou se avaliar o desempenho dos servidores públicos. O máximo que se pode apurar é a existência de modelos legais em que se medeia o desempenho do servidor em algumas entidades de direito público.
É fundamental também se recordar que a falta de parâmetros para se avaliar servidores públicos pode gerar, como efetivamente gera, subjetivismos consideráveis nos órgãos públicos nos moldes que aqueles servidores que não forem simpáticos às opiniões de seus superiores e ou não integrar os grupos que detém os cargos de maior importância podem ser vítimas de injustiças muito grandes dentro do serviço público.
O assunto tratado na Medida Provisória nº 124 era o Quadro de Pessoal da Agência Nacional de Águas – ANA.
Os moldes de aferição de desempenho previstos nos seis incisos do artigo 10, da MP 124 eram: a) os de produtividade no trabalho, com base em padrões previamente estabelecidos de qualidade e economicidade; b) capacidade de iniciativa; c) cumprimento das normas de procedimentos e de conduta no desempenho das atribuições do cargo; d) assiduidade; e) pontualidade; e f) disciplina.
Tais critérios deveriam ser aplicados e ponderados de acordo com as características das funções exercidas, caracterizando o desempenho como insuficiente para progressão ou promoção no caso de desatendimento habitual dos requisitos do parágrafo primeiro do mesmo artigo (§ 2º).
Os servidores teriam conhecimento prévio dos critérios, das normas e dos padrões a serem utilizados para a avaliação de seu desempenho (§ 3º).
Finalmente, aos servidores era assegurado o direito de acompanhar os atos de instrução do procedimento que iria avaliar o seu desempenho (§ 4º).
O PLC nº 65/2003, de 10 de outubro do mesmo ano, originário da Presidência da República, disciplina o assunto. São tratados temas como criação de cargos efetivos, quadro de pessoal da ANA, especialistas, analistas, exigência de concurso público, jornada de trabalho, fixação, vencimentos, avaliação e gratificação de desempenho, carreira, remuneração, curso de formação, dentre outros.
O exame do art. 10 do projeto de lei demonstra que serão levados em conta os critérios seguintes na avaliação de desempenho: a) os ocupantes de cargos terão seu desempenho avaliado em cada doze meses; b) a avaliação anual verificará a observância dos critérios de: I – produtividade no trabalho, com base em padrões previamente estabelecidos de qualidade e economicidade; II – capacidade de iniciativa; III – cumprimento das normas de procedimentos e de conduta no desempenho das atribuições do cargo; IV – assiduidade; V – pontualidade; e VI – disciplina.
Também a Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004, que trata da criação de carreiras e organização dos cargos efetivos das autarquias especiais denominadas Agências Reguladoras dispõe sobre o assunto.
Ainda vigente, a Lei nº 10.871 foi referendada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e pela Casa Civil da Presidência da República.
Foi alterada pela Lei nº 11.094, de 13 de janeiro de 2005, que prorrogou contratos temporários, modificou diversos documentos normativos de naturezas distintas, dentre outras ações.
Também foi modificada pela Lei nº 11.292/2006 que tinha como assuntos, dentre outros, alteração de normas relativas a cargos, ingressos de servidor, quadro de pessoal etc.
Recebeu modificações da Lei nº 11.314, de 3 de julho de 2006, e pela Medida Provisória nº 375, de 15 de junho de 2007. Esta última foi convertida na Lei nº 11.526, de 04.10.07, e aborda assuntos como remuneração dos cargos e funções comissionadas da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional.
Tem correlação com o Decreto nº 5.827/2006 que regulamenta a gratificação de desempenho de atividade de regulação – GDAR e a gratificação de desempenho de atividade técnico-administrativa em regulação – GDATR. Os assuntos do Decreto são, dentre outros, criação, carreira, organização, cargo efetivo, quadro de pessoal, agência nacional e órgão regulador.
Vitaliciedade
Os cargos vitalícios geram vínculo válido por toda a vida, apesar de poder o seu titular aposentar-se voluntariamente e estar sujeito à aposentadoria compulsória.
Pela Carta de 1934, os vitalícios eram os componentes das classes dos magistrados, militares e os ministros do Tribunal de Contas. Estes somente seriam demitidos se fossem condenados em processo criminal.
Na análise da Carta de 1937, traça Araújo Castro rápido histórico e aponta, inicialmente, que a Constituição de 1891 declarava vitalícios somente os magistrados federais, membros dos Tribunais de Contas e do Supremo Tribunal Militar, além dos oficiais do Exército e da Armada.
No texto constitucional de 1946, temos que o art. 187 previa somente vitaliciedade para os magistrados, os ministros do Tribunal de Contas, os titulares de ofício de justiça e os professores catedráticos.
A diferença, no tratamento entre funcionários públicos vitalícios e funcionários estáveis, era a de que os vitalícios somente perderiam o emprego em virtude de sentença judiciária, além de que não havia extinção de cargo que estivesse provido.
Themístocles Brandão Cavalcanti chama à vitaliciedade estabilidade absoluta no serviço público e assinala que o titular do cargo só é removível, desde a sua admissão, em virtude de processo judicial. Só poderiam gozar de vitaliciedade os magistrados, ministros do Tribunal de Contas, titulares de ofício de justiça e os professores catedráticos.
A Constituição de 1967 tratava da vitaliciedade no artigo 98 e colocava nesta condição os magistrados e os ministros do Tribunal de Contas.
Segundo o artigo 103, temos que as diferenças existentes entre funcionários públicos vitalícios e funcionários públicos estáveis se resumiam ao modo de demissão aplicável a cada um. Os vitalícios só podiam ser demitidos em função de sentença judiciária, enquanto os estáveis podiam sê-lo por sentença judiciária ou mediante processo administrativo.
Vitaliciedade é situação especial adquirida pelos magistrados, ministros do Tribunal de Contas, segundo a qual o agente só pode perder o cargo por sentença judicial.
A vitaliciedade sempre foi discutida pelos doutrinadores. Destacamos o início do período republicano, no qual o direito de não perder o cargo, a não ser em virtude de sentença judicial, era privilégio da magistratura, de certos ofícios de justiça e do magistério superior.
Originado nos Estados Unidos da América do Norte, o tema da vitaliciedade chegou ao Brasil imperfeitamente copiado e permitiu que os partidos vencedores de cada eleição assegurassem aos seus favorecidos não saíssem jamais dos cargos públicos que lhes eram presenteados.
Transformada a vitaliciedade em produto cultural, não era descabido afirmar que certos cargos da Administração Pública necessitavam dar aos ocupantes garantias de exercício da função correspondente.
Concursos Públicos
Concursos públicos são procedimentos administrativos que declaram a habilitação à investidura em um cargo público. Obedecem a um edital ao qual se vinculam todos os seus atos.
A Constituição de 1891 previa a acessibilidade aos cargos públicos por parte de todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial, estatuídas por lei. No entanto, não cogitava de concurso público.
O dispositivo do art. 168 da Carta de 1934 dispunha que os cargos públicos eram acessíveis a todos os brasileiros, sem distinção de sexo ou estado civil, de acordo com as condições legais.
Brandão Cavalcanti considerava o provimento dos cargos públicos de fundamental importância. Explicava que ínsito à democracia estava o direito de todos terem acesso às funções públicas. Também se sujeitava este direito às condições legais e, principalmente, à seleção dos indivíduos mais capacitados para exercer a função.3
Dentro deste contexto, há ainda o princípio de que, quanto mais rigoroso o processo de seleção, maiores os direitos do funcionário.
A lei limitava a possibilidade de escolha aos critérios seguintes do concurso, de títulos e de provas, da apresentação de diplomas e outras condições e da classificação pela simples prova de habilitação.
Pelo critério da nacionalidade, os cargos públicos eram acessíveis a todos os brasileiros, incluídos os naturalizados. Eram exceções: os deputados (art. 24), o Presidente da Republica (art. 52, § 5º), os Ministros de Estado (art. 59, parágrafo único), os Ministros da Corte Suprema (art. 74), os Ministros do Tribunal (art. 79 da Constituição), os Juízes Federais (art. 80), os Senadores e o Procurador-Geral da República (art. 95, § 1º).
Os professores públicos (“… o magistério publico…”), de acordo com o art. 158, § 1º da Constituição, podiam ser estrangeiros. Isto, em virtude da natureza técnica da função, e desde que fossem contratados temporariamente.
Considerada indiscutível conquista feminina, a igualdade jurídica do sexo, no concernente ao direito de acesso aos cargos públicos, representou grande avanço no próprio desenvolvimento do ser humano, como um todo, que não podia mais relegar as mulheres ao plano inferior de meras reprodutoras da raça humana.
Outro requisito para o acesso à função pública era o exame de sanidade. O critério de aferição da mesma estava envolvido com a natureza do serviço. Certas doenças, como a tuberculose e a lepra, eram empecilhos para o acesso à função pública. Pelo exame de sanidade, buscavam-se, primeiramente, pessoas fisicamente capazes e, logo depois, indivíduos que não representassem risco de aposentadoria precoce e dispendiosa para os cofres públicos.
A Carta Magna de 1937 determinava ao Poder Legislativo a organização de um Estatuto dos Funcionários. Era preceito que já se encontrava em vigor a determinação de que a primeira investidura nos cargos de carreira far-se-ia mediante concurso de provas ou de títulos (art. 156).
A Reforma Administrativa de 1998.
A Administração Pública burocrática e a nova administração gerencial. Foi passado para o país inteiro o conteúdo de uma nova reforma administrativa pela qual o Estado brasileiro abandonaria o modelo burocrático que não funcionava e assumiria um modelo gerencial de administrar.
A burocracia seria a administração da coisa pública por funcionário sujeito à hierarquia e regulamento rígidos, e a uma rotina inflexível.
A Administração Pública burocrática distinguiria o público e o privado de modo claro. Nela há separação entre o político e o administrador público. O relacionamento entre estas pessoas e os políticos devia ser marcado pela neutralidade dos primeiros. Os Estados democráticos, durante o século XX, tinham como principal modelo de Administração Pública.
O modelo burocrático, oriundo da Constituição de 1988 e em todo o sistema do direito administrativo brasileiro, baseia-se no formalismo e na presença de normas e rigidez de procedimentos.
No século XX, o Estado se viu na obrigação de reerguer-se política, econômica e socialmente após duas grandes guerras. Aí surgiu o Estado Social, que tinha como deveres, além dos já consagrados no período liberal, educação, moradia, saúde etc. À medida que o Estado foi assumindo maiores obrigações, naturalmente foi crescendo o número de pessoas que realizavam seu trabalho. A organização do pessoal se deu em hierarquias distintas e organizadas. Este era o Estado burocrático.
Outras conseqüências advindas do aumento das atividades do Estado: segundo o pensamento de autores alinhados com o pensamento de que a economia e o mercado tinham suas próprias regras, o gigantismo causador da inflação e de tantos outros males, como o favorecimento de empresas privadas com riquezas públicas.
O pensamento do neo-liberalismo, iniciado com Hayek, na Suíça, no ano de 1947, passou a predominar no cenário global com a ascensão ao poder de Margareth Tatcher, na Inglaterra (1979), e de Ronald Reagan, nos EUA (1980).
Com o passar dos anos, este pensamento foi tomando conta do panorama mundial e, após a queda do muro de Berlim e o Consenso de Washington, no ano de 1991, passou a prevalecer em vários países da Europa e das Américas.
A partir de então, a concepção de Estado foi sendo alterada para o modelo gerencial, como veremos que foi a opção dos governantes brasileiros de então.
Administração Pública gerencial é aquela construída sobre bases que consideram o Estado uma grande empresa, cujos serviços são destinados aos seus clientes, outrora cidadãos; na eficiência dos serviços, na avaliação de desempenho e no controle de resultados, suas principais características.
A Administração gerencial seria conseqüência dos avanços tecnológicos e da nova organização política e econômica mundial, para tornar o Estado capaz de competir com outros países.
Conclusões
O Brasil mudou significativamente nestes mais de 200 anos de surgimento e evolução do Direito Administrativo. Deixamos para traz uma tradição importada da Europa, da corrente do Direito Administrativo francês e substituímos pela tradição pouco representativa do Direito Administrativo britânico e norte americano.
Deixamos de falar em autarquias para nos ocupar com as agências autárquicas, que, no final das contas, possuem a mesma natureza jurídica e desempenham as mesmas atividades.
Tentou-se substituir um modelo de administração pública com mais de 200 anos de tradição para se instituir um modelo que foi utilizado recentemente nos EUA na reforma administrativa do governo Bill Clinton. O que se fez foi uma simples tradução da obra Reinventando o Governo, de David Osborne e Ted Gaebler, do inglês para a nossa língua pátria como se precisássemos de modelos alienígenas prontos e acabados para resolver os nossos problemas administrativos.
Para se reconstruir o direito administrativo brasileiro necessário se faz que conheçamos os nossos problemas e busquemos as soluções em nosso seio para que efetivamente estejamos preparados para este grande período que se nos aproxima: o Brasil no 1º mundo e não mais um Brasil subdesenvolvido ou em desenvolvimento que busca soluções prontas em outros países pretensamente mais desenvolvidos. Conhecer a experiência internacional é fundamental para auxiliar nesta missão, não apenas importá-la e tentar que aqui funcionem modelos desenvolvidos para outras sociedades, para outras realidades.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.
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