Resumo: A Reforma do Estado e sua contribuição para o combate à corrupção no Brasil através da efetividade do controle social.
Sumário: Considerações Gerais; Antecedentes Históricos; Papel do Estado; Estado Burocrático; A “Era Vargas”; Seis importantes funções do Estado; Três formas de Administração Pública; Crise do Estado e necessidade de reforma; Descentralização Estatal; Setor Produtivo; Reforma do Estado; Reforma Administrativa; Constituição Federal e reforma; Emenda Constitucional 19/98; Novo papel do Estado; Referências Bibliográficas.
Considerações Gerais
O controle social só passará a ser pleno em seus objetivos à medida que ocorrer uma descentralização da máquina administrativa do Estado, pois assim os problemas sociais podem ser resolvidos o mais próximo possível de suas origens.
Por isso, antes de se falar em controle social, é necessário analisar a estrutura da máquina administrativa e suas possíveis falhas impeditivas do bom funcionamento da gigantesca engrenagem do Estado.
A última metade do século XX foi um período de transformações política e econômica históricas, trazendo progressos sem precedentes nas condições humanas tanto em países industrializados quanto países em desenvolvimento.
Uma das transformações significativas deste período foi a mudança do papel do Estado: de um caráter tradicional como sendo – ou esperando-se que seja – o provedor direto do progresso social e econômico, para uma nova responsabilidade onde passa a facilitar e salvaguardar um ambiente propício onde a sociedade civil e o setor privado são seus “sócios” no desenvolvimento da nação.
A interdependência e a capacidade destes três agentes para se empenharem juntos na construção de um ambiente social digno são essenciais para a base e manutenção de um efetivo sistema de governabilidade.
O fenômeno da globalização é um bom exemplo destas transformações, sendo que seu impacto é amplamente reconhecido.
Antecedentes Históricos
O processo de formação e desenvolvimento do Estado Brasileiro teve suas raízes ainda no período colonial, onde existia uma relação tutelar entre o Estado e a nação. Entretanto, é nos anos 30 que se dá o nascimento do Estado Burocrático, fortemente centralizador e intervencionista e, ao mesmo tempo, de uma classe empresarial altamente dependente de autorizações, proteções e favores oficiais.
Este “novo Estado” nasce em meio a um cenário de aceleração da industrialização brasileira, assumindo o Estado um papel decisivo que lhe permite intervir diretamente no setor produtivo de bens e serviços.
Durante a ditadura de Vargas, e com base nas reformas promovidas por Maurício Nabuco e Luiz Simões Lopes, a administração pública burocrática demonstra ser uma conseqüência clara da emergência de um capitalismo moderno no país.
Esta nova geração que assumiu o poder a partir de 1930 tinha como objetivo principal a reorganização total do Estado brasileiro, e viam nessa reforma um preparo para que as boas políticas fluíssem naturalmente a partir delas. O Estado assume a liderança do processo de modernização econômica e social do país, intervindo na produção e criando um “modelo desenvolvimentista”.
Nascido para combater o “patrimonialismo” e o “coronelismo”, o Estado Burocrático, entretanto, dava lugar ao “clientelismo”. Getúlio Vargas ganha a imagem de um “grande coronel nacional”, um “pai dos pobres” e “defensor”, preocupado em defender o povo de seus inimigos e provê-los através de uma visão paternalista.
Este modelo, apesar de eficaz no princípio e alcançando excelentes níveis de desenvolvimento durante alguns anos, passou a se tornar obsoleto devido à influência de fatores externos e internos a partir da década de setenta, quando, a partir da crise do petróleo, em 1973, uma grave crise econômica mundial findou os anos prósperos advindos após a Segunda Guerra Mundial.
Nesse período, somente os países capitalistas desenvolvidos e o bloco socialista, além de uma pequena parte do chamado “Terceiro Mundo” alcançaram relevantes taxas de crescimento.
A nível mundial, o modelo de “Estado tridimensional” (econômico, social e administrativo), onde ocorria a intervenção estatal na economia, buscando garantir o pleno emprego e atuar em setores considerados estratégicos para o desenvolvimento nacional, principalmente de produção.
Tinha como objetivo principal a produção de políticas públicas na área social (educação, saúde, previdência social, habitação etc.) para garantir o suprimento das necessidades básicas da população. Porém, diante da série crise mundial, tornou-se vital a reformulação do papel do Estado na economia e a redução dos gastos públicos na área social.
Os governos destes países começam a perceber que ao invés de um modelo burocrático, já esgotado, deveria se trabalhar no sentido da criação de um modelo de Estado “gerencial”, menos intervencionista, o que aconteceu na Grã-Bretanha, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia, primeiramente, e depois, gradualmente, na Europa e Canadá.
No Brasil, em 1980, o modelo de Estado Burocrático em plena ditadura militar que também está em vias de dar o último suspiro, já se encontra completamente arcaico. Chamada, economicamente, de “década perdida”, o crescimento econômico simplesmente estagnou durante este período e o Estado Brasileiro, literalmente, pede socorro. Surge a consciência de que este Estado deve se tornar um Estado Mínimo, mantendo apenas a ordem através da educação, da saúde e da segurança, e administrando a justiça. Deve se adaptar às tendências globais e ser visto como um meio e não um fim em si mesmo, um amparo ao cidadão que encontra nele respaldo para sua realização como pessoa passível de direitos e obrigações.
A partir de 1990, o Estado Brasileiro se vê diante da realidade do competitivismo internacional, evidenciado pela rápida abertura aos capitais e comércio internacionais, associada à privatização das empresas estatais e à redução do peso do Estado na economia. Começa a se redefinir o papel do Estado, que de um modelo paternalista, empresarial e burocrático deve, urgentemente, assumir o papel de gestor.
Papel do Estado
A governabilidade vista como o exercício de autoridade econômica, política e administrativa para administrar os negócios de um país em todos os níveis, tem maiores implicações para se alcançar a equidade, a melhor qualidade de vida e diminuição da pobreza, responder às demandas sociais e deve deter habilidade para enfrentar as pressões globais com ações políticas apropriadas.
Estas implicações se originam de mecanismos, processos e instituições através dos quais os cidadãos e grupos articulam seus interesses, exercitam os direitos, cumprem com as suas obrigações e equilibram as diferenças.
No sentido desta “governabilidade” imperam três questões muito distintas: a primeira delas é a que diz respeito ao patrimônio líquido. Uma das missões fundamentais do Estado é o alívio da pobreza.
A segunda questão envolve a eficiência econômica deste Estado. As desigualdades advêm de processos de desenvolvimento problemáticos. Os economistas estão sempre procurando formas de aumentar o patrimônio líquido e a eficiência da economia, ao mesmo tempo, ou seja, melhorar o crescimento da nação e a distribuição de renda.
Finalmente, o terceiro tópico diz respeito a sustentabilidade, que é um fator determinante para o crescimento econômico a longo prazo.
Assim, o desenvolvimento de um país, compreendido aqui como sendo o crescimento econômico e o progresso social é algo quase misterioso, pois depende da complexa interação de fatores econômicos, sócio-jurídicos e políticos. Interação esta nem sempre perfeita e acabada.
Esse problema complexo não foi, ainda, solucionado por nenhuma das variedades da teoria do desenvolvimento, imperando desde o otimismo até o pessimismo absoluto.
O Estado brasileiro, que se tornou mais e mais “inchado” década após década deve a promover reformas que aliviem seu peso e retirem sua presença do setor produtivo, direcionando-o para os segmentos mais importantes de sua área de atuação: a sociedade.
Estado Burocrático
É notório que uma nação só se faz através de um esforço concentrado em produção, desenvolvimento econômico e investimento social.
É justamente a partir desta linha de raciocínio que o atual Governo Federal lançou, a partir de 1995, uma ampla reforma na máquina estatal, conhecido como “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, o qual definiu objetivos e estabeleceu diretrizes para a reforma da administração pública brasileira.
Como bem apregoa o projeto de reforma, Governos anteriores adotaram modelos de desenvolvimento que desviaram o Estado de suas funções básicas, ampliando sua presença no setor produtivo e levando a nação a uma gradual deterioração dos serviços públicos, ao agravamento da crise fiscal e, por conseqüência, da inflação.
O objetivo atual é estabilizar e assegurar o crescimento sustentado da economia que promoverá a correção das desigualdades sociais e regionais. Para isso é primordial o fortalecimento do Estado para que sejam eficazes sua ação reguladora, no quadro de uma economia de mercado, bem como os serviços básicos que presta e as políticas de cunho social que precisa implementar.
A “Era Vargas”
Foi a partir da Era Vargas, nos anos 30, que o Estado passou a intervir gradualmente na economia e na organização da sociedade, além de centralizar o poder, configurando-se num modelo de administração altamente burocrática. O Estado torna-se o principal interventor no setor produtivo de bens e serviços do país, tornando-se um Estado “empresário”, centralizado e paternalista.
De lá para cá, inúmeras vêm sendo as tentativas de se implantar reformas com o objetivo de alterar a administração burocrática, seja através da extinção e criação de órgãos, seja por meio da elaboração de projetos direcionados à reformas globais e descentralização de serviços.
Em gestões anteriores, o Governo transferiu atividades para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, a fim de obter-se maior dinamismo operacional por meio da descentralização funcional. Era um sinal de que as mudanças estavam se tornando cada vez mais necessárias.
A conseqüência de tantos anos de retrocesso burocrático foi um grande encarecimento do custeio da máquina administrativa, tanto no que se refere a gastos com pessoal como bens e serviços, e um enorme aumento da ineficiência dos serviços públicos.
Toda esta falta de eficiência estatal se deve aos modelos burocráticos tradicionais que ainda hoje imperam em nosso Direito Administrativo, através do excesso de formalismo, de normas e rigidez de procedimentos.
O Estado Paternalista ou “centralizado” tende a não estender sua ação a determinadas áreas geográficas e setores sociais que se tornam excluídos, tornando-se ausente na prestação de serviços públicos.
Seis importantes funções do Estado
De forma geral, Stiglitz[1] estabelece como sendo funções básicas do Estado:
– Promover a educação, a fim de se construir uma sociedade mais igualitária e facilitar a estabilidade política;
– Fomentar a tecnologia;
– Oferecer suporte ao setor financeiro, principalmente através da disseminação de informação;
– Investir em infraestrutura: instituições, direitos de propriedade, contatos, leis e políticas que promovam a concorrência;
– Prevenir a degradação ambiental e promover o desenvolvimento sustentável;
– Criar e manter uma rede de seguridade social.
Em economias em desenvolvimento, o governo deve exercer um papel especial, oferecendo incentivos para a eficiência da atividade econômica, o fortalecimento da infraestrutura institucional e a provisão de serviços básicos.
Um Estado paternalista deve se converter em um Estado facilitador, que complemente a atividade dos cidadãos. A administração pública, hoje, se caracteriza pelo excesso de pessoal, desperdício e negligência no atendimento ao contribuinte.
Tudo isso torna a máquina estatal ineficiente e também coloca em jogo a estabilidade macroeconômica. Do ponto de vista fiscal, a melhoria na provisão da infraestrutura e a aplicação de critérios empresariais nas operações do Estado representam um alívio das já empobrecidas finanças públicas. Hoje se deve abrir os mercados e a concorrência, eliminando assim os monopólios estatais.
Neste sentido, as reformas propostas pelo atual governo visando a reforma do Estado são importantes e imprescindíveis para permitir ao país que siga o caminho correto do desenvolvimento, capaz de cumprir sua função social e garantir os recursos básicos para o exercício pleno da cidadania. Faz-se necessário, igualmente, desenvolver uma cultura cívica no povo brasileiro, lutando-se contra o “ranço histórico” patrimonialista de um Estado centralizado e distante dos cidadãos.
Três formas de Administração Pública
A gestão pública vem passando por um processo de evolução marcado por três modelos básicos: Administração Patrimonialista, Administração Burocrática e Administração Gerencial, sendo esta última a que mais se identifica com a questão do controle social.
Evidentemente não se pode confundir os princípios da administração pública com os da administração privada. Aquela possui características próprias, e ao longo do tempo evoluiu através de três modelos básicos: administração pública patrimonialista, administração pública burocrática e administração pública gerencial.
a. Administração Pública Patrimonialista – nesta forma de administrar, o Estado e seus agentes possuem um status de nobreza, colocando-se numa pirâmide onde o povo se localiza em sua base, abaixo dos grande interesses. É o mesmo modelo das antigas monarquias que tiravam os tributos do povo e pouco ou nada faziam em seu benefício. O resultado era insatisfação popular, corrupção e nepotismo, efeitos sentidos até pouco tempo no Brasil (herdeiro de uma monarquia patrimonialista) devido à falta de evolução do Estado ao longo dos anos. O modelo de gestão causava confusão entre os cargos públicos e o grau de parentesco e afinidades entre os nobres e outros agentes do governo, uma herança típica do injusto modelo administrativo das antigas monarquias. Foi através do combate a estas injustiças e à corrupção que nasceu o modelo de administração pautado pela burocracia.
b. Administração Pública Burocrática – surgiu em conjunto com o capitalismo e a democracia diante da necessidade de se lutar contra o nepotismo e a corrupção que eram heranças presentes na Administração Patrimonialista. Veio para derrubar a idéia do Estado patrimonialista e corrupto, suas bases eram a de uma grande hierarquia funcional a partir da profissionalização e um caráter impessoal na forma de eleger os agentes e servidores, apresentando rigidez nos processos de admissão de pessoal, nas compras e no atendimento a demandas, por isso sendo altamente burocrática. A complexidade da máquina administrativa governamental passou a crescer a partir da necessidade efetiva do Estado em se responsabilizar cada vez mais por novas atividades, vindo a gerar um modelo burocrático cada vez mais complicado de gerenciar. Era o Estado “empresário”. Esta forma de governar era mais propícia nos tempos em que o Estado tinha pouca finalidade, não assumia muitas funções sociais. Mas com o passar do tempo, com o crescimento da função social do Estado, esta forma de administrar de maneira burocrática não se mostrava mais eficaz, pois a máquina estatal tornou-se lenta, pesada, com altos custos e ineficiente. Daí emergiu a administração gerencial.
c. Administração Pública Gerencial – nasceu diante da expansão progressiva das funções econômicas e sociais do Estado, do desenvolvimento tecnológico e da globalização da economia. Devido à crise do Estado causada pelo “inchaço” das suas funções e atividades e da conseqüente crise fiscal, o modelo gerencial veio para diminuir custos e tornar a administração dos serviços estatais mais eficientes. Esse modelo volta-se para o cidadão como fim, trabalhando para a melhoria dos serviços públicos prestados para o desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações públicas. Trabalha definindo objetivos futuros e intervém apenas nos resultados. Sua proposta é a de revalorizar a imagem dos agentes públicos, garantir equilíbrio das contas públicas, oferecer transparência, equidade e justiça na administração. Também focaliza a sociedade como fim. O Estado “empresário” passa a ser o Estado “gerente”.
Este modelo de gestão tende a ser cada vez mais seguido pelo mundo contemporâneo, uma vez que o Estado focaliza sua atenção sobre o cidadão, resgatando a função da esfera pública como instrumento do exercício da cidadania.
Assim, toda ação do Estado passa a ser realizada tendo como finalidade a melhoria da qualidade dos serviços públicos.
Além disso, este modelo reorienta os mecanismos de controle do Estado para os resultados, isto é, foge dos procedimentos burocráticos de produção do passado para se concentrar no produto, no objetivo em si.
Estes mecanismos de controle, onde o Estado assumia a responsabilidade de empreender e criava entraves burocráticos, representavam um obstáculo à ação, prejudicando a produção dos resultados, o que não ocorre na administração gerencial.
Outra característica importante é a flexibilidade administrativa, através da diminuição e até mesmo fim da burocracia do modelo anterior. O resultado é uma maior facilidade do cidadão em alcançar seus objetivos.
Mas, sem dúvida nenhuma, uma das características que mais chamam a atenção é a transparência que permeia este modelo, pois ocorre a participação ativa da população no controle administrativo, por meio da prestação social de contas e avaliação de desempenho dos agentes públicos, e também do controle dos resultados por aquele que deve se beneficiar da prestação dos serviços públicos: o próprio cidadão.
Crise do Estado e necessidade de reforma
A crise do Estado, basicamente, teve sua origem na esfera fiscal, o que levou inúmeras empresas estatais e instituições públicas a uma situação de falência e ineficiência em suas estruturas, pois a impossibilidade do Estado em gerar recursos para novos investimentos e de assegurar qualidade e baixo custo dos serviços trouxe precariedade e estagnação.
Estas empresas públicas se tornaram uma enorme carga para a máquina administrativa e acarretou insatisfação na população brasileira, devido à falta de qualidade dos serviços públicos. A partir disso se idealizou a Reforma do Estado, que quanto menor, melhor seria para a dinâmica do mercado e para a qualidade de vida dos usuários.
A crise do Estado pode ser vista e compreendida sob várias óticas:
1. uma crise fiscal, onde o Estado cliente passa a ser devedor e perde continuamente seu crédito e a poupança pública, que se torna negativa; conseqüentemente, falta dinheiro para investir em serviços.
2. a falência do modelo intervencionista do Estado, que deixa de atender às demandas sociais;
3. ineficácia do sistema da Administração do Estado.
Segundo Fernando Henrique Cardoso [2],
“no Brasil, embora esteja presente desde os anos 70, a crise do Estado somente se tornará clara a partir da segunda metade dos anos 80. Suas manifestações mais evidentes são a própria crise fiscal e o esgotamento da estratégia de substituição de importações, que se inserem num contexto mais amplo de superação das formas de intervenção econômica e social do Estado. Adicionalmente, o aparelho do Estado concentra e centraliza funções, e se caracteriza pela rigidez dos procedimentos e pelo excesso de normas e regulamentos.”
É o Estado Burocrático dando sinais visíveis de cansaço e esgotamento, necessitando se adequar à vanguarda mundial, tornar-se mínimo, enxugando sua máquina, deixando de ser paternalista, um prestador social, um intervencionista para apoiar a iniciativa privada, as privatizações de serviços públicos que não vão bem justamente pela sua falência, investindo em educação, saúde e segurança, abrindo-se a mercados comuns, formando blocos de livre circulação de mercadorias, moeda.
O pensamento de Herbert Spencer, em sua obra “Essais de Politique” [3], de 1920, nunca poderia estar mais atual:
“será necessário, pois, que o Estado se descongestione, que se desatrofiem seus órgãos, que a experiência, já tão longa e o bom senso convençam os indivíduos de uma divisão mais eqüitativa e racional do trabalho entre eles e o poder público”.
A reforma do Estado deve redefinir o papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para promover e regular esse desenvolvimento. Reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado.
Esta reforma, além disso, envolve vários aspectos, como o ajuste fiscal, a liberalização comercial e o abandono da estratégia protecionista da substituição de importações, programa de privatizações, programa de publicização, ou seja, a transferência para o setor público não-estatal da produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado.
Através destas medidas o Estado reduz seu papel de prestador direto de serviços, mas garante sua atuação como “gerenciador” ou regulador destes, dos quais destacamos os serviços voltados para a área social, educação e saúde.
Por estes meios, o Estado se descentralizará, deixando de ser o principal responsável pela garantia de bens e serviços, sobrando-lhe amplo fôlego para governar, para gerenciar a administração pública de forma flexível e eficiente, direcionada para o atendimento ao cidadão.
Descentralização Estatal
O Governo brasileiro interveio no setor produtivo durante décadas, patrocinando inúmeros programas para desenvolver a economia através da participação direta ou indireta no desenvolvimento de setores como de aço e energia (anos 30), mineração (anos 40), transportes (anos 50) e indústria petroquímica (décadas de 60 e 70).
A descentralização vinda a partir do Governo Vargas e o modelo de industrialização trazido pelo período pós-guerra deixaram como herança um caráter ambíguo de empresa estatal: de um lado, um núcleo produtivo numa economia de mercado e, de outro, um instrumento de política econômica. Saliente-se também a total ausência de controle da sociedade civil sobre o Estado e o desempenho das estatais.
Entretanto, nos anos 80, a economia mundial começou a mudar, sendo que o aumento do nível competitivo, de novas tecnologias e de mercados globais vieram somar-se à já difícil situação financeira do governo, reforçando a necessidade de melhorar os serviços públicos.
Tais fatores levaram o Governo Collor a criar o Programa Nacional de Desestatização – PND, em 1990, que abriu caminho para o ciclo de privatizações que se sucedeu durante toda a década de 90. Após mais de meio século de predomínio de um modelo econômico onde o Estado possuía função intervencionista, assistiu-se à adoção de um novo padrão de atuação da máquina estatal na economia brasileira.
O Setor Produtivo da máquina estatal brasileira é formado por um conjunto distinto de empresas, que atuam, principalmente, em setores de infra-estrutura e fatores básicos como mineração, exploração de petróleo, energia, siderurgia, telecomunicações, transporte ferroviário e portos.
Além destes, o Estado está presente num grande número de empresas privadas, ora como controlador, ora como acionário, por mera intervenção, com o objetivo de evitar possível falência ou por injeção de recursos.
Enquanto o Estado vai cedendo espaço como acionista majoritário das estatais privatizadas a seus novos proprietários, sua atenção tende a retornar para as áreas sociais, das quais se afastou para se transformar em empreendedor pouco hábil e ainda pior gestor da poupança pública.
Voltando novamente sua atenção para o social, o Estado mais “livre” do peso que antes suportava poderá se dedicar à aplicação de recursos públicos nas áreas onde sua atuação pode ser cooperativa com outros setores da sociedade, mas jamais delegável, como a saúde, educação, segurança e moradia.
Também não se deve esquecer que o Estado, sem dúvida alguma, possui um papel decisivo no processo de industrialização e modernização, contribuindo para as bases apropriadas do desenvolvimento das empresas privadas competitivas.
Assim, o Estado deve investir na formação de pessoal de alto nível (desde licenciatura, bacharelado até doutoramento), buscando construir um cada mais importante centro universitário dedicado à investigação. Se isto for realizado nos primeiros níveis de desenvolvimento industrial, tanto melhor, pois as tarefas de pesquisa podem levar décadas e devem estar preparadas para o momento em que o país delas necessite.
Os setores produtivos da área rural e da área industrial, que deverão ser detentores de alta tecnologia e de ciência avançada, necessitam de um comércio sólido, evitando-se distorções com procedimentos especulativos, sob pena de se criarem não apenas prejuízos aos brasileiros, mas, também, entraves na circulação de bens e serviços.
Nas distintas etapas do desenvolvimento é importante o destaque dos setores industriais fundamentais para que atuem de forma ampla. Paralelamente, o país deve eleger a tecnologia mais importante a ser explorada, mais concretamente relacionada com a realidade a nível local, ou seja, as áreas nas quais possui vantagens mais competitivas e dinâmicas.
No caso dos países industrializados, por exemplo, os Estados Unidos e o Reino Unido, a demanda do setor armamentista atuou como principal fator para o desenvolvimento de sua economia. No caso do Brasil, a princípio, diante da vastidão territorial e fertilidade de suas terras, é essencial que o investimento se dê na área da agricultura e pecuária, através de uma política agrícola interna, que seja sólida e real, devidamente fundamentada em princípios claros e consensuais.
Além disso, em vista desta mesma vastidão de terras e riqueza de fauna e flora não encontradas em nenhum outro canto do planeta, o Brasil deve procurar investir em novas formas de tecnologias, como a biotecnologia e a farmacologia molecular, a título de exemplo. Assim, cada país deve procurar conhecer quais são suas potencialidades e, neste sentido, pode, deve e precisa investir.
Uma preocupação constante na questão do investimento no setor produtivo também está na questão do tempo. Os países industrializados nos ensinam a importância da perspectiva a longo prazo.
Deve haver um compromisso a longo prazo por parte do Governo, como uma estratégia de desenvolvimento, estando aí inseridas a educação e a pesquisa científica como principais fatores de um progresso futuro. Esta questão deve ser observada tanto pelo setor público quanto pelo setor privado.
Atualmente, tende-se a desestimular o Estado paternalista, no sentido de se alcançar o Estado “gerencial”, voltado para o controle dos resultados e descentralizado para poder alcançar um objetivo social.
Entretanto, à medida que se afasta da produção, deve o Estado criar condições propícias para o desenvolvimento cada vez maior do setor privado, garantindo o crescimento e assegurando o bem-estar social da população.
Esta condição requer a manutenção de um quadro macro-econômico e regulamentar, sadio e transparente e sugere, ainda, um ambiente de regras claras oferecendo visibilidade e legibilidade do resultado das decisões a serem tomadas pelos setores econômicos.
Estes elementos contribuem muito para a eficiência do setor privado e envolvem aspectos como a instauração de mecanismos do mercado (sistemas de troca, de comércio, de preços e certos aspectos do sistema financeiro), a simplificação do sistema fiscal, o redimensionamento do Estado e seu afastamento do setor produtivo, a instauração da concorrência, a desregulamentação e a supressão de regimes discriminatórios de favorecimento.
Por isso vem o Estado, hoje, descentralizando suas funções, as quais foram assumidas por gestões anteriores e que criaram um enorme peso para o Estado que já não mais pode arcar a carga de atividades que, certamente, não fazem parte de suas obrigações. O fim do Estado é o povo, o cidadão e para ele deve voltar sua atenção. O setor produtivo, antes de ser empresariado pelo Estado deve ser gerenciado por ele.
Sem dúvida alguma, uma melhor gestão dos recursos públicos necessita de uma reforma da máquina administrativa.
Livre dos pesos e obstáculos de todo tipo, a Administração renovada e auxiliada por agentes íntegros e devotados à causa pública, deve estar mais concentrada para ser mais operacional. Esta é uma exigência fundamental neste início de século.
Setor Produtivo
O Brasil está abandonando a tradicional economia fechada, que promovia a desigualdade e era marcada por sérios desequilíbrios macroeconômicos para ceder lugar à uma economia aberta, estabilizada, onde se redesenham os papéis do Estado e da iniciativa privada.
Além disso, não se deve esquecer da necessidade de um processo de desengajamento do Estado do setor produtivo. O afastamento do Estado da esfera de produção não significa que seu papel diminuirá, no futuro. Pelo contrário, pois assim sua ação será determinante nos setores que parecem vitais para o desenvolvimento do país, como:
– saúde
– educação e formação
– segurança pública
– etc.
A modernização de nossa economia supõe uma diversificação da produção nacional. De fato, nosso país não pode continuar sofrendo com as perturbações da conjuntura internacional, sempre atadas ao baixo nível de preços de nossos principais produtos de exportação.
O Estado que é cada vez mais auto-suficiente sofre menos com os autos e baixos da economia global.
Conseqüentemente, apenas através da diversificação progressiva de nossa economia se poderá colocar-se à salvo dos efeitos devastadores dos reflexos da conjuntura internacional. Quanto mais cedo se engajar neste sentido, melhor se assegurará ao Brasil um crescimento a longo prazo.
A diversificação da produção faz parte integrante da modernização de nossa economia. Esta deve se apoiar em empresas fortes e rentáveis. Eis a razão porque a reestruturação do setor de estatais, através das privatizações, deve ser buscada. Aumentando a concorrência, aumenta-se também a qualidade de produtos e serviços e quem ganha com isto é o cidadão.
A inserção da economia nacional no mercado globalizado tem que ser feita em bases competitivas, que exige aumento de produtividade interna, melhoria contínua da qualidade de produtos e serviços, e velocidade dos agentes econômicos na incorporação dos instrumentos de mudança.
As mudanças no setor produtivo que vêm sendo feitas pelo atual Governo visam tornar o Estado mais competitivo e capaz de sustentar, paralelamente à integração junto à economia internacional, taxas de crescimento do produto, da renda e do emprego à altura do potencial e das necessidades do País.
Assim, ao mesmo tempo em que promove a retirada do Estado da esfera produtiva e aumenta a participação privada na tarefa de provimento de infra-estrutura econômica, o Governo se volta para a elaboração de novos instrumentos e padrões de exercício das funções de fomento, planejamento e regulação, que se estende a áreas e atividades carentes de normatização pública, variando desde planos e seguros de saúde até o uso de recursos hídricos, dentre outras.
Sai de cena o Estado Paternalista para dar lugar à iniciativa privada, outorgando-lhe a possibilidade de atuar no campo da prestação de serviços públicos.
Um dos melhores exemplos desta mudança de postura foi a privatização do Sistema TELEBRÁS, que trouxe expressivas transformações ao setor de telecomunicações no Brasil, com novos aportes financeiros e tecnológicos voltados a geração de uma forma de prestação de serviços públicos, com rapidez e confiabilidade.
É papel do governo e de toda a sociedade estimular condições para a criação de mais e mais empregos, de mudanças no ordenamento jurídico do mercado, além de aprimoramentos dos programas governamentais voltados para a geração de emprego e renda. Deverá, assim, trabalhar para a consolidação da estabilidade econômica e a garantia de novos investimentos e mais empregos.
A nova economia deve ser mais moderna e competitiva, geradora de mais e melhor empregos, produtora de bens com maior valor e elevada procura em mercados globalizados e liberalizados, formada por empresas mais bem geridas, mais flexíveis e mais lucrativas, menos dependente do Estado e dos seus subsídios, mais liberta das suas regras discricionárias e dos seus mecanismos burocráticos e clientelares.
Que o Estado não é o principal condutor do desenvolvimento está mais do que evidente em nossos dias. A maioria dos Estados reconhece agora que o setor privado é a fonte primária de crescimento econômico e emprego produtivo. Sua capacidade de criar trabalhos para todos os segmentos da população e ampliar as oportunidades de emprego está atrelada a uma estrutura macro-econômica estável e desenvolvimento de mercado interno e externo.
Entretanto, a expansão sustentável do setor privado, a participação responsável e efetiva no comércio internacional, crescimento eqüitativo e sustentável, e preservação ambiental não podem ser alcançados pelo mercado, somente.
O Governo precisa prover um ambiente propício para a promoção de privatizações dos setores públicos que inflam a máquina administrativa, assegurar crédito acessível para os mais pobres, assegurar mercados cada vez mais competitivos, apoiar empreendimentos de empresas para a geração de novas oportunidade de emprego, investimentos visando facilitar o acesso de classes mais pobres à educação e à novas tecnologias, promover incentivos para o desenvolvimento de recursos humanos, proteger o meio-ambiente e os recursos naturais, dentre outros.
Reforma do Estado
A reforma do Estado, iniciada em 1995, com o início do Governo Fernando Henrique Cardoso, estabelece mudanças na ordem econômica, nos direitos sociais, nos sistemas político, judiciário e tributário, produzindo efeitos imediatos sobre a vida dos cidadãos, servidores ou agentes públicos.
Esta reforma, baseada no estabelecido pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, aprovado em novembro de 1995 pela Câmara da Reforma do Estado do Conselho de Governo que apresenta um verdadeiro diagnóstico da “crise” por que passa o Estado Brasileiro e a Administração Pública, define objetivos e estabelece diretrizes para que o Governo Fernando Henrique Cardoso possa intervir com o objetivo de efetuar uma reforma da administração pública.
Este documento cria condições para uma verdadeira reconstrução da administração pública em bases modernas e racionais, preparando a administração pública brasileira para o cenário globalizado que ora se apresenta a nível mundial e seus desafios.
A “Reforma do Aparelho do Estado”, que ora testemunhamos, trará profundas mudanças a médio e, principalmente, longo prazo sobre as formas de organização adotadas pelo Estado para atender aos seus fins.
A reforma visa atingir os objetivos do neoliberalismo, que é o estabelecimento do “Estado Mínimo”, reduzido, em oposição ao Estado “inchado” e paternalista que dominou a Administração Pública do Brasil no último século.
Realmente, desde o período do pós-guerra, o Brasil nunca esteve tão descentralizado (igualando-se a indicadores das federações de países desenvolvidos), e tampouco teve um plano de estabilização tão profícuo, onde a idéia central é a de que os dois processos podem ser compatíveis e consistentes.
Poderes muito concentrados, exagerada burocratização, nepotismo, empreguismo, excesso de cargos de confiança e desmedido controle político fizeram parte do Estado Burocrático que hoje a reforma se dispõe a sepultar.
Durante os anos 90, o Brasil atravessou os primeiros estágios rumo a uma moderna reorganização capitalista, baseada neste novo caráter do Estado. Sua transição econômica tem sido gradual, mas o país tem tentado se precaver contra possíveis retrocessos.
Para muitos o Brasil parece, finalmente, ter encontrado uma direção e estar saindo do caminho legado por duas décadas frustrantes e perdidas de estagnação econômica e perturbação política. Apesar de nem todos concordarem que as mudanças são mais positivas do que negativas, é possível admitir que mudanças profundas vêm acontecendo, em vista do período que o país simplesmente deixou de crescer.
O modelo econômico do Brasil mudou radicalmente. Na nova economia, os investidores têm a liberdade de fazer suas próprias escolhas de investimento, baseados nas mudanças de mercado.
Através do Plano Real, o país conseguiu derrubar a inflação, reduziu dramaticamente o papel do Estado na economia, e vem encorajando maiores investimentos do setor privado para garantir um crescimento sustentável a longo prazo. Desde julho de 1994, com a introdução da nova moeda, a inflação despencou de uma taxa mensal de 50% ao mês na primeira metade deste mesmo ano para apenas 6,2% no ano de 2000.
A estabilização econômica, a longo prazo, com maior crescimento, depende da contínua privatização do setor público e do sucesso do Programa de Ajuste Fiscal introduzido em outubro de 1998, em resposta à crise financeira mundial.
O país obteve progressos em suas reformas apesar da crise asiática, no fim de 1997, da Rússia, durante o ano de 1998, passou por uma turbulência que o levou à liberação do câmbio e, em 2001, enfrenta com pulso firme a crise na Argentina, dando sinais de que está conseguindo segurar os possíveis abalos externos que vez ou outra insistem em sacolejar nossa ainda “pré-adolescente” economia.
O Brasil tem uma responsabilidade particular para administrar sua economia de modo consistente com o bem-estar econômico e social de seu povo. Por isso, o orçamento federal é uma ferramenta importantíssima para a implementação de políticas federais e prioridades da sociedade, devendo permitir gastos adequados para a satisfação das necessidades atuais da nação.
Isto inclui o papel do Governo Federal auxiliando, por meio de investimentos, os indivíduos, comunidades e Estados, não devendo desperdiçar recursos em atividades esbanjadoras e destrutivas, como gastos militares, por exemplo.
A fim de alcançar um ambiente econômico justo e estável e encorajar o desenvolvimento humano e dos recursos materiais, o Brasil deve se engajar numa forma de implementar um sistema de impostos mais progressivo e global, sanando as atuais falhas que permitem a concentração de riqueza. Também deve adotar políticas monetárias e fiscais que promovam a produção sustentável com preços estáveis e aumento das oportunidades de emprego.
Evidentemente que não existem milagres, pois investimento também requer produção.
Por outro lado, diante das mudanças que vêm acontecendo, a sociedade civil e o setor privado surgem como novos aliados do Estado antes chamado “paternalista”. Este último ainda é o principal agente em todo o processo de desenvolvimento de uma nação, mas já não mais adota soluções dentro de um “vácuo” onde agia como ator principal e exclusivo.
A participação da sociedade civil e do setor privado, neste sentido, constrói uma “confiança social” que, em contrapartida, determinam uma estabilidade e transparência necessários para superar as dificuldades a serem vencidas através da ação em conjunto.
O “novo” Estado ambicionado pela sociedade brasileira pressupõe um modelo capaz de assumir um projeto nacional de desenvolvimento e, por isso mesmo, de um Estado que seja democrático e socialmente controlado.
A reforma de um Estado que introduz um novo modelo de gestão cria condições para a implementação de um novo tipo de desenvolvimento econômico-social, fundado nos valores da democracia. Assim, a democratização do Estado é uma conseqüência natural da reforma do Estado, e evidentemente, a salvaguarda do exercício da cidadania.
Reforma Administrativa
Como visto, o Governo Federal lançou, em 1995, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, o qual definiu os objetivos e diretrizes para a reforma da administração pública brasileira.
A importância da Reforma Administrativa reside nas implicações desta reestruturação para a nação, como a redução da interferência do Estado na economia, a redução do déficit público e a melhoria na qualidade e eficiência dos serviços públicos e prováveis alterações nos mecanismos de controle dos recursos públicos.
A reforma administrativa do Estado exige, basicamente, mudança no ordenamento jurídico, nos regulamentos e nas técnicas e formas de trabalho da administração pública, com o objetivo primordial de melhorar a qualidade e a eficiência dos serviços prestados à sociedade. O fim é o cidadão.
Para isso, são necessários vários projetos envolvendo tanto o Estado quanto a sociedade, e seu sucesso está intimamente ligado a uma reforma também da visão dos agentes públicos e sua forma de administrar, deixando de lado a tradicional burocracia do passado que permeia a Administração Pública brasileira há décadas e que se caracteriza mais como um atraso do que um progresso na arte de bem administrar.
Estas reformas devem envolver, basicamente, a descentralização do Estado, estímulo à privatização de atividades econômicas competitivas sustentáveis em regime de mercado, transferência de funções do poder central para entes intermediários e locais, eficiência nas atividades administrativas, incentivo à gestão direta pela comunidade de serviços sociais e assistenciais, o chamado Terceiro Setor, sem a dependência direta do Estado, mas com seu apoio e sua assistência (organizações não governamentais, associações de utilidade pública, escolas comunitárias), investimento na capacitação profissional de agentes e servidores administrativos, criação de carreiras específicas para altos gestores, simplificação dos procedimentos e tramitação de processos administrativos (desburocratização), uma reeducação para os princípios públicos administrativos (ética administrativa), ampliação dos mecanismos de participação popular na atividade administrativa e de controle social da administração pública, dentre outros.
Estas mudanças, por conseqüência, trarão os benefícios almejados em prol do objetivo maior do Estado: sua função social.
Economicamente, a reforma trará a diminuição do “déficit” público, ampliará a poupança pública e a capacidade financeira do Estado para concentrar recursos em áreas onde deve intervir diretamente.
Na esfera social, aumentará a eficiência dos serviços da Administração junto à sociedade ou financiados pelo Estado, proporcionando melhora no atendimento ao cidadão e atingindo as comunidades de baixa renda.
Politicamente, a reforma do Estado ampliará a participação do cidadão na gestão dos bens públicos e estimulará programas de ação social comunitária. Para a própria máquina administrativa, trará eficácia para as ações do Estado, que gerencia a vida da nação, trabalhando diretamente sobre o controle dos resultados.
Para isso, entretanto, há que se ter, especialmente, abertura de espírito e consciência para com as necessidades primazes da sociedade, ou como bem demonstra Paulo Modesto em seu trabalho “Reforma Administrativa e Marco Legal das Organizações Sociais no Brasil – As Dúvidas dos Juristas sobre o Modelo das Organizações Sociais” [4]:
“Com efeito, parece possível interpretar e refletir sobre o que representa o programa das organizações sociais para a redefinição do modo de intervenção do Estado no âmbito social apenas se adotarmos uma atitude de abertura, de ânimo desarmado, negação da mentalidade burocrática antes referida, que desconfia do novo e o renega de plano, adulterando o seu sentido próprio a partir de antigos esquemas conceituais”.
As modificações que advirão com uma ampla Reforma Administrativa deixarão marcas profundas nas relações da sociedade com o governo, ampliando o princípio da cidadania e alterando as relações de poder no Estado.
Constituição Federal e reforma
A Assembléia Nacional Constituinte produziu, em outubro de 1988, uma Carta Magna analítica, extensiva, que incorporou diversos princípios, direitos e garantias nunca antes vistos nas constituições anteriores.
Nascida após duas décadas de ditadura, a Constituição Federal de 1988 veio responder aos anseios da sociedade que exigia um conjunto de normas capaz de assegurar direitos e garantias do cidadão frente a um Estado e uma ordem econômica sustentados por um inócuo autoritarismo. Era urgente e necessária uma Carta Magna que configurasse um novo cenário de desenvolvimento das relações políticas e sociais.
A chamada “Constituição Cidadã”, que instaurou o Estado Democrático de Direito no Brasil, presenteou a sociedade brasileira com um precioso instrumento para a proteção dos direitos e garantias individuais, bem como do patrimônio público.
Dedicou, ainda, particular atenção à Administração Pública. Os contínuos, constantes e corriqueiros danos praticados, durante décadas, contra o patrimônio público levou o constituinte a erigir um conjunto de princípios e de regras capazes não só de dificultar os ataques ao erário público, mas em dotar a sociedade de instrumentos para, em ocorrendo aqueles, reparar e coibi-los, punindo o agente infrator.
Entretanto, ela também trouxe problemas. O Congresso Constituinte, ao mesmo tempo em que criava um importante instrumento para a consagração da cidadania, promoveu, nas palavras de Fernando Henrique Cardoso, “um surpreendente engessamento do aparelho estatal, ao estender para os serviços do Estado e para as próprias empresas estatais praticamente as mesmas regras burocráticas rígidas adotadas no núcleo estratégico do Estado.” [5]
Sem dúvida, a nova Constituição retirou do Poder Executivo o poder e a autonomia para tratar da estruturação dos órgãos públicos, instituiu a obrigatoriedade de regime jurídico único para os servidores civis da União, dos Estados-membros e dos Municípios, e retirou da administração indireta a sua flexibilidade operacional, ao atribuir às fundações e autarquias públicas normas de funcionamento idênticas às que regem a administração direta.
Felizmente, em 1998, a Constituição Federal de 1988 ganhou a Emenda Constitucional nº 19/98, a qual trouxe uma profunda reforma na Carta Magna, pois abrangeu um grande número de dispositivos constitucionais.
Além disso, alterou profundamente as bases da Administração Pública brasileira, desviando-se do modelo social criado pelos constituintes de 1988 para um modelo mais liberal, inspirado em esboços da administração privada.
Evidentemente, tal reforma dá margem à grande polêmica, já que seus objetivos tendem a se chocar com antigas ideologias – ultrapassadas, diriam alguns – sem falar na questão econômica, que mexe com todos os alicerces da máquina estatal. É também este o pensamento de Augusto de Franco, que vê na Reforma do Estado uma verdadeira reformulação das instituições nacionais e da relação destas com a sociedade:
“A reforma do Estado é a grande reforma que temos pela frente. Ela deverá ser iniciada, mas jamais poderá ser concluída no curto prazo. No médio prazo, ela pressupõe quase que uma refundação da res publica, a mudança das relações do Estado com a Sociedade e a gestação de um novo modelo de Estado. No longo prazo, as exigências da radicalização da democracia tendem a transformar a reforma política e a reforma do Estado numa verdadeira reforma da política, com a instalação de um regime de minorias, a combinação do sistema representativo com o participativo e a introdução do chamado co-governo – o que exigirá a completa reformulação dos partidos e dos processos eleitorais e a criação de novas instituições políticas.” [6]
A Emenda 19/98 foi um passo importantíssimo para a transformação e reforma do modelo de desenvolvimento seguido por gestões federais do passado, onde o Estado afastou-se de suas funções básicas com o intuito de investir, principalmente, no setor produtivo, trazendo uma lenta queda na qualidade dos serviços públicos, déficit público e inflação. Transformou-se num Estado Paternalista, um Estado “empresário”.
Este “paternalismo” vivido durante grande parte do século XX teve seus efeitos negativos mais salientes durante a crise econômica da década de 80, iniciada nos anos 70, e que se transformou numa somatória da excessiva intervenção do Estado na economia e da má aplicação dos recursos públicos. O resultado foi uma grave crise fiscal oriunda do alto déficit público, endividamento externo, poupança pública negativa e, conseqüentemente, um colapso nos investimentos internos. Nos anos 80, chamada economicamente de “década perdida”, o crescimento econômico simplesmente estagnou: “a taxa média de crescimento durante a década de 70 foi de 8,64 % ao ano, caindo para 2,76 % na década de 80.” [7]
A partir deste passado vicioso e sem perspectiva de mudanças, o atual Governo viu na reforma do Estado um valioso e necessário instrumento para assegurar a estabilização econômica e o crescimento da nação, e, conseqüentemente, a solução dos problemas que mais afligem o país, no caso, as desigualdades sociais e regionais. Isto somente se dá com a criação de condições para a reconstrução da administração pública em bases modernas e racionais.
Fernando Henrique Cardoso, em seu Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado justifica a necessidade urgente desta reforma:
“No Brasil, o tema adquire relevância particular, tendo em vista que o Estado, em razão do modelo de desenvolvimento adotado, desviou-se de suas funções precípuas para atuar com grande ênfase na esfera produtiva. Essa maciça interferência do Estado no mercado acarretou distorções crescentes neste último, que passou a conviver com artificialismos que se tornaram insustentáveis na década de 90. Sem dúvida, num sistema capitalista, Estado e mercado, direta ou indiretamente, são as duas instituições centrais que operam na coordenação dos sistemas econômicos. Dessa forma, se uma delas apresenta funcionamento irregular é inevitável que nos depararemos com uma crise. Foi assim nos anos 20 e 30, em que claramente foi o mau funcionamento do mercado que trouxe em seu bojo uma crise econômica de grandes proporções. Já nos anos 80 é a crise do Estado que põe em xeque o modelo econômico em vigência.” [8]
Fernando Henrique justifica, ainda, que a reforma é uma necessidade universal no momento histórico que vivemos, e que no Brasil, a presença do Estado na economia nacional tornou a máquina administrativa lenta e pesada, não conseguindo atender com eficiência a sobrecarga de demandas a ele dirigidas, principalmente na área social.
Emenda Constitucional 19/98
Dentre todas as alterações constitucionais sofridas pela atual Carta Magna, Emenda Constitucional nº 19/98 foi a mais profunda, pois abrangeu um vasto número de dispositivos constitucionais, além de alterar o âmago da Administração Pública brasileira, fugindo do padrão originariamente concebido pelo constituinte originário e partindo para a adoção de um modelo de administração mais moderno, liberal, com visíveis características do padrão que rege a iniciativa privada.
Um ponto que vale destacar com relação à Emenda está na abertura para a elaboração de uma futura lei que venha a disciplinar as formas de participação do cidadão na administração pública direta e indireta, como regulamenta o § 3° do artigo 37 [9]:
§ 3º – A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.
Este dispositivo prestigia o princípio da moralidade administrativa atribuindo-lhe foros jurídicos e, por via de conseqüência, determinando sua imprescindível observância na prática de qualquer ato pela Administração Pública e criando um instrumento de defesa do cidadão nos mesmos moldes do Código de Defesa do Consumidor, ou algo como uma Lei de Defesa do Usuário dos Serviços Públicos.
Isso viria uma vez mais em benefício do exercício da cidadania, pois oferece ao usuário a possibilidade de reclamar em juízo contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função de agente ou servidor administrativo da esfera pública.
Outro detalhe importante da Emenda Constitucional é a rígida observação do controle da despesa pública com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados e dos Municípios, que não poderá ser superior a limites fixados em lei complementar. Estes limites foram fixados, posteriormente, pela Lei Complementar n° 101, de 04/05/2000.
A Emenda também incluiu um novo artigo na Constituição Federal, sob n° 247[10]:
“Art. 247. As leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41 e no § 7º do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado”.
O artigo estabelece que as leis previstas nos dispositivos mencionados, no que se refere à demissão de servidores estáveis, fixarão critérios e garantias especiais para estabelecer a perda do cargo do cargo pelo servidor público que esteja atuando exclusivamente junto ao Estado.
A Emenda trouxe, ainda, novidades no que diz respeito à remuneração de alguns servidores específicos, visando se evitar a ultrapassagem de teto dos salários [11]:
“art. 37, XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal;”
Já no artigo 39, § 4° da Emenda, abriu-se o precedente para uma forma de remuneração denominada subsídio para os membros de poder, que será uma única parcela, estando proibido qualquer adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie de remuneração, sempre obedecendo ao disposto no artigo 37, incisos X e XI, sobre a fixação de teto:
“§4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI”.
Este dispositivo oferece transparência na forma de remuneração dos membros de Poder e detentores de mandato eletivo.
A Emenda também incluiu um dispositivo na Carta Magna que obriga os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a publicar, anualmente, os valores do subsídio e da remuneração dos cargos e empregos públicos.
Assim, a sociedade tomará conhecimento dos valores percebidos pelos detentores do Poder e seus servidores públicos.
Existem outros postos que merecem ser ressaltados nas inovações trazidas pela Emenda n° 19/98, como as profundas alterações no chamado “terceiro setor” da Administração Pública, criando figuras como as “organizações sociais”, mas por ora deixaremos este registro a título de destaque.
Entretanto, não se pode deixar de mencionar a nova redação do caput do art. 37 da Constituição Federal, o qual resume, de certa forma, o espírito da Reforma Administrativa [12]:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)” (grifo nosso)
O princípio da eficiência, grafado no texto constitucional, denota o desejo do Governo e do legislador em garantir a batalha que se deve travar contra a corrupção, o nepotismo, a baixa qualidade dos serviços públicos etc., numa forma de responder aos anseios da população cansada de injustiça social, falta de respeito no trato com a coisa pública e negligência na prestação dos serviços públicos oferecidos.
O princípio da eficiência agora expresso na Constituição Federal constitui norma plenamente exigível e concretizável, criando um vínculo imediato entre o agente público e o cidadão, cansado pela má qualidade dos serviços que lhes são prestados pelo Estado. Qualidade esta denegrida ao longo de décadas por culpa de um Estado burocrático, pesado e lento.
Agora, juridicamente reconhecido dentro da Carta Magna, o princípio da eficiência amplia os horizontes para o estudo das questões relacionadas com a ação administrativa. Eis o primeiro passo tomado para outros que virão na Reforma Administrativa do Estado Brasileiro.
Novo papel do Estado
Somente a partir de reformas profundas em sua máquina administrativa poderá o Brasil garantir maior controle e justiça social. O Estado deve abandonar o papel de executor ou prestador direto de serviços, para se colocar, entretanto, como agente regulador e provedor ou promotor destes, em cuja função o Estado continuará a subsidiá-los, facilitando o oferecimento, ao mesmo tempo, do controle social direto e a participação ativa da sociedade.
Este novo papel do Estado é a garantia de uma administração pública com novo e eficaz comportamento que em nada lembre as práticas vicejadas no período do autoritarismo.
Advogado, especialista em Educação Patrimonial, Mestrando em Constituição, Processo e Sociedade pela UNOESTE (Presidente Prudente/SP), Professor de Direito Constitucional, Ciência Política e Teoria Geral do Estado, escritor, pesquisador.
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