Resumo: Todas as etapas da cadeia produtiva da Indústria do Petróleo e Gás Natural – IPGN são potencialmente danosas e merecedoras de especial atenção jurídica. Isto se dá pelo fato de cada uma delas possuir natureza poluidora e capaz de gerar transtornos àqueles que, próximo de suas atividades, possuem imóveis. E é sob a ótica do direito de vizinhança que este trabalho busca analisar a responsabilidade civil do concessionário nas fases de exploração, produção, transporte e refino de petróleo, bem como na distribuição e revenda de combustíveis. Para tanto, busca este escrito esclarecer como incidem os direitos de vizinhança e as espécies de responsabilidade civil na IPGN.
Palavras-chave: Direito de vizinhança. Responsabilidade Civil. Indústria do Petróleo e Gás Natura
Abstract: All the stages of the productive network of the Industry of Oil and Natural Gas – IONG are potentially harmful and worthy of special juridical treatment. This happens because each one of them are naturally polluting and capable to generate damages to those that have properties close to the their activities. And it is under the optics of the neighborhood right that this paper search to analyze the concessionaire civil responsibility in the exploration, production, transport and refining phases, as well as in the distribution and resale of fuels. For so much, this article explains how the neighborhood rights and the kinds of civil responsibility happen in the IONG.
Keywords: Neighborhood rights. Civil Responsibility. Industry of Oil and Natural Gas.
Sumário: 1. Considerações iniciais 2. Dos direitos de vizinhança: noções gerais 2.1. Limitações ao direito de propriedade 2.2. Conceito 2.3. Dos direitos de vizinhança em espécie 2.3.1. Do uso nocivo da propriedade 2.3.2. Das Árvores limítrofes 2.3.3. Da passagem forçada 2.3.4. Da passagem de cabos e tubulações 2.3.5 Das águas 2.3.6. Dos limites entre prédios e do Direito de Tapagem 2.3.7 Do direito de construir 3. Fundamentos da responsabilidade civil 3.1. Definições, classificação e teorias das responsabilidades 3.2. Pressupostos da responsabilidade civil 4. A responsabilidade civil e o direito de vizinhança na indústria do petróleo e gás natural 4.1. A cadeia produtiva do petróleo 4.3. Transporte 4.4. Refinarias 4.5. Distribuidoras 4.6. Postos de revenda de combustíveis 5. Ponderações finais. Referências
1. Considerações iniciais
O presente estudo prestar-se-á a avaliar o conteúdo dos direitos de vizinhança, a partir da análise sobre a responsabilidade civil dos agentes da Indústria Petróleo e do Gás Natural.
Compreende o direito de vizinhança: o uso anormal da propriedade; as árvores limítrofes; a passagem de cabos e tubulações, as águas, os limites entre prédios, o direito de tapagem e o direito de construir, porém será dado tratamento específico apenas àqueles institutos considerados de maior relevância no contexto da Indústria do Petróleo e Gás Natural (IPGN).
Tais institutos, elencados nos artigos 1.277 ao 1.313 do Código Civil, estão dentro do conjunto das normas que regulam as relações jurídicas entre os homens, em face às coisas corpóreas, denominado de Direito das Coisas.
Diante disso, procuraremos lançar algumas bases necessárias para a boa compreensão das premissas fundamentais das espécies jurídicas em comento e, uma vez que, tenhamos atingido esse desiderato, passaremos ao estudo das diversas epígrafes do Código Civil aplicadas aos diversos componentes da IPGN.
2. DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA: NOÇÕES GERAIS
As questões de vizinhança muitas vezes aparentam grande simplicidade chegando a causar a impressão de que não passam de problemas banais. De fato, o passar de alguns galhos para a propriedade de alguém não parece induzir a probabilidade de dano grave, de atingir da esfera jurídica alheia em grau que demandasse proteção específica.
O problema é que a questão não reside no prejuízo material, que até pode estar presente, mas na perturbação permanente, na agressão moral representada pela desconsideração aos direitos do prejudicado e pela violação de uma noção imanente do imaginário do homem: a igualdade de direitos e o respeito mútuo.
Cientes dos potenciais conflitos gerados pela reação daqueles que reagem àquilo que lhes representa uma injusta agressão ao seu direito, optaremos por tratar especificamente sobre a matéria no tocante a problemas gerados a partir da Indústria do Petróleo e Gás, apresentando tanto como o proceder inequívoco e as condutas erradas, assim como o caminho legal correto e a responsabilidade do agente causador do dano para que este faça cumprir a função preventiva da norma.
2.1. Limitações ao direito de propriedade
A concepção que hoje temos da propriedade percorreu um caminho que reflete a própria transformação da humanidade e suas instituições. Não podia ser diferente, já que a propriedade é um fenômeno essencialmente humano e toma contornos conforme as circunstâncias sociais, econômicas, políticas e, sobretudo, jurídicas.
A Constituição Federal de 1988 seguiu o modelo da Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição da Weimar de 1919 e deixou-se permear por valores sociais de modo tal que se pode conceber como uma Constituição Social e ficou conhecida como a “Constituição Cidadã”[1]. No que diz respeito à propriedade, especial atenção demanda o art. 5, inc XXIII, que acolheu a função social da propriedade.
Não que antes não se houvesse de respeitar o limite da utilização em cotejo com o direito alheio, pois havia regras limitativas da propriedade desde o Direito Romano, mas com a idéia de conteúdo social (interesse público ou coletivo sobre o particular) no seu uso, a concepção moderna de propriedade, longe de ser um exemplo de potestade absoluta, é um direito limitado no interesse da coletividade, ou seja, é relativa.
A propriedade é, portanto, o direito que a pessoa, física ou jurídica, tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha; a propriedade não é a soma desses atributos, ela é direito que compreende o poder de agir diversamente em relação ao bem, usando, gozando ou dispondo dele[2].
A propriedade sofre limitações voluntárias, quando estabelecidas pelo ato de vontade do proprietário ou possuidor da coisa, e limitações legais ou jurídicas quando contidas em leis ou regulamentos administrativos e quando decorrerem da aplicação dos princípios gerais do direito.
As principais formas de limitação voluntária são as cláusulas resolutórias como o fideicomisso, a doação com cláusula de inalienabilidade temporária ou vitalícia (devidamente registrada), a doação modal, o pacto adjeto de retrovenda no contrato de compra e venda e a cláusula de inalienabilidade.
Já as limitações legais podem ser de Direito Constitucional, como as que dizem respeito à função social da propriedade, desapropriação, requisição administrativa, limitação em zona de fronteira por imperativo de segurança nacional, limitações de ordem econômica, para evitar o abuso, dominação de mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros; de Direito Administrativo, como as limitações administrativas, ocupação temporária, requisição administrativa; tombamento; servidão administrativa; desapropriação; normas administrativas de urbanismo, saúde pública, defesa ambiental, corporificadas em leis, decretos e outros atos administrativos, ou ainda de Direito Civil, onde estão as disposições sobre os direitos de vizinhança que trataremos a seguir.
Estas restrições em virtude de interesse social pressupõem a idéia de subordinação do direito de propriedade privado aos interesses públicos e às conveniências sociais. São restrições imprescindíveis ao bem-estar coletivo e à própria segurança da ordem econômica e jurídica do país. Tais limitações, no entanto, funda-se no próprio interesse do titular do bem ou de terceiro, não afetando, dessa forma, a extensão do exercício do direito de propriedade.
2.2. Conceito
Os direitos de vizinhança são previsões legais que têm por objeto regulamentar a relação social e jurídica que existe entre os titulares de direito real sobre imóveis, tendo em vista a proximidade geográfica entre os prédios ou entre apartamentos num condomínio de edifícios[3].
Os prédios não precisam necessariamente ser contíguos ou vicinais, porém a atividade exercida possa de alguma forma repercutir em outro prédio. Sendo assim, para efeitos legais, quem sofrer a repercussão nociva, será reputado vizinho, independentemente de confrontar com o prédio ou não.
As relações de vizinhança parecem ter natureza real, mas não são reais. Os direitos de vizinhança têm natureza jurídica de limitação de direito real (propriedade) e dá origem a direitos não apenas reais, mas também pessoais. Sendo necessário o conflito de vizinhança para que haja efeitos sobre o imóvel vizinho. A natureza jurídica é no sentido de que o direito de vizinhança acompanha a coisa vinculada com que quer que se encontre. A obrigação propter rem, transmite-se ao sucessor a título particular e extingue-se pelo abandono.
Os direitos de vizinhança são criados por lei e, não visam aumentar a utilidade do prédio, mas sim reputados necessários para a coexistência pacífica entre os vizinhos. Estas duas características distinguem o direito de vizinhança do direito real sobre coisa alheia denominado de servidão predial, cuja regulamentação se encontra nos artigos 1378 até 1389 do C.C./2002.
Para que haja conflito de vizinhança é sempre necessário que um ato praticado pelo possuidor de um prédio, ou o estado de coisas por ele mantido, vá exercer seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel ou incômodo aos seus moradores.
O fundamento da responsabilidade nessa seara, não se esteia na culpa e assenta-se efetivamente na responsabilidade objetiva, conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência[4] majoritária. Assim, se o ato praticado no imóvel vizinho repercute de modo prejudicial e danoso ao outro, impõe-se o dever de remover o mal causado ou indenizar o dano experimentado.
2.3. Dos direitos de vizinhança em espécie
A coexistência de vários prédios próximos, a vizinhança, a coletividade e a disciplina urbana traduzem parte das restrições impostas ao exercício do direito de propriedade que limita a disposição em função de interesses de ordem pública e privada. Os direitos de vizinhança estão dispostos no Código Civil através dos institutos do uso anormal da propriedade; das árvores limítrofes; da passagem forçada; da passagem de cabos e tubulações, das águas, dos limites entre prédios, do direito de tapagem e do direito de construir.
2.3.1. Do uso nocivo da propriedade
O direito de preservação da pessoa oposto contra a utilização de posse ou da propriedade alheia de modo a não causar dano à segurança ou sossego ou a saúde, é exercido caráter de reciprocidade.
A segurança que tem haver com solidez, estabilidade material do prédio e a incolumidade pessoal de seus moradores. Deve ser afastado qualquer perigo pessoal ou patrimonial, como por exemplo, a instalação de indústria de inflamáveis e explosivos, ou uma de produtos químicos nocivos à saúde.
O sossego não é a ausência completa de ruídos, mas a possibilidade de afastar ruídos excessivos que comprometam a incolumidade da pessoa, sendo este um bem jurídico inestimável, componente dos direitos da personalidade, intrinsecamente ligado ao direito à privacidade.
Já a saúde concerne ao estado da pessoa cujas funções estão normais. A salubridade física ou psíquica pode ser afetada por moléstia à integridade de vizinhos mediante agentes físicos, químicos e biológicos como na emissão de gases tóxicos, poluição de águas e matadouros.
O art. 1.277 do C.C. possui rol taxativo (numerus clausus) e não admite interpretação extensiva[5]. Desta forma, se as interferências prejudiciais causadas não repercutirem sob o trinômio (saúde – segurança- sossego) a questão extrapolará do conflito de vizinhança.
Ressalte-se que a segurança, sossego e saúde são direitos da personalidade inerentes a qualquer ser humano e não apenas aos vizinhos. E o mau uso da propriedade dá-se pela prática de atos ilegais, abusivos ou excessivos.
Atos ilegais são os verdadeiros atos ilícitos, tutelados genericamente pelo art. 186 do Código Civil, consistindo na conduta voluntária prejudicial aos interesses dos vizinhos.É sabido que o uso regular de um direito reconhecido não constitui ato ilícito, conforme se verifica da análise do art. 188, I do C.C. Desta forma, o exercício irregular de um direito enseja o ato ilícito denominado tecnicamente de abuso de direito. Alguns doutrinadores apontam que o abuso de direito, a priori não se revela como ilícito, mas com o tempo e, por infringir a esfera jurídica de outrem, passa a se configurara como ato ilícito.
Abusa do direito[6] de propriedade de imóvel quem a utiliza nocivamente, pondo em risco ou afetando a segurança, o sossego e a saúde dos donos dos prédios vizinhos. Portanto, define-se o uso da propriedade conforme prevê o art. 1.228 do C.C. privilegiando sua função social com efetivo interesse dói proprietário ou a sua comodidade e, nunca sendo utilizada como instrumento de vingança, capricho ou com o fito de perturbar ou causar dano a outrem.
Atos excessivos são aqueles praticados com finalidades legítimas porém ainda assim gerando danos anormais e injustos passíveis de indenização em sede de responsabilidade objetiva.
Todavia, há casos que se tem que tolerar as interferências à propriedade em razão do interesse público (art. 1.1278 C.C.) podendo requerer a qualquer tempo a redução ou a própria cessação da atividade considerada como nociva, basta que se prove que tal fato não traria prejuízo à atividade em prol do interesse público.
O critério basilar a ser adotado para a composição do conflito é o de uso normal em confronto com o uso anormal. Mas a questão é complexa e subjetiva, pois não há marco divisório nítido entre a normalidade e anormalidade. E devem ser levados a termo, o fator objetivo que é o ato causador do conflito e, o outro fato subjetivo, concernente à pessoa que se vê prejudicada.
Aponta a doutrina alguns critérios para efeito de composição dos conflitos, a exemplo da pré-ocupação[7], a natureza da utilização, a localização do prédio, as normas relativas às edificações e os limites de tolerância dos moradores vizinhos.
2.3.2. Das Árvores limítrofes
Atualmente, as árvores constituem artigo cada vez mais escasseado nas cidades, haja vista o regime de edificações, mas nem por isso se pode ignorar a possibilidade de interesses envoltos quanto a questões das árvores, ramos e frutos de tal sorte que os artigos do antigo Código Civil de 1916, no tocante a matéria, continuam nos artigos 1.282, 1283 e 1284 do atual diploma.
2.3.3. Da passagem forçada
A passagem forçada é um direito conferido a quem possui ou é proprietário de prédio encravado[8], impedido de alcançar a via pública, nascente ou porto, mediante o pagamento de indenização,de acordo com o artigo 1.285 do nosso diploma civil.
O legislador assegura o direito de indenização a quem ceder passagem, porém, nada impede que este abra mão dessa contraprestação. Não havendo acordo amigável entre os proprietários vizinhos, o rumo então será fixado judicialmente. E se prestigiará o imóvel que melhor prestar naturalmente e facilmente o acesso à passagem.
O encravamento pode ser natural e artificial (produzido). Existem duas posições na doutrina e na jurisprudência relativamente ao direito de passagem forçada. A primeira delas,entende que o vizinho só terá direito a esta no caso de encravamento absoluto do imóvel, sendo forçoso que passe dentro da propriedade alheia. Já para a segunda posição, que ainda se apresenta como minoritária no judiciário nacional, há a passagem forçada mesmo diante do encravamento relativo, bastando que o acesso à via pública seja incômodo, insuficiente, dispendioso ou perigoso.
2.3.4. Da passagem de cabos e tubulações
A passagem de cabos e tubulações, instituto trazido nos artigos 1286 e 1287 do Código Civil veio garantir o direito dos que executam serviços de utilidade pública, recebidos por concessão, permissão ou autorização do Poder Público, além do direito dos vizinhos que precisam receber serviços de utilidade pública, como água, energia elétrica, telefonia, combustíveis ou serviço de esgoto.
Diante da necessidade pública tais obras devem ser toleradas desde que não tenham outro meio condutor ou quando for muito dispendiosa a sua realização, sem atravessar a propriedade vizinha. E ainda quando estas instalações possam oferecer grande risco ou perigo como a da energia elétrica, pode o proprietário exigir para realização das obras a observância estrita dos itens de segurança[9].
2.3.5 Das águas
Além do Código de Águas (Decreto 24.643 de 10/07/1934), o Código Civil, nos artigos 1.288 a 1296 que delimitam o campo de incidência das normas no tocante às águas dentro das relações de vizinhança trata do assunto[10].
O dono do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior como as águas de chuvas e das nascentes, não podendo realizar obras que comprometam seu normal fluxo, como um muro de contenção das águas. Também não poderá o domo do prédio superior agravar a situação do prédio inferior, de alguma forma, aumentando o ônus.
Dentre as várias disposições acerca da utilização das águas, o que merece destaque é a questão ambiental, onde é expressamente proibido ao possuidor do prédio superior poluir as águas, bem como deve ser prezado o seu curso natural.
Em alguns casos, entretanto, é facultada a instalação de canais em prédios alheios é (servidão de aqueduto[11]) pelo proprietário ou possuidor para: o recebimento de águas indispensáveis às primeiras necessidades, desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria; o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas; a drenagem do terreno. Porém o exercício de tal direito subordina-se ao prévio pagamento de indenização aos proprietários pelo uso do terreno, o que afasta o direito indenizatório por danos futuros.
2.3.6. Dos limites entre prédios e do Direito de Tapagem
Os artigos 1.297 a 1298 da Lei Civil tratam dos limites entre prédios e do direito de tapagem. São questões de ordem técnica e com pouca aplicabilidade à IPGN, portanto, não merecedoras de maiores comentários.
2.3.7 Do direito de construir
Os artigos 1299 a 1313 do Código Civil são dedicados ao direito de construir, o qual está enquadrado no título “Da propriedade” – coluna fundamental dos direitos reais. Vale destacar que para efeitos de Indústria do Petróleo e Gás Natural e relações de vizinhança, o direito de construir tem aplicabilidade considerável na fase de exploração e produção, e, especialmente, na distribuição e revenda de combustíveis.
Conforme já explanado, o proprietário possui a faculdade de usar, gozar e dispor dos seus bens. É dentro desse leque de possibilidades que está inserido o direito de edificar, levantar construções no imóvel. Entretanto, o direito de propriedade não é absoluto e tem como limites jurídicos os princípios constitucionais da função social e do interesse público. No caso do direito de construir são os regulamentos administrativos[12] e as disposições do Código Civil os responsáveis pela limitação ao direito de propriedade e compatibilização dos interesses dos vizinhos e do bem estar da coletividade. Trata-se de um afastamento do individualismo jurídico burguês, ainda vigente em algumas legislações de origem anglo-saxônica, e adoção dos valores metaindividuais pela atual Carta Republicana[13].
Assim como nas outras relações de vizinhança, o objeto jurídico a ser tutelado é o trinômio sossego, segurança e saúde. Qualquer ação ou omissão do dono da obra que venha a interferir em qualquer um destes elementos é capaz de legitimar as ações possessórias e até mesmo a responsabilidade civil, como será estudado mais adiante[14].
O artigo 1299, principal comando normativo do direito de vizinhança dispõe que é prerrogativa inerente da propriedade o direito que possui o seu titular de construir em seu terreno o que lhe aprouver, resguardado o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos. Os dispositivos seguintes utilizam o termo “prédio” para designar a obra em construção e é imperioso explicar que o conceito desta locução compreende a habitação, comércio e indústria, pelo que assegura a incidência do direito de construir nas diversas etapas da cadeia produtiva do petróleo e gás natural. Destaque-se ainda que a construção pode abranger a superfície do solo, o subsolo e o espaço aéreo, de acordo com o critério de utilidade para o proprietário[15].
Não serão abordadas minuciosamente neste escrito todas as disposições atinentes ao direito de construir, haja vista tratarem-se de regulamentações bastante técnicas (mas refletoras de valores coletivos, ressalte-se). Por ora, é suficiente mencionar que os artigos ao norte mencionados tratam da construção e lançamento de água no prédio vizinho; da distância entre janelas e varandas; das paredes divisórias; das construções capazes de produzir infiltrações ou interferências; da poluição da água de poço e da retirada da água de escavações (grifo nosso)[16].
3. FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Feitas estas considerações iniciais, cabe-nos tecer alguns comentários acerca da responsabilidade civil, haja vista ser esta disciplina aplicada ao direito de vizinhança e indústria do petróleo e gás natural. Há, ainda, de se mencionar a importância do estudo dos institutos básicos e do entendimento doutrinário acerca do assunto como razões propulsoras dos comentários a seguir realizados.
Pois bem. Quando se fala em direito privado, indubitavelmente o jurista é reportado ao direito romano – raiz de grande parte das modernas teorias do direito. Na responsabilidade civil não é diferente. O termo spondeo é o mais aproximado da locução “responsabilidade”[17]. Esta palavra latina era designada para aquelas pessoas devedoras, que respondiam pelos danos decorrentes dos contratos verbais, instituindo uma das primeiras idéias de restauração de equilíbrio econômico, jurídico e de reparação do dano.
Contudo, é necessário destacar que o termo latino refere-se ao gênero responsabilidade, a qual é distinta das outras tipologias, quais sejam responsabilidade moral e responsabilidade jurídica. A primeira categoria, como o próprio nome já o diz, está ligada às regras de natureza moral ou religiosa e atua no campo da consciência individual[18]. Foi largamente difundida durante os primeiros séculos da Era Cristã e na Idade Média com o Direito Canônico. É uma espécie mais generalista de responsabilidade, pois prescinde do conceito de dano e bebe das definições de pecado, certo e errado, céu e inferno.
A responsabilidade jurídica, por seu turno, só é caracterizada quando há violação de norma jurídica, devidamente elaborada de acordo com os trâmites constitucionais, e que cause dano. Logo, vê-se que a distinção reside em critérios objetivos e previamente estabelecidos. No campo da responsabilidade jurídica estão abrigadas as diversas naturezas subespécies, inclusive a civil.
3.1. Definições, classificação e teorias das responsabilidades
Em sede de classificação doutrinária e legal, tem-se que quanto à natureza a responsabilidade jurídica pode ser civil, penal e administrativa. A responsabilidade civil consiste basicamente no fenômeno jurídico que nasce sempre que houver violação de um dever preexistente, e dessa violação resultar dano para outrem[19]. Surge quando interesses privados são lesados. Já na responsabilidade penal, embora o fundamento seja o mesmo da civil, uma norma de direito público é violada, leia-se regra de direito penal, infringindo direitos coletivos e acionando os sistemas repressivos e preventivos do Estado no enquadramento do agente penalmente imputável[20]. A terceira classe trata da responsabilidade do Estado ou de seus agentes resultante de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função pública[21].
No tocante à origem da responsabilidade existem duas grandes categorias: a responsabilidade contratual e a extracontratual[22]. A primeira surge por descumprimento de uma obrigação contratual contida em negócio jurídico, ainda que unilateral, enquanto a extracontratual ou aquiliana decorre de infringência de deveres legais de abstenção ou comissão. A grande diferença é que na primeira espécie existe um vínculo jurídico entre o agente causador do dano e o lesado e na responsabilidade aquiliana não há tal ligação quando da prática do ato ilícito.
Mais adiante serão abordados os pressupostos da responsabilidade civil, mas desde já é relevante saber que, tanto na responsabilidade contratual (art. 389 e s. e 395 e s. do Código Civil) como na extracontratual (art. 186 a 188 e 927 a 954 do Código Civil), os elementos fundamentais são os mesmos. A diferenciação dada pela lei e doutrina ocorre justamente porque cada uma delas possui características e tratamento legal bem peculiares, que as tornaram dignas de regulamentação própria[23].
Por fim, a última classificação se dá quanto à necessidade ou não de culpa do agente para a configuração da responsabilidade. Trata-se da responsabilidade objetiva e subjetiva. Esta última fundamenta-se no conceito de que para haver a responsabilização e a conseqüente obrigatoriedade da reparação pelo causador do dano, é indispensável a comprovação da culpa (sentido lato), isto é, deve o agente agir consciente e volitivamente[24]. Naquelas situações em que a lei exige a reparação do dano sem a comprovação da culpa, contentando-se apenas o legislador com o nexo de causalidade e o dano há a chamada responsabilidade legal ou objetiva. Um exemplo típico da responsabilização objetiva é a disposta no artigo 37, § 6º, da Constituição da República de 1988 ao estabelecer que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A distinção da responsabilidade civil nesses dois grandes grupos relacionados à aferição do elemento culpa tem, no seu fundo histórico, um grande leque de estudos e discussões acadêmicas. Se hoje existe tal classificação, deve-se a uma sistematização de teorias jurídicas acerca da responsabilidade. Nesse sentido, é possível destacar duas grandes correntes de pensamento, embora existam várias, cada uma com um fundamento distinto. Em um primeiro momento, consolidou-se e defendeu-se arduamente a teoria clássica, também conhecida por teoria da culpa ou teoria subjetiva. Afirmavam seus escudeiros que a prova da culpa era o pressuposto do dano indenizável, sendo impossível responsabilizar-se determinado agente sem que se houvesse provado o nexo causal, o dano e a culpa[25]. É neste segmento que se justifica a responsabilidade subjetiva, resquício dos valores individualistas e marcada pela obscuridade do pressuposto “culpa”.
Com o avanço dos estudos sobre o assunto, os mestres do direito passaram a contestar a teoria subjetiva por várias razões, dentre elas a imprecisão do conceito de culpa pelo cunho teórico e caracterização imprecisa, “o surgimento da responsabilidade sem culpa, o sacrifício do coletivo em função de um egoísmo individual sem justificativa nos tempos atuais e a socialização do direito moderno”[26]. Dessa forma surge a embrionária teoria objetiva, basilar para a responsabilidade civil objetiva, que tem no risco a mola propulsora. De acordo com a teoria em foco todo dano é indenizável e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independente de culpa, o qual
consiste no fato de o dano ter surgido de um determinado ato ou omissão. Valoriza-se mais o risco e o dano do que a culpa.
O Código Civil de 2002 inovou quando adotou institucionalmente a responsabilidade extracontratual objetiva. Para tanto, o artigo 927, parágrafo único, da Lei Civil diz que haverá a obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos expressos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
No tópico anterior já mencionamos, a vôo de pássaro, os pressupostos da responsabilidade civil. Aqui só resta tecer considerações complementares.
Para a configuração da responsabilidade civil extracontratual é indispensável a existência de pelo menos três dos seguintes pressupostos: ação ou omissão[27], culpa ou dolo do agente, nexo de causalidade e dano[28]. Agir ou abster-se da ação é o primeiro passo para causar-se um resultado danoso. Nesta regra, exige-se que o agente cometa ou omita-se de atos que refletem deveres gerais da coletividade, portanto, não vinculados a um contrato.
Posteriormente, conforme seja a responsabilidade objetiva ou subjetiva, há de se aferir a culpa do agente e analisar se entre o resultado obtido e a conduta do pretenso autor há uma relação intrínseca de causalidade. Finalmente, tem-se o dano como elemento indispensável. Questão interessante é que, na legislação nacional, não importa a dimensão da culpa dos agentes, mas sim a do dano causado, seja ele moral ou material. Destarte, sem dano, sem reparação.
Estes elementos podem ser aplicados em qualquer ramo do direito, mas a própria legislação, no Título IX do Código Civil, denominado “Da Responsabilidade Civil”, encarregou-se de traçar normas gerais de incidência da responsabilidade. Ao se fazer uma leitura mais acurada vê-se os reflexos do extracontratualismo nos vários ramos do Direito. Somente entre os artigos 927 e 954 existem disposições atinentes ao Direito de Família (art. 928), Direito obrigacional (art.929, 939 e 940), Direito Empresarial (art.931), Direito do Consumidor (art.931), Direito do Trabalho (art.932, III e 935), Direito Penal (art. 935 e 948), Direito Processual (art.942), Direito das Sucessões (art. 943) e Direitos Reais (art. 936, 937 e 938). Os outros ramos podem perfeitamente ser enquadrados na norma geral do artigo 927[29].
4. A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DIREITO DE VIZINHANÇA NA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO E GÁS NATURAL
4.1. A cadeia produtiva do petróleo
No que toca a sua operacionalização, existem duas principais áreas na IPGN: a fase que compreende a pesquisa, exploração e produção, conhecida como upstream; e o transporte, refino, distribuição, revenda, denominado de downstream.
Para que ocorra a exploração e produção – E&P, é necessário a existência dos contratos de concessão (nos casos em que não há monopólio estatal), através dos quais o Estado impõe regras quanto ao direito de propriedade, royalties e casos de extinção da concessão. Seguidas as regras do contrato de concessão, passa-se à etapa de downstream, na qual o óleo será refinado até chegar ao consumidor final.
Quanto ao local de atuação, as atividades petrolíferas podem ser do tipo onshore ou offshore. As primeiras referem-se àquelas atividades desenvolvidas em terra e onde se avaliam a topografia do terreno, as infra-estruturas existentes e a localização geográfica. Já as prospecções offshore referem-se às explorações feitas em mar, levando-se em conta a profundidade das águas, as condições do mar, bem como a localização geográfica.
Interessa aqui estudar a incidência da responsabilidade civil nas atividades em terra, considerando a dificuldade (ou impossibilidade) de visualização de direitos de vizinhança no mar. Para isto, abordar-se-á cada etapa da cadeia separadamente, conforme delineado na figura abaixo[30]:
4.2. Exploração e produção de petróleo – E&P
Realizadas a licitação dos blocos de petróleo e gás natural, o concessionário obtém a titularidade para as atividades de exploração e produção. Todavia, muito embora as jazidas petrolíferas sejam de propriedade da União, as propriedades sobre as quais se assentam os recursos naturais podem pertencer à propriedades particulares. Como para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP é irrelevante saber se os blocos estão localizados em terrenos privados, muitas vezes é necessária a realização de desapropriações ou servidões administrativas.
A desapropriação consiste no conjunto de atos formadores do procedimento administrativo que precede ao processo judicial respectivo, pelo qual o Poder Público manifesta sua intenção de adquirir determinado bem imóvel, por utilidade ou necessidade pública ou ainda por interesse social, mediante justa e prévia indenização[31]. Como o pressuposto da necessidade pública ou interesse social é indispensável para o cumprimento da desapropriação, o legislador ordenou, através do artigo 8º, VIII, da Lei Nº 9.478, de 6 de agosto de 1997[32], que cabe à ANP instruir processo com vistas à declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação e instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, construção de refinarias, de dutos e de terminais. Porém, caberá ao concessionário, por sua conta e risco, promover as desapropriações e constituir as servidões de bens imóveis necessárias ao cumprimento do contrato, bem como realizar o pagamento de toda e qualquer indenização, custo ou despesa decorrente[33].
Já a servidão ocorre quando não é imperiosa toda a apropriação do terreno e este seja utilizado parcialmente pelo Poder Público ou seus delegados. Define a doutrina a servidão administrativa como o direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por seus delegados, em favor de um serviço ou de um bem afetado a fim de utilidade pública[34]. Portanto, o fato de haver o interesse público e não existir um prejuízo considerável no terreno serviente impossibilita, em regra, a indenização, posto que as interferências motivadas por interesses coletivos devem ser toleradas, nos termos do artigo 1278 do Código Civil. Caso o prejuízo seja saliente aí sim indenizar-se-á o proprietário.
Concluídas as desapropriações e servidões administrativas, inicia-se, de fato, a exploração e produção de petróleo. Para que as atividades possam ser desenvolvidas as atividades de sísmica, prospecção e exploração, uma série de estruturas são montadas, constituindo verdadeiras obras, com dimensões por vezes vultosas. Tais construções podem afetar de maneira substancial a propriedade vizinha, que nem sempre é desapropriada ou submetida à servidão administrativa.
Na situação de ocorrer algum dano ao vizinho, decorrente da construção de estruturas e prédios nas áreas de exploração e produção, o proprietário (leia-se concessionário) responderá objetivamente pelo fato, sendo obrigado a reparar o prejuízo. Já se cogitou a responsabilização do empreiteiro com o fundamento de que não sendo o proprietário um técnico não pode saber quais as medidas cabíveis para evitar um estrago ao vizinho[35], mas a solução de sujeitar o proprietário à responsabilidade pelo prejuízo, com ação regressiva contra o empreiteiro parece ser uma solução mais acertada[36]. Isto se deve à teoria do risco-proveito e risco integral, pela quais o concessionário, sem a existência do dano estaria lucrando com sua infra-estrutura e a própria natureza das atividades desenvolvidas gerariam uma responsabilidade integral e objetiva para o agente que as desenvolvem. Ter “responsabilidade positiva” pelo sucesso das operações e isenção no caso de dano é contra-senso.
O artigo 44, V, da Lei do Petróleo, ao tratar do assunto ordena que o Contrato de Concessão estabelecerá as obrigações do concessionário, dentre elas responsabilizar-se civilmente pelos atos de seus prepostos e indenizar todos e quaisquer danos decorrentes das atividades de exploração, desenvolvimento e produção contratadas, devendo ressarcir à ANP ou à União os ônus que venham a suportar em conseqüência de eventuais demandas motivadas por atos de responsabilidade do concessionário[37]. Se analisados sob a ótica dos princípios constitucionais, inferir-se-á que o legislador buscou eximir o órgão regulador de toda e qualquer responsabilidade, restando um ônus ao concessionário de natureza meramente contratual. Por outro lado, está implícito na parte final do dispositivo que pode a ANP ser demanda em juízo em virtude de dano causado pelo concessionário, desde que haja nexo de causalidade.
Não concordamos com a opção legal e contratual. A própria Constituição Federal, no já aludido artigo 37, § 6º, admite a responsabilização objetiva do Estado, o que impossibilita que uma lei ordinária exima a ANP de qualquer responsabilidade decorrente de atos dos seus agentes e desmerece a prosperidade de qualquer pensamento doutrinário neste sentido. Há, ainda, de se mencionar a ilegalidade das cláusulas contratuais que afastam toda espécie de responsabilização aquiliana da ANP, posto que a ordem jurídica não permite a revogação dos comandos dispostos em lei por acordo de vontades (ainda que de natureza pública). Por isto cremos na inconstitucionalidade parcial do art. 44, V da Lei do Petróleo e das cláusulas contratuais que isentam o órgão regulador das responsabilidades extracontratuais.
Explicitada a constitucionalidade da responsabilização da ANP, cabe esclarecer se se trata de responsabilidade solidária ou subsidiária. Em se tratando de dano ambiental[38] (o que representa a esmagadora maioria dos danos relativos a direito de vizinhança e IPGN), a responsabilidade é objetiva. Justificamos esta afirmação. Ocorre que o caput do art. 225 da CFRB prescreve que o poder público tem o dever de defender e preservar o meio ambiente e o artigo 3º da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981[39], define poluidor como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental e o Código Civil, no art. 942. No caso de dano ambiental, que por sua vez está afeto ao direito de vizinhança, o concessionário só pode ser considerado autor do dano porque era o titular nas atividades de exploração e produção. E só era titular porque satisfez todos os requisitos da ANP, foi licenciada por esta para desenvolver tais atividades e ainda estava submetida a todos os procedimentos fiscalizatórios do órgão regulador e seu poder de polícia. Caracterizado, então, está o nexo de causalidade entre o dano e ação da ANP e, por conseguinte configurada a sua condição de poluidora indireta, nos termos legislação.
Em complemento a esta linha de raciocínio, o Código Civil, no seu art. 942 afirma que se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação, havendo nexo causal comum[40]. Como a solidariedade passiva não se presume, só podendo decorrer de lei ou disposição contratual, legitima-se aí nossa conclusão.
Não sendo o dano de natureza ambiental, será a responsabilidade subsidiária, pois a relação de causalidade não será comum e o objeto jurídico tutelado não necessariamente é difuso e de obrigação do Estado em protege-lo. Adicione-se aí que a solidariedade, de acordo com o esposado, só se aplica aos danos de cunho ambiental.
Por último, cabe citar algumas espécies de interferências danosas[41] ao direito de vizinhança e capaz de gerar dano indenizável nas atividades de E&P. São elas: ruído de perfurações (poluição sonora); depósito de efluentes tóxicos, capazes de contaminar lençóis freáticos, e por efeito o solo e subsolo do vizinho; a explosão de rochas durante as atividades de sísmica e até mesmo o dano paisagístico[42]. Os danos, não sujeitos às normas específicas, ao sossego, saúde e segurança, enquadram-se na norma geral do art. 927/CC.
Restringir-se-á este tópico ao transporte de petróleo e gás natural do campo de produção para a refinaria através de dutos. Inicialmente, é pertinente dizer que para a viabilização do transporte por dutos, há procedimentos de desapropriação ou servidão administrativa das propriedades pelas quais as tubulações passarão. De igual maneira, todas as demais considerações feitas acerca do setor de E&P e responsabilidade civil são aplicáveis ao transporte[43].
Os danos potenciais no transporte de petróleo e gás por dutos são: o barulho provocado pelas diferenças de pressões na tubulação; a poeira; a presença de estranhos no imóvel (especialmente em casos de servidão administrativa) e o conseqüente infortúnio dos mesmos ao proprietário; vazamentos de tubulações e poluição do solo e águas e ausência de obras de segurança.
Questão interessante é a promovida pelo art. 1286/CC[44]. Deve-se observar que, ao tratar da passagem de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos, o legislador admitiu a indenização do proprietário que sofrerá os efeitos da passagem dos dutos. Contudo, é de se ressaltar que esta indenização é preventiva e referente à desvalorização do imóvel e à tolerância que terá de ter o proprietário em face da passagem das tubulações. Qualquer dano causado pela infra-estrutura instalada há de ser indenizado por via da responsabilidade extracontratual.
4.4. Refinarias
A Lei do Petróleo (Lei nº 9.478/97) define a atividade de refino ou refinação como o conjunto de processos destinados a transformar o petróleo em derivados do petróleo. A refinaria, portanto, é o local onde ocorrem tais procedimentos.
A Portaria ANP Nº 28/99 estabelece a regulamentação para o exercício das atividades de construção, ampliação de capacidade e operação de refinarias e de unidades de processamento de gás natural e o Regulamento Técnico ANP nº 001/99.
Podemos vislumbrar algumas questões pertinentes a este tipo de atividade que gerariam conflito de vizinhança.
Ruídos e barulhos de máquinas e motores, perturbando o sossego de seus vizinhos, fumaça ou forte cheiro de produtos químicos, pondo em risco tanto a saúde como a segurança dos demais proprietários são hipóteses em que se qualificaria o uso nocivo da propriedade se ultrapassar o limite do tolerável, ou ainda daria ensejo ao pagamento de indenização ao vizinho prejudicado quando estivesse presente o interesse público em manter o funcionamento do estabelecimento em determinada localidade.
A poluição decorrente do vazamento de alguma substancia tóxica, ou até mesmo o vazamento de águas, causando prejuízo ao vizinho também ensejaria conflito de vizinhança, além das penalidades decorrentes da infração no campo ambiental.
Em todos os casos a responsabilidade da refinaria é objetiva, ou seja, independe de culpa. Sendo necessário apenas o dano e seu nexo causal, requisito este que também pode ser dispensado, em se adotando a teoria do risco integral para danos ambientais.
A exclusão de responsabilidade decorrente de caso fortuito ou força maior do art. 393 do Código Civil que desobriga o devedor de responder pelos prejuízos resultantes, caso não tenha ele expressamente se responsabilizado por eles, também não se aplicam às refinarias. Uma vez que elas se obrigam contratualmente com a Agência Nacional do Petróleo a arcar com todos os prejuízos decorrentes de suas atividades.
Já quando o fato de terceiro é exclusivo e determinante para a ocorrência do resultado danoso, tem ele o atributo de afastar a responsabilidade do autor aparente. Neste caso, o fato de terceiro pode se aplicar como excludente de responsabilidade para as refinarias, mas não em se tratando de questões ambientais, que não admite fuga da responsabilidade.
4.5. Distribuidoras
A Lei do Petróleo define a distribuição como a atividade de comercialização por atacado com a rede varejista ou com grandes consumidores de combustíveis, lubrificantes, asfaltos e gás liquefeito envasado, exercida por empresas especializadas, na forma das leis e regulamentos aplicáveis. Sendo assim, essas empresas, ditas por lei “especializadas”, são denominadas de distribuidoras.
A Portaria ANP Nº 29/99, juntamente com as Portarias ANP Nº 202/99 e 203/99 estabelecem os requisitos a serem cumpridos para acesso a atividade de distribuição de combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível, biodiesel, mistura óleo diesel/biodiesel especificada ou autorizada pela ANP e outros combustíveis automotivos.
Assim como nas refinarias, podemos vislumbrar questões semelhantes, que gerariam conflito de vizinhança, e, havendo dano, a responsabilidade seria objetiva da distribuidora, conforme já explicitado anteriormente.
Por fim, cabe fazer uma menção a responsabilidade solidária, já que nos tribunais começa a aparecer o entendimento de que distribuidoras de combustíveis também são responsáveis por eventuais danos ambientais causados pelos postos de gasolina. No processo nº 1837/053.03.031397-2 da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, a juíza Christine Santini, deferiu, em parte, liminar pedida por três sindicatos de varejistas de derivados do petróleo de São Paulo[45].
A decisão teve como fundamento o artigo 8º da Resolução nº 273 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, segundo o qual, também os fornecedores de combustível que abastecem ou abasteceram a unidade “responderão solidariamente, pela adoção de medidas para controle da situação emergencial, e para o saneamento das áreas impactadas, de acordo com as exigências formuladas pelo órgão ambiental licenciador”.
4.6. Postos de revenda de combustíveis
A Lei nº 9.478/97 conceitua revenda como a atividade de venda a varejo de combustíveis, lubrificantes e gás liquefeito envasado, exercida por postos de serviços ou revendedores, na forma da lei e regulamentos aplicáveis.
A Portaria ANP Nº 116/00 regulamenta o exercício da atividade de revenda varejista de combustível automotivo. O art. 7º deste regulamento dispõe que a construção[46] das instalações e a tancagem do posto revendedor deverão observar normas e regulamentos da ANP, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, da Prefeitura Municipal, do Corpo de Bombeiros, de proteção ao meio ambiente, de acordo com a legislação aplicável, e do departamento de estradas de rodagem, com circunscrição sobre a área de localização do posto revendedor.
Cabe a Lei Municipal dispor sobre as licenças para construção de Postos de Combustível, levando em conta o seu Plano Diretor, aplicando-se ainda o Estudo de Impacto de Vizinhança[47], instrumento previsto pelo Estatuto da Cidade.
No Município de Natal é a Lei nº 4.986 de 1998 que dispõe sobre as licenças para construção, relocalização, instalação, funcionamento e segurança de postos revendedores de combustíveis. Havendo ainda as leis 5.019/98 e 4.887/97 que tratam das instalações das bombas.
5. PONDERAÇÕES FINAIS
Os direitos sobre a propriedade vigoram sob a ótica da função social e sobretudo pelas condutas norteadas pela boa fé-objetiva, não sendo infinito e ilimitado. Constitui-se uma importante projeção da personalidade jurídica, que por sua vez, deve respeitar as demais personalidades jurídicas e os respectivos direitos que dela emanam.
Em todas as fases da cadeia produtiva da IPGN encontramos reflexos da aplicação dos direitos de vizinhança e, o estudo buscou pontuar as principais problemáticas dentro desta área.
A indústria possui extremo risco, inerente a sua própria atividade, o que ainda torna mais delicado o tema quanto chega a seara ambiental dentro da IPGN.
Verificou-se, portanto, que a responsabilidade civil nas relações de vizinhança de um modo geral e também na Indústria do Petróleo e Gás Natural é objetiva.
Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Advogada e Professora Universitária
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