Direito Civil

Responsabilidade Civil no Direito de Família: Dano Moral Decorrente do Abandono Afetivo na Relação Paterno-Filial

Nome do autor(a): Maísa Akrouche Sandoval dos Santos – Acadêmica de Direito na Faculdade de Direito de Franca – FDF

Nome do orientador(a): Dra. Lislene Ledier Aylon

 

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Resumo: O presente artigo propõe-se a evidenciar que o princípio da afetividade é de difícil delimitação, tendo em vista que sua expressão é o afeto, usualmente entendido como sinônimo de amor, o que o desvincularia de qualquer dever jurídico, no entanto, mister se faz ressaltar que o princípio supramencionado não se relaciona, tão somente, à ideia de sentimento, mas precipuamente à dedicação que os pais devem ter com a formação e a criação dos filhos menores, o que ocorre por meio de comportamentos pró-afetivos. Urge realçar que o descumprimento voluntário e injustificado dos deveres de ordem imaterial inerentes ao poder familiar, quais sejam o de educação, criação, companhia e guarda, que efetivamente colocam os filhos sob a proteção e o amparo, caracteriza o abandono afetivo e o estudo do tema do presente trabalho faz uma análise acerca da plena possibilidade se de aplicar o instituto da responsabilidade civil subjetiva à relação de parentalidade, notadamente na hipótese dos pais que abandonam afetivamente os filhos menores, desde que todos os elementos – conduta contrária à ordem jurídica, culpa, dano e nexo causal – se façam presentes, para que, por conseguinte, sobrevenha o respectivo dever de indenizar os danos morais causados.

Palavras-chave: Afetividade. Abandono afetivo. Poder familiar. Responsabilidade civil. Dano moral.

 

Abstract: The current article proposes to show that the principle of affectivity is difficult to delimit, considering that its expression is affection, usually understood as synonymous with love, which would dissociate it from any juridical duty, however , it should be pointed out that the aforementioned principle is not only related to the idea of feeling, but rather to the dedication that parents must have with the formation and creation of the minor children, which occurs through pro-affective. It is important to emphasize that voluntary and unjustified noncompliance with the immaterial duties inherent in family power, such as education, creation, company and custody, which effectively place children under protection and protection, characterize the abandonment of affection and the study of the This article analyzes the full possibility of applying the institute of subjective civil responsibility to the relationship of parenthood, especially in the hypothesis of the parents who leave the children affectively, as long as all the elements conduct contrary to the legal order, fault, damage and causal link – to be present, so that, consequently, their respective duty to indemnify the moral damages caused.

Keywords: Affectivity. Affectionate abandonment. Family power. Civil responsibility. Moral damage.

 

Sumário: Introdução. 1. Premissas introdutórias à relação entre a família e o direito. 1.1. Evolução da família no direito brasileiro. 1.2. Princípios constitucionais informadores do direito de família. 1.2.1. Dignidade da pessoa humana. 1.2.2. Solidariedade familiar. 1.2.3. Pluralismo das entidades familiares. 1.2.4. Igualdade e respeito à diferença. 1.2.5. Melhor interesse da criança e do adolescente. 1.2.6. Afetividade. 2. Abandono afetivo na relação paterno-filial e seus efeitos. 2.1. Pressuposto: relação de parentalidade. 2.1.1. Conceito de filiação. 2.1.2. Filiação biológica, jurídica e socioafetiva. 2.2. Poder familiar. 2.2.1. Conceito, características e titularidade do poder familiar. 2.2.2. Conteúdo do poder familiar: deveres dos pais quanto aos filhos menores. 2.2.3. Extinção, suspensão e perda do poder familiar. 2.3. Caracterização do abandono afetivo dos pais em relação aos filhos menores. 2.3.1. Consequências psicológicas do abandono afetivo. 2.3.2. Consequências jurídicas do abandono afetivo. 3. Responsabilidade civil por abandono afetivo na relação parental. 3.1. Aspectos gerais da responsabilidade civil por abandono afetivo na relação parental. 3.1.1. Elementos caracterizadores da responsabilidade civil. 3.1.2. Responsabilidade civil aplicada ao Direito de Família. 3.2. Posicionamentos em relação à indenização por abandono afetivo parental: análise doutrinária e jurisprudencial. 3.3. Responsabilidade civil no direito de família: dano moral decorrente do abandono afetivo na relação paterno-filial. Conclusão. Referências.

 

Introdução

A escolha do tema proposto no presente trabalho justifica-se pela problemática nas relações familiares, tendo em vista que, ao longo da história, o Direito se adequa à evolução e às demandas da sociedade e, por conseguinte, contempla as mais variadas situações e necessidades sociais, com a finalidade de garantir a paz e a justiça. Outrossim, como é notório, o Direito não se mantém estático, e da mesma forma que a sociedade evolui, o Direito, por consequência lógica, acompanha tal processo de transformação. Neste ponto, percebe-se que a família, ponto fundamental e inicial de inserção do homem na sociedade, teve sua estrutura modificada, em detrimento ao conceito legal outrora estabelecido. E tal aspecto evolutivo se deu, notadamente, em virtude do afeto e da solidariedade, que norteiam o comportamento social do ser humano.

Insta consignar que o afeto tem um preço muito alto na nova cnfiguração familiar. Nesse sentido, surge a controvérsia acerca da possibilidade de se impor aos pais o dever de dar afeto aos filhos e, por conseguinte, responsabilizá-los civilmente pelo seu descumprimento. Em que pese não seja a primeira decisão proferida acerca do tema, o extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, em 1º de abril de 2004, condenou um pai a pagar indenização por danos morais ao filho por tê-lo abandonado afetivamente e, especialmente após ter sido reformado pelo Superior Tribunal de Justiça, o julgamento tornou-se amplamente difundido no meio jurídico e acadêmico, o que ensejou discussões e posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais distintos, os quais procuram delimitar o conteúdo do afeto, ora o identificando com amor, ora o diferenciando deste sentimento. No entanto, é imprescindível, para a caracterização do abandono afetivo, delimitar a correta compreensão do significado do afeto em termos jurídicos e é nessa linha que o presente trabalho se desenvolverá.

Destarte, para se atingir o objetivo almejado, qual seja, demonstrar a plena possibilidade da aplicação da responsabilidade civil subjetiva na hipótese dos pais que abandonam afetivamente os filhos, serão utilizados diversos meios de pesquisa, sendo eles: legislativos, doutrinários, jurisprudenciais e virtuais, com recorrência à metodologia quantitativa e bibliográfica, a partir do método dedutivo. Para tanto, abordar-se-á, de proêmio, a análise da evolução da família no direito brasileiro, desde a época em que vigiam as Ordenações do Reino e, posteriormente, durante à vigência do Código Civil de 1916, até chegar na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, finalmente, no Código Civil de 2002, a fim de que seja possível a verificação das principais mudanças ocorridas na família, que deixou de ser uma estrutura hierarquizada e patriarcal para funcionalizar-se à realização existencial de seus membros. Analisar-se-á os fundamentais princípios informadores do Direito de Família, introduzidos, notadamente, pela mudança paradigmática da Constituição Federal, que evidenciou o afeto, e não mais o poder, como elemento sobre o qual estão fundadas as entidades familiares. Nesse sentido, o principal objetivo do começo do estudo será demonstrar que o princípio jurídico da afetividade não impõe o dever de amar, mas de se comportar de modo pró-afetivo, vale dizer, de agir como se amor sentisse.

Tecidas as considerações acerca da delimitação do conteúdo do afeto, iniciar-se-á o estudo sobre a caracterização do abandono afetivo, com abordagem dos pressupostos da relação de parentalidade, sem a qual não é possível falar em abandono do filho por um dos pais e, para tanto, examinar-se-á o conceito de filiação, bem como as suas origens, biológica e socioafetiva. A seguir, serão estudados o conceito, as características, a titularidade e o conteúdo do poder familiar, a fim de que se possa demonstrar que o descumprimentos voluntário e injustificado dos deveres de ordem imaterial inerentes ao poder familiar, quais sejam o de criação, educação, sustento, companhia e guarda, ensejam o abandono afetivo e a consequente possibilidade de este ser causa de suspensão ou destituição do poder familiar, dando ênfase às consequências psicológicas e jurídicas advindas da ausência de afeto na relação paterno-filial. Frisar-se-á que o abandono afetivo não está relacionado à falta de amor, ante a impossibilidade de se obrigar o ser humano a desenvolver qualquer tipo de sentimento por outrem.

Estabelecida a caracterização do abandono afetivo, será estudado o instituto da responsabilidade civil a partir do conceito, funções, elementos caracterizadores e aplicação no Direito de Família.  Nesse estudo, imprescindível ressaltar que não obstante o Código Civil de 2002 seja essencialmente objetivista, a responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo é subjetiva, razão pela qual serão averiguados os elementos imprescindíveis à sua caracterização: conduta contrária à ordem jurídica, culpa, dano e nexo causal. A seguir, serão analisados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais em relação à indenização por abandono afetivo parental, a fim de que seja possível a abordagem da possibilidade de se responsabilizar civilmente os pais que abandonam afetivamente os filhos menores.

Destarte, a precípua pretensão do atual trabalho monográfico consiste em demonstrar que os filhos menores, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, necessitam do afeto dos pais para que possam atingir a íntegra formação psíquica. Assim, o dano à dignidade humana do filho em estágio de formação deve ser passível de reparação material, não apenas para que os deveres parentais deliberadamente omitidos não fiquem impunes, mas, principalmente, para que, no futuro, qualquer inclinação ao irresponsável abandono possa ser dissuadida pela firme posição do Judiciário ao mostrar que o afeto tem um preço sublime na nova configuração familiar.

 

1 PREMISSAS INTRODUTÓRIAS À RELAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E O DIREITO

De proêmio, insta consignar que o Direito se adequa à evolução e às demandas da sociedade, contemplando as mais variadas situações e necessidades sociais, com a finalidade de garantir a paz e a justiça. Ademais, como é notório, o Direito não se mantém estático, e da mesma forma que a sociedade evolui, o Direito, por consequência lógica, acompanha tal processo de transformação. Neste ponto, percebe-se que a família, ponto fundamental e inicial de inserção do homem na sociedade, teve sua estrutura modificada, em detrimento ao conceito legal outrora estabelecido. E tal aspecto evolutivo se deu, notadamente, em virtude do afeto e da solidariedade, que norteiam o comportamento social do ser humano.

A definição de família é alvo de uma multiplicidade de conceitos. Um deles é ser um elemento ativo, pois se encontra sempre em mudança para melhor atender às necessidades de uma sociedade em evolução. Deste modo, torna-se a base da sociedade para o ser humano, revelando-se como o ramo do direito que mais está ligado à vida.

Por tal forma, novas concepções acerca da família vêm surgindo no ordenamento pátrio, conceitos tais que se fundam sobre a personalidade humana, devendo a entidade familiar ser entendida como grupo social fundado em laços afetivos, promovendo a dignidade do ser humano, no que toca a seus anseios e no que diz respeito a seus sentimentos, de modo a se alcançar a felicidade plena.

Urge ressaltar que a família, mesmo na sua forma mais primitiva, é o berço da sociedade, sendo certo que antecedeu a qualquer norma jurídica e, consequentemente, ao próprio Direito. Sob a perspectiva de Maria Berenice Dias, a família é uma construção cultural. Dispõe de estruturação psíquica, na qual todos ocupam um lugar, possuem uma função – lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos –, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente. É essa estrutura familiar que interessa investigar e preservar como um lar no seu aspecto mais significativo: lugar de afeto e respeito [1].

Ao longo da história a família sempre sofreu a influência de fatores econômicos, sociais, políticos e religiosos, que comprovam ser a família um “elemento ativo; que nunca permanece estacionário, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado” [2].

Qualquer tentativa de compreensão da família atual que não considere a influência destes fatores supramencionados corre o risco de apresentar uma visão míope de um organismo que transcende a própria história da humanidade, pois, conforme lecionou FACHIN: “Vê-la tão-só na percepção jurídica do Direito de Família é olhar menos que a ponta de um iceberg. Antecede, sucede e transcende o jurídico, a família como fato e fenômeno” [3].

Tecidas tais considerações no que atine à relação entre a família e o Direito, de se ressaltar que, ao longo do desenvolvimento das civilizações, as relações humanas sempre foram objeto de demasiada observação. Nesse sentido, imprescindível o estudo acerca da evolução da família no direito brasileiro para que se possa compreender como o afeto passou a ser considerado o vetor axiológico do instituto da família.

 

  • EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO

A família é uma entidade histórica, sempre esteve presente na evolução da humanidade e sempre revelou, por meio de sua estrutura, os valores e princípios que permeiam as relações sociais, políticas, culturais e religiosas de cada sociedade, em determinado período de tempo e espaço [4]. O desenvolvimento da sociedade e o gradual reconhecimento de direitos e garantias dos indivíduos que a compõem são responsáveis pela evolução da família, enquanto entidade, e das relações pessoais e patrimoniais de seus membros, conforme se demonstrará a seguir a partir da análise das relações familiares e do direito de família na história do Brasil.

Inicialmente, insta ressaltar que vigiam no Brasil, desde o período colonial, as leis gerais portuguesas compiladas nas Ordenações do Reino – Ordenações Afonsinas (1480), Ordenações Manuelinas (1520) e Ordenações Filipinas (1603). Em razão de terem sido editadas em 1603, as Ordenações Filipinas praticamente regeram todas as relações jurídicas de direito privado no Brasil, desde o colonialismo até o início da vigência do Código Civil de 1916, superando o rompimento político com Portugal, com a proclamação da independência em 1822, a queda do Império e o advento da República. O Livro IV das Ordenações Filipinas regulava o direito civil, que estabelecia normas sobre obrigações, família e sucessões [5].

A única entidade familiar reconhecida pelas Ordenações Filipinas era a formada pelo casamento, sendo exclusivamente dirigida pelo homem, considerado mais capacitado, tão somente em razão de seu gênero sexual, para administrar os bens e os direitos e deveres advindos da sociedade conjugal, bem como representar sua esposa, considerada incapaz em juízo e nos atos da vida civil. Deste modo, a mulher, em decorrência do poder marital, era tida como a parte mais fraca da relação conjugal, sendo que devia obediência ao marido e suas ações deveriam ser submetidas à vontade dele. A condição da mulher era de tal sujeição que ao marido era conferido, inclusive, o direito de matá-la caso praticasse adultério.

No que atine à filiação, as Ordenações conferiam tratamento desigualitário e, desta forma, diferenciavam os filhos em legítimos, legitimados e ilegítimos. Esse tratamento discriminatório atribuído aos filhos tinha por base o vínculo jurídico mantido por seus pais e produzia efeito, especialmente, no exercício do pátrio poder e no campo sucessório.

As principais diferenças entre os filhos legítimos e legitimados residiam na qualificação discriminatória e na exclusão da presunção de paternidade com relação aos legitimados, já que, não sendo concebidos na constância do casamento, não se presumia como pai o marido da mãe. No entanto, uma vez constatada a paternidade, tantos os filhos legítimos como os legitimados estavam submetidos ao pátrio poder, o qual era exercido exclusivamente pelo pai e destinava-se a reger a pessoa do filho e administrar seus bens.

O fundamento do pátrio poder consistia na obrigação imposta aos pais de criar e educar os filhos, bem como na necessidade de manter a regularidade e a ordem na família. O filho vivia em verdadeiro estado de submissão em relação ao pai, ao qual devia obediência, gratidão e, inclusive, reverência, sendo, ademais, considerado incapaz para o exercício dos atos da vida civil enquanto não extinto o pátrio poder [6]. Neste sentido, cumpre ressaltar que a incapacidade e a completa ausência de liberdade do filho prolongavam-se por tempo indeterminado, já que não se considerava causa de extinção do pátrio poder a maioridade civil atingida aos vinte e um anos de idade.

À vista disso, conforme supramencionado, o pai era responsável por representar o filho nos atos da vida civil, ainda que atingida a maioridade, e por administrar, apropriar-se dos rendimentos e, inclusive, dispor de determinada categoria dos bens a ele pertencentes. Desta forma, a relação estabelecida entre pai e filho, legítimo ou legitimado, era, destarte, de verdadeira subordinação. Isso não significa que o afeto não se fazia presente nas relações familiares, em especial, na parentalidade. O significado de afeto, todavia, limitava-se aos sentimentos, sendo empregado como sinônimo de amor, que, de fato e, em geral, existia entre pais e filhos. Não era considerado um valor ou princípio jurídico indispensável à formação da família e ao desenvolvimento pessoal de cada um de seus membros. Assim, o direito não tratava do afeto em sua atual acepção, visto que incompatível com a própria estrutura hierarquizada e desigualitária da família brasileira dos séculos XVI a XIX [7].

Cumpre esclarecer que, além dos filhos legítimos e legitimados, havia o ilegítimo, o qual era fruto de um caso havido fora do casamento. Os filhos ilegítimos se subdividiam em dois grupos: os naturais, oriundos do concubinato; e os espúrios, que receberam tal designação devido a impedimento de os pais se casarem à época de sua concepção.

Assim sendo, insta consignar que, ainda durante as Ordenações, os filhos ilegítimos assumiam posição inferiorizada no âmbito da estrutura familiar se comparados aos filhos legítimos e legitimados, tendo em vista que, mesmo que a paternidade fosse reconhecida, os filhos ilegítimos não estavam submetidos ao pátrio poder, o qual, embora se revelasse abusivo em demasiadas situações, foi concebido com a finalidade da proteção e da representação dos filhos incapazes para os atos da vida civil. Em razão da privação desse poder-dever, os filhos ilegítimos assumiam a condição de órfãos e, enquanto menores, ficavam sujeitos ao juízo de órfãos, que lhes nomeava um tutor para gerir sua pessoa e administrar seus bens, representando-os enquanto impúberes e os assistindo quando atingida a idade púbere [8].

No entanto, no que tange aos filhos naturais, embora não sujeitos ao pátrio poder, se tivessem a paternidade reconhecida, eram considerados membros da família paterna e, por conseguinte, titulares dos mesmos direitos dos filhos legítimos. Assim, não havia razão para assumirem a condição de órfãos. Em contrapartida, aos filhos espúrios não se atribuía qualquer dos direitos conferidos aos filhos legítimos, sendo considerados como estranhos ao pai, mesmo que prova ou reconhecida a paternidade. Havia apenas uma exceção, qual seja, a possibilidade de os filhos espúrios pleitearem alimentos em face do pai. Tratava-se, portanto, do único fundamento da ação de investigação de paternidade, uma vez que sequer eram considerados herdeiros legítimos [9].

Ante o exposto, vê-se, em relação às principais regras destinadas a regular a filiação na época do Brasil Colônia, o tratamento discriminatório conferido aos filhos, desde a sua classificação em legítimos, legitimados e ilegítimos, até a privação de direitos fundamentais inerentes a qualquer ser humano. Tais preceitos de direito de família consagrados nas Ordenações Filipinas subsistiram após a proclamação da independência, em 1822, pois, conforme previa a Lei de 20 de outubro de 1823, enquanto não se aprovasse um Código Civil, mantinham-se vigentes as Ordenações e as demais leis, decretos, alvarás, regimentos e resoluções promulgados pelos reis de Portugal até 25 de abril de 1821 [10].

A aprovação de um Código Civil elaborado para a sociedade brasileira, baseado na cultura e nos usos e costumes desenvolvidos ao longo do domínio português, fazia-se urgente, uma vez que as Ordenações Filipinas, alé de terem sido criadas para a sociedade portuguesa do século XVII, continham normas lacunosas, o que estimulou a vasta produção de leis esparsas e o surgimento de conflitos normativos.

Nesse sentido, ocorreu a atuação, no campo legislativo, de Teixeira de Freitas, com a elaboração, em 1857, da Consolidação das Leis Civis, a qual ordenou o caos dos princípios civis constantes das Ordenações Filipinas e das leis extravagantes, permitindo saber quais as normas que vigoravam no território brasileiro. Posteriormente, no período imperial, seguiram-se demasiadas tentativas de elaboração do Código Civil, sendo que apenas em 1899, Clóvis Beviláqua foi convidado a elaborar o supracitado projeto, que, concluído no mesmo ano, deu início à sua tramitação, em 1900, no Congresso Nacional e foi sancionado em 1º de janeiro de 1916.

Assim, embora o Código Civil de 1916 tenha iniciado sua vigência no começo do século XX, época em que o Estado Liberal deu lugar ao maior intervencionismo que caracteriza o Estado Social, seu respectivo projeto foi concluído no ano de 1900, conforme supramencionado. Deste modo, tratava-se de um Código elaborado para a sociedade do século XIX, em um período histórico no qual a sociedade brasileira pouco havia se desenvolvido, refletia, por conseguinte, o subdesenvolvimento das relações familiares, de modo que a estrutura da família ainda era eminentemente patriarcal, fundada, essencialmente, na desigualdade entre homem e mulher, no pátrio poder atribuído ao pai e no tratamento discriminatório conferido aos filhos havidos fora do casamento [11].

De acordo com Gustavo Tepedino:

O Código Civil de 1916 é fruto de uma doutrina individualista e voluntarista que, consagrada pelo Código de Napoleão e incorporada pelas codificações posteriores, inspiraram o legislador brasileiro, quando na virada do século, redigiu o nosso primeiro Código Civil [12].           O casamento era o elemento estrutural no Direito de Família no Brasil, na forma disciplinada pelo Código Civil de 1916. A partir do matrimônio a mulher casada era considerda relativamente incapaz quanto a certos atos e à maneira de exercê-los, sendo que, com fulcro no artigo 233 do diploma legal supracitado, o homem era declarado o chefe da sociedade conjugal e a ele competia deveres como os de representar legalmente a família; administrar os bens comuns e os particulares da mulher; fixar o domicílio da família, ressalvada a possibilidade da mulher recorrer ao juiz, no caso de deliberação que a prejudique e prover a manutenção da família.

Vê-se, portanto, o tratamento jurídico com caráter discriminatório conferido à mulher, a qual sequer tinha o exercício de profissão conferido, cuja prática sujeitava-se à autorização marital, que apenas poderia ser suprida judicialmente caso o marido não garantisse a subsistência da mulher e a de seus filhos. A posição tradicionalista e conservadora em favor da família legítima era evidente, tendo em vista que o ordenamento jurídico apenas reconhecia e tutelava a família formada a partir do casamento, garantindo aos seus membros a titularidade de direitos e obrigações. Por conseguinte, apenas os filhos concebidos na constância do casamento eram considerados legítimos, discriminando-se os demais por terem sido concebidos fora da relação matrimonial [13].

Cumpre ainda esclarecer que, contraído o casamento, o vínculo conjugal somente se extinguia com a morte de um dos cônjuges, eis que inexistente o instituto do divórcio à época. O desquite apenas colocava termo na sociedade conjugal e no regime matrimonial de bens, de modo que o cônjuge desquitado não poderia contrair novas núpcias. O conteúdo axiológico do casamento era de tal intensidade que os cônjuges sequer tinham liberdade para se desquitar, devendo permanecer casados, salvo nos casos de adultério, tentativa de morte, sevícias ou injúria grave, abandono voluntário do lar conjugal por dois anos contínuos ou, havendo consentimento de ambos, se casados por mais de dois anos [14].

No que atine à filiação e tendo em vista o exposto acima, consideravam-se legítimos tão somente os filhos concebidos durante o casamento. Já os filhos concebidos por pessoas não casadas poderiam ser legitimados por ulterior matrimônio de seus pais, sendo, desta forma, equiparados aos filhos legítimos. No entanto, enquanto não sobreviesse o casamento, os filhos eram considerados ilegítimos, classificados em naturais e espúrios. Reputavam-se naturais os filhos de pessoas não casadas, desde que inexistissem, ao tempo da concepção, impedimentos para o ato matrimonial. No caso de filiação espúria, esta se subdividia em espúrio incestuoso, cujo impedimento decorria de parentesco próximo dos genitores, ou de afinidade; e, espúrio adulterino, cujo impedimento se dava em função de um deles já ser casado com outra pessoa, havendo, dessa forma, a violação do dever de fidelidade recíproca.

Ainda em matéria de filiação, em que pese o Código Civil de 1916 tenha tratado com menos rigor o filho natural, o fez com demasiada perversidade em relação ao espúrio, ao proclamar em seu artigo 358 que os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos. Ora, como é sabido, o reconhecimento espontâneo ou forçado é que estabelece o parentesco entre o filho ilegítimo e seus pretensos progenitores. Se a Lei proíbe o reconhecimento, esse parentesco não se constitui; desse modo e segundo a legislação de 1916, o filho adulterino, por não ser reconhecido, não tem direito à herança, nem a alimentos, não está sob o pátrio poder, ou seja, é um estranho em relação ao homem que o engendrou. Inescondível, portanto, a discriminação contra a família nascida fora do casamento [15].

No tocante aos filhos adotivos, cumpre ressaltar que eram equiparados aos filhos legítimos e, portanto, estavam submetidos ao pátrio poder do pai adotante, sendo titulares de todos os direitos e deveres dele decorrente. No entanto, a ação não extinguia o parentesco do filho adotado com a sua família biológica, subsistindo os direitos e os deveres a ele inerentes, salvo quanto ao pátrio poder. Tratava-se, ademais, de instituto destinado à proteção dos adotantes e não dos adotados, uma vez que visava apenas àqueles que não possuíam filhos legítimos ou legitimados. Além disso, sobrevindo filhos legítimos após a adoção, esses eram privilegiados no campo sucessório em detrimento dos filhos adotivos, aos quais cabia apenas metade da herança a que aqueles tinham direito [16].

A posição rigorosa o Código Civil de 1916 foi, paulatinamente, abandonada no curso dos anos subsequentes por uma legislação mais humana e menos conservadora. Dentre as principais leis, anteriores à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que dispunham sobre a Família, cumpre trazer à baila a promulgação da Lei n. 4.737/42, cujo artigo primeiro determinava que o filho havido fora do matrimônio poderia, depois do desquite, ser reconhecido espontânea ou forçadamente. Insta ressaltar que a controvérsia provocada pelo diploma supracitado ensejou aperfeiçoamento e, por conseguinte, sobreveio a Lei n. 883/49, em que o dispositivo inicial declarava:

Art. 1º – Dissolvida a sociedade conjugal, será permitido a qualquer dos cônjuges o reconhecimento do filho havido fora do matrimônio e, ao filho a ação para que se lhe declare a filiação.

Destarte, a Lei supramencionada permitiu o reconhecimento voluntário ou forçado do adulterino, todavia, a dissolução da sociedade conjugal era o único pressuposto para tal reconhecimento. Estribava-se, a exigência, na ideia de que o reconhecimento do adulterino, na vigência da sociedade conjugal, constituía ofensa intolerável ao outro cônjuge, capaz de provocar a ruína do casamento. Dissolvida, entretanto, a sociedade conjugal pela morte ou pelo desquite, não havia mais razão para se respeitar a sensibilidade do cônjuge falecido ou desquitado [17]. Vê-se, pois, que a finalidade de preservar o casamento continuava sendo a grande preocupação do legislador.

Em que pese a Lei de 1949 se apresentasse como uma Lei Áurea para os adulterinos – ressalte-se que não abrangia os incestuosos –, tal diploma continha demasiadas restrições ao seu direito, a principal das quais era de receberem, na sucessão de seu progenitor adúltero, somente a metade do que coubesse a seus irmãos legítimos. Assim, durante quase trinta anos a Lei n. 883/49 remanesceu praticamente intocada e somente a Lei do Divórcio (Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977) veio a ampliar o direito do adulterino, ao proclamar igualdade de direito à sucessão, qualquer que fosse a natureza da filiação [18]. Ademais, a Lei do Divórcio trouxe profunda modificação representada, primordialmente, no que atine à admissão do divórcio e também consideráveis alterações em outros capítulos de Direito de Família, quer em relação à pessoa dos filhos, quer quanto a alimentos e principalmente em dezenas de dispositivos referidos nas disposições transitórias.

Cumpre ainda mencionar outra importante Lei que auxiliou no procedimento de abandono da estrutura tradicional do então vigente Direito de Família brasileiro, qual seja o Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121, de 17 de agosto de 1962), que procurou, dentro do possível, equiparar a mulher ao homem dentro do casamento e, desta forma, reduziu muitas das restrições que o legislador anterior lhe impunha, por exemplo, tirando-a do rol dos incapazes; conferindo a ela a titularidade do pátrio poder em colaboração com o marido que, até então, a mulher apenas desfrutava supletivamente e mantendo-a nessa titularidade, quando, após a viuvez, remaridava-se.

Assim, as relações familiares sofreram importante transformação com a colaboração efetiva da mulher na administração do lar conjugal e dos interesses do casal e dos filhos, bem como por meio da sua participação, ainda que incipiente, no mercado de traalho, que fez com que ela assumisse a posição de colaboradora no provimento do lar e na tomada de decisões concernentes à família [19].

Nesse sentido, cumpre ressaltar que, além das Leis supramencionadas, outras colaboraram para uma evolução legislativa, na qual foi possível verificar que a tutela até então conferida à instituição da família legítima começou a ser transferida para a pessoa de cada um de seus membros e, desta forma, valorizou-se, em maior grau, a vontade dos cônjuges quanto ao fim do casamento, em detrimento da preservação do instituto propriamente dito, bem como os interesses de seus integrantes, especialmente, os da mulher e os dos filhos, que passam a ser tratados de modo mais digno e equânime no convívio familiar, muito embora a existência de normas com conteúdo discriminatório fosse, ainda, uma realidade [20].

Novos hábitos, novas aspirações, novos valores, novos costumes e novas permissões passaram assim a florescer, pela emergência da necessidade de novos e respiráveis ares, uma exigência do tempo proclamado como pós-moderno, enfim. E assim se deu, por exemplo, com a liberdade de expressão e a revalorização do sentimento, produzindo, entre outras coisas, o deslocamento do foco de interesse familiar para a criança (e não para a instituição propriamente dita), bem como a autorização para cada membro buscar a sua própria felicidade e bem-estar, valorizando mais a pessoa – cada pessoa – que o grupo constituído sob os ares da indestrutibilidade. Essa inversão paradigmática andou no sentido de deitar por terra as proclamações terríveis de outrora, como, por exemplo, a de que a unidade social é a família e não o indivíduo [21].

Desta forma, demasiados foram os fatores que contribuíram para a modificação da família no Brasil. O desenvolvimento socioeconômico do País foi um dos fatores responsáveis pelo ingresso da mulher no mercado de trabalho e pela sua maior participação na administração da sociedade conjugal e dos interesses de seus integrantes, reduzindo, consequentemente, as desigualdades entre homem e mulher no casamento. Cumpre ressaltar que a relação paterno-filial deixou de ser exclusivamente baseada no autoritarismo do pai para, gradativamente, fundar-se no afeto, na solidariedade e na dignidade de seus membros, o que também contribuiu para a diminuição do tratamento discriminatório conferido aos filhos havidos fora do matrimônio. Novas uniões de fato e, consequentemente, novos arranjos familiares surgiram, merecendo proteção jurídica até então inexistente, já que conferida apenas à família legítima. Ante o exposto, era demasiadamente necessária a alteração do Código Civil de 1916, tendo em vista que o modelo de família que o inspirou – sociedade patriarcal – já não condizia com aquele que findava o século XX, bem como não correspondia aos valores e aos anseios sociais em torno das relações familiares e das relações privadas em geral [22].

Neste seguimento, as expressivas modificações conceituais da família brasileira foram absorvidas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, período este em que se promoveu o Estado democrático de Direito no País, elegendo, desta forma, o princípio da dignidade da pessoa humana como principal base.

Assim, com o advento da Constituição de 1988, o modelo patriarcal-patrimonialista cedeu lugar à família democrática, eudemonista, voltada à realização pessoal de cada um de seus membros, fundada na dignidade, solidariedade, igualdade e afetividade, princípios constitucionais. Por conseguinte, as normas anteriores, infraconstitucionais, de conteúdo discriminatório, atentório à dignidade humana e aos interesses dos sujeitos da entidade familiar, não foram recepcionados pela Constituição, que, até o advento do Código Civil de 2002, tornou-se a “Lei fundamental da família”, projetando-se para o novo ordenamento civil, orientando sua interpretação e aplicação aos casos concretos [23].

Essa mudança paradigmática promovida pela Constituição de 1988 revelou um modelo de família plural e igualitário. Além do casamento, o Estado expressamente reconhece como entidades familiares a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes – a família monoparental. Mas a tutela jurídica a elas não se restringe e, desta forma, abrange outras organizações familiares, por meio da interpretação extensiva, em referência ao princípio constitucional do pluralismo das entidades familiares. Eliminou-se, assim, a família legítima, com a consequente garantia de proteção especial à família, base da sociedade, pois “é a família que merece respeito e acatamento, que é credora de amparo, de apoio, sem que se possa distinguir uma família da outra apenas porque uma delas foi solenemente constituída” [24]. Destarte, a Constituição de 1988 não estabeleceu que a família é constituída pelo casamento, mas sim que ela é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado.

Insta consignar que demasiadas foram as importantes alterações promovidas pela Constituição Federal de 1988, as quais, além das supramencionadas, cumpre também trazer à baila a consagração do princípio da igualdade entre homem e mulher (arts. 5º, inciso I, e 226, § 5º) e entre os filhos (artigo 227, § 6º). Conforme leciona Zeno Veloso, “o modelo de sociedade conjugal hierarquizada, verticalizada, elitizada, organizada sob estrutura patriarcal, com o marido exercendo a chefia, o comando, reservando-se à mulher uma posição de inferioridade, acabou, em nosso País”. Nas relações familiares, homem e mulher passaram a ter os mesmos direitos e deveres na administração da sociedade conjugal ou de fato, assim como na criação e na educação dos filhos. O Código Civil de 2002 regulou esses dispositivos constitucionais ao prever que ao homem não é mais atribuída a chefia da sociedade conjugal, cuja direção passou a ser exercida também pela mulher, em igualdade de condições com aquele, no interesse do casal e dos filhos. O poder familiar também passou a ser exercido por ambos os pais no interesse exclusivo dos filhos menores, independentemente da sua origem [25].

Da mesma forma, todos os filhos foram equiparados, sendo, igualmente, titulares dos mesmos direitos pessoais, patrimoniais e sucessórios. Por conseguinte, proibiu-se qualquer designação discriminatória relativa à natureza da filiação. Assim, todo e qualquer filho pode ser reconhecido, voluntária ou judicialmente, independentemente da relação jurídica mantida entre seus pais à época da concepção, pois “é corolário do princípio da igualdade o direito de estabelecer a ascendência biológica, qualquer que seja” [26]. Leciona Flávio Tartuce que o princípio da igualdade entre os filhos pode ser assim sintetizado:

Em suma, juridicamente, todos os filhos são iguais perante a lei, havidos ou não durante o casamento. Essa igualdade abrange também os filhos adotivos, os filhos socioafetivos e aqueles havidos por inseminação artificial heteróloga (com material genético de terceiro). Diante disso, não se pode mais utilizar as odiosas expressões filho adulterino ou filho incestuoso que são discriminatórias. Igualmente, não podem ser utilizadas, em hipótese alguma, as expressões filho espúrio ou filho bastardo, comuns em passado não tão remoto. Apenas para fins didáticos utiliza-se o termo filho havido fora do casamento, eis que juridicamente, todos são iguais. Isso repercute tanto no campo patrimonial quanto no pessoal, não sendo admitida qualquer forma de distinção jurídica, sob as penas da lei. Trata-se, desse modo, na ótica familiar, da primeira e mais importante especialidade da isonomia constitucional [27].

Desta forma, insta consignar que as principais modificações, no direito de família, introduzidas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foram confirmadas e reguladas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, que consagrou o princípio da proteção integral, assegurando o pleno desenvolvimento físico, intelectual e moral das crianças e dos adolescentes, e pelo Código Civil de 2002 [28]. A partir das alterações supramencionadas, vê-se, pois, que foi estabelecido o marco definitivo na transição do modelo da família patriarcal, característica do século XIX e da primeira metade do século XX, para a família contemporânea, consagrada no final do século XX com a nova ordem constitucional. Delineada, especialmente, pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade e da afetividade, a família destina-se à realização existencial de cada um de seus membros [29].

Assim, nota-se que não mais existe a ideia de que a família é unicamente formada pelo caráter produtivo e reprodutivo, tendo em vista que perdeu sua função econômica e procriacional para ser o espaço da realização pessoal e da dignidade de seus membros. O vínculo afeito atualmente possui mais prestígio, uma vez que envolve seus integrantes e, por conseguinte, faz nascer uma nova concepção de família, formada por laços afetivos de carinho, de amor. O valor do afeto passou a ser mais respeitado nas relações familiares, permanecendo por toda a convivência familiar. Atualmente a família passa por uma realidade nova, em que os valores são outros, tais como a afetividade, o companheirismo, o convívio familiar, a contribuição de todos para o sustento do lar. Nos dizeres de Maria Berenice Dias, houve a repersonalização das relações familiares:

A família, apesar do que muitos dizem, não está em decadência. Ao contrário, houve a repersonalização das relações familiares na busca do atendimento aos interesses mais valiosos das pessoas humanas: afeto, solidariedade, lealdade, confiança, respeito e amor [30].

Destarte, o elemento estruturador da família contemporânea é o afeto, que deve unir todos os seus integrantes, sujeitos centrais da proteção estatal fundada nas garantias da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade. Nesse sentido, analisar-se-á, no próximo item, o conteúdo dos princípios constitucionais que informam o direito de família, a fim de melhor compreender os valores que atualmente norteiam as relações familiares de caráter pessoal [31].

 

1.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFORMADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA

Um novo modo de ver o direito emergiu da Constituição Federal, verdadeira carta de princípios, que impôs eficácia a todas as suas normas definidoras de direitos e de garantias fundamentais (Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º, § 1º). Nos dizeres de Paulo Bonavides, os princípios constitucionais foram convertidos em alicerce normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do sistema constitucional, o que provocou sensível mudança na maneira de interpretar a lei. Muitas das transformações levadas a efeitos são frutos da identificação dos direitos humanos, o que ensejou o alargamento da esfera de direitos merecedores de tutela [32].

Paulo Lôbo leciona que liberdade, justiça, solidariedade são os objetivos supremos que a Constituição brasileira (art. 3º, I) consagrou para a realização da sociedade feliz, após duzentos anos da tríade liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, Do mesmo modo, são valores fundadores da família brasileira atual, como lugar para a concretização da dignidade da pessoa humana de cada um dos seus membros, iluminando a aplicação do direito [33].

Nesse sentido, os institutos de direito civil, especialmente os de direito de família, não devem ser analisados isoladamente, sob o âmbito estrito do positivismo jurídico, mas, ao contrário, devem ser entendidos e interpretados em conformidade com os princípios constitucionais, que informam todo o ordenamento jurídico e todas as relações sociais, sempre visando à proteção do ser humano e à garantia da justiça social. É por meio da aplicação dos princípios na solução dos casos concretos que os fins sociais perseguidos são efetivamente atingidos [34].

Os princípios constitucionais vêm em primeiro lugar e são as portas de entrada para qualquer leitura interpretativa do direito. Dispõem de primazia diante da lei, sendo os primeiros a ser invocados em qualquer processo hermenêutico. É equivocada a ideia de que os princípios vêm por último no ato integrativo. Trata-se, em uma palavra, de verdadeira invasão hermenêutica [35].

Os princípios constitucionais informadores do direito de família resumem-se aos da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, princípios fundamentais da ordem jurídica, dos quais decorrem os princípios do pluralismo das entidades familiares, da igualdade e respeito à diferença, do melhor interesse da criança e do adolescente e da afetividade, os quais, observados no estudo, na aplicação e na interpretação das regras jurídicas, garantem a efetividade da tutela familiar [36].

 

1.2.1 Dignidade da pessoa humana

A princípio, de se destacar que a dignidade é o vértice do Estado Democrático de Direito e é um amparo de sustentação dos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Por conseguinte, é o princípio maior, sendo afirmado já no primeiro artigo da Constituição da República Federativa do Brasil. Nos dizeres de Maria Berenice Dias:

A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. Sua essência é difícil de ser capturada em palavras, mas incide sobre uma infinidade de situações que dificilmente se consegue elencar de antemão. Talvez possa ser identificado como sendo o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções. É impossível uma compreensão totalmente intelectual e, em face dos outros princípios, também é sentido e experimentado no plano dos afetos. O princípio da dignidade humana é o mais universal de todos os princípios [37].

Nesse sentido, a dignidade, expressão da condição humana, deve ser respeitada e tutelada pelo Estado, pela sociedade e por cada indivíduo, a fim de garantir a existência digna do ser humano, protegendo-o contra qualquer ato atentório à sua integridade física e moral, além de garantir liberdade e autonomia para determinar os rumos de sua vida, sempre com observância ao dever de respeito à dignidade dos demais indivíduos integrantes da sociedade [38]. Daniel Sarmento leciona que o princípio da dignidade humana não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para a sua ação positiva, tendo em vista que o Estado não tem apenas o dever de abster-se de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, mas também deve promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território [39].

O direito de família, no âmbito do direito privado, é o que mais possui influência desse princípio, tendo em vista que a dignidade da pessoa humana encontra nas relações familiares o solo apropriado para florescer. Ademais, a família contemporânea, baseada na igualdade e na afetividade, passou a ser o espaço da realização existencial de cada um de seus membros e, preferencialmente, na afirmação de suas dignidades. Assim, o princípio em estudo manifesta-se no sentido de impor à comunidade familiar o dever de respeito e de tratamento igualitário, além da observância e da proteção dos direitos da personalidade, assegurando-se, desta forma, uma vida digna a todos em um ambiente familiar adequado à realização pessoal de seus integrantes [40].

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu capítulo VII, destinado à disciplina da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso, expressamente prevê a aplicação do princípio da dignidade humana às relações familiares, fazendo-se, porém, de forma exemplificativa, já que se trata de valor inerente a todo ser humano. Dispõe, assim, que o planejamento familiar deve estar fundado no princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, § 7º), sendo dever da família, da sociedade e do Estado garantir à criança, ao adolescente, ao jovem e às pessoas idosas, dentre outros direitos, a dignidade (arts. 227 e 230) [41].

Vê-se, pois, que com base no princípio da dignidade humana, a tutela do ser humano é o objetivo central do sistema jurídico, do Estado, da sociedade e da família. As relações pessoais com o mais elevado conteúdo afetivo e sentimental se desenvolvem na família, sendo o local onde o indivíduo encontra sua plena realização existencial, que a dignidade da pessoa humana se perfaz completamente, devendo, por isso, ser protegido e colocado a salvo de todos os atos que coloquem em risco o seu bem estar físico e mental.

 

1.2.2 Solidariedade familiar

A solidariedade, na lição de Paulo Luiz Netto Lôbo, como categoria ética e moral que se projetou para o mundo jurídico, significa um vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que compele à oferta de ajuda, apoiando-se em uma mínima similitude de certos interesses e objetivos, de forma a manter a diferença entre os parceiros na solidariedade. A solidariedade cresce de importância na medida em que permite a tomada de consciência da interdependência social [42].

O princípio da solidariedade incide permanentemente sobre a família, impondo deveres a ela enquanto ente coletivo e a cada um de seus membros, individualmente. Ao mesmo tempo, estabelece diretriz ao legislador, para que o densifique nas normas infraconstitucionais e para que estas não o violem; ao julgador, para que interprete as normas jurídicas e solucione os conflitos familiares tendo em vista as interferências humanas que encerram, sem a dura escolha do tudo ou nada. O princípio da solidariedade, no plano das famílias, apresenta duas dimensões: a primeira, no âmbito interno das relações familiares, em razão do respeito recíproco e dos deveres de cooperação entre seus membros; a segunda, nas relações do grupo familiar com a comunidade, com as demais pessoas e com o meio ambiente em que vive [43].

Nos dizeres de Maria Berenice Dias:

[…] Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação (CF 227). Impor aos pais o dever de assistência aos filhos decorre do princípio da solidariedade (CF 229). O dever de amparo às pessoas idosas dispõe do mesmo conteúdo solidário (CF 230). A lei civil igualmente consagra o princípio da solidariedade ao prever que o casamento estabelece comunhão de vidas (CF 1.511). Também a obrigação alimentar dispõe deste conteúdo (CC 1.694). Os integrantes da família são, em regra, reciprocamente credores e devedores de alimentos. A imposição de obrigação alimentar entre parentes representa a concretização do princípio da solidariedade familiar. Também os alimentos compensatórios têm como justificativa o dever de mútua assistência, nada mais do que a consagração do princípio da solidariedade [44].

Destarte, o princípio da solidariedade permeia todas as relações familiares, as quais devem ser construídas e desenvolvidas com observância dos deveres de cooperação, cuidado, respeito e assistência moral e material, viabilizando-se, assim, a união da família em torno da convivência afetiva e responsável e, em última análise, a existência digna de todos os seus membros e de toda a coletividade.

 

1.2.3 Pluralismo das entidades familiares

A partir do momento em que as uniões matrimonializadas deixaram de ser reconhecidas como a única base da sociedade, aumentou, por conseguinte, o espectro da família. O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência das várias possibilidades de arranjos familiares [45].

Nesse sentido, o novo modelo familiar está baseado na afetividade, independentemente da forma que possa revestir, conforme leciona Maria Berenice Dias:

Como as uniões extramatrimoniais não eram consideradas de natureza familiar, encontravam abrigo somente no direito obrigacional, sendo tratadas como sociedades de fato. Mesmo que não indicadas de forma expressa, outras entidades familiares, como as uniões homossexuais – agora chamadas de uniões homoafetivas – […] são unidades afetivas que merecem ser abrigadas sob o manto do direito das famílias. No mesmo âmbito se inserem tanto as famílias parentais como as pluriparentais. Excluir do âmbito da juridicidade entidades familiares que se compõem a partir de um elo de afetividade e que geram comprometimento mútuo e envolvimento pessoal e patrimonial é simplesmente chancelar o enriquecimento injustificado, é ser conivente com a injustiça [46].

Nesse sentido, cumpre evidenciar que todas as entidades familiares, independentemente da origem de sua formação, merecem tutela estatal a fim de que seja preservada a dignidade de todos os seus integrantes, que encontram na família o local de sua realização existencial e do desenvolvimento de sua personalidade. Assim, a partir da normatização de que a família, considerada em sentido amplo, é a base da sociedade, consagrou-se o princípio do pluralismo das entidades familiares, que garante aos membros de todas as famílias, expressamente previstas ou não no ordenamento jurídico, tratamento igualitário, bem como os direitos, os meios necessários ao desenvolvimento de sua personalidade e a realização concreta da dignidade da pessoa humana no âmbito familiar [47].

 

1.2.4 Igualdade e respeito à diferença

Maria Berenice Dias assevera que falar em igualdade sempre lembra a célebre frase de Rui Barbosa: tratar a iguais com desigualdade ou a desiguais com igualdade não é igualdade real, mas flagrante desigualdade [48]. Desta forma, é imprescindível que a lei em si considere todos igualmente, ressalvadas as desigualdades que devem ser sopesadas para prevalecer a igualdade material.

Assim, além da igualdade formal, garantida constitucionalmente (5º, caput, CF), deve-se buscar a igualdade material, permitindo-se o tratamento desigual, diferenciado, das pessoas desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso porque, tratar igualmente os desiguais conduziria à prática de injustiças, em razão do desrespeito às diferenças inerentes aos seres humanos.

A igualdade e o respeito às diferenças constituem um dos princípios-chave para as organizações jurídicas e especialmente para o direito de família, sem os quais não há dignidade dos sujeitos de direito e, por conseguinte, não há justiça. Insta consignar que no âmbito do direito de família, o princípio da igualdade desdobra-se em três vertentes, que historicamente, foram, em demasia, marcadas pela desigualdade, quais sejam: as entidades familiares, a relação entre homem e mulher e a relação de filiação.

No que atine às entidades familiares, o princípio da igualdade, analisado conjuntamente com o princípio do pluralismo das entidades familiares, determina que todas as famílias, independentemente da origem, devem ser igualmente tuteladas pelo Estado. Já no que diz respeito à relação entre homem e mulher, o princípio em estudo, com base nos arts. 5º, caput e 226, § 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil, dispõe que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher e, a partir da interpretação dos dispositivos supramencionados, vê-se que o gênero sexual não deve ser utilizado para diferenciar materialmente homem e mulher, salvo quando a diferenciação tenha por objetivo a redução dos desníveis naturalmente existentes. Assim, com a equalização dos direitos e deveres na entidade familiar, a sociedade conjugal passou a ser fundada e mantida no afeto, na igualdade e na solidariedade entre os seus membros, e não mais na subordinação e na discriminação da mulher, características da sociedade patriarcal do início do século XX. Por fim, o princípio da igualdade na relação de filiação está previsto no art. 227, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil, segundo o qual os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação [49].

 

1.2.5 Melhor interesse da criança e do adolescente

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente tem previsão no art. 227, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988; nos arts. 3º, 4º e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente e, além dos dois supracitados institutos jurídicos, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, adotada pelo Brasil em 1990, consagra o princípio em estudo em seu art. 3º, inciso I.

A proteção integral da criança e do adolescente é o alicerce no direito da infância e da juventude. O princípio em estudo tem por finalidade garantir que toda a atuação, especialmente da família, seja voltada, prioritariamente, à preservação e à efetivação dos interesses e direitos fundamentais da prole, imprescindíveis à tutela da dignidade humana e ao pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. Nos dizeres de Maria Berenice Dias:

A maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até os 18 anos, como pessoas em desenvolvimento, os faz destinatários de um tratamento especial. Daí a consagração constitucional do princípio que assegura a crianças, adolescentes e jovens, com prioridade absoluta, direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Também são colocados a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CF 227) [50].

Destarte, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente atinge todo o sistema jurídico nacional, uma vez que é a base axiológica a ser seguida quando postos em causa os interesses dos menores. Nesse sentido, estando a criança e o adolescente em processo de amadurecimento e formação da personalidade, devem ser preservados ao máximo. De se ressaltar, outrossim, que devem ter seus interesses tratados com prioridade pel Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quando na aplicação do direito, vale dizer, que os menores têm, portanto, o direito fundamental de chegarem à condição adulta sob as melhores garantias morais e materiais.

 

1.2.6 Afetividade

Tornou-se comum, na doutrina contemporânea, afirmar que o afeto tem valor jurídico ou, mais do que isso, foi alçado à condição de verdadeiro princípio geral. Nesse sentido, o papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares.

Conforme bem aponta Ricardo Lucas Calderon, parece possível sustentar que o Direito deve laborar com a afetividade e que sua atual consistência indica que se constitui em princípio no sistema jurídico brasileiro. A solidificação da afetividade nas relações sociais é forte indicativo de que a análise jurídica não pode restar alheia a este relevante aspecto dos relacionamentos. A afetividade é um dos princípios do direito de família brasileiro, implícito na Constituição da República Federativa do Brasil, explícito e implícito no Código Civil e nas diversas outras regras do ordenamento [51].

Insta consignar que a afetividade é o princípio que fundamenta o Direito de Família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão da vida. Nesse sentido, a relação de parentalidade deve estar antes fundada na afetividade do que tão somente na origem biológica da filiação e no mero cumprimento das respectivas obrigações patrimoniais, isso porque, a paternidade, em si mesma, não é um fato da natureza, mas um fato cultural.

João Baptista Villela leciona que as relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por mais complexas que se apresentem, nutrem-se, todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência em dar e receber amor [52].

Talvez nada mais seja necessário dizer para evidenciar que o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade [53]. Cumpre ressaltar que em que pese não exista qualquer meio de compelir os pais a agirem afetivamente, a omissão do afeto, caracterizadora do abandono afetivo, gera a possibilidade de se pleitear indenização visando à reparação dos danos causados pelos filhos, conforme se demonstrará no decorrer do presente estudo [54].

 

2 ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL E SEUS EFEITOS

A princípio, cumpre ressaltar que, conforme visto no capítulo anterior, o ordenamento jurídico brasileiro prevê como direitos fundamentais da criança e do adolescente o desenvolvimento saudável e a convivência familiar. Hoje, qualquer que seja a modalidade de família, seu núcleo sempre será o afeto. Destarte, não há família sem afeto.

Ademais, partindo da premissa de que é no seio da família que o indivíduo constrói sua identidade, não se pode distanciar do princípio da dignidade da pessoa humana. É indiscutível o fato de que a ausência do afeto causa consequências psicológicas no desenvolvimento de uma pessoa e, muitas vezes, tais consequências são irreversíveis. Nesse sentido, dada à imprescindibilidade do afeto nas entidades familiares, a sua ausência enseja a possibilidade de se pleitear indenização. Nos dizeres de Rodrigo da Cunha Pereira:

O Direito de Família somente estará em consonância com a dignidade da pessoa humana se determinadas relações familiares, como o vínculo entre pais e filhos, não forem permeados de cuidado e de responsabilidade, independentemente da relação entre os pais, se forem casados, se o filho nascer de uma relação extraconjugal, ou mesmo se não houver conjugalidade entre os pais, se ele foi planejado ou não […]. Em outras palavras, afronta o princípio da dignidade humana o pai ou a mãe que abandona seu filho, isto é, deixa voluntariamente de conviver com ele [55].

De acordo com as lições de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajudá-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da ideia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder. Aqui, a compreensão baseada no conhecimento racional da natureza dos integrantes de uma família quer dizer que não há mais fundamento na prática da coisificação familiar […]. Paralelamente, significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção. Poder-se-ia dizer, assim, que uma vida familiar na qual os laços afetivos são atados por sentimentos positivos, de alegria e amor recíprocos em vez de tristeza ou ódio recíprocos, é uma vida coletiva em que se estabelece não só a autoridade parental e a orientação filial, como especialmente a liberdade paterno-filial [56].

Não obstante seja intenso, na doutrina, o debate acerca da indenização por abandono afetivo, de se destacar que, conforme demonstrado acima, a relevância do afeto nas relações familiares é tamanha que a sua ausência pode ensejar o dever de indenizar em casos tais, principalmente se houver um dano psíquico propulsor de dano moral, a ser demonstrado por prova psicanalítica.

O desrespeito ao dever de convivência é muito claro, eis que o art. 1.634 do Código Civil impõe como atributos do poder familiar a direção da criação dos filhos e o dever de ter os filhos em sua companhia. Ademais, o art. 229 da Constituição Federal é cristalino ao estabelecer que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Violado esse dever e sendo causado o dano ao filho, estará configurado o ato ilícito, nos exatos termos do que estabelece o art. 186 do Código Civil em vigor [57]. Tecidas tais considerações, a seguir serão demonstrados os pressupostos ensejadores da indenização por abandono afetivo na relação paterno-filial

 

2.1 PRESSUPOSTO: RELAÇÃO DE PARENTALIDADE

A relação de parentalidade deve ser orientada pelo princípio da afetividade, que impõe aos pais a obrigação de conviver com os filhos menores, educando-os e criando-os, vale dizer, zelando pelas suas pessoas de modo ativo e dedicado com vistas à garantia do desenvolvimento pleno da personalidade [58]. Sendo esses deveres inerentes à parentalidade, uma vez que materializados no poder familiar, cumpre verificar os critérios jurídicos pelos quais se estabelece a filiação a fim de que seja possível determinar as pessoas que, juridicamente qualificadas como pais, podem ser responsabilizadas pelo abandono afetivo dos filhos menores [59].

 

2.1.1 Conceito de filiação

O vocábulo filiação procede do latim filiatio, que significa procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace. Nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa:

Sob o aspecto do Direito, a filiação compreende todas as relações, e respectivamente sua constituição, modificação e extinção, que têm como sujeitos os pais com relação aos filhos. Portanto, sob esse prisma, o direito de filiação abrange também o pátrio poder, atualmente denominado poder familiar, que os pais exercem em relação aos filhos menores, bem como os direitos protetivos e assistenciais em geral [60].

Cumpre trazer à baila as lições de Paulo Lôbo no que atine ao conceito de filiação:

Filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais é titular de autoridade parental e a outra a esta se vincula pela origem biológica ou socioafetiva. Quando a relação é considerada em face do pai, chama-se paternidade, quando em face da mãe, maternidade […]. Sob o ponto de vista do direito brasileiro, a filiação não é haurida da natureza. Por ser uma concepção cultural, resultante da convivência familiar e da afetividade, o direito a considera como um fenômeno abrangente da origem biológica, que antes detinha exclusividade, e de outras origens não biológicas. No brasil, a filiação é conceito único, não se admitindo adjetivações ou discriminações. Desde a Constituição de 1988 não há mais filiação legítima, ou filiação ilegítima, ou filiação natural, ou filiação adotiva, ou filiação incestuosa, ou filiação matrimonial ou extramatrimonial, ou filiação adulterina, como o direito anterior as classificava. Os direitos e deveres dos filhos, de qualquer origem, são plenamente iguais [61].

Mister se faz evidenciar que a absoluta impossibilidade do ser humano de sobreviver de modo autônomo – eis que necessita de cuidados especiais por longo período – faz surgir um elo de dependência a uma estrutura que lhe assegure o crescimento e o pleno desenvolvimento. Daí a imprescindibilidade da família, que acaba se tornando seu ponto de identificação social [62]. Nesse sentido, tal como aconteceu com a entidade familiar, a filiação começou a ser identificada pela presença do vínculo afetivo paterno-filial.

Maria Berenice Dias leciona que existem três critérios para o estabelecimento do vínculo parental:

(a) Critério jurídico – previsto no Código Civil, estabelece a paternidade por presunção, independentemente da correspondência ou não com a realidade (CC 1.597); (b) critério biológico – é o preferido, principalmente em face da popularização do exame do DNA; (c) critério socioafetivo – fundado no melhor interesse da criança e na dignidade da pessoa humana. Pai é o que exerce tal função, mesmo que não haja vínculo de sangue [63].

Assim, em suma, a filiação pode ser conceituada como a relação jurídica mantida entre ascendentes e descendentes, de primeiro grau em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivesse gerado. Nessa esteira, a filiação pode ser estabelecida pelo vínculo biológico, consubstanciada na transferência do material genético por meio da fecundação natural ou da inseminação artificial homóloga, ou pelo vínculo socioafetivo, constituído pela adoção, pela posse de estado de filho ou pela inseminação artificial heteróloga.

 

2.1.2 Filiação biológica, jurídica e socioafetiva

A filiação biológica consiste na relação que se estabelece, por laços de sangue, entre uma pessoa e seu descendente em linha reta de primeiro grau [64]. Nos dizeres de Maria Berenice Dias:

Até hoje, quando se fala em filiação e em reconhecimento de filho, a referência é a verdade genética. Em juízo sempre foi buscada a chamada verdade real, sendo assim considerada a filiação decorrente do vínculo de consanguinidade [65].
A filiação biológica pressupõe a transmissão do material genético dos pais para os filhos concebidos por meio de fecundação natural ou de inseminação artificial homóloga, independentemente do vínculo jurídico mantido por aqueles. A fecundação natural decorre da conjunção carnal, enquanto a inseminação artificial homóloga resulta da manipulação dos gametas feminino e masculino pertencentes ao casal em razão de deficiência reprodutiva do homem ou da mulher, ou, ainda, da livre opção deles [66].

O vínculo socioafetivo pode ser constituído pela adoção, que, em sentido estrito, é o estado de filiação decorrente de um ato jurídico, cuja eficácia está condicionada à chancela judicial; a adoção constitui um parentesco eletivo, por decorrer exclusivamente de um ato de vontade, trata-se de modalidade de filiação construída no amor, na feliz expressão de Luiz Edson Fachin, gerando vínculo de parentesco por opção [67].

Ademais, a socioafetividade também pode decorrer da posse de estado do filho, situação em que, na lição de Paulo Luiz Netto Lôbo, consiste em uma pessoa desfrutar do status de filho em relação a outra pessoa, independentemente dessa situação corresponder à realidade legal [68]. Isso porque é no cotidiano da vida em família que a posse de estado do filho se constitui, revelando-se no tratamento dispensado pelos pais ao filho e no uso que este faz do nome da família, apresentando-se e sendo reconhecido como tal na sociedade. Assim, nos dizeres de Maria Berenice Dias, a posse de estado ocorre quando as pessoas desfrutam de situação jurídica que não corresponde à verdade [69].

A terceira hipótese de filiação socioafetiva decorre da inseminação artificial heteróloga, técnica de reprodução assistida que utiliza material genético de pelo menos um terceiro, aproveitando ou não os gametas (sêmen ou óvulos) de um ou de outro cônjuge [70].  O Código Civil, contudo, apenas prevê a hipótese de inseminação artificial heteróloga que faz uso do sêmen de terceiro, doador anônimo, para a fecundação do óvulo da mulher. Nas lições de Paulo Lôbo:

A inseminação artificial heteróloga dá-se quando é utilizado sêmen de outro homem, normalmente doador anônimo, e não o do marido, para a fecundação do óvulo da mulher. A lei não exige que o marido seja estéril ou, por qualquer razão física ou psíquica, não possa procriar. A única exigência é que tenha o marido previamente autorizado a utilizado de sêmen estranho ao seu […].

A norma legal brasileira apenas prevê a inseminação artificial heteróloga em relação ao marido. Porém, por similitude, se a mulher for fecundada com óvulo de outra, com sêmen do marido, ter-se-á a mesma atribuição de filiação: ela e seu marido serão os pais legais do filho que vier a nascer, pois militam nessa direção as presunções de maternidade e paternidade [71].

Tecidas as considerações sobre as formas de filiação biológica e socioafetiva, vê-se que a filiação biológica é a definida pelo vínculo da consanguinidade, a que pode ser comprovada pela genética. Sobre o tema, Clóvis Beviláqua enfatiza:

O parentesco criado pela natureza é sempre a cognação ou a consanguinidade, porque é a união produzida pelo mesmo sangue. O vínculo do parentesco estabelece-se por linhas. Linha é a série de pessoas provindas por filiação de um antepassado. É a irradiação das relações consanguíneas [72].

No entanto, com o passar do tempo, dois fenômenos romperam o caráter absoluto do princípio da origem biológica dos vínculos de parentalidade, que a lei consagra, a doutrina sempre sustentou e a jurisprudência vinha acolhendo. Maria Berenice Dias explica:

O primeiro foi ter deixado a família se de identificar pelo casamento. No momento em que se admitiram entidades familiares não constituídas pelo matrimônio, passou-se a reconhecer a afetividade como elemento constitutivo da família. Essa mudança de paradigmas não se limitou ao âmbito das relações familiares. Refletiu-se também nas relações de filiação. Com isso o estado de filiação desligou-se da verdade genética, relativizando-se o papel fundador da origem biológica. Como diz Paulo Lôbo, na realidade da vida, o estado de filiação de cada pessoa humana é único e de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar.

O outro acontecimento que produziu reflexos significativos nos vínculos parentais foi o avanço científico, que culminou com a descoberta dos marcadores genéticos. A possibilidade de identificar a filiação biológica por meio de singelo exame do DNA desencadeou a verdadeira corrida ao Judiciário, na busca da “verdade real”.

Esses dois episódios provocaram consequências paradoxais: nunca foi tão fácil descobrir a verdade biológica, mas essa verdade passou a ter pouca valia frente à verdade afetiva. Tanto é assim que foi construída a diferença entre pai e genitor. Pai é o que cria, o que dá amor, e genitor é somente o que gera. Se durante muito tempo – por presunção legal ou por falta de conhecimento científicos –, confundiam-se essas duas figuras, hoje é possível identificá-las em pessoas distintas [73].

Imprescindível ressaltar que, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, consagrou o princípio da igualdade entre os filhos e, por conseguinte, rompeu com o modelo da família legítima, o que fez com que a paternidade não mais se baseasse exclusivamente na origem biológica, mas também nos laços afetivos [74]. Nesse sentido, a filiação não deve ser desconstituída se estabelecida a paternidade com base na aludida presunção e desenvolvida estreita relação de afetividade entre pai e filho, ainda que se prove a ausência do vínculo biológico, a fim de que se atenda ao melhor interesse do filho menor [75].

A necessidade de manter a estabilidade da família faz com que se atribua papel secundário à verdade biológica. A constância social da relação entre pais e filhos caracteriza uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva. Constituído o vínculo da parentalidade, mesmo quando desligado da verdade biológica, prestigia-se a situação que preserva o elo da afetividade. Pai afetivo é aquele que ocupa, na vida do filho, o lugar do pai (a função). É uma espécie de adoção de fato. É aquele que ao dar abrigo, carinho, educação, amor… ao filho, expõe o foro mínimo da filiação, apresentando-se em todos os momentos, inclusive naqueles em que se toma a lição de casa e ou verifica o boletim escolar. Enfim, é o pai das emoções, dos sentimentos e é o filho do olhar embevecido que reflete aqueles sentimento que sobre ele se projetam [76]

Ante o exposto, vê-se que a relevância da socioafetividade é notória e, desta feita, cumpre trazer à baila um caso decidido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em que o vínculo socioafetivo desenvolvido entre a criança e o pai registral, que acreditava ser o genitor biológico, mas, de fato, não o era, deve ser preservado, mormente quando o pai socioafetivo deseja mantê-lo, não obstante a revelação da verdade biológica e a vontade do genitor biológico em ver declarada a relação paterno-filial [77]. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO CIVIL. ANULAÇÃO PEDIDA POR PAI BIOLÓGICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PREPONDERÂNCIA.

  1. A paternidade biológica não tem o condão de vincular, inexoravelmente, a filiação, apesar de deter peso específico ponderável, ante o liame genético para definir questões relativas à filiação.
  2. Pressupõe, no entanto, para a sua prevalência, da concorrência do elementos imateriais que efetivamente demonstram a ação volitiva do genitor em tomar posse da condição de pai ou mãe.
  3. A filiação socioafetiva, por seu turno, ainda que despida de ascendência genética, constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, frisa-se, arrimada em boa-fé, deve ter guarida no Direito de Família.
  4. Nas relações familiares, o princípio da boa-fé objetiva deve ser observado e visto sob suas funções integrativas e limitadoras, traduzidas pela figura do ventre contra factum proprium (proibição de comportamento contraditório), que exige coerência comportamental daqueles que buscam a tutela jurisdicional para a solução de conflitos no âmbito do Direito de Família.
  5. Na hipótese, a evidente má-fé da genitora e a incúria do recorrido, que conscientemente deixou de agir para tornar pública sua condição de pai biológico e, quiçá, buscar a construção da necessária paternidade socioafetiva, torna-lhes o direito de se insurgirem contra os fatos consolidados.
  6. A omissão do recorrido, que contribuiu decisivamente para a perpetuação do engodo urdido pela mãe, atrai o entendimento de que a ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu proveito (nemo auditur propriam turpitudinem allegans) e faz fenecer a sua legitimidade para pleitear o direito de buscar a alteração no registro de nascimento de sua filha biológica.
  7. Recurso especial provido. (STJ, REsp nº 1.087.163 RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, data do julgamento: 18/08/2011).

Ademais, mister se faz evidenciar que, com vistas à garantia da dignidade humana e dos direitos da personalidade do filho, apenas se, cumulativamente, inexistir o vínculo biológico e o afetivo, e existir, de forma comprovada, vício de consentimento quando do registro de nascimento, é que se deve admitir a desconstituição da relação de paternidade erigida nas presunções dos incisos I e II do art. 1.597 do Código Civil [78]. Na lição de Rui Geraldo Camargo Viana, em observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, a paternidade afetiva deve prevalecer sobre a paternidade biológica e jurídica sempre que a primeira se revelar o meio mais adequado de realização dos direitos constitucionais assegurados à pessoa humana [79].

Cumpre ressalvar que, conforme acima citado, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, deu fim a qualquer discriminação no que concerne à filiação e, por conseguinte, surgiu a possibilidade dos filhos, independentemente de serem derivados do matrimônio ou não, terem o seu direito de conhecimento de identificação genética resguardado. Nesse sentido, o reconhecimento do estado de filiação é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível (ECA 27). Em relação a essa busca dos filhos, existe a chamada investigação de paternidade, que, nos dizeres de Maria Berenice Dias, deve ser considerada ação declaratória, uma vez que a pretensão do autor é que seja declarado o seu vínculo parental com o réu e, desta forma, a demanda é de eficácia declaratória [80]. Assim, ainda que a verdade afetiva mereça sempre ser prestigiada – porque a tudo se sobrepõe –, não pode servir de obstáculo à pretensão de descobrir a verdade genética, não revelada em anterior demanda [81].

Os pais socioafetivos, assim como os biológicos, são titulares do poder familiar e devem cumprir os respectivos deveres impostos como forma de garantir o pleno desenvolvimento físico e psíquico dos filhos. É nesse contexto que se inicia, a seguir, o estudo do poder familiar, seus aspecto gerais e deveres, cujo descumprimento está estritamente relacionado ao abandono afetivo [82].

 

2.2 PODER FAMILIAR

O poder familiar está relacionado ao dever dos pais de sustento, guarda e educação dos filhos menores, ou seja, é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais em relação à pessoa e aos bens dos filhos menores. Trata-se do antigo pátrio poder, expressão do Código de 1916, que considerava que o poder era exercido exclusivamente pelo pai. A mudança de nomenclatura se deu em 2009, pela Lei n. 12.010, e alterações no Código Civil. Dessa forma, o poder familiar é dever conjunto dos pais, e a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, estabelece, em seu art. 226, que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Nas lições de Paulo Lôbo:

A autoridade parental (“poder familiar”, segundo o Código Civil) é o exercício dos direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, no interesse destes. Configura uma autoridade temporária, exercida até a maioridade ou emancipação dos filhos. Ao longo do tempo, mudou substancialmente o instituto, acompanhando a evolução das relações familiares, distanciando-se de sua função originária – voltada ao interesse do chefe da família e ao exercício de poder dos pais sobre os filhos – para constituir um complexo de relações, em que ressaltam os deveres e as responsabilidades [83].

Ainda nos dizeres do autor:

A denominação acompanhou a trajetória e as vicissitudes do instituto. Enquanto persistir o modelo de família patriarcal, desde os antigos romanos até às seis primeiras décadas do século XX, vigorou o “pátrio poder”. Com a implosão, social e jurídica, da família patriarcal, cujos últimos estertores se deram antes do advento da Constituição de 1988, não faz sentido que seja reconstruído o instituto apenas deslocando o poder do pai (pátrio) para o poder compartilhado dos pais (familiar), como fez o Código Civil de 2002, ao denominá-lo “poder familiar”. A mudança foi muito mais intensa, na medida em que o interesse dos pais está condicionado ao interesse do filho, ou melhor, ao interesse de sua realização como pessoa em desenvolvimento. Não há mais poder do pai ou dos pais sobre os filhos.

Desde os antigos, já se fizeram distintos os conceitos de “poder” e de “autoridade”. Poder é a relação entre força legitimada e sujeição dos destinatários. Esse sentido amplo abrange tanto o poder político quanto o poder privado. Por seu turno, autoridade é competência reconhecida, destituída de força e sujeição, exercida no interesse dos destinatários. O poder é vertical, emanando de cima para baixo; a autoridade é horizontal, porque consubstanciada em direitos e deveres recíprocos [84].

 

2.2.1 Conceito, características e titularidade do poder familiar

O poder familiar, ou autoridade parental, no Brasil, não é mais tido como um direito absoluto e discricionário do pai, mas sim como um instituto voltado à proteção dos interesses do menor, a ser exercido pelo pai e pela mãe, em regime de igualdade, conforme determina a Constituição da República Federativa do Brasil, em seus arts. 5º, inciso I, e 226, § 5º [85]. Na lição de Flávio Tartuce:

O poder familiar é conceituado como sendo o poder exercido pelos pais em relação aos filhos, dentro da ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de relações baseadas, sobretudo, no afeto.

[…

Nos termos do vigente Código Civil, o poder familiar será exercido pelo pai e pela mãe, não sendo mais o caso de se utilizar, em hipótese alguma, a expressão pátrio poder, totalmente superada pela despatriarcalização do Direito de Família, ou seja, pela perda do domínio exercido pela figura paterna no passado [86].

O poder familiar deve ser exercido no melhor interesse dos filhos e suas características são inerentes à proteção da relação familiar, deste modo, são irrenunciáveis, indisponíveis, inalienáveis, imprescritíveis, tendo ainda como característica a temporariedade. Maria Helena Diniz traz a seguinte definição e características do poder familiar:

O poder familiar constitui um múnus publico, isto é, uma espécie de função correspondente a um cargo privado, sendo o poder familiar um direito-função e um poder-dever […] é irrenunciável, pois os pais não podem abrir mão dele; é inalienável ou indisponível, no sentido de que não pode ser transferido pelos pais a outrem, a título gratuito ou oneroso, salvo caso de delegação do poder familiar, desejadas pelos pais ou responsáveis para prevenir a ocorrência de situação irregular do menor […] é imprescritível, já que dele não decaem os genitores pelo simples fato de deixarem de exercê-lo, sendo que somente poderão perdê-lo nos casos previstos em lei; é incompatível com a tutela, não podendo nomear tutor a menor cujo pai ou mãe não foi suspenso ou destituído do poder familiar; conserva, ainda, a natureza de uma relação de autoridade por haver vínculo de subordinação entre pais e filhos, pois os genitores têm poder de mando e a prole o dever de obediência [87].

Paulo Lôbo leciona que a autoridade parental é entendida como uma consequência da parentalidade e não como efeito particular de determinado tipo de filiação, uma vez que os pais são os defensores legais e os protetores naturais dos filhos, os titulares e os depositários dessa específica autoridade, delegada pela sociedade e pelo Estado [88].

Destarte, sendo um encargo legal decorrente da parentalidade, o poder familiar não pode ser renunciado, tampouco delegado, de modo que aos pais é vedado transacioná-lo ou transferi-lo a outrem. Não se permite que os pais se desincumbam, por sua vontade, de uma obrigação de ordem pública imposta pelo Estado objetivando a proteção e a educação dos filhos menores “em seu próprio e primeiro benefício, mas também em favor da sociedade como um todo” [89]. Ademais, conforme citado acima na definição feita por Maria Helena Diniz, o poder familiar é, ainda, imprescritível, ou seja, dele não decaem os pais pela falta de seu exercício, somente o perdem na forma e nos casos expressamente previsto em lei. Desta feita, vê-se que não é possível nomear tutor ao filho menor cujos pais não foram destituídos ou suspensos do poder familiar [90].

Ante o exposto no que atine ao conceito e às características do poder familiar, de se ressaltar que o instituto é concebido para proteger a pessoa e os bens do filho menor, que, em razão de sua vulnerabilidade e condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, merece maior amparo e cuidado a fim de que se desenvolva de forma digna e plena [91].

Insta consignar que o Código Civil faz referência ao poder familiar dos pais, no entanto, não significa dizer que estes são os únicos titulares ativos e os filhos os sujeitos passivos deles. Paulo Lôbo explica que para o cumprimento dos deveres decorrentes, os filhos são titulares dos direitos correspondentes e, portanto, a autoridade parental compreende titulares recíprocos de direitos [92]. Nas lições do mesmo autor acima citado:

O ECA estabelece que a autoridade parental será exercida pelo pai e pela mãe, “na forma do que dispuser a legislação civil” (art. 21). O Código Civil refere-se apenas à titularidade dos pais, durante o casamento ou a união estável, restando silente quanto às demais entidades familiares tuteladas explícita ou implicitamente pela Constituição. Ante o princípio da interpretação em conformidade com a Constituição, a norma deve ser entendida como abrangente de todas as entidades familiares, onde houver quem exerça o múnus, de fato ou de direito, na ausência de tutela regular, como se dá com irmão mais velho que sustenta os demais irmãos, na ausência de pais, ou de tios em relação a sobrinhos que com ele vivem.

A convivência dos pais, entre si, não é requisito para familiar exercício da autoridade parental, que apenas se suspense ou se perde, por decisão judicial, nos casos previstos em lei. Do mesmo modo, a convivência dos pais com os filhos. Pode ocorrer variação de grau, máxime quanto ao que cumpre o dever de guarda, mas isso diz respeito apenas ao seu exercício e não á titularidade [93]

Destarte, mister se faz evidenciar que não obstante o art. 1.631 do Código Civil [94] faça referência tão somente à titularidade dos pais casados ou que vivam em união estável, sendo omisso quanto às demais entidades familiares tuteladas constitucionalmente, a norma deve ser interpretada consoante o princípio do pluralismo das entidades familiares, abrangendo, portanto, todas as famílias, uma vez que o poder familiar decorre da relação de filiação, e não do casamento ou da união estável [95]. Qualquer interpretação em sentido contrário acabaria por conferir tratamento desigualitário aos filhos havidos fora do casamento ou da união estável, o que não deve ser admitido.

Imprescindível ressaltar que a separação, o divórcio ou a dissolução da união estável não é causa de perda do poder familiar, uma vez que a convivência dos pais, conforme supramencionado, não é requisito para a titularidade do instituto. Nesse sentido é a disposição do art. 1.632 do Código Civil: “A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”. Paulo Lôbo leciona:

É assegurada a autoridade parental de pais separados ou que tiveram os filhos fora dessas uniões familiares. Ainda que a guarda esteja sob a detenção de um, a autoridade parental continua sob a titularidade de ambos os pais. O que não detém a guarda tem direito não apenas a visita ao filho, mas a compartilhas das decisões fundamentais que lhe dizem respeito. A ele também se aplica o recurso ao juiz para solução do desacordo, a exemplo dos critérios a serem observados para a educação do filho. A criança é um sujeito e não objeto do acordo dos pais em litígio. Esse é o marco fundamental que o juiz deve levar em consideração para decidir sobre as modalidades de exercício da autoridade parental.

Havendo divórcio ou dissolução da união estável, a autoridade parental permanece íntegra, exceto quanto ao direito de terem os filhos em sua companhia.

[…]

O direito (e dever) à companhia dos filhos, daquele que o reteve na separação, não exclui o do outro, na forma em que tiver sido decidido, amigável ou judicialmente, no tocante ao chamado direito de visita.

O “direito à companhia” é relativo e não pode ser exercido contrariamente ao interesse do filho, que deve ter assegurado o direito à companhia do pai ou da mãe que não seja o guardião, nas hipóteses excepcionais de guarda unilateral. O direito de um não exclui o direito do outro e o filho tem direito à companhia de ambos [96]

Os direitos e os correspectivos deveres dos pais em relação aos filhos menores não emancipados, seja a relação de filiação biológica ou socioafetiva, relacionam-se à administração dos bens e à pessoa do filho menor. Assim, os deveres quanto à pessoa do filho serão, a seguir, estudados, pois o seu descumprimento constitui a essência e o fundamento do abandono afetivo, principal foco do presente trabalho [97].

 

2.2.2 Conteúdo do poder familiar: deveres dos pais quanto aos filhos menores

Cabe aos pais dirigir a educação dos filhos, tendo-os sob sua guarda e companhia, sustentando-os e criando-os [98]. Sob esse título, o Código Civil disciplina a matéria de forma concisa no art. 1.634:

Art. 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I – dirigir-lhes a criação e a educação; II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Em que pese o extenso rol acima citado, cumpre ressaltar que não consta o que seja o mais importante dever dos pais com relação aos filhos: o dever de lhes dar amor, afeto e carinho. Sobre o tema, Maria Berenice Dias explica:

A missão constitucional dos pais, pautada nos deveres de assistir, criar e educar os filhos menores, não se limita a encargos de natureza patrimonial. A essência existencial do poder familiar é a mais importante, que coloca em relevo a afetividade responsável que liga pais e filhos, propiciada pelo encontro, pelo desvelo, enfim, pela convivência familiar. Daí a tendência jurisprudencial em reconhecer a responsabilidade civil do genitor por abandono afetivo, em face do descumprimento do dever inerente à autoridade parental de conviver com o filho, gerando obrigação indenizatória por dano afetivo. A omissão dos genitores, deixando de garantir a sobrevivência dos filhos, como, por exemplo, deixando imotivadamente de pagar os alimentos, configura o delito de abandono material (CP 244).

O elenco dos deveres inerentes ao poder familiar também não faz referência expressa aos deveres impostos aos pais pela Constituição (CF 227 e 229) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA 22). Assim, às obrigações e direitos previstos pela lei civil somam-se todos os outros que também não derivados do poder familiar [99].

As obrigações dos pais quanto aos filhos menores podem ser sintetizadas nos deveres de criação, educação, sustento, companhia e guarda. Em suma, o dever de criação consiste na prática de todos os atos que garantam o desenvolvimento e a formação dos filhos, abrangendo, assim, a assistência moral e material, a educação e o sustento [100]. Em sentido jurídico, o exercício desse dever tem por finalidade assegurar aos filhos todos os direitos fundamentais previstos no art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil, ou seja, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão [101].

No que atine à educação, nas lições de Paulo Lôbo, é a mais larga possível, uma vez que inclui a educação escolar, a formação moral, política, religiosa, profissional, cívica que se dá em família e em todos os ambientes que contribuam para a formação do filho, como pessoa em desenvolvimento e inclui, ainda, todas as medidas que permitam ao filho aprender a viver em sociedade [102].

O dever de sustento, em síntese, consiste na obrigação dos pais em alimentar os filhos menores, garantindo-lhes o indispensável à satisfação de suas necessidades vitais básicas, que abrangem vestuário, moradia, saúde, educação, alimentação e educação [103]. Segundo Yussef Said Cahali, o dever de sustento não se confunde com a obrigação alimentar vinculada à relação de parentesco em linha reta, uma vez que o dever de sustento decorre do poder familiar, enquanto o de alimentos é um direito autônomo e, desta forma, o dever de sustento é uma obrigação de cunho assistencial, genérica e mais ampla de assistência paterna, representada pelo dever de criar e sustentar a prole [104].

Vê-se, pois, que os deveres de criação, educação e sustento visam ao desenvolvimento do filho menor e consubstanciam-se na assistência moral e material, cujo descumprimento pode caracterizar o abandono material e afetivo [105].

Insta consignar que é direito-dever dos pais a companhia e a guarda dos filhos menores. Nesse sentido, essa função do poder familiar visa à proteção dos filhos, uma vez que, a partir da vigilância e da convivência familiar e comunitária em ambiente saudável, evita-se que terceiras pessoas exerçam má influência sobre a educação e a formação da personalidade do filho ainda em desenvolvimento [106].

O direito à companhia dos filhos tem como contrapartida o direito dos filhos à companhia de ambos os pais e à convivência familiar, constitucionalmente atribuída. O direito à companhia inclui o de fixar a residência do filho e exigir que este, sem permissão do pai e da mãe, deixa-a ou dela se ausente; ao mesmo tempo, o filho tem o direito de não ser retirado dela, salvo em caso de necessidade fundado na lei,

O direito-dever de guarda inclui o de fiscalização, que permite aos pais controlar a vida da criança, dentro do domicílio familiar e fora dele. Esse direito permite submeter a criança à vigilância sobre o organização de seu cotidiano e em controlar seus deslocamentos, suas relações com os membros da família e com terceiros. Ele permite controlar as correspondências e as comunicações. O direito deve ser exercido no interesse da criança, em função de sua idade e da cultura familiar. Deve-se ter em conta, nesse direito de controle e vigilância, os direitos reconhecidos à criança pelos textos internacionais, notadamente o direito à liberdade de expressão (art. 13 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança), o direitos a não ser indevidamente interferido em sua vida privada, em sua família e em sua correspondência [107].

Ante o exposto, insta ressaltar que tanto a companhia como a guarda têm por fundamento assegurar a convivência familiar, direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade do filho menor. Não apenas a presença física dos pais no cotidiano da vida dos filhos, mas, principalmente, a afetiva, é indispensável à sua plena formação física e psíquica. É por meio do afeto, da atenção, do cuidado, da dedicação dos pais à satisfação dos interesses dos filhos que a convivência familiar se concretiza na sua forma mais plena, pois, somente assim, garantir-se-á o bem-estar físico e mental da prole [108].

 

2.2.3 Extinção, suspensão e perda do poder familiar

A princípio, cumpre evidenciar que para melhor efetivar os direitos fundamentais da criança e do adolescente, especialmente protegidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, foi promulgada a Lei n. 8.069, em 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), considerada um marco na proteção da infância, reforçando a ideia de prioridade absoluta da Constituição Federal. A exemplo disto, o art. 7º do ECA assegura à criança e ao adolescente o direito a um desenvolvimento sadio e harmonioso, bem como o direito de serem criados e educados no seio de sua família [109].

Entretanto, se os direitos assegurados às crianças e aos adolescentes forem desrespeitados ou interrompidos por alguma razão, pode haver a extinção, a suspensão ou a perda do poder familiar, sendo que o próprio ECA prevê as regras processuais quando proposta uma ação deste gênero, aplicando-se, subsidiariamente, as normas do Código de Processo Civil. Em relação ao procedimento, a agência CNJ de notícias expõe:

Em relação ao procedimento para que seja determinada a suspensão ou perda do poder familiar – denominado antigamente de “poder pátrio” – o ECA estabelece que deve ser provocado pelo Ministério Público ou pela parte interessada, por meio de uma petição inicial que informe, entre outros aspectos, as provas que serão produzidas e contenha a exposição sumária do fato. Caso exista um motivo grave, o juiz poderá determinar a suspensão do poder familiar por meio de uma medida liminar até o julgamento definitivo da causa, confiando a criança ou adolescente a uma pessoa idônea ou a uma casa de acolhimento. Os pais serão ouvidos e poderão defender-se perante a Justiça. Nesse caso, o juiz deve determinar a realização de estudo social da família envolvida, ou perícia por equipe interprofissional. Na audiência, são ouvidas as testemunhas e o juiz tem o prazo máximo de 120 dias para proferir a sentença [110].

Nas lições de Paulo Lôbo:

A extinção é a interrupção definitiva da autoridade parental. As hipóteses legais (CC, art. 1.635) são exclusivas, não se admitindo outras, porque implicam restrição de direitos fundamentais: morte dos pais ou do filho, emancipação do filho, maioridade, adoção e perda da autoridade parental. A ocorrência real dessas causas leva à extinção automática. A extinção não se confunde com a suspensão, que impede o exercício do poder familiar durante determinado tempo, e com a perda. Esta última leva à extinção, ainda que por causas distintas, de rejeição do direito, ao contrário da extinção propriamente dita [111].

Assim, quanto às hipóteses de extinção do poder familiar, insta consignar que a morte apenas extingue a autoridade parental se for de ambos os pais, uma vez que o pai ou a mãe sobrevivente detê-la-á de modo exclusivo, enquanto viver e o filho não atingir a maioridade. A morte do filho leva à perda do objeto da autoridade parental, pois esta apenas existe se houver filho menor [112]. A emancipação, por sua vez, é o ato de vontade dos pais para que o filho maior de 16 anos e menor de 18 atinja e exerça a plenitude da capacidade negocial, no entanto, só é possível se houver concordância dos pais e se faz por instrumento público, sem necessidade de homologação judicial. A lei também prevê a emancipação por sentença do juiz [113]. Acerca da maioridade, Paulo Lôbo leciona:

A maioridade é atingida, em geral, quando o filho chegar à idade de 18 anos. A referência à maioridade deve ser entendida como abrangente das demais hipóteses de cessação da incapacidade, ou seja, pelo casamento, pelo exercício de emprego público, pela relação de emprego que faça o menor desenvolver economia própria, pelo estabelecimento civil ou comercial e pela colação de grau científico, de difícil realização. Seria inconcebível que o menor pudesse casar, adquirisse a capacidade plena e, malgrado tudo, permanecesse sob o poder dos pais, como ocorria na antiga Roma [114].

Quanto à adoção, qualquer que seja sua modalidade, ela extingue o poder familiar da originária família, que passa a ser exercido pela adotante [115]. Vê-se, pois, que, na verdade, a adoção transfere o poder familiar, não o extingue.

Ainda no que atine às hipóteses de extinção do poder familiar, na forma do art. 1635 do Código Civil, a decisão judicial lastreada no art. 1.638 é aquela que conclui por um dos fatos graves ali descritos, que se mostram incompatíveis com o poder familiar, quais sejam:

Art. 1.638. Perdeá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente; V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.

Dentre as supramencionadas causas que ensejam a perda do poder familiar, de se destacar o abandono do filho. Nos dizeres de Silvio Rodrigues, o abandono abrange o ato de deixar o filho sem assistência material e moral, como o “descaso intencionar pela sua criação, educação e moralidade” [116]. Nesse sentido, tanto o abandono material, caracterizado por privar o filho das condições necessárias à sua subsistência, como o abandono moral e afetivo, que consiste na ausência da convivência familiar e pela omissão quanto aos deveres de criação e educação, podem acarretar a destituição do poder familiar [117]. Nesse sentido, cumpre trazer à baila a decisão do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL. PÁTRIO PODER. DESTITUIÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. POSSIBILIDADE. ART. 395, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL C/C ART. 22 DO ECA. INTERESSES DO MENOR. PREVALÊNCIA. – Caracterizado o abandono afetivo, cancela-se o pátrio poder dos pais biológicos. Inteligência do art. 395, II, do Código Bevilacqua, em conjunto com o art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Se a mãe abandonou o filho, na própria maternidade, não mais o procurando, ela jamais exerceu o pátrio poder. (STJ, REsp nº 275.568-RJ, Terceira Turma. Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros, data do julgamento: 18/05/2004).

Por outro lado, Sílvio de Salvo Venosa leciona que a suspensão do poder familiar é decretada pela autoridade judiciária, após a apuração de conduta grave [118]. A suspensão do poder familiar é menos severa que a destituição, no entanto, também constitui sanção civil. Nesse sentido, o art. 1.637 refere que podem os pais ser suspensos do poder familiar quando agirem com abuso, faltarem com os deveres inerentes ou arruinarem os bens dos filhos. O pedido de suspensão pode ser formulado por algum parente ou pelo Ministério Público, ou mesmo de ofício. Caberá ao prudente juiz suspender o poder familiar pelo tempo que achar conveniente, adotando também as medidas necessárias. O parágrafo único do citado art. 1.637 dispõe que também será suspenso o poder familiar se o pai ou a mãe forem condenados por crime cuja pena exceda de dois anos de prisão. A condenação por crimes apenados com reprimendas inferiores poderá ocasionar a suspensão, ou até a perda do poder familiar, dependendo da gravidade com relação ao filho, ocasião em que deve ser examinado o caso concreto [119]. No que tange à suspensão do poder familiar, o mesmo autor acima citado explica:

As causas de suspensão do poder familiar descritas no Código são apresentadas de forma genérica, dando margem ampla de decisão ao magistrado. O Estatuto da Criança e do Adolescente faz referência à perda e suspensão do poder familiar no art. 24, reportando-se ao descumprimento injustificado dos deveres e obrigações descritos no art. 22. Esse dispositivo, por sua vez, reporta-se aos deveres de sustento, guarda e educação dos filhos, bem como à obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais, no interesse deles. Portanto, o caso concreto dará ao juiz os parâmetros para a grave decisão de suspensão do poder familiar. Não esqueçamos, por outro lado, que os processos de perda e suspensão do poder familiar devem assegurar o contraditório, com amplo direito de defesa aos envolvidos, devendo ser nomeado advogado dativo para a defesa, se for o caso de pobreza e a assistência judiciária oficial não estiver disponível. Os arts. 155 ss do Estatuto da Criança e do Adolescente disciplinam os procedimentos para a perda ou suspensão do poder familiar. A sentença que decretar a perda ou suspensão do poder familiar será averbada à margem do registro de nascimento da criança ou adolescente.

Uma vez suspenso o poder familiar, perde o genitor todos os direitos em relação ao filho, inclusive o usufruto legal. Se houver motivos graves, a autoridade judiciária poderá decretar liminarmente a suspensão do poder familiar, dentro do poder geral de cautela […]. A suspensão é medida menor grave do que a destituição ou perda porque, cessados os motivos, extinta a cauda que a gerou, pode ser restabelecido o poder paternal. Por outro lado, a suspensão pode-se referir a apenas parte dos atributos do poder familiar [120].

Destarte, os pais que descumprem os deveres decorrentes do poder familiar podem tê-lo suspenso ou destituído. O instituto visa à proteção dos interesses dos filhos menores, de modo que não sendo os seus titulares aptos ao desempenho do encargo, ou praticando condutas graves que coloquem em risco a dignidade e a segurança da prole, devem ser privados de seu exercício. Cumpre ressaltar que o abandono afetivo pode ser causa tanto de destituição como de suspensão do poder familiar, devendo o magistrado analisar o caso concreto a fim de verificar qual medida melhor atende ao interesse do filho [121]. Deve-se ter em vista que, conforme exposto, dentre todos os deveres dos pais em relação aos filhos menores, o mais importante é o de dar-lhes amor, carinho e afeto, uma vez que a presença afetiva é indispensável ao desenvolvimento físico e psíquico dos menores.

Em qualquer das hipóteses – de destituição ou de suspensão do poder familiar – não se exclui a possibilidade de responsabilização civil decorrente do abandono afetivo na relação paterno-filial, como se demonstrará no presente estudo [122].

 

2.3 CARACTERIZAÇÃO DO ABANDONO AFETIVO DOS PAIS EM RELAÇÃO AOS FILHOS MENORES

A princípio, cumpre ressaltar que a relação paterno-filial vem assumindo destaque nas disposições sobre a temática da família, o que deixa evidente a preocupação com os filhos como sujeitos, e não como assujeitados ao poder paterno [123]. No dizer de Rodrigo da Cunha Pereira:

O abandono parental deve ser entendido como uma lesão extrapatrimonial a um interesse jurídico tutelado, causado por omissão do pai ou da mãe no cumprimento do exercício do poder familiar (CC 1.634), o que configura um ilícito, sendo, portanto, fato gerador de obrigação indenizatória para as funções parentais [124]

No que atine ao abandono afetivo na relação paterno-filial, Rolf Madaleno leciona:

O dano à dignidade humana do filho em estágio de formação deve ser passível de reparação material, não apenas para que os deveres parentais deliberadamente omitidos fiquem impunes, mas principalmente, para que, no futuro, qualquer inclinação ao irresponsável abandono possa ser dissuadida pela firme posição do Judiciário, ao mostrar que o afeto tem um preço muito alto na nova configuração familiar [125].

Destarte, o abandono afetivo, na relação parental, consiste na ausência de comportamento pró-afetivo dos pais [126]. Conforme bem explica Camila Affonso, a afetividade não se traduz na imposição da obrigação de amar e, desta feita, deve ser entendida, em sua acepção jurídica, como a dedicação integral dos pais ao pleno desenvolvimento da personalidade e à garantia da integridade psíquica dos filhos, vale dizer, é o agir como se amor sentisse, ainda que a conduta do genitor não corresponda ao seu real estado afetivo [127]. Nesse sentido, os pais devem cumprir os deveres imateriais inerentes ao poder familiar, assegurando aos filhos a convivência familiar, a educação e a assistência imaterial, direitos imprescindíveis à completa formação física, moral, ética e mental dos menores.

Ainda que não sintam amor pelos filhos, é por meio do cumprimento dos deveres que os pais se comportam de modo pró-afetivo, eis que evidenciam a finalidade de tutelar os interesses da prole e assegurar o pleno desenvolvimento de sua personalidade. Dessa forma, configura-se o abandono afetivo quando há lesão de um direito alheio, pelo desrespeito a um dever jurídico estabelecido em lei, vale dizer, quando os deveres de criação, educação, companhia e guarda são descumpridos, assumindo lugar o desamparo e o desprezo pelo filho [128].

Nas lições de Rodrigo da Cunha Pereira, é na parentalidade afetiva que se observa uma das mais relevantes consequências do princípio da afetividade, uma vez que abrange os filhos de criação e garante as funções parentais que não se fundam tão somente na similitude genética, mas no cuidado e na atenção dispensados aos filhos. O autor acima citado salienta, ainda, que a procriação, por si só, não implica no serviço e no amor que revestem a paternidade. A verdadeira experiência da paternidade, da maternidade ou da filiação não é garantida pela ascendência genética por tratar-se de uma construção que transcende a semelhança entre os genes. Há que se preencher, no imaginário de cada membro familiar, o lugar simbólico de pai e de mãe o que não se atinge, simplesmente, com a presença de um ou de outro, mas com o efetivo cumprimento das referidas funções para a saudável estuturação biopsíquica de cada elemento que compõe a família [129].

Paulo Lôbo leciona que, no que atine à expressão abandono afetivo, a doutrina e a jurisprudência atentaram para o fato de o pai, que não convive com a mãe, contentar-se em pagar alimentos ao filho, privando-o de sua companhia [130]. O mesmo autor afirma que a questão é relevante, tendo em vista a natureza dos deveres jurídicos do pai em relação ao filho, o alcance do princípio jurídico da afetividade e a natureza laica do Estado de Direito, que não pode obrigar o amor ou o afeto às pessoas [131]. Nesse sentido, pertinente trazer à baila sínteses de dois julgados, nos quais houve condenação decorrente de indenização por abandono afetivo, nas palavras de Paulo Lôbo:

[…] Segundo caso (RS): juiz condenou em 2003 um pai a pagar igualmente 200 salários mínimos à filha porque “a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se autoafirme”. A sentença transitou em julgado, por ter havido revelia. Terceiro caso (SP): o juiz condenou em 2004 um pai a pagar indenização no valor de R$50.000,00 por danos morais e tratamento psicológico da filha. O pai a abandonou com poucos meses de vida, quando se separou da mãe para constituir nova família. A jovem abandonada sentiu-se rejeitada e humilhada em razão do tratamento frio dispensado a ela pelo pai, especialmente por todos serem membros da colônia judaica, “crescendo envergonhada, tímida e embaraçada, com complexos de culpa e inferioridade”, submetendo-se, por isso, a tratamento psicológico [132].

Em conclusão, o autor pondera que o inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade, estabelecidos na Constituição e na legislação ordinária, caracteriza o abandono afetivo, uma vez que seu campo não é exclusivamente da moral, pois o direito o atraiu para si, conferindo-lhe consequências jurídicas que não podem ser desconsideradas e, nesse sentido, quando há descumprimento dos deveres parentais estabelecidos em lei, como os referidos nos arts. 227 e 229, da Constituição da República Federativa do Brasil, uma das consequências é a reparação civil [133].

Imprescindível evidenciar que o abandono afetivo pode ser verificado tanto na relação de filiação biológica como na socioafetiva, independentemente do vínculo jurídico mantido pelos pais. Assim, conclui-se que descumpridos os deveres parentais de conteúdo existencial – criação, educação, companhia e guarda –, evidenciado o desprezo e o desamparo dos pais em relação aos filhos, configura-se o abandono afetivo, suscetível de ocasionar irreparáveis danos à saúde física e mental dos menores, uma vez que o afeto é a base da família e, por conseguinte, é nela que o menor constrói a sua personalidade. Nesse sentido, a seguir, serão estudadas as consequências psicológicas ocasionadas aos menores abandonados afetivamente, bem como a possibilidade de reparação civil advinda dos danos causados.

 

2.3.1 Consequências psicológicas do abandono afetivo

O afeto decorre do princípio basilar das relações de família, qual seja, o da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, nas lições de Maria Helena Diniz, a evolução da família tornou-a cada vez menos organizada hierarquicamente, uma vez que passou a se basear na comunhão de vidas através da afeição entre seus membros. A autora explica que a mudança supracitada atende às exigências da atualidade, que, em buscar da plena felicidade, revela uma constante necessidade de mútua cooperação, a qual somente se torna possível diante da afetividade entre os membros das entidades familiares [134].

Nesse sentido, de se ressaltar que o afeto é primordial para o desenvolvimento físico e mental dos menores e, por conseguinte, não basta que os pais ofereçam todas as condições de subsistência para a sua prole. Não obstante a impossibilidade de mensurar o amor, é possível verificar o descumprimentos dos deveres inerentes ao poder familiar, dentre eles, o de cuidar e zelar pelos menores. No que atine à importância do afeto nas relações familiares, discorre Rolf Madaleno:

O afeto é mola propulsora dos relacionamentos familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão-somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto [135].

Insta evidenciar que não está em discussão o amor, uma vez que, em que pese seja estritamente ligado ao afeto, não se pode obrigar a amar, no entanto, é incontroversa a imposição biológica e jurídica de cuidar, tendo em vista que é dever intrínseco das relações familiares. Giselda Hironaka leciona questões relevantes no que atine ao abandono afetivo e ressalta que não se trata de circunstância simplesmente individual, mas sim de um comportamento social danoso.

O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada [136].

Tendo em vista que, conforme acima citado, o afeto é fundamental para o crescimento e desenvolvimento dos infantes, insta consignar que o dano causado aos menores abandonados afetivamente prejudica, em demasia, suas personalidades. Isso porque o afeto, no âmbito da infância, diz respeito a condições mínimas de sobrevivência com dignidade [137]. Desta feita, a ausência de afeto enseja irreparáveis consequências aos menores que crescem em tal condição e, nesse sentido, a psicóloga Mariana Cardoso leciona que a ruptura das relações pessoais e da ligação de afeto, assim como a ausência de familiaridade entre pais e filhos, podem provocar sequelas psicológicas e comprometerem o desenvolvimento saudável da criança [138].


Através da visão jurídica “o amor é facultativo, porém, o cuidar é dever.”
Ou seja, a função dos pais não se restringe somente ao alimentar, mas também ao dever de possibilitar o desenvolvimento humano pleno. A criança depende do amor e afeto dos pais (ou responsáveis) para se desenvolver saudavelmente, os mesmos são espelhos para a criança, e quando ela se vê sem a convivência com um deles, se sente perdida. Somente com o apoio, intervenção e amor dos pais, a criança pode se tornar um adulto capaz de também cumprir com suas obrigações de forma natural. Os estímulos de carinho devem começar antes mesmo do bebê nascer e é extremamente importante também na primeira infância (de 0 a 3 anos). O sofrimento da criança abandonada pode ocasionar deficiências no seu comportamento mental e social para o resto da vida, a criança pode se isolar do convívio de outras pessoas, apresentar problemas escolares, depressão, tristeza, baixa autoestima, além de problemas de saúde [139].

Nas lições de Sigmunt Freud, no longo período da infância, em que a criança vive na dependência, os pais deixam como herança toda a influência parental, a qual, naturalmente, inclui em sua operação não somente a personalidade dos próprios pais, mas também a família, as tradições raciais e nacionais por eles transmitidas, bem como as exigências do ambiente social imediato que representam [140].

A criança abandonada pode apresentar deficiências no seu comportamento social e mental para o resto da vida. A dor da criança que esperava por um sentimento, ainda que mínimo, de amor ou atenção, pode gerar distúrbios de comportamento, de relacionamento social, problemas escolares, depressão, tristeza, baixa autoestima, inclusive problemas de saúde, entre outros devidamente comprovados por estudos clínicos e psicológicos. Diversos são os estudos promovidos no sentido de comprovar os danos mentais e clínicos em menores negligenciados pelos pais. Nas palavras de Isabela Crispino, “Já é pacífico, entre as psicólogas e assistentes sociais, o entendimento de que criança abandonada pelos pais sofre de trauma e de ansiedade, que irá repercutir, diretamente, em suas futuras relações, fazendo-a perder sua confiança e autoestima”. O que se percebe nos estudos é que, em muitos casos, essa lacuna deixada pela ausência dos pais, ou de um deles, na maioria das vezes, o pai, é preenchida por outras figuras presentes em sua vida. Os danos de ordem psíquica ou moral, vão depender de cada situação, da vulnerabilidade de cada um, da idade, da participação do outro genitor, bem como do ambiente em que vive, entre outros fatores. No entendimento de Gisele Groeninga, a Ciência da Psicanálise demonstra que quando há a falta de afeto, abandono ou rejeição, vez que a criança não encontra os modelos de identificação, ocorre a ameaça da integridade psíquica, cuja consequência é falhas no desenvolvimento da personalidade. Segundo Melvin Lewis, um dos mais renomados professores de Psiquiatria Infantil, os pais, como modelos e guias, possuem um papel de contribuir para o desenvolvimento de uma personalidade sadia, controlando seus impulsos e comportamentos, cuja ausência ou disfunção muitas vezes acarreta abalo na personalidade. Estudos comprovam que a figura do pai é a responsável por transmitir limites ao filho, por ensinar a diferença entre o certo e o errado, introduzindo a criança de forma efetiva na sociedade. Deve assim, não só a mãe endereçar a figura e autoridade do pai, como este, ocupar o seu devido lugar e assumir tal responsabilidade moral perante a criança [141].

A ausência do afeto nas relações familiares origina evidente dor psíquica e, por conseguinte, prejuízo à formação do menor, o qual, ao crescer sem o apoio, a dedicação, a cooperação e o cuidado comuns em uma família bem estruturada, poderá ter a sua existência comprometida, com transtornos de difícil reparação futura.

Destarte, as relações e os vínculos familiares são demasiadamente importantes para o desenvolvimento do indivíduo, uma vez que é no seio familiar que ele nasce, se desenvolve e inicia a formação da sua personalidade. Assim, quando há rompimento desses vínculos, as consequências podem ser extremamente desagradáveis para as crianças, afetando a sua autoestima e a maneira com que se relacionam com os demais [142]. Tendo em vista a gravidade das consequências psicológicas advindas do abandono afetivo, imprescindível evidenciar que, não obstante a afetividade não possa ser valorada pecuniariamente, é passível de reparação civil, ensejando consequências jurídicas, conforme será estudado a seguir.

 

2.3.2 Consequências jurídicas do abandono afetivo

Consoante visto anteriormente, o descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar, notadamente o de criação, educação, companhia e guarda, enseja o abandono afetivo. O descumprimento dos deveres de criação e educação é caracterizado, essencialmente, pela falta de interesse, respeito, cuidado, atenção, apoio psicológico, transmissão de valores culturais e morais, imposição de regras e limites à vida em família e em sociedade e acompanhamento físico e espiritual, ou seja, na omissão do genitor quanto à assistência e à formação moral e intelectual dos filhos menores[143]. Consiste, enfim, na omissão dos pais quanto à satisfação das necessidades biopsíquicas da prole [144]. Já o descumprimento dos deveres de companhia e guarda configura o abandono afetivo quando os pais deixam de conviver com os filhos menores [145].

A convivência não se resume à mera presença física dos pais, envolvendo a sua participação constante no cotidiano da vida dos filhos, acolhendo-os, protegendo-os, estabelecendo verdadeira relação de interação e proximidae espiritual. Configurar-se-á o abandono afetivo pela não observância voluntária injustificada e contínua do dever de convivência. Não se trata da ausência temporária e justificada, mas, sim, do caso do pai ou da mãe que não deseja estar na companhia do filho, dele se afastando deliberadamente, rejeitando-o, tratando-o de modo indiferente, como se uma pessoa estranha fosse.

Vê-se, pois, que o dever de sustento não está relacionado à caracterização do abandono afetivo. Esse dever possui conteúdo patrimonial, sendo imprescindível ao desenvolvimento físico dos filhos. Seu inadimplemento pode caracterizar o abandono material, mas não o abandono afetivo. O abandono afetivo vai além, abrangendo o desamparo, a falta de cuidado e interesse, a omissão dos pais quanto à criação, educação e convivência com os filhos menores. É necessário presença, afeto, limite, segurança, proteção, exemplo, enfim, atributos que não se esgotam no dever de sustento e no pagamento de alimentos a fim de que a paternidade e a maternidade sejam exercidas em sua plenitude, com tempo, dedicação, disponibilidade e trabalho [146].

Tendo em vista que o Direito se adequa à evolução e às demandas da sociedade, o Judiciário, recentemente, foi chamado a se manifestar sobre a questão do abandono afetivo, o que acarretou em sábias decisões condenando pais que, independentemente da prestação de assistência alimentar, faltaram com a obrigação de assistência moral a seus filhos. Cumpre evidenciar a lição de Paulo Lôbo no que atine às finalidades da reparação civil por abandono afetivo.

A reparação civil por abandono afetivo cumpre duas finalidades: Uma, de reparação de danos patrimoniais, correspondentes às despesas com educação formal e assistência material, que todo pai ou mãe devem arcar, de acordo com suas possibilidades financeiras, em relação ao filho, até alcançar a maioridade, se não o tiverem feito. Outra, de compensação por danos extrapatrimoniais, em virtude de violação dos deveres de assistência moral e afetiva e de criação, para os quais não bastam os valores pecuniários despendidos com o sustento material. Esta segunda tem sido preferida pelos que recorrem ao Judiciário. A ausência ou o distanciamento voluntário de um ou de ambos os pais na formação dos filhos, ainda que o tenham provido de meios materiais de subsistência, causam lesão à integridade psíquica da pessoa, que é um dos mais importantes direitos da personalidade [147].

Vê-se, pois, que a negligência dos genitores em descumprir e desrespeitar o dever de cuidado em relação aos filhos enseja danos de ordem moral nos infantes de tal gravidade que acarretam mágoas, dores e problemas, os quais, além de comprometerem uma infância sadia, arrastam-se para a vida adulta [148] e, diante disso, muitos indivíduos têm recorrido ao Judiciário na busca da compensação dos danos extrapatrimoniais, que, conforme lecionado pelo autor citado acima, ocorre em maior quantidade do que a reparação de danos patrimoniais. Nesse sentido, urge trazer à baila o julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, REsp nº 1.159.242 – SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, data do julgamento: 24/04/2012).

A Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial supracitado, lecionou, em seu voto, que a questão da reparação civil por abandono afetivo não discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos [149].

O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever. A comprovação que essa imposição legal foi descumprida implica, por certo, a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, pois na hipótese o non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal [150].

Neste diapasão, Giselda Hironaka leciona que o dever de indenizar decorrente do abandono afetivo encontra os seus elementos de configuração na funcionalização das entidades familiares, que devem tender à realização da personalidade de seus membros, com especial destaque para a pessoa dos filhos, buscando-se, deste modo, analisar os elementos clássicos da responsabilidade civil segundo este paradigma [151].

Não obstante demasiados entendimentos favoráveis à reparação civil advinda do abandono afetivo, mister se faz ressaltar que não é o mero descumprimento dos deveres de criação, educação, companhia e guarda que ensejam tal indenização, tendo em vista que é imprescindível o preenchimento dos elementos clássicos caracterizadores da responsabilidade civil, os quais serão estudados no capítulo a seguir.

 

3 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO PARENTAL

De proêmio, urge ressaltar que na família ocorrem grandes mudanças sociais e, desta forma, é de se esperar que o ordenamento jurídico encontre dificuldades para acompanhá-las, tendo em vista o complexo e problemático processo de adaptação e integração [152]. Nesse diapasão, a dignidade humana assume papel central, como fonte normativa e valorativa de uma feição jurídica, a qual resulta no desenvolvimento cada vez maior dos direitos da personalidade.

Em meio às evoluções e às demandas da sociedade, notadamente no que atine à proteção dos membros da família, de se evidenciar que o afeto foi elevado a componente fundamental dos relacionamentos familiares, o que ensejou desafios aos juristas na busca de um fundamento legítimo para a responsabilização daqueles que ofendem a dignidade dos demais membros da família [153].

Nessa esteira, imprescindível evidenciar que as controvérsias a respeito dos danos morais travadas no âmbito familiar são, no fundo, questões de responsabilidade civil [154], razão pela qual tais problemas devem ser solucionados sob a perspectiva dos elementos essenciais caracterizadores da responsabilidade civil.

Tecidas tais considera

ões, insta registrar que o dever de indenizar decorrente do abandono afetivo na relação paterno-filial é uma das questões atinentes ao dano moral no Direito de Família e deve encontrar os seus elementos de configuração na funcionalização das entidades familiares, uma vez que estas devem tender à realização da personalidade de seus membros, com especial destaque para a pessoa dos filhos [155]. Nesta visão, a seguir, serão analisados os elementos clássicos da responsabilidade civil, bem como a aplicação no Direito de Família, notadamente no que diz respeito ao abandono afetivo.

 

3.1 ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITO E FUNÇÕES

A responsabilidade civil se assenta no elementar princípio ético de que o dano causado pelo descumprimento de um dever jurídico contratual ou extracontratual deve ser reparado. A regra é primun non nocet (em primeiro lugar não fazer o dano), mas, uma vez feito o dano, porque ofende o dever jurídico de não lesar a outrem, cumpre a obrigação de indenizar. Essa é uma das facetas mais almejadas da concreção do Direito: o perene e renovado anseio de alcançar o justo e o equânime [156]. Nas lições de Sergio Cavalieri Filho, o Direito se destina aos atos ilícitos; cuida dos ilícitos pela necessidade de reprimi-los e corrigir os seus efeitos nocivos [157].

A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo. A título de exemplo, lembramos que todos têm o dever de respeitar a integridade física do ser humano. Tem-se, aí, um dever jurídico originário, correspondente a um direito absoluto. Para aquele que descumprir esse dever surgirá um outro dever jurídico: o da reparação do dano.

É aqui que entra a noção de responsabilidade civil. Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa ideia. A essência da responsabilidade está ligada à noção de desvio de conduta, ou seja, foi ela engendrada para alcançar as condutas praticadas de forma contrária ao direito e danosas a outrem. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.

Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde houver violação de um dever jurídico e dano. Em outras palavras, responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de um precedente dever jurídico. E assim é porque a responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida.

Daí ser possível dizer que toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil [158].

Insta evidenciar a distinção entre obrigação e responsabilidade, feita por Sergio Cavalieri Filho, segundo o qual a primeira é sempre um dever jurídico originário, enquanto a segunda é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro [159].

Daí a feliz imagem de Larenz ao dizer que “a responsabilidade é a sombra da obrigação”. Assim como não há sombra sem corpo físico, também não há responsabilidade sem a correspondente obrigação. Sempre que quisermos saber quem é o responsável teremos que identificar aquele a quem a lei imputou a obrigação, porque ninguém poderá ser responsabilizado por nada sem ter violado dever jurídico preexistente [160].

Destarte, a responsabilidade civil é o instituto por meio do qual se impõe ao agente que viola direito alheio e causa dano o dever de repará-lo-, pois ao direito da vítima à reparação do dano que injustamente sofra corresponde um dever de recuperação ou, ao menos, de reaproximação do estado anterior à lesão causada, em observância ao princípio da dignidade humana [161].

Urge ressaltar que conforme o dever jurídico originário decorra do ordenamento jurídico ou de relação jurídica obrigacional, a responsabilidade civil resultante de seu descumprimento será extracontratual ou contratual. Na responsabilidade contratual há prévia existência de um vínculo obrigacional, cujo inadimplemento gera o dever de indenizar o dano causado. Em contrapartida, não havendo relação obrigacional entre os indivíduos e, desta forma, decorrendo o dano de violação de direito subjetivo, a responsabilidade será extracontratual [162].

Vê-se, pois, que a responsabilidade civil consiste na reparação pecuniária dos danos resultantes de conduta ilícita culposa ou do risco. Nesse sentido, Sergio Cavalieri Filho leciona que a ideia de culpa está visceralmente ligada à responsabilidade, uma vez que, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir [163].

Daí ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva.

O Código Civil de 2002, em seu art. 186, manteve a culpa como fundamento da responsabilidade subjetiva. A palavra culpa está sendo aqui empregada em sentido amplo, lato sensu, para indicar não só a culpa stricto sensu, como também o dolo.

Por essa concepção clássica, todavia, a vítima só obterá a reparação do dano se provar a culpa do agente, o que nem sempre é possível na sociedade moderna. O desenvolvimento industrial, proporcionado pelo advento do maquinismo e outros inventos tecnológicos, bem como o crescimento populacional geraram novas situações que não podiam ser amparadas pelo conceito tradicional de culpa.

Importantes trabalhos vieram, então, à luz na Itália, na Bélgica, e principalmente, na França sustentando uma responsabilidade objetiva, sem culpa, baseada na chamada teoria do risco, que acabou sendo também adotada pela lei brasileira em certos casos, e agora amplamente pelo Código Civil no parágrafo único do seu art. 927, art. 931 e outros [164].

Destarte, a responsabilidade civil será subjetiva se fundada na teoria da culpa, vale dizer, na conduta culposa ou dolosa do agente causador do dano e, por outro lado, será objetiva se fundada na teoria do risco e, por conseguinte, sendo irrelevante a culpabilidade, uma vez que o dever de indenizar, nesse caso, decorre de previsão legal ou do exercício de atividade de risco que causa dano aos direitos de outrem [165].

A imposição do dever de reparar as lesões causadas e o anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementos sentimento de justiça [166]. Nesse sentido, o instituto da responsabilidade civil possui três finalidades: reparatória, punitiva e preventiva [167].

A função precípua da responsabilidade civil é reparar, ressarcir os danos. A lesão causada rompe o equilíbrio econômico-jurídico anteriormente existente entre a vítima e o agente, razão pela qual se deve restabelecer, o quanto possível, o status quo ante, recolocando-a na situação em que se encontrava antes da ocorrência do dano. Isso ocorre por meio da reposição do bem material perdido ou do pagamento de indenização pecuniária, fixada de acordo com a extensão do dano, em atenção ao princípio restitutio in integrum [168].

Embora em caráter secundário, a função punitiva diz respeito à sanção como consequência jurídica do não cumprimento de um dever em relação ao obrigado que o descumpriu. E, por fim, a função preventiva consiste em inibir ou, ao menos, desestimular a repetição da conduta lesiva ante a certeza ou elevada probabilidade de condenação à reparação [169]. Ademais, de se ressaltar que é melhor prevenir um dano ao invés de repará-lo, tendo em vista que existem hipóteses, como no dano moral, em que a reparação sequer é possível, mas tão somente a compensação da vítima.

Ante o exposto, cumpre evidenciar que as três funções da responsabilidade civil coexistem entre sim, uma vez que não obstante a maior finalidade do instituto seja impor o dever de reparar os danos causados, é através dessa reparação que, além de restaurar o equilíbrio das relações sociais, pune-se o ofensor pela conduta lesiva, evitando-se a ocorrência de danos futuros [170].

 

3.1.1 Elementos caracterizadores da responsabilidade civil

Os pressupostos são os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, vale dizer, os elementos imprescindíveis à configuração do instituto e, em suma, podem ser caracterizados pela conduta humana, que diz respeito a um ato praticado no mundo concreto, do qual decorre um efeito sensível, é o fato gerador da responsabilização civil; pelo dano, caracterizado pelo mal ou prejuízo resultante da conduta praticada; pelo nexo de causalidade, relação lógica e perceptível entre a prática do ato e o resultado deste; e, na responsabilidade civil subjetiva, pela conduta culposa ou dolosa do agente causador do dano. No que atine ao último elemento supracitado, mister se faz ressaltar que a responsabilidade civil objetiva elegeu o risco criado nas atividades perigosas como motivação determinante do ressarcimento ante o prejuízo de vítimas inocentes, dispensando qualquer consideração a respeito da culpa [171].

O Código Civil de 1916 era essencialmente subjetivista, uma vez que todo seu sistema estava fundado na cláusula geral do art. 159 [172] (culpa provada), mas, conforme leciona Sergio Cavalieri Filho, era tão hermética que a evolução da responsabilidade civil desenvolveu-se ao largo do velho Código, através de leis especiais [173].

O Código de 2002 fez profunda modificação nessa disciplina para ajustar-se à evolução ocorrida na área da responsabilidade civil ao longo do século XX. Embora tenha mantido a responsabilidade subjetiva, optou pela responsabilidade objetiva, tão extensas e profundas são as cláusulas gerais que a consagram, tais como o abuso do direito (art. 187), o exercício de atividade de risco ou perigosa (parágrafo único do art. 927), danos causados por produtos (art. 931), responsabilidade pelo fato de outrem (art. 932, c/c o art. 933), responsabilidade pelo fato da coisa e do animal (arts. 936, 937 e 939), responsabilidade dos incapazes (art. 928) etc. Após o exame dessas hipóteses todas, haverá uma única conclusão: muito pouco sobrou para a responsabilidade subjetiva.

A responsabilidade subjetiva se restringe às relações interindividuais, só para pessoas físicas e os profissionais liberais, enquanto a objetiva domina todas as relações entre o grupo e o indivíduo – Estado, empresas, fornecedores de produtos e serviços etc. [174].

Vê-se, pois, que estabelecido o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, sem cogitar do elemento subjetivo da culpa a qualificar a conduta, está aperfeiçoada a responsabilidade objetiva [175], a qual, conforme a lição acima citada, de Sergio Cavalieri Filho, é a predominante no atual Código Civil. Insta reiterar que a responsabilidade civil objetiva não investiga a imputabilidade e nem a antijuridicidade do fato danoso, considera, sim, se ocorreu o evento e se ele emanou o dano [176].

Urge evidenciar a discussão doutrinária no que diz respeito à ilicitude ou à licitude do ato que recai sobre a responsabilidade objetiva. Nesse sentido, Camila Affonso Prado explica:

Para uma parte da doutrina a responsabilidade objetiva decorre da prática de ato lícito, pois independe da culpa do ofensor, causador do dano. Já para outra parte da doutrina, o ato que enseja a reparação do dano na responsabilidade objetiva é ilícito, considerado em sentido amplo com a mera violação da ordem jurídica, independentemente de dolo ou culpa do agente. Dessa forma, adotando-se qualquer das correntes doutrinárias, certo é que ambas fundamentam a responsabilidade objetiva na teoria do risco, caracterizando-a sem consideração ao elemento subjetivo dolo ou culpa. A controvérsia reside na natureza jurídica do ato que enseja a reparação dos danos: se lícito ou ilícito [177].

Sergio Cavalieri Filho é defensor da última corrente doutrinária supracitada, uma vez que, em suas lições, a classificação do ato ilícito em lato sensu e stricto sensu pode ser observada no próprio Código Civil.

O Código Civil assumiu em relação ao ato ilícito esta postura dicotômica, tanto é assim, que, além da responsabilidade subjetiva fulcrada no ato ilícito stricto sensu, prevista no art. 927, lembra o parágrafo único deste mesmo artigo que há outras situações igualmente geradoras da obrigação de indenizar independentemente de culpa. Devemos ainda ressaltar que o Código, após conceituar o ato ilícito em sentido estrito em seu art. 186, formulou outro conceito de ato ilícito, mais abrangente, no seu art. 187, no qual a culpa não figura como elemento integrante, mas sim os limites impostos pela boa-fé, bons costumes e o fim econômico ou social do Direito. O abuso do direito foi aqui configurado como ato ilícito dentro de uma visão objetiva, pois boa-fé, bons costumes, fim econômico ou social nada mais são que valores ético-sociais consagrados pela norma em defesa do bem comum, que nada tem a ver com a culpa. […] A responsabilidade subjetiva continua fulcrada no ato ilícito stricto sensu (art. 186), com aplicação nas relações interindividuais. A violação de um dever jurídico e o ato ilícito em sentido amplo é o fato gerador da responsabilidade objetiva e tem por campo de incidência as relações entre o indivíduo e o grupo (Estado, empresas, fornecedores de serviços, produtos etc.) [178].

Não obstante a controvérsia acima explicada, de se ressaltar que, conforme demonstrado, o atual Código Civil é prevalentemente objetivista, vale dizer, fundamenta-se na teoria do risco, caracterizada pela desconsideração ao elemento subjetivo dolo ou culpa. Em contrapartida, a responsabilidade civil subjetiva, cerne desse trabalho, advém de um ato ilício, ou seja, da violação da ordem jurídica por meio de conduta voluntária, dolosa ou culposa, causadora de dano [179].

A culpa é o elemento nuclear da responsabilidade civil subjetiva. Nesse sentido, a imposição do dever de reparar os danos resulta da conduta culposa do agente, seja no caso de dolo (intencional), ou advinda da culpa stricto sensu (decorrente da falta de cautela), que se evidencia por meio da imprudência, negligência ou imperícia [180]. Destarte, o ofensor que pratica ato ilícito com o fim de obter o resultado danoso, ou mesmo que não o desejando, provoca pela ausência de cuidado, será obrigado a reparar as lesões causadas [181].

Tecidas as breves considerações acerca dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, a seguir será estudado o dano moral no Direito de Família, tendo em vista que as relações em sede familiar são caracterizadas pelos laços afetivos e envolvem uma gama de aspectos pessoais e sentimentais entre os seus membros, o que acarreta, em demasia, situações em que são desrespeitados os deveres familiares, passíveis de reparação civil.

 

3.1.2 Responsabilidade civil aplicada ao Direito de Família

A princípio, urge apontar que a configuração do dano moral é uma questão que vem se tornando tormentosa na doutrina e na jurisprudência, levando o julgador a situação de perplexidade [182]. Sergio Cavalieri Filho assevera acerca do risco de ingresso à fase da industrialização, em que o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias [183]. Nesse sentido, o autor leciona que não basta qualquer contrariedade para configurar o dano moral, uma vez que consiste em uma agressão à dignidade humana.

Dano moral, à luz da Constituição vigente, em sentido amplo é agressão a um bem ou atributo da personalidade e, em sentido estrito, é agressão à dignidade humana. Que consequências podem ser extraídas daí? A primeira diz respeito à própria configuração do dano moral. Se dano moral é agressão à dignidade humana, não basta para configurá-lo qualquer contrariedade.

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.

Dor, vexame, sofrimento e humilhação são consequência e não causa. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém [184].

Vê-se, pois, que para que haja possibilidade de reparação por dano moral, o indivíduo deve sofrer uma ofensa verdadeiramente grave, que seja capaz de resultar um grande sofrimento, causando-lhe lesões que repercutirão em sua vida, vale dizer, o mero desprazer comum à vida das pessoas não acarreta direito à indenização [185].

Ante a análise da configuração do dano moral, cumpre evidenciar que o instituto da responsabilidade civil é plenamente aplicável ao Direito de Família, uma vez que, conforme mencionado anteriormente, as controvérsias a respeito dos danos morais existentes no âmbito familiar são questão de responsabilidade civil e, por conseguinte, devem ser solucionadas sob a análise dos elementos ensejadores de tal instituto.

Imprescindível evidenciar que a responsabilidade civil no Direito de Família é subjetiva, tendo em vista que exige, para a sua configuração, juízo de censura do agente capaz de entender a ilicitude de sua conduta, bem como comportamento, culposo ou doloso, e a demonstração do nexo de causalidade entre o agir e o dano. Diante deste quadro, de se ressaltar a responsabilidade civil no Direito de Família sob a ótica da afeição entre pais e filhos e, por conseguinte, os casos de indenização decorrente do abandono afetivo. Nas lições de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada [186].

A responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo na relação paterno-filial é, assim como as demais controvérsias atinentes ao dano moral no âmbito família, subjetiva. Paulo Lôbo explica:

A responsabilidade não é objetiva, pois depende de culpa do pai ou da mãe, a quem se imputa o abandono afetivo. Pode ter havido circunstâncias que excluam a responsabilidade, a exemplo de condutas hostis do outro genitor, ou do próprio filho, inclusive em decorrência de alienação parental, que inibiram ou impediram o cumprimento dos deveres parentais existenciais. Ressalte-se que o ônus da prova dessas excludentes é do imputado pelo inadimplemento, ainda que não se possa exigir dele que antes tenha tentado reverter essa situação mediante ajuizamento de ação para assegurar-lhe os direitos parentais. Por outro lado, os danos não são presumíveis, tendo de ser comprovados, neste caso por quem os alega [187]

Urge ressaltar que a indenização por abandono afetivo, se utilizada sob às perspectivas da responsabilidade civil subjetiva, e, por conseguinte, configurada com parcimônia e bom senso, é um instrumento de demasiada relevância e importância para um Direito de Família mais consentâneo com a contemporaneidade, uma vez que desempenha um fundamental papel pedagógico no seio das relações familiares [188].

Destarte, finalizada a breve análise acerca dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, bem como da aplicação do instituto no Direito de Família, notadamente no que diz respeito aos casos decorrentes do abandono afetivo na relação paterno-filial, necessário se faz o estudo acerca dos posicionamento no que atine ao tema central deste trabalho.

 

3.2 POSICIONAMENTOS EM RELAÇÃO À INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO PARENTAL: ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

A necessidade de se tutelar a personalidade e a dignidade dos filhos é a maior justificativa para o estudo acerca da indenização por abandono afetivo, uma vez que os menores são, nesse caso, vítimas das lesões causadas pela conduta culposa dos pais que negligenciam sua criação e educação, privando-os, ainda, da convivência familiar [189].

Trata-se, assim, de analisar a possibilidade de responsabilizar civilmente os pais que, adotando conduta imprópria, negam a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias [190]

Urge ressaltar que os primeiros processos que trataram a respeito do abandono afetivo são do início dos anos 2000 (dois mil). O Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro Fernando Gonçalves, relator do Recurso Especial n. 757.411-MG (primeira oportunidade em que o Superior Tribunal de Justiça se posicionou acerca desta temática), à época do seu voto [191], afirmou:

“A questão da indenização por abandono moral é nova no Direito Brasileiro. Há notícia de três ações envolvendo o tema, uma do Rio Grande do Sul, outra de São Paulo e a presente, oriunda de Minas Gerais, a primeira a chegar ao conhecimento desta Corte”.

Nesse sentido, de se evidenciar que no julgamento do recurso especial acima mencionado a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou o pedido de indenização por dano moral decorrente do abandono afetivo. O processo foi iniciado na 19ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, que indeferiu o pleito autoral, mas, em sede de segunda instância – no Tribunal de Justiça de Minas Gerais – foi julgado favoravelmente, nestes termos:

INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.

A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (TJMG, Apelação Cível 208.550-5, Rel. Des. Unias Silva, Belo Horizonte, julg. 01 de abr. 2004).

O Relator pautou o seu entendimento na responsabilidade dos genitores não se limitar ao dever de alimentar, mas também em assegurar o desenvolvimento saudável e digno dos filhos, com observância ao princípio da dignidade da pessoa humana nas relações familiares. Nesse sentido, ressaltou o ilustre Relator:

A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causas a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave [192].

Com base nos fundamentos acima transcritos, a decisão de primeiro grau foi reformada a fim de conceder a indenização por dano moral decorrente do abandono afetivo ao autor. A decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais gerou grande repercussão na doutrina, no entanto, insta ressaltar que os entendimentos não foram uníssonos no que atine ao posicionamento adotado no acórdão.  Maria Berenice Dias analisou a decisão da seguinte maneira:

Imperioso reconhecer o caráter didático dessa nova orientação, despertando a atenção para o significado do convívio entre pais e filhos. Mesmo que os genitores estejam separados, a necessidade afetiva passou a ser reconhecida como bem jurídico tutelado. […] mesmo que o pai só visite o filho por medo de ser condenado a pagar uma indenização, isso é melhor do que gerar no filho o sentimento do abandono. Ora, se os pais não conseguem dimensionar a necessidade de amar e conviver com os filhos que não pediram para nascer, imperioso que a justiça imponha coactamente essa obrigação [193].

Em contrapartida, Anderson Schreiber demonstrou grande temor com o teor da decisão.

O acórdão gera inevitável preocupação com os contornos da tutela de valores existenciais e causa receio, seja no que tange à adoção, implícita, de um dever de amar, incompatível com qualquer acepção do sentimento, seja no que tange à identificação expressa de um dano jurídico decorrente do desamor e, coerentemente, também do amor excessivo, do amor contido, do amor fugaz e assim por diante [194].

 O caso apreciado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais chegou ao Superior Tribunal de Justiça através de um recurso especial formulado pelo pai condenado a indenizar o filho por dano moral advindo do abandono afetivo. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça reformou a primeva decisão do Tribunal de Minas Gerais, afastando o dever de indenizar no caso em questão, sob o fundamento da ausência de ato ilícito, pois o pai não seria obrigado a amar o filho.

RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE.

  1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária.
  2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – REsp: 757411 MG 2005/0085464-3, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, T4 – QUARTA TURMA, julg. 29/11/2005).

Em suma, consoante à decisão acima citada, o abandono afetivo seria situação incapaz de gerar reparação pecuniária. O Ministro Fernando Gonçalves, relator do caso, iniciou o seu voto ressaltando que a questão é demasiadamente polêmica, mas asseverou no sentido de que a legislação pátria já prevê, no caso de descumprimento injustificado do dever de sustento ou de abandono, a sanção da perda do poder familiar e entendeu que tal sanção já cumpriria, de forma satisfatória e ampla, as funções de punição e de dissuasão no que atine à indenização decorrente do abandono afetivo. O relator destacou, outrossim, que a condenação do pai a pagar uma indenização ao filho, certamente, findaria qualquer chance de uma reaproximação futura e, por conseguinte, impediria que o filho se visse acolhido em algum momento pelo amor paterno. Ademais, encerrou o seu voto com a ressalva de que escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento afetivo e, destarte, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada [195].

No entanto, imprescindível evidenciar que a decisão do Superior Tribunal de Justiça não encerrou a discussão acerca da reparação civil nos casos de abandono afetivo parental, a qual permanece intensa na doutrina e na jurisprudência. Cumpre ressaltar que demasiadas opiniões emanaram do julgado acima transcrito, dentre as quais urge trazer à baila a crítica feita por Rodrigo da Cunha Pereira, o qual lecionou sobre o equívoco da argumentação de que a punição para o pai que abandona afetivamente um filho é a destituição do poder familiar.

A imputação da perda do poder familiar como pena para aquele que abandona seu filho serviria somente em prêmio para o genitor abandônico, ou mesmo de estímulo para aqueles que não querem ser responsabilizados pelo ato de gerar um filho. […] Certamente um filho que precisou recorrer à justiça para pedir ao Estado-Juiz uma reparação civil, já sabe que se antes já não tinha seu pai por perto, com a condenação ele se afastará ainda mais [196].

Vê-se, pois, que a temática enseja posicionamentos distintos desde os primeiros passos dentro do cenário jurídico brasileiro. Nesse sentido, de se consignar que houve uma trajetória de jurisprudências até a segunda decisão do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que o assunto veio à tona com veemência no cenário jurídico e, por conseguinte, acarretou uma grande divergência na doutrina, impulsionando uma série de questionamentos por parte de juristas e psicólogos sobre os possíveis erros e acertos das decisões e até que ponto seria possível cobrar dos pais determinadas condutas [197].

Após a repercussão do pioneiro caso apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, demasiados casos semelhantes ao julgado vieram à tona para apreciação do Poder Judiciário e, desta forma, fez surgir um novo desafio de grande complexidade e bastante delicado para os julgadores brasileiros. Cumpre ressaltar que as jurisprudências acerca do tema não alcançaram unanimidade, no entanto, muitas delas observaram o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça e, por conseguinte, denegaram a possibilidade de indenização por abandono afetivo.

No entanto, com o aumento exacerbado do número de processos com pedidos semelhantes e tendo em vista que grande parte da doutrina se manifestou de maneira favorável à possibilidade de indenização, surgiram decisões que se filiaram a tal entendimento e muitos dos Tribunais de Justiça do País decidiram de maneira contrária ao que, até então, era posicionamento majoritário.

Diante do contexto acima mencionado, demasiadas decisões surgiram a respeito do tema, ora concedendo, ora denegando a indenização por abandono afetivo. Dentre os entendimentos, imprescindível trazer à baila a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que deu origem ao Recurso Especial julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 2012.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. FILHA HAVIDA DE RELAÇÃO AMOROSA ANTERIOR. ABANDONO MORAL E MATERIAL. PATERNIDADE RECONHECIDA JUDICIALMENTE. PAGAMENTO DA PENSÃO ARBITRADA EM DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS ATÉ A MAIORIDADE. ALIMENTANTE ABASTADO E PRÓSPERO. IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJSP, 7ª C. Dir. Priv., Apel. n. 361.389.4/2-00, Rel. Desa. Daise Fajardo Jacot, julgado em 26/11/2008).

Na hipótese do caso, o réu alegou que duvidava da paternidade e que foi impedido pela mãe da menor a manter relação afetuosa com a filha. O juízo a quo julgou improcedente o pleito autoral, no entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu ser cabível a indenização e reformou a sentença, entendendo de forma perspicaz a relatora [198]:

Não há como conceber a escusa do pai para o exercício efetivo da paternidade em relação à filha, a pretexto de que sempre foi impedido de fazê-lo em razão do alegado comportamento agressivo da mãe dela ou ainda a pretexto de que duvidava da paternidade até o reconhecimento judicial, acrescentando que pagou a pensão alimentícia mensal fixada judicialmente e depois elevada para dois (2) salários mínimos, até a maioridade [199].

Nesse sentido, após analisar a conduta do réu no caso concreto, a relatora entendeu que restou evidente a conduta culposa pelo abandono afetivo grave, bem como o nexo causal entre o citado ato ilícito e o dano moral indenizável. Todavia, inconformado, o pai interpôs Recurso Especial e, destarte, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou novamente a temática, o que gerou demasiada expectativa, tendo em vista que, até hoje, o tema enseja controvérsias, tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

Não obstante a existência de posicionamento, citado anteriormente, proferido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ocorreu uma mudança paradigmática e toda a expectativa relatada se justificou. Liderado pela relatoria da Ministra Nancy Andrighi, o tão importante julgado condenou o réu ao pagamento de indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo, contudo, reduziu o valor arbitrado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo [200].

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, REsp nº 1.159.242 – SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, data do julgamento: 24/04/2012).

O exímio voto da Ministra Nancy Andrighi se iniciou com a fundamentação acerca da possibilidade de condenação por danos morais nas relações familiares, sob o argumento de que não há restrições legais no que atine à aplicação das regras referentes à responsabilidade civil no Direito de Família. A Ministra lecionou que outro aspecto merecedor de apreciação preliminar diz respeito à perda do poder familiar, que foi apontada como a única punição possível para de ser imposta aos pais que descumpram os deveres do múnus a eles atribuídos.

Nota-se, contudo, que a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações ou compensações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do menor, ofertando-lhe, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos [201].

Imprescindível trazer à baila alguns dos trechos do brilhante voto acima mencionado:

O desvelo e atenção à prole não podem mais ser tratados como acessórios no processo de criação, porque, há muito, deixou de ser intuitivo que o cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, não é apenas um fator importante, mas essencial à criação e formação de um adulto que tenha integridade física e psicológica e seja capaz de conviver, em sociedade, respeitando seus limites, buscando seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania.

[…]

Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar.

[…]

Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever [202].

Destarte, a violação do dever de cuidado, pela omissão do agente, atinge o bem jurídico tutelado e enseja o ilícito civil, suscetível de gerar o dever de indenizar. Cabe, assim, ao julgador ponderar as situações fáticas para averiguar se foram cumpridos os deveres mínimos de cuidados parentais de forma a assegurar a adequada formação psicológica e inserção social [203].

Diante do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, criou-se não apenas uma jurisprudência, mas também, sinalizou-se a adoção de uma interpretação mais principiológica, mais atenta à dignidade da pessoa humana e aos demais princípios basilares da Constituição da República Federativa do Brasil. Cumpre ressaltar, outrossim, que a concretização dos princípios constitucionais é, em demasia, fundamental para a sustentação de um Direito de Família mais consoante com a nova realidade social, uma vez que para a construção de uma sociedade justa é imprescindível que haja maior proteção aos membros que integram cada entidade familiar, centro primordial de toda e qualquer sociedade [204].

Em que pese seja de suma importância demonstrar a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do abandono afetivo, insta ressaltar que a questão também está em pauta no Congresso Nacional, através do Projeto de Lei n. 3212/2015, cuja ementa consiste na alteração da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), para caracterizar o abandono afetivo como ilícito civil, sendo que, no momento, o Projeto está pronto para pauta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Ante a breve análise feita acerca das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais no que atine ao dano moral decorrente do abandono afetivo na relação parental, de se ressaltar que, consoante demonstrado, os danos sofridos pelo filho não devem ficar irreparáveis sob o argumento de que não há ato ilícito ante a inexistência do dever jurídico de amar, tendo em vista que o que realmente deve ser compreendido é a exigência de adoção de comportamento pró-afetivo pelos pais, cuja ausência, além de configurar ato ilícito, viola a dignidade do filho e causa-lhe danos à personalidade [205].

 

3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA: DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL

A aplicação do instituto da responsabilidade civil à relação de parentalidade somente se tornou possível com a mudança paradigmática introduzida pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, que colocou a proteção da pessoa humana como valor central do sistema jurídico e, por conseguinte, consagrou o princípio da afetividade nas relações familiares [206]. A proteção da dignidade humana efetiva-se por meio das garantias dos direitos da personalidade, os quais tutelam, além dos aspectos físicos, os aspectos psíquicos do indivíduo, estritamente relacionados ao intelecto e ao afeto [207]. A atuação da afetividade é diretamente ligada às relações familiares e é fundamental ao pleno desenvolvimento da personalidade, razão pela qual é dever dos pais o comportamento pró-afetivo e o correto desempenho das funções inerentes ao poder familiar, no interesse dos filhos menores, a fim de que eles atinjam o pleno desenvolvimento físico e psicológico [208].

Consoante citado anteriormente, a responsabilidade civil no Direito de Família é subjetiva. Nesse sentido, iniciar-se-á o cotejo dos elementos da supramencionada responsabilidade na relação de parentalidade sob a consideração da funcionalização das entidades familiares, vale dizer, a existência da família que visa à realização da personalidade de seus membros [209]. Insta novamente evidenciar que não se trata, aqui, de responsabilizar os pais pela falta de amor, mas sim, de lhes impor o dever de indenizar os filhos pela omissão no que atine à sua criação, educação e convivência familiar, não apenas física, mas, principalmente, espiritual e moral.

O descumprimento do exercício do poder familiar por qualquer um dos genitores configura um ilícito, sendo, portanto, o fato gerador da indenização. Qualquer pessoa, qualquer criança, para se estruturar como sujeito e ter um desenvolvimento saudável necessita de alimentos para o corpo e para a alma. O alimento imprescindível para a alma é o amor, o afeto. E afeto significa afeição por alguém, dedicação. Afeiçoar significa também instruir, educar, formar, dar afeição, forma ou figura. Essa é uma diferença entre afeto e amor. O afeto não é somente um sentimento, mas também uma ação [210].

A conduta voluntária contrária à ordem jurídica é o primeiro elemento da responsabilidade civil subjetiva. Na relação paterno-filial, a caracterização do abandono afetivo se dá pelo descumprimento dos deveres de ordem imaterial do poder familiar, quais sejam o de criação, educação, guarda e companhia.

Estes não evidenciam o dever de amar, mas a dedicação integral dos pais à plena formação psíquica dos filhos menores, que necessitam de assistência moral justamente para lhes proporcionar e assegurar o desenvolvimento de sua personalidade. Giselda Maria Fernandes Novas Hironaka, em abordagem filosófica sobre a responsabilidade civil na relação paterno-filial, afirma que a autoridade parental não mais se consubstancia em uma relação de poder, mas, sim, em uma relação de afeto, construída durante todo o processo de criação e educação dos filhos [211].

Em regra, a conduta ilícita dos pais é omissiva e se caracteriza pela infração aos deveres jurídicos de assistência imaterial e proteção que lhe são impostos como decorrência do poder familiar [212]. O descumprimento dos deveres supramencionados enseja prejudiciais consequências ao desenvolvimento do menor e, por conseguinte, ocasiona o dano, outro elemento da responsabilidade civil subjetiva.

O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ele possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada.

A ausência injustificada do pai origina – em situações corriqueiras – evidente dor psíquica e consequente prejuízo à formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção (função psicopedagógica) que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade [213]

Giselda Hironaka afirma, ainda, que será mais fácil configurar o dano se já houver o estabelecimento efetivo de um vínculo de afetividade que, posteriormente, foi cessado na medida em que se conseguir demonstrar e comprovar que a sensação de abandono foi nociva à criança, afirmando que esta prova deve ser feita por perícia técnica determinada pelo juízo. No entanto, Maria Celina Bodin de Moraes entende que o dano, no caso de abandono afetivo, é in re ipsa, não sendo, destarte, necessária a sua comprovação através de perícia ou laudo psicológico [214].

A culpa é essencial pressuposto ensejador da responsabilidade civil subjetiva e consiste no elemento anímico qualificador da conduta do agente, uma vez que o pai ou a mãe deve adotar comportamento deliberado no sentido de abandonar o filho, descumprindo os deveres do poder familiar [215]. Se tiver a intenção de causar lesão à personalidade do filho agirá com dolo e, por outro lado, agirá com culpa se adotar comportamento impróprio e injustificado, negando, por sua própria vontade a conviver ou a participar da criação e da educação do filho, mas sem intenção de ocasionar o dano. Destarte, a conduta culposa exterioriza-se pela falta de cuidado com a formação da personalidade dos filhos [216].

Além da inquestionável concretização do dano como elemento da configuração de dever de indenizar, torna-se necessária a comprovação da culpa do genitor não-guardião, que deve ter se ocultado à convivência com o filho, e deliberadamente se negado a participar do desenvolvimento de sua personalidade, de forma negligente ou imprudente. Como o caso é de abandono afetivo, com a concomitante inobservância dos deveres de ordem imaterial atinentes ao poder familiar, expressão maior da relação paterno/materno-filial, configurar-se-á a culpa em sua modalidade omissiva [217].

Além da culpa, também é imprescindível a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta de descumprir os deveres inerentes ao poder familiar e dos danos advindos. O nexo causal é o elemento de mais difícil configuração no caso dos danos provocados pelo abandono afetivo.

Com efeito, são diversos os fatores e estímulos que influenciam a psique humana, existindo, assim, dificuldade para se atribuiu a determinado fato a causa efetiva da lesão à integridade psíquica. Nesse sentido, a perícia possui importante papel para a identificação da causa que, de fato, foi determinante à produção do resultado danoso. Para tanto, deve-se aferir, além de outros fatores, a época em que os sintomas do dano começaram a se manifestar, pois não se poderá imputar ao pai um dano que tenha se manifestado em época anterior ao abandono [218].

Ante o exposto, constatando-se que a conduta culposa do pai que descumpriu os deveres de ordem imaterial inerentes ao poder familiar foi a causa determinante aos danos afetivos sofridos pelo filho, o nexo causal estará configurado e a condenação ao pagamento de indenização é a medida que se impõe [219].

Percebe-se que os casos de indenização por abandono afetivo não devem se disponibilizar de forma desarrazoada ou desapegada da realidade. O molde jurídico para o restabelecimento da situação foi pensado pelo direito há muito tempo. O que se assiste, atualmente, é uma adaptação do figurino clássico da responsabilidade civil aos casos que decorrem de situações de direito de família e entre membros de uma mesma família, sem que isto implique em subversão do sistema. Também a obrigação jurídica que se apresenta violada é obrigação que existe há muito tempo. O que se assiste na atualidade é o necessário repensar destes direitos e deveres, permeando-os com o afeto, agraciando-os com a despatrimonialização das relações, submetendo-os a uma função de esteio e alicerce para a dignidade humana e deixando-se de lado o autoritarismo, a perversão e o direito de disposição mais ou menos limitado a respeito do futuro dos filhos. Os avanços ou as adaptações percebidos, portanto, não podem ser olvidados ou relegados, sob pena de retrocesso. Mas certamente não podem também – e muito menos – tornarem-se instrumento nefasto às relações familiares sob o pretexto da penalização do pai que abandona, ocasionando – tal qual o tiro que sai pela culatra – a impossibilidade completa de restabelecimento destas relações [220].

Ante o exposto, vê-se que a indenização por abandono afetivo, se bem utilizada, é um instrumento de demasiada importância para a configuração de um Direito de Família mais consentâneo com a contemporaneidade, mas é imprescindível que seja configurada com parcimônia e bom senso [221]. Nesse sentido, o Poder Judiciário deve verificar a ocorrência do abandono afetivo, em cada caso concreto, a partir da exata compreensão do princípio da afetividade, a fim de se evitar a indústria indenizatória do afeto.

O que não se deve permitir é que o genitor causador de dano à personalidade do filho fique isento de responsabilidade civil, de modo que o medo da banalização não se transforme em mais um dos gigantescos empecilhos que cega à compreensão daquilo que verdadeiramente é considerado como nobre e essencial [222].

Destarte, verificados no caso concreto a conduta culposa que descumpre os deveres de ordem imaterial do poder familiar, o dano e o nexo de causalidade, caracterizada está a responsabilidade civil pelo abandono afetivo e, por conseguinte, surge o respectivo dever de indenizar.

 

Conclusão

Ante o exposto no presente trabalho, vê-se que, no decorrer da história, a família sofreu profundas modificações, tanto em sua estrutura quanto na relação entre os seus membros. De unidade com finalidade meramente econômica e procriacional, fundada no poder do chefe da sociedade conjugal e, precipuamente, na desigualdade, a família passou, gradativamente, a ser baseada no afeto e na solidariedade. Assim, a nova concepção de família passou a ser entendida como grupo social fundado em laços afetivos, promovendo a dignidade de seus membros, no que atine a seus anseios e a seus sentimentos, de modo a se alcançar a felicidade plena.

Atualmente, o princípio jurídico da afetividade, fundado na dignidade da pessoa humana, constitui o elemento formador da família e, independentemente de qualquer sentimento, traduz o dever de dedicação e assistência que os familiares devem ter com cada um dos sujeitos aos quais se unem, seja por vínculo biológico ou socioafetivo. Nesse sentido, imprescindível evidenciar que, conforme estudado, seja qual for a origem da entidade familiar, o afeto é um fator de demasiada relevância para a plena formação física e psíquica dos menores, pois é nele que as relações familiares buscam o alicerce do crescimento da personalidade humana, vale dizer, é na família que se encontra o esteio da vida, refletindo a concretização dos direitos fundamentais para o crescimento comum.

Não obstante inúmeras famílias, de fato, vivenciem uma relação pautada no afeto, na igualdade, na dignidade e no carinho, com estreita proximidade e interação espiritual, urge evidenciar que, por outro lado, integra a triste realidade de muitas entidades familiares a situação de abandono dos filhos, renegados por um dos pais, que, em contraposição ao que estabelece o princípio jurídico da afetividade, não lhes proporciona convivência, assistência moral e intelectual, uma vez que descumpre, de modo voluntário e injustificado, os deveres de conteúdo imaterial do poder familiar e, por conseguinte, não adota comportamento pró-afetivo.

O Direito de Família somente consone com a dignidade da pessoa humana se as relações familiares, notadamente a de parentalidade, não forem desconsideradas ou excluídas. Nesse sentido, a fim de se evitar graves injustiças sociais, deve-se abolir a exclusão de determinados tipos de família e, consequentemente, dos membros que compõem as entidades familiares, especialmente quando se trata de crianças ou adolescentes, ou seja, afronta o princípio da dignidade humana o pai ou a mãe que abandona seu filho afetivamente. E, no campo jurídico, afetividade vai além do sentimento, pois está diretamente ligada à responsabilidade e ao cuidado.

Em razão da gravidade da conduta de desamparo e rejeição dos filhos, o ordenamento jurídico pátrio prevê sanções para os pais que os abandonam, consistentes na suspensão ou na destituição do poder familiar, no entanto, além de ineficazes, uma vez que revelariam verdadeiro prêmio para o pai que deliberadamente se afastou da vida do filho e já não exerce os respectivos deveres, não visam à reparação dos danos que, majoritariamente, são causados, razão pela qual se tem concebido a aplicação do instituto da responsabilidade civil à relação de parentalidade, ante as sérias consequências produzidas pelo abandono afetivo na formação do filho menor.

Caracterizado o abandono afetivo, o respectivo dever de indenizar os danos morais e materiais causados somente é possível se preenchidos os elementos ensejadores da responsabilidade civil subjetiva e, em que pese não restabeleça o status quo ante da situação de abandono, a indenização compensará o filho pelos danos sofridos, uma vez que trata-se de compensação e não de ressarcimento, além de que punirá o pai ou a mãe pela conduta imprópria e indevida adotada, e dissuadirá a sua prática futura, uma vez que alertará todos aqueles que são pais, biológicos ou socioafetivos, acerca da importância do correto desempenho de suas funções na formação da prole.

O Poder Judiciário, diante da análise do caso concreto envolvendo o abandono afetivo na relação paterno-filial, deve nortear o julgamento com observância ao princípio da afetividade para que os danos sofridos pelo filho menor não fiquem irreparáveis sob o argumento de que não há ato ilícito ante a inexistência do dever jurídico de amar, pois o que deve ser compreendido é a necessidade da adoção de comportamento pró-afetivo pelos pais, cuja ausência, além de configurar ato ilícito, viola a dignidade do filho e causa danos à sua personalidade. Destarte, além de coibir a disseminação da denominada indústria do dano moral, a atividade judiciária deve pautar-se na proteção da vítima do abandono afetivo e o julgador deve voltar sua atenção aos deveres jurídicos de conteúdo moral entre os membros da família, uma vez que a ausência ou o distanciamento voluntário de um ou ambos os pais na formação do filho, ainda que o tenham provido de meios materiais de subsistência, causam lesão à integridade psíquica da pessoa, que é um dos mais importantes direitos da personalidade. Assim, o menor abandonado afetivamente deve ser indenizado pelos danos sofridos em razão da conduta ilícita daquele que naturalmente deveria se apresentar como a figura protetora e essencialmente afetiva no âmbito familiar, mas que, voluntária e injustificadamente, se omite, não exercendo a verdadeira função parental.

 

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Art. 1.605, § 2º, do Código Civil de 1916: “Ao filho adotivo, se concorrer com legítimos, supervenientes à adoção (art. 368), tocará somente metade da herança cabível a cada um destes”.

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[1] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 29.

[2] MORGAN, Lewis apud ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado – 13ª ed. Tradução de: Leandro Konder. Rio de Janeiro: Bertrand, 1995. p.30.

[3] FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro – 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

[4] HIRONAKA apud PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 11.

[5] PRADO, Camila Affonso., op. cit. p. 11.

[6] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 14.

[7] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 16.

[8] Id., Ibid., p. 17.

[9] PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de família. Obra fac-similar do livro original anotado e adaptado ao Código Civil de 1916 por José Bonifácio de Andrade e Silva, editado em 1918. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/bibliotecadigital/DominioPublico/38628/pdf/38628.pdf>. Acesso em: 06 maio 2018.

[10] ALVES, José Carlos Moreira. Panorama do direito civil brasileiro: das origens aos dias atuais. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67220/69830>. Acesso em: 10 maio 2018.

[11] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 22.

[12] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 2.

[13] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 24.

[14] RODRIGUES, Silvio. Breve histórico sobre o direito de família nos últimos 100 anos. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67221/69831>. Acesso em: 20 maio 2018.

[15] Id.,Ibid.

[16] Art. 1.605, § 2º, do Código Civil de 1916: “Ao filho adotivo, se concorrer com legítimos, supervenientes à adoção (art. 368), tocará somente metade da herança cabível a cada um destes”.

[17] RODRIGUES, Silvio. Breve histórico sobre o direito de família nos últimos 100 anos. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67221/69831>. Acesso em: 20 maio 2018.

[18] Id., Ibid.

[19] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 34.

[20] Id., Ibid. p. 36.

[21] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. A incessante travessia dos tempos e a renovação dos paradigmas: a família, seu status e seu enquadramento na pós-modernidade. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67702/70310>. Acesso em: 10 junho 2018.

[22] PRADO, Camla Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 37.

[23] FACHIN apud PRADO, Camila Affonso.. op. cit., p. 38.

[24] VELOZO, Zeno apud Camila Affonso Prado. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 39.

[25] PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 44.

[26] VELOZO, Zeno apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 45.

[27] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 5: Direito de Família – 12. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 17.

[28] LÔBO, Paulo Luiz Netto apud PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 45.

[29] PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 46.

[30] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 34.

[31] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 47.

[32] BONAVIDES, Paulo apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 39.

[33] LÔBO, Paulo Luiz Netto apud TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 5: Direito de Família – 12. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 06.

[34] ÁVILA, Humberto apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 48.

[35] PEREIRA e TEPEDINO apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 42.

[36] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 48.

[37] DIAS, Maria Berenice., op. cit., p. 44.

[38] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 51.

[39] SARMENTO, Daniel apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 45.

[40] PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 52.

[41] Id., Ibid.

[42] LÔBO, Paulo. Princípio da solidariedade familiar. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/78.pdf>. Acesso em: 20 junho 2018.

[43] Id., Ibid.

[44] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 49.

[45] FILHO, Carlos Cavalcanti de Albuquerque apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 49.

[46] DIAS, Maria Berenice., op. cit. p. 49.

[47] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 62.

[48] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 46.

[49] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 65.

[50] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 50.

[51] CALDERON, Ricardo Lucas apud TARTUCE, Flávio. O princípio da Afetividade no Direito de Família. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/121822540/o-principio-da-afetividade-no-direito-de-familia>. Acesso em: 01 julho 2018.

[52] VILLELA, João Baptista apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 54.

[53] d., Ibid.

[54] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 82.

[55] PEREIRA, Rodrigo da Cunha apud TARTUCE, Flávio. Da indenização por abandono afetivo na mais recente jurisprudência brasileira. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI262537,61044-Da+indenizacao+por+abandono+afetivo+na+mais+recente+jurisprudencia>. Acesso em: 06 julho 2018.

[56] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes apud TARTUCE, Flávio. Da indenização por abandono afetivo na mais recente jurisprudência brasileira. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI262537,61044-Da+indenizacao+por+abandono+afetivo+na+mais+recente+jurisprudencia>. Acesso em: 06 julho 2018.

[57] Id., Ibid.

[58] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 83.

[59] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 83.

[60] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: família. – 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 251.

[61] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 211.

[62] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 388.

[63] Id., Ibid.. p. 390.

[64] FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. São Paulo: Atlas, 2009. p. 10.

[65] DIAS, Maria Berenice., op. cit., p. 397.

[66] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 85.

[67] FACHIN, Luiz Edson apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 481.

[68] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 232.

[69] DIAS, Maria Berenice., op. cit., p. 405.

[70] RODRIGUES, Silvio apud PRADO, Camila Affonso., op. cit. p. 113.

[71] LÔBO, Paulo., op. cit., p. 221.

[72] BEVILÁQUA, Clóvis apud MONTEIRO, Matheus. Filiação biológica e socioafetiva. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/49625/filiacao-biologica-e-socioafetiva>. Acesso em: 15 julho 2018.

[73] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 397.

[74] NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras apud PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 93.

[75] PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 93.

[76] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 406.

[77] PRADO, Camila Affonso., op. cit. p. 94.

[78] RODRIGUES, Silvio apud PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 95.

[79] VIANA, Rui Geraldo Camargo apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 95.

[80] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 422.

[81] Id., Ibid., p. 424.

[82] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 115.

[83] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 287.

[84] Id., Ibid., p. 288.

[85] SANTOS NETO, José Antônio de Paula apud ALEGRANSI, Débora. O instituto do poder familiar no direito brasileiro e a responsabilização civil dos pais. Monografia – Universidade do Vale do Itajaí. 2006. p. 22.

[86] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 5: Direito de Família – 12. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 507.

[87] DINIZ, Maria Helena apud CABRAL, MARIO SILVA. Aspectos teóricos sobre o poder familiar. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,aspectos-teoricos-sobre-o-poder-familiar,54927.html>. Acesso em: 20 julho 2018.

[88] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 290.

[89] SCAFF, Fernando Campos apud PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 117.

[90] PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 117.

[91] Id., Ibid.

[92] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 291.

[93] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 291.

[94] Art. 1.631 do Código Civil: “Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade”.

[95] GONÇALVES, Carlos Roberto apud PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 118.

[96] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 292.

[97] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 120.

[98] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: família. – 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 354.

[99] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 466.

[100] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda apud PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 122.

[101] PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 122.

[102] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 294.

[103] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 125.

[104] CAHALI, Yussef Said apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., 125.

[105] PRADO, Camila Affonso., op. cit., 126.

[106] FUJITA, Jorge Shiguemitsu apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., 127.

[107] LIENHARD apud LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 295.

[108] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 131.

[109] Agência CNJ de notícias. CNJ serviço: entenda o que é suspensão, extinção e perda do poder familiar. Disponível em: <www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80757-cnj-servico-entenda-o-que-e-suspensao-extincao-e-perda-do-poder-familiar>. Acesso em: 23 julho 2018.

[110] Agência CNJ de notícias. CNJ serviço: entenda o que é suspensão, extinção e perda do poder familiar. Disponível em: <www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80757-cnj-servico-entenda-o-que-e-suspensao-extincao-e-perda-do-poder-familiar>. Acesso em: 23 julho 2018.

[111] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 296.

[112] Id., Ibid.

[113] Id., Ibid.

[114] Id., Ibid., p. 297.

[115] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: família. – 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 365.

[116] RODRIGUES, Silvio apud PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 134.

[117] PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 134.

[118] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: família. – 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 365.

[119] Agência CNJ de notícias. CNJ serviço: entenda o que é suspensão, extinção e perda do poder familiar. Disponível em: <www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80757-cnj-servico-entenda-o-que-e-suspensao-extincao-e-perda-do-poder-familiar>. Acesso em: 23 julho 2018.

[120] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: família. – 17. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p. 367 .

[121] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 138.

[122] Id. Ibid.

[123] MORAES, Maria Celina Bodin apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 542.

[124] PEREIRA, Rodrigo da Cunha apud DIAS, Maria Berenice., op. cit., p. 544

[125] MADALENO, Rolf apud DIAS, Maria Berenice., op. cit., p. 544.

[126] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 138.

[127] Id., Ibid.

[128] Id., Ibid.

[129] PEREIRA, Rodrigo da Cunha apud CESSETI, Alexia; PASSOS, Anna Paula. O princípio jurídico do afeto e o dever de indenizar o abandono afetivo. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=271df68653f0b3c7>. Acesso em: 25 julho 2018.

[130] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 301.

[131] Id., Ibid.

[132] Id., Ibid.

[133] Id., Ibid.

[134] DINIZ, Maria Helena apud SANTOS, Saruzze Pereira. Consequências psicológicas e jurídicas do abandono afetivo. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,consequencias-psicologicas-e-juridicas-do-abandono-afetivo,590068.html>. Acesso em: 26 julho 2018.

[135] MADALENO, ROLF apud SANTOS, Saruzze Pereira., op. cit.

[136] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes apud SANTOS, Saruzze Pereira. Consequências psicológicas e jurídicas do abandono afetivo. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,consequencias-psicologicas-e-juridicas-do-abandono-afetivo,590068.html>. Acesso em: 26 julho 2018.

[137] SANTOS, Saruzze Pereira., op. cit.

[138] CARDOSO, Mariana. Abandono afetivo: psicóloga explica os danos para formação da criança. Disponível em: <http://blog.terapiadebolso.com.br/abandono-afetivo-psicologa-explica-os-danos-para-formacao-da-crianca/>. Acesso em: 27 julho 2018.

[139] Id., Ibid.

[140] Id., Ibid.

[141] BICCA, Charles. Abandono afetivo e suas graves consequências. Disponível em: <http://abandonoafetivo.org/abandono-afetivo-e-suas-graves-consequencias/>. Acesso em: 27 julho 2018.

[142] WEISHAUPT, Gisele; SARTORI, Giana. Consequências do abandono afetivo paterno. Disponível em: <http://www.uricer.edu.br/site/pdfs/perspectiva/142_415.pdf>. Acesso em: 28 julho 2018.

[143] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 139.

[144] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 139.

[145] PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 139.

[146] Id., Ibid.

[147] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 303.

[148] OLIVEIRA, Sthephanie Mazarino de. Da indenização por dano moral decorrente do abandono afetivo – A mercantilização do amor. Disponível em: <https://stephaniemazarino.jusbrasil.com.br/artigos/218374905/da-indenizacao-por-dano-moral-decorrente-do-abandono-afetivo>. Acesso em: 29 julho 2018.

[149] STJ, REsp nº 1.159.242 – SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, data do julgamento: 24/04/2012. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20120510-02.pdf>. Acesso em: 29 julho 2018.

[150] Id., Ibid.

[151] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9365-9364-1-PB.pdf>. Acesso em: 29 julho 2018.

[152] MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni. Dano moral nas relações familiares. 2013. Tese (Doutorado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 03.

[153] Id., Ibid.

[154] Id., Ibid.

[155] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9365-9364-1-PB.pdf>. Acesso em: 29 julho 2018.

[156] BIANCO, João Carlos. Apontamentos de responsabilidade civil. Material de estudo – Faculdade de Direito de Franca., 2016.

[157] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil – 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2014., p. 13.

[158] Id., Ibid., p. 14.

[159] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil – 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2014., p. 14.

[160] Id., Ibid., p. 15.

[161] LÔBO, Paulo Luiz Netto apud PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 167.

[162] PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 167.

[163] CAVALIERI FILHO, Sergio., op. cit., p. 32.

[164]  CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil – 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2014., p. 14.

[164] Id., Ibid., p. 32.

[165] NERY JUNIOR, Nelson apud PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 168.

[166] CAVALIERI FILHO, Sergio., op. cit., p. 26.

[167] GODOY, Claudio Luiz Bueno de apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 169.

[168] PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 169.

[169] Id., Ibid.

[170] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 169.

[171] BIANCO, João Carlos. Apontamentos de responsabilidade civil. Material de estudo – Faculdade de Direito de Franca., 2016.

[172] Art. 159 do Código Civil de 1916: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano […]”.

[173] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil – 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2014., p. 200.

[174] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil – 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2014., p. 200/201.

[175] Apontamentos de responsabilidade civil. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/51233028/Apontamentos-de-Responsabilidade-Civil>. Acesso em: 30 julho 2018.

[176] Id., Ibid.

[177] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 177.

[178] CAVALIERI FILHO, Sergio apud PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 176/177.

[179] PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 177.

[180] Id., Ibid., p. 183.

[181] Id., Ibid.

[182] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil – 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2014., p. 111.

[183] Id., Ibid.

[184] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil – 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2014., p. 111.

[185] ARRUDA, Paula Roberta Corrêa dos. Responsabilidade civil no direito de família: da possibilidade de indenização por descumprimento do dever de convivência. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/22_11_2011%20Afetividade.pdf>. Acesso em: 01 agosto 2018.

[186] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes apud ARRUDA, Paula Roberta Corrêa., op. cit.

[187] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 303.

[188] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9365-9364-1-PB.pdf>. Acesso em: 01 agosto 2018.

[189] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 198.

[190] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 198.

[191] PESTANA, Bruno Lima Soares. A trajetória do abandono afetivo sob a ótica jurisprudencial, doutrinária e legislativa. Monografia – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2013., p. 17.

[192] TJMG, Apelação Cível 208.550-5, Rel. Des. Unias Silva, Belo Horizonte, julg. 01 de abr. 2004

[193] DIAS, Maria Berenice apud PESTANA, Bruno Lima Soares. A trajetória do abandono afetivo sob a ótica jurisprudencial, doutrinária e legislativa. Monografia – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2013., p. 27.

[194] SCHEREIBER, Anderson apud PESTANA, Bruno Lima Soares., op. cit., p. 28.

[195] PESTANA, Bruno Lima Soares. A trajetória do abandono afetivo sob a ótica jurisprudencial, doutrinária e legislativa. Monografia – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2013., p. 29.

[196] PEREIRA, Rodrigo da Cunha apud PESTANA, Bruno Lima Soares., op. cit., p. 29.

[197] PESTANA, Bruno Lima Soares., op. cit., p. 31.

[198] PESTANA, Bruno Lima Soares. A trajetória do abandono afetivo sob a ótica jurisprudencial, doutrinária e legislativa. Monografia – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2013., p. 58.

[199] TJSP, 7ª C. Dir. Priv., Apel. n. 361.389.4/2-00, Rel. Desa. Daise Fajardo Jacot, julgado em 26/11/2008.

[200] PESTANA, Bruno Lima Soares. A trajetória do abandono afetivo sob a ótica jurisprudencial, doutrinária e legislativa. Monografia – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2013., p. 60.

[201] STJ, REsp nº 1.159.242 – SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, data do julgamento: 24/04/2012.

[202] STJ, REsp nº 1.159.242 – SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, data do julgamento: 24/04/2012.

[203] PESTANA, Bruno Lima Soares. A trajetória do abandono afetivo sob a ótica jurisprudencial, doutrinária e legislativa. Monografia – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2013., p. 64.

[204] Id., Ibid., p. 68.

[205] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 217.

[206] SANTOS, Romualdo Baptista dos apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 199.

[207] Id., Ibid.

[208] Id., Ibid.

[209] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 200.

[210] CUNHA, Rodrigo Pereira apud PESTANA, Bruno Lima Soares. A trajetória do abandono afetivo sob a ótica jurisprudencial, doutrinária e legislativa. Monografia – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2013., p. 41/42.

[211] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 200.

[212] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 202.

[213] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9365-9364-1-PB.pdf>. Acesso em: 04 agosto 2018.

[214] MORAES, Maria Celina Bodin de apud PESTANA, Bruno Lima Soares. A trajetória do abandono afetivo sob a ótica jurisprudencial, doutrinária e legislativa. Monografia – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2013., p. 64/65.

[215] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 205.

[216] SANTOS, Romualdo Baptista dos apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 205.

[217] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9365-9364-1-PB.pdf>. Acesso em: 04 agosto 2018.

[218] PRADO, Camila Affonso. Responsabilidade civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo., p. 213.

[219] Id., Ibid.

[220] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9365-9364-1-PB.pdf>. Acesso em: 04 agosto 2018.

[221] Id., Ibid.

[222] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes apud PRADO, Camila Affonso., op. cit., p. 215.

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