À beira de um precipício só há uma maneira de andar para a frente: é dar um passo atrás. (M. de Montaigne)
Defende o restabelecimento da sistemática processual que outorgava competência à autoridade policial para a expedição de mandados de busca e apreensão. Esclarece que o temor do constituinte frente a possíveis abusos de autoridade não se justifica, porquanto a responsabilidade da autoridade policial subsisti de toda sorte, quer-lhe seja restabelecida a competência para a efetivação de busca e apreensão desvinculada de mandamento judicial, quer não lhe seja ela restabelecida, porquanto o que sempre determina a responsabilização de qualquer agente público é o seu ato irresponsável, não a sistemática processual que o regula.
Introdução
A expedição de mandados de busca e apreensão, quando de investigações criminais, é da competência constitucional exclusiva da autoridade judiciária., com suporte no art. 5º, XI, da CF.[1]
Referida sistemática processual, em incontáveis oportunidades, acaba por prejudicar a perfeita atuação da autoridade policial frente às ilicitudes que lhe compete coibir, bem como acaba por frustrar alarmante número de investigações policiais e estorva a recuperação da “res furtiva” [2] em prol das vítimas.
Sem a intenção, pois, de desonrar o Constituinte que, frente à necessidade contemporânea de conceder-se o maior número de garantias possíveis à pessoa humana perante o Poder público, bem como em decorrência da tendência mundial em se quebrar a inviolabilidade do asilo residencial do sujeito de direitos somente por meio de mandamento judicial, quer-se estabelecer nesta dissertação, isto sim, a inviabilidade da sistemática ora existente, assim como a indispensabilidade de um repensar incontinenti acerca da garantia constitucional ora evocada.
Por vezes mesmo, como bem afirmado por Montaigne, no excerto que se escolheu para dar princípio a este artigo, é necessário retrocedermos em algum ou outro ponto legislativo que se concebia, quando da sua criação, como benévolo e criativo, mas que se mostrou, sem demora, incessantemente inexeqüível.
1. Noções conceituais relativas à morada, à residência, ao domicílio e a casa
Por certo, ao se procurar estabelecer um estudo tendente a tornar inteligível a legitimidade da autoridade policial, entendida esta como sendo exclusivamente o Delegado de Polícia, dirigente que é das atividades de Polícia Judiciária, não se concebe como prescindível deixar-se de lado o estabelecimento hialino do que se deve interpretar em termos legais a respeito de morada, residência, domicílio e casa.
Em primeiro lugar, deve-se deixar claro que há considerável gradação nos conceitos de morada, residência e domicílio.
De efeito, existe na residência um plus relativo à morada, ocasião em que se deve abstrair do conceito de morada aquela eventualidade efêmera tal qual a de uma pessoa que passa por um hotel determinado a passeio e por breve período.
A residência, pois, reclama um maior fator de estabilidade ou habitualidade, podendo até ser identificada como tal o quarto de um hotel, mas desde que o hóspede não ali esteja por um breve período ou a passeio, mas realizando, v.g., um curso de longa duração naquela respectiva cidade.
E vale, nessa esteira, conforme esclarecida doutrina de Adriano Soares da Costa, acrescentar:
Residência é o lugar onde se mora, onde há permanência do indivíduo por algum tempo. Se há propriedade de uma casa de campo, e nela passa-se temporadas, há residência; assim também se se possui casa de veraneio, ou casa de praia. Portanto, pode-se ter mais de uma residência. Basta à configuração da residência a estadia mais prolongada, costumeira, dia e noite. A habitualidade da moradia é nuclear no conceito de residência. [3]
Domicílio, por sua vez, já reclama vínculo psíquico entre o indivíduo e o respectivo local. Efetivamente, ao conceito de residência devemos acrescentar, ainda, o chamado animus manendi,[4] ou seja, deve haver um elemento externo consubstanciado em “residir” e outro interno, de cunho jurídico, consubstanciado no verbo “permanecer”.
Para Washington de Barros Monteiro, domicílio “é a sede jurídica da pessoa onde ela se presume presente para efeitos de direito e onde exerce ou pratica, habitualmente, seus atos e negócios jurídicos”. Já para Orlando Gomes, “domicílio é o lugar onde a pessoa estabelece a sede principal de seus negócios (constitutio rerum et fortunarum), o ponto central das suas ocupações habituais”.
No atual Codex substantivo civil brasileiro,[5] a conceituação legal autêntica acerca do domicílio encontra-se no Título III, do Livro I, da Parte Geral. Não obstante, vale prelecionar aqui, tão-somente, que, para fins de cumprimento de mandados de busca e apreensão pela Polícia Judiciária, durante o dia, salvo em hipóteses de flagrante delito, desastre ou para prestar-se socorro, ocasião em que a “violação” residencial poderá ser noturna, deve o ato ser precedido, de acordo com a Carta da República, de ordem judicial, tanto nas hipóteses de morada, como nas hipóteses de residência e domicílio.
Outrossim, no que concerne ao vocábulo “casa”, compreenda-se que este abarca, como característica nuclear do seu conceito legal, as concepções da morada, da residência e do domicílio.
De fato, face à garantia constitucional insculpida no inciso XI, do art. 5º da CF, onde se preceitua que a “casa” é o asilo inviolável, tem-se por pacífico que o vocábulo referido abarca, efetivametne, as inteligências de moradia, residência e domicílio. De modo real, o próprio Codex substantivo penal,[6] em seu artigo 150, estabelece que a expressão “casa” compreende qualquer compartimento habitado; aposento ocupado em habitação coletiva; ou compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.
2. A finalidade precípua do mandado de busca e apreensão enquanto instrumento processual
O instituto do mandado de busca e apreensão está disciplinado nos arts. 240 a 250, Capítulo XI, Título VII, do Livro I, do Codex adjetivo processual penal pátrio.[7]
Conjugados referidos dispositivos legais com o ordenamento constitucional previsto no inciso XI da Constituição Federal vigente, tem-se que o cumprimento de mandado de busca e apreensão somente poderá ocorrer com suporte em ordem judicial.
Percebe-se, pois, que o contido no art. 241 do CP não foi recepcionado em sua totalidade pela Magna Carta,[8] conjuntura em que agora só à autoridade judiciária compete proceder à busca domiciliar independentemente de mandado escrito.
Por outro lado, e em que pesem entendimentos contrários, o cumprimento de mandado de busca e apreensão poderá realizar-se durante o período noturno, desde que autorizado pelo morador, conforme reza o art. 245 do CPP.[9] Verdadeiramente, percebe-se que o dispositivo foi recepcionado pela Constituição de 1988, porquanto não há lógica em se privar o próprio morador da sua faculdade de decidir quem poderá, ou não, adentrar nas adjacências da sua morada. De fato, a garantia constitucional veio permitir-lhe que, ao menos no período noturno, não se cumpram mandados de busca e apreensão em sua “casa”, se assim não lhe apetecer, mas não lhe frustrou a liberalidade de permitir, se assim lhe convier, que a medida seja cumprida mesmo no período noturno, porquanto, a bem da verdade, pode-lhe até mesmo ser oportuna mencionada atitude estatal, quando, v.g., interessar-lhe comprovar, o quanto antes, a sua inocência.
Guilherme de Souza Nucci, por sua vez, assevera que o mandado de busca não prescinde de comportar necessárias precisão e determinação. Segundo o autor, deve ele indicar, dentro do possível, a casa onde a diligência efetuar-se-á, assim como o nome do proprietário, morador, locatário ou comodatário. Admitir-se mandado genérico, preleciona, tornaria impossível o controle acerca dos atos de força do Estado contra o direito individual. [10]
Mirabete, ainda, oportunamente preleciona que, a fim de não desaparecerem as provas do crime, a autoridade policial deverá apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relação com o delito.[11]
De efeito, compete a quem preside o caderno apuratório, no caso o Delegado de Polícia, primar pela sua efetividade como instrumento propício e de importância irrefutável à concessão de sustentáculo à propositura de eventual ação penal.
O Código de Processo Penal, bem assim, relaciona[12] os objetos e pessoas que podem ser objeto da busca e apreensão, tanto pela autoridade policial como pelo juiz, quando fundadas razões autorizarem-nas. Embora a busca e a apreensão estejam insertas no capítulo das provas, a doutrina considera-as mais como medida acautelatória, liminar, destinada a evitar o perecimento das coisas e das pessoas.
Não só no que tange aos objetos materiais do ilícito,[13] a busca e apreensão constitui-se em instrumento de indubitável imprescindibilidade frente à coleção de indícios outros tendentes à formação do adequado panorama comprobatório em torno do delito esquadrinhado.
De efeito, a necessidade de busca e apreensão em torno de instrumentos utilizados durante o iter criminis,[14] de bens auferidos na qualidade de produtos do crime, dentre outros, perfazem o instrumento processual em debate como sendo um dos mais importantes instrumentos processuais de irretorquível condão à formação das convicções policial, ministerial e judicial à roda de qualquer matéria investigada.
3. O senso comum em torno da possibilidade de extensão ao delegado de polícia de competência constitucional para a expedição de mandados de busca e apreensão
Até o ano de 1988, o Delegado de Polícia possuía competência para a expedição de mandados de busca e apreensão. Com o advento da Carta da República, esta prerrogativa foi ceifada. Já no ano de 2002, ou seja, pouco após a inovação normativa, o próprio Poder Legislativo já percebeu a inviabilidade do novo ordenamento que criara.
Com efeito, houve proposta de emenda à Constituição cuja autoria coube a Luiz Antônio Fleury e outros. A proposição dá nova redação ao inciso XI do art. 5º da Constituição Federal, restabelecendo o poder à autoridade policial no que tange à expedição de mandados de busca e apreensão.[15]
A justificativa da proposta, por sua vez, evocou ser fundamental o restabelecimento do poder da autoridade policial no sentido de determinação da realização de busca e apreensão atinentes a provas e indícios de crime.
Embora sucinto, o texto que justificou a proposta mostrou-se direito e cristalino, ipsis litteris:[16]
“Muitas vezes, pela ausência da autoridade judiciária, não se consegue obter em tempo hábil a necessária determinação judicial para a busca domiciliar, possibilitando ao autor do crime o lapso temporal necessário à destruição de elementos de prova que poderiam levá-lo à condenação. (Sala das Sessões, em 26 de fevereiro de 2002).”
Como se vê, exsurge da consciência comum que a expedição de mandado de busca e apreensão como ato exclusivo da autoridade judiciária é conjuntura temerária aos fins do próprio instituto em estudo.
Na prática, não é só consenso entre as autoridades policiais que a necessidade de aguardar-se o mandado judicial constitui-se em entrave enfadonho que causa males não só à atuação estatal em torno da busca de provas e da recuperação da “res furtiva”, mas também, e principalmente, às vítimas de crimes contra o patrimônio. Estas, ordinariamente, almejam, atônitas, a recuperação daqueles bens a respeito dos quais labutaram durante as suas vidas, honesta e incessantemente, por meio de enorme esforço, para os verem inseridos no seu patrimônio de volume modesto.
Verdadeiramente, frustra e causa constrangimento a qualquer autoridade policial perceber o semblante da vítima de delito contra o patrimônio que, ofegante e cheia de esperanças, ao comunicar à autoridade policial seu conhecimento acerca de onde está a “res” do delito que acabara de ocorrer, acaba tendo de receber como resposta preliminar a justificativa de que, antes de uma possível busca ao local indicado, deverá ser elaborado um adequado procedimento formal a ser destinado ao Estado-juiz, a fim de que este, cujo prazo para tanto não lhe é delimitado pelo sistema legal, avaliará, então, o ato formalizado e, quiçá, expedirá a ordem à autoridade policial.
4. O fundamento nuclear do embaraço constitucional à efetivação de busca e apreensão por deliberação própria da autoridade policial
Como bem definido por Hegel:[17] “o verdadeiro não reside na superfície do sensível; em tudo o que singularmente deve ser científico a razão não pode dormir, e há que se empregar a reflexão”.
Nessa linha de pensamento, objetivamente, não se torna oculto ao exegeta perceber a índole do constituinte quando da sua postura na Carta de 88. Percebe-se, sem a necessidade de grande esforço intelectual, que o leitmotiv[18] seu foi o temor de possíveis abusos de autoridade, possíveis precipitações consistentes em inserções indevidas de agentes do Estado no asilo da pessoa humana. Estabeleceu-se, pois, que a “casa” seria, a partir de então, o asilo inviolável do indivíduo.
No entanto, façamos a devida utilização do chamado “raciocínio por absurdo”:[19] se ao Estado-juiz é concedido o poder de violar o asilo tido como “inviolável”, de “inviolável” o que lhe resta? Se antes da Carta da República de 88 a casa da pessoa humana não era “inviolável”, porquanto ao juiz e ao delegado de polícia era concedida a prerrogativa processual de violá-la, seria ela agora “inviolável”, porquanto ao delegado foi afastada essa possibilidade, mas mantida foi ela ao Estado-juiz? Qual a diferença, então, de cunho antropológico, entre a figura humana do juiz de direito e da figura humana do delegado de polícia? Não correria o mesmo sangue nas veias de um e de outro? Não haveriam sido concursados pelo mesmo Estado e constituídos seus “longa manus” ? [20]
Pois bem, o que se deve ter em mente, peremptoriamente, diante deste discurso, é o fato de que o abuso de autoridade pode ser levado a efeito por qualquer agente do Estado, pouco importando se delegado de polícia ou juiz de direito.
De fato, o sistema normativo não aponta com exclusividade o delegado de polícia como agente passível de ver sua conduta inserida no tipo de abuso de autoridade, tampouco elide essa possibilidade no que concerne à conduta do juiz de direito. Qualquer um pode incidir em aventado tipo desvalioso.
Nesse diapasão, tem-se que, a contrario sensu,[21], em relação ao delegado de polícia não há óbice algum em lhe ser restituída, obviamente por meio de emenda constitucional, a competência para a efetivação de busca e apreensão desatada de ordem judicial.
O delegado de polícia é autoridade processante, competindo-lhe dar o devido andamento ao processo inquisitorial que lhe é de responsabilidade. Durante o iter [22] dos seus atos, há de responder ele por possíveis abusos de autoridade, assim como de resto qualquer outra autoridade, judicial, ministerial, etc., também o devem responder no tocante aos atos levados a efeito no desenvolvimento dos seus misteres.
A legitimidade dos atos efetivados pela autoridade policial como, v.g., a hipotética realização de busca e apreensão desvinculada de ordem judicial, de acordo com possível e vindoura inovação constitucional, adviria, como de resto já advém em relação a qualquer outro ato estatal, daquela fundamentação plausível (grifei) concernente às razões que o levaram à realização do ato.
Vê-se, pois, que o temor do constituinte frente a possíveis abusos de autoridade promoveu entrave inviável à diligência em debate, que por sua natureza deve comportar deliberação precípua e imediata ao encargo da autoridade de Polícia Judiciária, geralmente primeira receptora que é das informações em torno de ilícitos penais, bem como primeira responsável que se mostra pelas primeiras respostas estatais ao caso concreto.
Dessa arte, percebe-se que, caso advier emenda constitucional à roda desta matéria promovendo competência à autoridade policial para a efetivação de busca e apreensão desvinculada de ordem judicial, no curso de inquérito policial, bastará à autoridade policial, nos próprios autos do caderno apuratório, fundamentar as razões que a levaram a tornar efetivo o ato, à luz dos princípios da persuasão racional e do livre convencimento motivado (grifei).
5. O conflito de garantias e princípios cujo contrapeso legitima a competência constitucional ora examinada como instituto passível de ser obtenível pela autoridade policial
Há sobejo rol de garantias e princípios em prol da pessoa humana em nosso ordenamento jurídico. Por vezes, no entanto, entram referidas proteções em obtusa colisão. Daí surge, então, a necessidade de propor-se adequado sopeso entre elas.
Com efeito, no que tange às colisões ora estudadas, tem-se, v.g., que entram elas em embate:
1. Quando a garantia de inviolabilidade do domicílio colide com a garantia constitucional à segurança;
2. Quando a garantia de inviolabilidade do domicílio colide com o princípio da efetividade na prestação dos serviços públicos; ou
3. Quando a garantia da inviolabilidade do domicílio colide com a garantia à propriedade.
Efetivamente, na primeira hipótese, a prerrogativa de a vítima (grifo meu) obter segurança do Estado vê-se prejudicada, na oportunidade em que o próprio Estado, por meio da sua polícia, fica impedido de atuar celeremente, por meio de deliberação do delegado de polícia, responsável que é pela presidência e comando imediato dos atos de polícia judiciária, deixando-se de adentrar incontinenti em determinada residência e, ali, buscar e apreender itens ligados à ilicitude, aplacar, com isso, a criminalidade e conceder uma adequada resposta estatal ao episódio.
Já na segunda hipótese, percebe-se que a garantia de inviolabilidade do domicílio colide com o princípio da efetividade na prestação dos serviços públicos, porquanto o Estado é impedido de atuar celeremente diante de um caso concreto e conceder à vítima o que lhe é de direito.
Por fim, na terceira hipótese, presencia-se um inadequado conflito entre a garantia da inviolabilidade do domicílio para com a garantia do indivíduo à propriedade, já que, impedido de atuar celeremente, o Estado deixa, constantemente, de recuperar a “res furtiva” que se constitui no legítimo patrimônio de quem se viu vítima em episódios de delitos contra o patrimônio. Em outras palavras, a vítima vê-se privada do seu direito ao patrimônio, porquanto ao autor de crime é garantido ver o seu direito à inviolabilidade de domicílio mitigado apenas por decisão judicial. Dessa arte toda, nem um nem outro restam com suas prerrogativas asseguradas. Em primeiro lugar, porque a vítima, em decorrência da demora na efetivação de busca e apreensão, acabou perdendo o seu patrimônio definitivamente repassado a terceiros pelo autor. Este, em segundo lugar, também não restou com sua prerrogativa de inviolabilidade de domicílio resguardada, porquanto, assim que expedido foi o mandado de busca e apreensão pelo juiz de direito, teve de permitir a entrada dos agentes policiais em sua casa.
Como se vê, pela sistemática existente, manifestamente obtusa, havendo conflito entre garantias, o autor de ilícitos regozija-se com alarmante vantagem perante a vítima de crimes. Certamente, exposta conjuntura não mais pode ver-se sustentada pelo ordenamento jurídico pátrio.
Por outro lado, neste escrito, não se pretende defender a idéia de que, em hipotéticos episódios onde houvesse a coleta estatal de provas por meio irregular, violando-se o domicílio da pessoa humana com ausência de busca e apreensão regular, fosse possível dali abstraírem-se provas validades como parte integrante de um conjunto probatório, ante o princípio da proporcionalidade.
Embora, como bem defendido por César Dário Mariano da Silva,[23] o princípio da proporcionalidade permita a articulação das normas constitucionais como um todo natural e harmônico, a ponto de viabilizar, entrementes, o sacrifício de um direito ou garantia constitucional em prol de outro, o que se defende nesta dissertação longe está disso. E também não se está aqui a defender, sequer, auxílio à idéia de uma “invenção” normativa qualquer, mas, isto sim, à idéia de uma necessária restauração, de uma indispensável reparação e de uma imprescindível recomposição daquilo que muito bem já vigorava dantes em nosso sistema legal, à luz do derrogado art. 241 do CPP.[24]
Claro, não obstante, é que a reparação defendida nesta exposição deve emanar, agora, exclusivamente de imperativo constitucional, in casu a denominada “emenda constitucional”,[25] porquanto a derrogação do artigo 241 do nosso Codex adjetivo processual penal assim também se fez.
Conclusão
Pela preleção que se expôs, pois, deduz-se que o restabelecimento do sistema processual penal pretérito à Carta Política de 1988, no que concerne à concessão de competência para a expedição de mandados de busca e apreensão, é medida que longe está de mostrar-se prescindível.
Se a legitimidade do ato do Delegado de Polícia está atrelada à determinada fundamentação plausível que comporte justificativa coerente quanto aos motivos que o levaram a praticá-lo, não há, então, o porquê de barrar-lhe a iniciativa de ato que lhe é de vital importância à consecução dos seus objetivos dentro do sistema de investigações criminais.
De fato, o temor do constituinte frente a possíveis abusos de autoridade não se justifica, porquanto a responsabilidade da autoridade policial subsisti de toda sorte, quer-lhe seja restabelecida a competência para a efetivação de busca e apreensão desvinculada de mandamento judicial, quer não lhe seja ela restabelecida. O que sempre determina a responsabilização de qualquer agente público é o seu ato irresponsável, não a sistemática processual que o regula.
A sistematização ora existente, após a promulgação da Constituição de 1988, vem-se mostrando inexeqüível ao longo do tempo, incutindo prejuízos irrecuperáveis às vítimas de ilícitos penais, ao sistema de política criminal como um todo e fadando o delegado de polícia à situação de desdourada penúria, de vexatória mendicância processual que em nada condiz com a relevância ínsita do seu cargo.
O restabelecimento da disposição processual ora debatida tal qual se mostrava em tempo anterior à Carta da República de 1988, onde ao Delegado de Polícia era permitida a busca e apreensão desvinculada de mandado judicial, é medida cuja irrenunciabilidade e incontinência mostram-se patentes e irretorquíveis.
Consoante a tudo isso, aliás, e como epílogo deste redigido atinente ao indispensável restabelecimento de tamanho e crucial instrumento processual penal outrora de competência concorrente do delegado de polícia, hoje de competência exclusiva do juiz de direito, vale a pertinente passagem poética do nosso saudoso Soares de Passos, assim composta: “Às portas do rico bati sem alento. Eu, rico noutrora, mendigo por fim”.[26]
Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito (UMSA). Mestre em Integração Latino-Americana (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos (FADISMA)
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