Resumo: Através de uma hermenêutica sistemática dos dispositivos normativos específicos demonstram-se as diferenças substanciais entre os institutos jurídicos da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito tributário e da responsabilidade pessoal tributária prevista no artigo 135, III do CTN. Verificada tais premissas, destacam-se os efeitos jurídicos específicos de cada um dos institutos, propondo-se, ao final, uma mudança na tratativa jurisprudencial do assunto.
Sumário: 1. Introdução. 2. Da natureza jurídica da responsabilidade jurídica inclusa no artigo 135 do ctn – da diferença entre redirecionamento da execução fiscal e da desconsideração da personalidade jurídica. 3. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
No quotidiano forense, os juristas que atuam com o direito tributário estão sempre se deparando com pedidos, feitos pelas respectivas Fazendas Públicas, de desconsideração da personalidade jurídica, pleitos estes muitas das vezes fundados no artigo 135 do Código Tributário Nacional. É recorrente, também, a aparição de decisões nesse sentido. Vejamos alguns arestos:
“(…) A sociedade veio a ser irregularmente dissolvida, sem o cumprimento das exigências legais especificas. A inatividade da empresa desloca para os sócios a responsabilidade de integrar a lide, figurando no polo passivo da relação processual. É a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, o que se extrai do artigo 135, IlI, do Código Tributário Nacional.” (Agravo de Instrumento n° 318.246-5/4-00)
Nesse mesmo diapasão:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inclusão dos sócios no polo passivo da execução -Admissibilidade – Aplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica -Inteligência do art. 135, inciso III do CTN -Recurso improvido.” (TJSP – Agravo de Instrumento n.º 84.111-5/0)
São inúmeros os julgados relacionando o instituto da desconsideração da personalidade jurídica com o instituto da responsabilidade tributária prevista no artigo 135, inciso III do Código Tributário Nacional. Entende-se que referida relação apresenta uma insubsistência interessante, tanto sob o aspecto prático como também sob o ponto de vista jurídico-científico. Explicamos melhor:
2. DA NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE JURÍDICA INCLUSA NO ARTIGO 135 DO CTN – DA DIFERENÇA ENTRE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL E DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
A disposição dos conceitos básicos de responsabilidade tributária, com a enumeração de suas espécies e subespécies criadas pela lei e repetidamente classificadas pela doutrina e jurisprudência não é o intuito deste trabalho. A responsabilidade tributária prevista no artigo 135, III do CTN, haja vista a forma como é tratada no universo jurídico nacional, é o ponto central que se pretende esclarecer.
Pois bem.
O artigo 135, inciso III do Código Tributário Nacional, trata da responsabilidade pessoal de terceiros[1], no caso os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado. O texto da norma contida no referido artigo é o seguinte, in verbis:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”
Nos expressos termos do artigo de lei ora transcrito, a responsabilidade inclusa não tem natureza solidária ou mesmo subsidiária. A responsabilidade do terceiro é pessoal.
Assim sendo, verificada a hipótese legal do artigo 135, inciso III, há um reconhecimento inconteste da ilegitimidade passiva da pessoa jurídica para figurar na relação jurídico-processual da respectiva execução fiscal. Ora, a irresponsabilidade patrimonial dessa pessoa jurídica, conseqüência da ilegitimidade passiva-obrigacional, fica expressamente declarada para se reconheça a do terceiro, pessoalmente responsável.
Pesquisamos a doutrina especializada:
“(…) verifica-se que esse dispositivo exclui do pólo passivo da obrigação a figura do contribuinte (que, em princípio, seria a pessoa em cujo nome e por cuja contra agiria o terceiro), ao mandar que o executor do ato responda pessoalmente. A responsabilidade pessoal deve ter aí o sentido (que já se adivinha no art. 131), de que ela não é compartilhada com o devedor “original” ou “natural”. (Luciano Amaro, Direito Tributário Brasileiro, 12ª Edição, Editora Saraiva, pág. 327).
A verificação da responsabilidade nos termos do artigo 135, inciso III do CTN, portanto, importa na exclusão da pessoa jurídica (responsável “originário”) do pólo passivo de uma eventual execução fiscal, uma vez que verificada hipótese legal de ilegitimidade passiva da obrigação tributária.
O que se observa do instituto da desconsideração da personalidade jurídica prevista no artigo 50 do Código Civil é o contrário. Referido artigo é cristalino ao afirmar que os efeitos da execução, ou melhor, os efeitos jurídicos da responsabilidade patrimonial, se estendem aos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Vejamos o teor normativo do artigo em testilha:
“Artigo 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (Código Civil)”
Cremos, nessa esteira, que há uma diferença substancial entre o pedido de reconhecimento da responsabilidade pessoal de terceiros (artigo 135, III do CTN) e o pedido de desconsideração da personalidade jurídica (conforme os moldes estabelecidos pelo nosso direito).
A diferença, ressalta-se, não se afigura somente na delimitação da natureza jurídica do instituto. Há, como se demonstrou, efeitos práticos relevantes: a) a delimitação do tipo de responsabilidade, se solidária ou pessoal; e, conseqüência desse último, b) a caracterização da legitimidade passiva material da obrigação tributária com efeitos diretos na legitimidade passiva adjetiva, verificada no bojo de uma execução fiscal.
3. CONCLUSÃO
Ficou assentado o entendimento ora esposado de que ao se reconhecer a responsabilidade pessoal de terceiro, nos moldes do artigo 135, III do CTN, está se declarando a ilegitimidade passiva do devedor “originário” para se reconhecer a legitimidade do terceiro. Há, portanto, que se direcionar a execução exclusivamente em face do indigitado terceiro.
No nosso sentir, o pedido possível de ser feito no decorrer de uma execução fiscal é o redirecionamento da execução em face do terceiro, nos termos do artigo 135, III do CTN, e não a desconsideração da personalidade jurídica.[2]
Nesse passo, pedindo-se o redirecionamento da execução nos moldes acima sugeridos, deve haver a modificação do pólo passivo da execução fiscal. Muitos julgados, entretanto, têm mantido no pólo passivo a pessoa jurídica, originariamente executada, criando uma responsabilidade solidária, não reconhecida pela lei. Trata-se de equívoco, o qual se propõe uma mudança de entendimento até mesmo para se preservar os diferentes efeitos jurídicos que cada instituto, desconsideração e responsabilidade pessoal, proporciona.
Promotor de Justiça do Estado de Alagoas; Pós-graduado em Direito Constitucional pela Unisul Pós-graduando em Gestão Jurídica da Empresa pela Unesp e Mestrando em Direitos Humanos pela Unesp.
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