Resumo: A cidadania deve ser exercida com plenitude, pois assim exige a dignidade da pessoa humana. A igualdade, por sua vez, afasta discriminações desarrazoadas e, por conseguinte, juridicamente inaceitáveis. Tais constatações se aplicam a gays e lésbicas, abrangem seus relacionamentos afetivo-sexuais estáveis, que visam a constituição de núcleos familiares, e geram implicações jurídicas. O objetivo geral do estudo que ora se inicia é identificar, no ordenamento jurídico pátrio, as possibilidades jurídicas de analogia das uniões homossexuais com as uniões estáveis, e os objetivos específicos são: A) analisar os princípios que, presentes na Constituição Cidadã de 1988, fundamentam a analogia das uniões homossexuais com as uniões estáveis reguladas legalmente; B) explicar a aplicabilidade da analogia das uniões homossexuais com as uniões estáveis heterossexuais, a partir da definição de analogia à luz doutrinária e da sua previsão legal; C) discorrer sobre as pioneiras decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em matéria de uniões homossexuais no âmbito do Direito de Família. Pelo fato de não se pautar em dados estatísticos, mas na interpretação do Direito Brasileiro, a presente pesquisa é qualitativa e nela são utilizados dois procedimentos técnicos: pesquisa bibliográfica e pesquisa documental. A conclusão é que existe analogia das uniões estáveis homossexuais com as uniões estáveis heterossexuais normatizadas pela Lei nº 9.278/1996 e pelo novo Código Civil. [1], [2]
Palavras-chave: União homossexual. União estável. Dignidade da pessoa humana. Igualdade. Analogia.
Abstract: The Citizenship should be exercised in fullness, this way it requires human dignity. Equality, in turn, removes unreasonable and, therefore, legally unacceptable discrimination. These findings apply to gays and lesbians, cover their affective and sexual unions, aimed at family formation, and generate legal implications. The overall objective of the study that is now beginning is to identify the country legal proceeding, the possibilities for analogy of same-sex unions with the consensual marriage, and specific objectives are: a) analyze the principles that are present in the Citizen of 1988, based on analogy of homosexual couples with consensual marriages legally regulated, B) explain the applicability of the analogy of homosexual unions with heterosexual consensual marriage, from the definition of analogy in the light of doctrine and its legal provision; C) discuss the pioneers decisions of the Supreme Court of Rio Grande do Sul on homosexual unions under the Family Law. Because it is not guided by statistics, but the interpretation of Brazilian law, the present research is qualitative and two technical procedures are used: literature search and information retrieval. The conclusion is that there is an analogy of homosexual consensual marriage with heterosexual consensual marriage legislated by Law No. 9278/1996 and the new Civil Code.
Key words: Homosexual union. Stable union. Dignity of human person. Equality. Analogy.
Sumário: Introdução. 1. Gênero, cultura e sociedade (seis faces do sexo, construção dos gêneros, heterossexismo, igualitaristas e diferencialistas); 2. Princípios no Direito; 3. Dignidade da pessoa humana (direitos fundamentais, titularidade dos direitos fundamentais para o estado, homossexualidade); 4. Igualdade (ação afirmativa, homossexual: bode expiatório, (a)normalidade: produto sócio-cultural, igualdade: imperativo jurídico brasileiro); 5. Analogia (as uniões estáveis homossexuais são juridicamente análogas às uniões estáveis heterossexuais, os julgados do Tribunal do Rio Grande do Sul). Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A homossexualidade está presente em cerca de 10% da população ocidental (MOTT, 2003, p. 33; MOTT, 2000, p. 37), porcentagem que apresenta relevância numérica. Mais que um simples número, entretanto, esse contingente[3] tem importância que independe de seu quantitativo, haja vista tratar-se de seres humanos com seus naturais direitos.
No Brasil, provavelmente após a publicação da Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, conhecida como Lei da União Estável, os relacionamentos afetivos homossexuais, ainda que timidamente, passam a constituir um dos mais novos temas que batem às portas do Poder Judiciário e requerem soluções para vários problemas atinentes ao Direito de Família.
Embora apresentando as características de convivência familiar duradoura, pública e contínua, as quais, segundo o Art. 1º da mencionada lei, são próprias da união estável, a maioria esmagadora dos magistrados nega direitos às uniões estáveis homossexuais, evidenciando a ideologia heterossexista imperante no Brasil, herdada da tradição judaico-cristã. A jurisprudência majoritária entende que as uniões estáveis homossexuais são sociedades de fato, aplicando-lhes os dispositivos legais a estas atinentes como se as uniões afetivas devessem ser reguladas pelo Direito das Obrigações, neste incluindo-se a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal.
Todavia, alguns julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconhecem a analogia das uniões estáveis homossexuais com as uniões estáveis expressamente reguladas pelo ordenamento jurídico (uniões estáveis heterossexuais), considerando-se os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, bem como os direitos fundamentais.
Quanto à doutrina nacional, despontam-se importantíssimas contribuições relacionadas diretamente às uniões comumente denominadas homoafetivas, designação cunhada por Maria Berenice Dias, que é a primeira autora brasileira a publicar livro sobre os aspectos jurídicos dessas uniões[4]. Após essa pioneira obra, outros autores nacionais passaram a estudar proficuamente esse tema, conquanto ainda seja escassa a produção doutrinária brasileira.
Romper o obscurantismo secular é empreendimento de fôlego. Corajosamente, alguns juristas brasileiros começam a pesquisar o tratamento real dado pelo ordenamento jurídico pátrio aos homossexuais e às correspondentes uniões familiares. Algumas mudanças importantes já se fazem sentir na jurisprudência gaúcha, destacando-se o pioneirismo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o que, sem dúvida, muito contribuirá para que a igualdade material seja vista e revista numa nova perspectiva, possibilitando que brasileiros não tenham a cidadania negada pelas instâncias judiciais e que os fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil sejam respeitados.
Assim, as uniões estáveis homossexuais e as possibilidades de sua analogia com as uniões estáveis heterossexuais no Direito Brasileiro são um tema atualíssimo, pouco estudado pelos doutrinadores nacionais, polêmico e com aplicabilidade inquestionável no âmbito judiciário. As demandas sociais junto ao Poder Judiciário já se fazem presentes e hão de obter respostas consentâneas com a Constituição da República de 1988 e constituem estímulo ao estudo desse relevante tema por discentes e profissionais da seara jurídica.
Esta monografia pretende colaborar com a discussão acadêmica, tendo em vista a tentativa que se deve fazer para que, urgentemente, seja concretizado o verdadeiro Estado Democrático de Direito num país repleto de preconceito, discriminação e homofobia.
1 GÊNERO, CULTURA E SOCIEDADE
1.1 SEIS FACES DO SEXO
Hodiernamente, a ciência esclarece que o sexo não se restringe ao aspecto biológico, haja vista mais elementos contribuírem para a formação da sexualidade considerada em sentido amplo.
O sexo é o gênero lato sensu, que apresenta seis níveis ou dimensões autônomas (SEGATO, 1993, p. 4-6; 1998, p. 16-17):
a. nível biológico (corpo), que não é determinante das outras dimensões – macho e fêmea;
b. nível cultural (gênero stricto sensu ou gênero propriamente dito) – homem e mulher;
c. nível psicológico – masculino e feminino;
d. nível erótico ou libidinal (orientação sexual) – homossexual, heterossexual e outros;
e. nível comportamental (sexualidade propriamente dita) – ativo e passivo;
f. nível dos papéis sexuais no âmbito social.
Conforme Segato (1993, p. 9):
“Só tendo muito claras as seis dimensões do gênero [lato sensu] […], só tomando consciência da sua autonomia, seremos capazes de impedir que a metafísica da natureza [biologia] tome conta de nós, ou seja, seremos capazes de controlar a infiltração dessa pseudonatureza no nosso pensamento. É justamente ao longo das alternativas abertas por essas seis camadas autônomas, em suas combinações, que se abre caminho a subjetividade individual, e só assim podem constituir-se e pensar-se as mulheres (e homens) radicalmente particulares, as vidas originais, que Julia Kristeva (1986), com extrema lucidez, propõe: vidas estas não demarcadas, não constrangidas, por territórios identidários.”
Com essa constatação, fica claro que o aspecto biológico não é o mais importante componente da sexualidade[5] . Assim, a discussão jurídica sobre a igualdade entre homens e mulheres deve ser precedida dos estudos cujo tema é o sexo social, que corresponde ao nível cultural do sexo e é comumente conhecido como gênero, conceito que nasce no movimento feminista e se emancipa.
1.2 CONSTRUÇÃO DOS GÊNEROS
Para Segato (1998, p. 3), “os gêneros constituem a emanação, por meio da sua encarnação em atores sociais ou personagens míticos, de posições numa estrutura abstrata de relações que implica uma ordenação hierárquica do mundo e contém a semente das relações de poder na sociedade. […]”.
Por sua vez, Flax (1991, p. 227-228) afirma:
“As ‘relações de gênero’ são uma categoria destinada a abranger um conjunto complexo de relações sociais, bem como a se referir a um conjunto mutante de processos sociais historicamente variáveis. O gênero, tanto como categoria analítica quanto como processo social, é relacional. Ou seja, as relações de gênero são processos complexos e instáveis (ou ‘totalidades’ temporárias na linguagem da dialética) constituídos por e através de partes inter-relacionadas. Essas partes são interdependentes, ou seja, cada parte não tem significado ou existência sem as outras.
As relações de gênero são divisões e atribuições diferenciadas e (por enquanto) assimétricas de traços e capacidades humanos. Por meio das relações de gênero, dois tipos de pessoas são criados: homem e mulher. Homem e mulher são apresentados como categorias excludentes. Só se pode pertencer a um gênero, nunca ao outro ou a ambos. O conteúdo real de ser homem ou mulher e a rigidez das próprias categorias são altamente variáveis de acordo com épocas e culturas. Entretanto, as relações de gênero, tanto quanto temos sido capazes de entendê-las, têm sido (mais ou menos) relações de dominação. Ou seja, as relações de gênero têm sido (mais) definidas e (precariamente) controladas por um de seus aspectos inter-relacionados – o homem.”
Os sexos comumente chamados biológicos (masculino e feminino) se revestem de certos papéis e status que lhes são atribuídos socialmente em dado tempo e em determinado espaço. Assim, a cultura vigente define o que se espera do homem e da mulher na vida em sociedade (normas sociais de comportamento masculino e feminino), podendo demarcar limites rígidos para o macho e a fêmea em seus intra e inter-relacionamentos, inclusive e principalmente normatizando a esfera das relações afetivas e sexuais, cuja repercussão é irrefreável, haja vista a moldagem social da sexualidade constituir, sem sombra de dúvida, um dos mais fortes ingredientes para a reprodução dos alicerces da socidade histórica e geograficamente determinada.
O relacionamento sexual, a divisão sexual do trabalho, as relações de trabalho[6], as profissões[7], a atuação política[8], a vivência religiosa[9], a (des)construção do conhecimento[10], [11], a legalidade[12], etc. – tudo[13] é marcado pelo paradigma dos gêneros masculino e feminino (sexos sociais) ou, pelo menos, tudo recebe a sua influência, seja direta, seja indiretamente, com mais ou menos intensidade, até porque as relações de gênero inapelavelmente estão reproduzidas em praticamente todos os relacionamentos humanos, pois é inerente à natureza humana a vida em sociedade e esta define quais comportamentos masculino e feminino são aceitáveis, ou seja, o que homem e mulher podem e não podem fazer.
Homem ativo, dominador, racional, provedor, forte; mulher passiva, submissa, emotiva, doméstica, sexo frágil – eis o paradigma do binarismo masculinidade/feminilidade na sociedade patriarcal.
Exemplos dessa ideologia de gênero binária são encontrados no Código Civil de 1916:
a) “o defloramento da mulher, ignorado pelo marido”, tornava anulável o casamento por constituir “erro essencial” quanto à sua pessoa (Arts. 218 e 219, inciso IV);
b) “O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher […]”, sendo competências do homem, dentre outras, representar legalmente a família e provê-la com vistas à sua manutenção (Art. 233).
As diferenças atinentes aos sexos biológicos são acomodadas de forma a permitir o perpetuar da sociedade. Nesse aspecto, o comportar-se conforme o padrão socialmente definido, normatizado, moralizado, normalizado e naturalizado[14] impede as rejeições sociais. Sob essa ótica, ser igual pode se resumir em questão de sobrevivência não apenas psicológica, vale dizer, vida livre de preconceitos, discriminações e outras violências. Por isso, o desigual quase sempre paga um alto preço por ser diferente.
Exatamente nesse contexto social mais amplo está a homossexualidade, que gera um indesejado incômodo para as sociedades que, com rigidez, destinam funções hierarquizadas e estanques ao homem e à mulher. Fala-se aqui da desarmonia ensejada pelo diferente no cerne da sociedade, pois, em última análise, esse desigual representa, naquelas sociedades, o indefinido, o anormal e o imoral em razão de contrapor-se às relações de gênero normatizadas. Eis o que socialmente é visto como desordem.
1.3 HETEROSSEXISMO
Numa sociedade heterossexista, não se aceita que a mulher homossexual, adotando o comportamento do gênero masculino, deixe de resignar-se com o status social de fêmea e “arvore-se no poder exclusivo do macho”. Confusa fica a mesma sociedade quando, contrariamente ao que ela espera dos homossexuais (por estereotipá-los), estes reproduzem as relações de gênero no sentido de que, por exemplo, a mulher homossexual não assume o sexo social masculino. Isso apenas em relação à vida social publicizada, como ocorre no trabalho, pois a mencionada sociedade mais confusa fica ao saber que nem todo homossexual é afeminado e que nem toda homossexual é masculinizada. Isso faz com que a sociedade heterossexista veja os homossexuais como um mal a ser extirpado, considerando que, a seus olhos, tamanha revolução nas relações de gênero redunda na desconstrução de seu milenar alicerce.
Assim, a diferença em matéria de orientação sexual incomoda a sociedade heterossexista, que procura anular os direitos dos homossexuais e excluir estes cidadãos do âmbito da juridicidade.
Enfim, a homossexualidade vai de encontro ao heterossexismo, que caminha pari passu com o patriarcalismo, sabendo-se que este, sendo
“[…] uma forma de expressão do absolutismo masculino, é uma das estruturas sobre as quais se assentam as sociedades contemporâneas e demonstra, na maioria delas, a capacidade de influenciar relacionamentos interpessoais (Castells, 2000). É um sistema que garante a supremacia social aos homens, concedendo-lhes o controle das instituições econômicas, legais e políticas, com poder estrutural como grupo dominante, delegando às mulheres uma educação voltada predominantemente para a problemática doméstica, responsabilizando-as pelo cuidado da casa, dos filhos e pela satisfação sexual do marido, em decorrência de serem consideradas como intelectualmente menos dotadas. Tal contexto ocasiona uma socialização na qual a representação da masculinidade é associada à responsabilidade pelo sustento da família, enquanto a feminilidade está associada à submissão e responsabilidade pelo lar e pela prole” (Ferreira, 2000). (BELO et al., 2005, p.)
O comportar-se diversamente do paradigma das relações de gênero significa, portanto, uma realidade social que pode abalar uma das estruturas sob as quais se mantém a sociedade heterossexista, discriminatória quanto aos indivíduos cuja orientação sexual se direciona para as pessoas do mesmo sexo biológico.
1.4 IGUALITARISTAS E DIFERENCIALISTAS
No final da década de 1960 (revolução sexual) e início da seguinte, o contexto político-sexual brasileiro possibilita o questionamento de muitos valores vigentes na sociedade, especialmente no que guarda referência com a sexualidade, sendo relevante, para a defesa dos homossexuais, o “gay power” norte-americano e europeu, conhecido “movimento gay internacional” surgido no começo dos anos 70. A codificação moral em matéria de sexo começa a ser reinterpretada por alguns setores sociais, que se organizam e fazem eclodir, no final da década de 1970, importantíssimos movimentos oxigenadores de uma sociedade anacrônica. Assim,
“O desafio das feministas ao patriarcado, à rigidez dos papéis de gênero e aos costumes sexuais tradicionais desencadeou uma discussão na sociedade brasileira que convergiu com as questões levantadas pelo movimento gay a partir de 1978. Ativistas gays e muitas feministas viram uns aos outros como aliados naturais contra o sexismo e uma cultura dominada pelo machismo. […]” (GREEN, 2000, p. 394)
Igualdade nos gêneros e nas orientações sexuais é uma luta das mais árduas, pois tem que vencer séculos de opressão que enraízam ideologias sexistas, ou seja, veementemente discriminatórias e psicologicamente torturantes.
Direito à igualdade ou direito à diferença? Essas opções políticas se fazem presentes não apenas nos movimentos feministas, mas também nos estudos de sexo social (MACHADO, 1994, p. 7-8). Fala-se em diferencialistas e igualitaristas.
Os diferencialistas defendem que deve ser buscado “o reconhecimento de uma identidade centrada na diferença quer biológica quer cultural” (MACHADO, 1994, p. 6). Segundo Machado (1994, p. 9):
“Para Young, é a repressão das diferenças pela razão imparcial e universal que faz problema. A idéia de universalidade que permite uma verdadeira democracia parece ser aquela que dá voz a um público heterogêneo formado pelos movimentos radicais contemporâneos que são os ‘black mouvements’, os ‘gay and lesbian mouvements’ e os ‘feminist mouvements’. O ‘direitos à diferença’ se inserem num discurso político de oposição a um governo e a uma sociedade discriminadora porque excluem minorias. […]
[…] Enquanto as elites reprimem as diferenças, a luta das minorias é a de sua inserção. […] A alteridade não é algo pensado como irredutível e fechado mas aberto e em interlocução com outras alteridades. A expansão da heterogeneidade é que produz a democracia e que constrói a universalidade não unificada.”
Por outro lado, os igualitaristas fazem a defesa de que “qualquer diferença é signo de inferioridade e desigualdade” (MACHADO, 1994, p. 6). Conforme consignado por Machado (1994, p. 9):
“Em contraste, para Gadant, é a afirmação da diferença que faz problema. A diferença é vista como irredutível e prisioneira de um relativismo absoluto que impede a interlocução. […] diferencialismos são a recusa à comunicação racional e ao diálogo entre sociedades e categorias que se distinguem. […] A ênfase na diferença se constitui em perigo para a realização do entendimento universal e para a possibilidade de atingir a objetividade. O universal e a objetividade estão assentados na racionalidade abstrata. É o que, por estar presente em todas as culturas, permite a compreensão entre elas e a percepção das afinidades estruturais. Neste caso, trata-se da percepção da afinidade estrutural da posição de classe de sexo entre as sociedades.”
Embora a razoabilidade do pensamento constante na citação anterior, pode-se fazer uma contraposição à ideologia igualitarista, qual seja:
“[…] todas as sociedades e culturas ‘constroem suas concepções e relações de gênero’. Ou seja, de que nada há de universal na configuração das relações de gênero, a não ser que são sempre construídas. Trata-se sempre de uma construção cultural histórica. São o resultado de um ‘arbitrário cultural’, isto é, nada há de determinante no sexo biológico que faça com que feminino e masculino se definam ou se relacionem desta forma. As idéias mesmas da diferença sexual são engendradas no campo simbólico (cultural e social)”. […] (MACHADO, 2000, p. 6)
À primeira vista, o direito à igualdade e o direito à diferença são excludentes. Contudo, deve ser procurada uma solução que harmonize igualdade e diferença. Tal solução parece estar nas ações afirmativas.
Devem ser consideradas, atualmente, as ideologias diversas que podem estar presentes num segmento social, que é o caso dos homossexuais. Seus grupos organizados, visando à defesa de direitos, apresentam entendimentos diferentes quanto às linhas mestras a perseguir: igualdade ou desigualdade de tratamento jurídico face às diferenças de orientação sexual e gênero.
Essa discussão torna-se mais complexa, quando não se perde de vista o número de identidades homossexuais antropologicamente estudadas: masculinizadas, travestidas, etc. Graças ao gênero assumido pelos indivíduos (masculino ou feminino), aumentam as possibilidades de variantes da identidade homossexual.
Assim é que, para alguns grupos de defesa dos homossexuais, a estes devem ser garantidos, em condições de igualdade, os mesmos direitos dos heterossexuais.
Por sua vez, outros grupos propugnam direitos um tanto diferentes dos que são destinados legalmente aos heterossexuais, tendo em vista a “singularidade” dos relacionamentos afetivo-sexuais entre pessoas do mesmo sexo biológico. Entretanto, há de se questionar tal posicionamento, que retrata a discriminação velada.
2 PRINCÍPIOS NO DIREITO
No sentido lógico, princípio é pressuposto, ou seja, “verdade que nos dá a razão de ser de todo um sistema particular de conhecimento, […] [sendo impossível] reduzir tal verdade a outras verdades mais simples e subordinantes, segundo certa perspectiva” (REALE, 1999, p. 6-7).
Princípios são “verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade” (REALE, 1999, p. 60).
Assim, princípios de uma ciência são as suas normas básicas, explícitas e implícitas, com as quais se constrói o conhecimento.
Quanto ao Direito, sabe-se os princípios devem nortear a sua elaboração, interpretação e aplicação, bem como devem ser estudados permanentemente, ainda mais quando se trata de tema atualíssimo, polêmico, pouco estudado e que se faz presente no Poder Judiciário face às demandas sociais, como as uniões estáveis homossexuais.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello apud Barroso (1999, p. 149):
‘Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico…’. ‘Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais…’. [grifo nosso]
Por sua vez, Silva (2008, p. 91-96) expressa o entendimento de que os princípios, quando positivados, denominam-se normas-princípio, normas-matriz, normas-síntese ou normas fundamentais, os quais podem ser assim classificados:
1) princípios político-constitucionais ou princípios constitucionais fundamentais, que são os grandes pilares de um determinado Direito por constituírem os seus principais valores político-jurídicos – no caso da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tais princípios estão consubstanciados no Título I – Dos Princípios Fundamentais, sendo exemplo o princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inciso III);
2) princípios jurídico-constitucionais ou princípios constitucionais gerais, que decorrem dos princípios político-constitucionais, como o princípio da isonomia, também chamado princípio da igualdade (caput do Art. 5º daquela Carta Magna).
Na discussão sobre as uniões duradouras, públicas e contínuas entre pessoas do mesmo sexo biológico, a referência aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade é necessidade imperiosa.
3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Substrato da ordem jurídico-constitucional brasileira, notadamente no que pertine aos direitos humanos fundamentais, a dignidade da pessoa humana ocupa a categoria dos princípios maiores da Carta Magna de 1988 (Art. 1º, inciso III), pois é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Dentre as filosofias ocidentais que se ocupam com a dignidade da pessoa humana, podem ser citadas, conforme Sarlet (2004): 1) a concepção cristã (dignidade é o valor intrínseco ao ser humano, porque este foi criado à imagem e à semelhança de Deus); 2) o pensamento estóico (dignidade é a qualidade inerente ao ser humano e que o distingue dos outros seres); 3) Tomás de Aquino (autor que dá continuidade à filosofia cristã, acrescentando que também é fundamento da dignidade a autodeterminação de que o ser humano é capaz devido à sua própria natureza); 4) Giovanni Pico della Mirandola (o ser humano é digno em razão da natureza indefinida que lhe é outorgada por Deus, significando que o homem é capaz de ser o que a sua vontade determinar, sendo assim definida a sua natureza); 5) Samuel Pufendorf (dignidade é a liberdade que o homem tem de optar conforme a sua razão); 6) Immanuel Kant (o fundamento da dignidade do ser humano é a autonomia ética deste, pois o homem é potencialmente capaz de criar suas leis, autodeterminando sua conduta; o homem é um fim em si mesmo e, por isso, jamais pode ser tratado como objeto); 7) Hegel (dignidade é a qualidade que o ser humano conquista a partir de sua cidadania e a ele é reconhecida); 8) Niklas Luhmann e Peter Häberle (autores que destacam o aspecto histórico-cultural da dignidade). A doutrina jurídica majoritária adota o pensamento kantiano no que se refere ao núcleo da noção de dignidade.
A dignidade da pessoa humana, enquanto categoria axiológica, é construída permanentemente, apesar de saber-se que, enquanto qualidade inerente ao homem (dignidade como limite do Estado), ostenta as características da intangibilidade, irrenunciabilidade e inalienabilidade, bem como independe de seu reconhecimento pelo Direito e dos comportamentos humanos, ainda que estes sejam considerados indignos. Também é vista a dignidade como tarefa que incumbe à entidade estatal (preservação e promoção da dignidade, bem como criação das condições necessárias a seu pleno exercício).
A dignidade da pessoa humana é:
“a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos [grifo nosso].” (SARLET, 2004, p. 59-60)
Observa-se que, de conformidade à exposição de Sarlet (2004), somente a partir da 2ª Guerra Mundial, com algumas exceções, a exemplo da Alemanha, de Portugal e da Irlanda, cujas Constituições antecedem esse episódio, a dignidade da pessoa humana é reconhecida de forma expressa nas Cartas Magnas de muitos Estados. Atualmente, nem todos os países a reconhecem expressamente, porém a tendência é no sentido desse reconhecimento.
Segundo Barroso (2001, p. 26-27):
“O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a este princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação um símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar. [grifo nosso]
Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de prestações que compõem o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece haver razoável consenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há, ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação dos direitos.”
Consagra-se a dignidade da pessoa humana como princípio/valor fundamentador do ordenamento jurídico brasileiro (Constituição da República de 1988, Art. 1º, inciso III), o que significa que: 1) “o nosso Constituinte de 1988 […] reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana” (SARLET, 2004, p. 65), reforçando o entendimento sobre a dignidade como limite e tarefa dos poderes estatais, evidenciando assim que se adota a matriz kantiana de que o ser humano é um fim em si mesmo; 2) nela fundamentam-se, direta ou indiretamente, os direitos humanos[15] e, em especial, os direitos fundamentais[16], quer estejam positivados, quer não[17], ou seja, a dignidade da pessoa humana sintetiza todos os direitos fundamentais e, alçada pelo legislador constituinte de 1988 a fundamento da República Federativa do Brasil, implica ser uma das finalidades morais do Estado Democrático de Direito “garantir que as pessoas tenham uma vida digna” (FERNANDES, 2004, p. 150).
Inúmeros desdobramentos derivam desse princípio/valor (norma fundamental), que: a) enquanto princípio, deve ser observado em tudo e por todos (necessariamente inclui o processo legislativo, com destaque na elaboração de leis substantivas, e a interpretação e aplicação do Direito); b) na condição de valor, é o “ ‘valor fonte que anima e justifica a própria existência de um ordenamento jurídico’ ” (SARLET, 2004, p. 70). Resta evidenciado o caráter normativo-vinculante do princípio/valor da dignidade da pessoa humana.
A magnitude do princípio/valor da dignidade da pessoa humana é de tal ordem, que ele é a razão de ser e a medida dos direitos fundamentais constitucionalmente elencados, sendo a Constituição da República de 1988 uma “Constituição da pessoa humana” (SARLET, 2004, p. 78). Tal dignidade é o fundamento dos direitos fundamentais e enseja, no âmbito hermenêutico, “ ‘o imperativo segundo o qual em favor da dignidade não deve haver dúvida’ ” (SARLET, 2004, p. 83). Os direitos fundamentais são a concretização, a realização concreta, a efetivação da dignidade da pessoa humana: “[essa] íntima e […] indissociável […] vinculação […] já constitui, por certo, um dos postulados nos quais se assenta o direito constitucional contemporâneo” (SARLET, 2004, p. 25-26).
Há que ser destacada a abertura material dos direitos fundamentais amparados na Carta Magna de 1988, isto é, a existência de outros direitos fundamentais pautados na dignidade da pessoa humana, ainda que implícitos nos direitos expressamente positivados, acrescentando-se o que reza a Constituição da República de 1988 no § 2º do Art. 5º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
A dignidade da pessoa humana, nos aspectos limite e tarefa, vincula o Estado, os indivíduos e a sociedade em geral. Não há como negar que “ ‘a dignidade da pessoa humana constitui não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou humilhações, mas implica também, num sentido positivo, o pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo’ ” (PÉREZ LUÑO apud SARLET, 2004, p. 110).
Por sua vez, Matos (2004, p. 152) consigna que “A dignidade da pessoa humana deve encerrar um conteúdo normativo, e não tão-somente se resumir a um apelo ético. Logo, esse princípio está a informar a necessidade de providências que o implementem. […]”. Na esteira desse pensamento, fica reconhecido que uma das implicações da dignidade como limite e tarefa é o inegável dever de respeito à liberdade de exercício da orientação sexual e, mais que isso, o dever de promoção dessa liberdade, pois a dignidade da pessoa humana:
“[…] é elemento central na sociabilidade que caracteriza o conceito de Estado democrático de Direito, que promete aos indivíduos muito mais que abstenção de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais, a promoção positiva de suas liberdades.
Qualificar, em termos de ciência jurídica, alguma noção como fundamento do ordenamento jurídico, significa nela vislumbrar um caráter de centralidade em relação a quaisquer outros conceitos, formulações ou idéias; trata-se de valorizar sobremaneira um dado normativo, elegendo-o como fator fundante e motivador, em larga escala, de toda a normatização atinente à esfera da vida juridicizada.
[…] a afirmação da centralidade da dignidade da pessoa humana no Direito brasileiro tem o condão de repelir quaisquer providências, diretas ou indiretas, que esvaziem a força normativa dessa noção fundamental, tanto pelo seu enfraquecimento na motivação das atividades estatais (executivas, legislativas ou judiciárias), quanto pela sua pura e simples desconsideração.” (RIOS, 1998)
Rodrigues (2002, p. 2), ao tratar da necessidade de ser afirmado o ser humano como o “centro referencial do ordenamento [jurídico]”, à vista do que reza a Constituição da República de 1988, fala sobre o “reconhecimento da personalidade como valor ético emanado do princípio da dignidade da pessoa humana”, concluindo o autor que “[…] O desenvolvimento da personalidade humana e de todas as suas potencialidades é a função promocional que deve ser abraçada pelo civilista do século XXI” (RODRIGUES, 2002, p. 30) e que:
“[…] O direito assim encontra seu fundamento e sua razão de existir como meio de proteção e promoção do desenvolvimento da pessoa, que agora não mais pode ser concebido como um dado formulado e construído pela ordem jurídica, mas preexistente. Por conseguinte, um dado pré-normativo, que é composto de valor em si mesmo.” (RODRIGUES, 2002, p. 32)
Cabe aludir-se aos direitos personalíssimos[18], acerca dos quais Cortiano Júnior (1996, p. 21) se expressa no sentido de que “Do fato jurídico da personalidade irradiam-se direitos que servem justamente para a realização desta própria personalidade e proteção da dignidade de seu titular”. Tais direitos são “faculdades atribuídas ao homem, imbricadas na sua condição de indivíduo e pessoa” (PEREIRA, 1999, p. 153). Assim:
“[…] Os bens de personalidade são os mais importantes de todos: em sua ausência perderia sentido a própria existência do indivíduo. Em verdade, o objeto dos direitos da personalidade são alguns dos atributos da personalidade: atributos que, indissociavelmente ligados à pessoa em concreto, permitem-na ter uma existência digna. […]” (CORTIANO JÚNIOR, 1996, p. 24).
Consoante Doneda (2002, p. 45-46):
“A posição da cidadania e da dignidade da pessoa humana como fundamentos da República […], juntamente com as garantias de igualdade material […] e formal […], ‘condicionam o intérprete e o legislador ordinário, modelando todo o tecido normativo infraconstitucional com a tábua axiológica eleita pelo constituinte’ e marcam a presença, em nosso ordenamento, de uma cláusula geral da personalidade. Tal cláusula geral representa o ponto de referência para todas as situações nas quais algum aspecto ou desdobramento da personalidade esteja em jogo, estabelecendo com decisão a prioridade a ser dada à pessoa humana, que é ‘o valor fundamental do ordenamento, e está na base de uma série (aberta) de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela’.”
Em sendo vista a dignidade como limite, ocorrendo antinomia entre princípios ou destes com direitos fundamentais, ainda que no âmbito constitucional, prevalece o princípio da dignidade da pessoa humana, que também é limite quando ocorre a necessidade de restrição de algum direito, vale dizer, o núcleo essencial da dignidade jamais deve ser violado. Sempre deve ser observado, sem exceções, o postulado in dubio pro dignitate.
Nessa linha de raciocínio, Sarlet (2004) discorre sobre o princípio da proibição de retrocesso, segundo o qual quaisquer supressões e restrições de direitos hão de ser tidas como inconstitucionais, caso firam o aludido núcleo essencial da dignidade (ou até mesmo do direito fundamental), uma vez que deve ser assegurado permanentemente o que se denomina mínimo existencial, ou seja, as condições existenciais básicas sem as quais é impossível viver com o mínimo de dignidade.
Quanto à absolutização/relativização da dignidade da pessoa humana, considerando-se a reconhecida dificuldade dos doutrinadores em conceituá-la, tendo-se em vista, ainda, as diversas nuances e interfaces próprias desse princípio/valor, bem como a perspectiva cultural na qual a dignidade da pessoa humana inapelavelmente se insere, não deve deixar de ser observado o seu núcleo essencial, até mesmo porque “a dignidade […] inevitavelmente já está sujeita a uma relativização […] no sentido de que alguém […] sempre irá decidir qual o conteúdo da dignidade e se houve, ou não, uma violação no caso concreto” (SARLET, 2004, p. 128-129). Pode-se acrescentar que as conquistas sociais em termos de direitos humanos internacionalmente reconhecidos[19] constituem o parâmetro para essa decisão, ao lado da igualdade e liberdade[20].
Resta consignar que:
“o princípio da dignidade da pessoa, apesar de não ter sido […] expressamente agasalhado no elenco das assim denominadas ‘cláusulas pétreas’ da nossa Constituição (art. 60, § 4º), seguramente ostenta […] a condição de limite implícito ao poder de reforma constitucional, já que se constitui […] juntamente com a vida […] no valor e na norma jurídica de maior relevo na arquitetura constitucional pátria, integrante, pois, da essência (identidade) da Constituição formal e material […]” (SARLET, 2004, p. 136-137).
3.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS
A Revolução Francesa, com o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, e a conhecida e sempre inspiradora Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, podem servir como ponto de partida para se falar acerca das gerações de direitos fundamentais, os quais decorrem da dignidade da pessoa humana.
De início, registra-se que a expressão “gerações” não é a mais adequada para se referir aos direitos fundamentais, porque traz a idéia de extinção e sucessividade. Eis a razão pela qual há que se preferir o vocábulo “dimensões”.
A 1ª dimensão de direitos fundamentais é formada por direitos voltados para a concretização da liberdade, bem jurídico de importância capital e que, naquele momento histórico, resume parte dos anseios populares. Surgem os direitos individuais cíveis e políticos, pois a preocupação única de então é o indivíduo em si, garantido com a não intervenção do Estado em sua esfera de liberdade. Fazem-se presentes o Estado Liberal e a prevalência do princípio da autonomia da vontade.
Pouco a pouco, constata-se que a liberdade não é suficiente para garantir uma vida digna a todos os indivíduos. Faz-se premente, pois, a igualdade material; daí surgirem os direitos sociais, econômicos e culturais, caracterizadores da 2ª dimensão de direitos fundamentais e tendentes a contribuir para a fruição efetiva dos direitos individuais supramencionados, garantidos agora com a intervenção do Estado na economia.
Os fatos gerados na sociedade, porém, evoluem cada vez mais. Busca-se a fraternidade sob a denominação de solidariedade, devido aos imperativos que extrapolam o interesse jurídico de indivíduos e grupos sociais de pequena delimitação geográfica. Assim, a 3ª dimensão de direitos fundamentais compõe-se de direitos que transcendem tanto os indivíduos isoladamente considerados quanto os seus reclamos de caráter socioeconômico e cultural e os interesses jurídicos de categorias de indivíduos: direitos difusos.
Em resumo:
A) na 1ª dimensão de direitos fundamentais, busca-se a proteção do indivíduo considerado em sua privacidade (a liberdade e a igualdade são apenas formais, pois são pretensamente garantidas pelo Direito positivado);
B) na 2ª dimensão de direitos fundamentais, busca-se a proteção socioeconômica e cultural do indivíduo (através de políticas de intervenção na ordem socioeconômica, o Estado começa a se voltar para a correção de desigualdades materiais);
C) na 3ª dimensão de direitos fundamentais, busca-se a proteção do indivíduo enquanto sujeito necessariamente inserido em coletividades (a fruição de determinados bens jurídicos não se dá apenas por indivíduos ou categorias de indivíduos, mas por coletividades).
Embora a presença das dimensões de direitos fundamentais, estes convivem entre si, não se excluem mutuamente e são constantemente reinterpretados. Exemplo disso é o direito à propriedade (CR/88, Art. 5º, XXII), clássico direito da 1ª dimensão e que, hoje, deve ser exercido conforme o princípio da função social da propriedade (CR/88, Art. 5º, XXIII).
Avanços e atrasos jurídicos estão presentes em diversos países no que pertine aos direitos fundamentais, tal como ocorre no Brasil, esse Estado Democrático de Direito que muito deve fazer para a liberdade, a igualdade e a solidariedade desenvolverem raízes mais robustas em seu povo.
A esse respeito, um exemplo deveras ilustrativo no cenário pátrio é a falta da igualdade material de tratamento jurídico para gays e lésbicas em relação aos heterossexuais, o que apenas perpetua a irracionalidade consubstanciada no preconceito e confirma a negação da liberdade. Isso pode ser constatado, verbi gratia, pela falta de reconhecimento legal expresso dos relacionamentos afetivo-sexuais duradouros, públicos e contínuos entre pessoas do mesmo sexo biológico.
A realidade chama a atenção dos diversos profissionais, especialmente a dos que atuam na área jurídica, para a necessidade da reflexão em torno dos direitos fundamentais. O objetivo dessa análise há de ser o estabelecimento de prioridades no que tange à legislação e às políticas públicas voltadas para a efetiva concretização dos direitos. Somente assim, o homem do século XXI começará a viver com um grau verdadeiramente satisfatório de liberdade, igualdade e solidariedade.
Por fim, aceitável é a assertiva segundo a qual a igualdade é o cerne da defesa, proteção e promoção dos direitos fundamentais, pois, ao decorrer diretamente da dignidade da pessoa humana, a igualdade impõe que se reconheça que os seres humanos, em essência, são plenamente iguais uns aos outros, o que justifica o imperativo ético da solidariedade e o exercício responsável da liberdade.
Conforme tão bem expresso por Cármen Lúcia Antunes Rocha apud Silva (2008, p. 213):
“‘não se aspira […] uma igualdade que frustre e desbaste as desigualdades que semeiam a riqueza humana da sociedade plural, nem se deseja uma desigualdade tão grande e injusta que impeça o homem de ser digno em sua existência e feliz em seu destino. O que se quer é a igualdade jurídica que embase a realização de todas as desigualdades humanas e as faça suprimento ético de valores poéticos que o homem possa desenvolver. As desigualdades naturais são saudáveis, como são doentes aquelas sociais e econômicas, que não deixam alternativas de caminhos singulares a cada ser humano único’.”
3.1.1 Titularidade dos Direitos Fundamentais para o Estado
Desde a sua origem, os direitos fundamentais funcionam como freios às possíveis arbitrariedades do Estado e à violência social.
Na contemporaneidade, entretanto, sejam os direitos com base jusnaturalista (denominados direitos humanos e consubstanciados em tratados e convenções internacionais), sejam os direitos expressos em Carta Política (conhecidos como direitos fundamentais), eles são não apenas um conjunto de limites ao Estado, às demais pessoas jurídicas e aos indivíduos, mas também um rol de imposições ético-morais e político-jurídicas que devem ser observadas pelo ente estatal e pelos demais integrantes da coletividade, sempre com vistas à concretização da dignidade da pessoa humana.
Conquanto tenha sido essa a história dos referidos direitos, e embora eles decorram da dignidade da pessoa humana, doutrinária e jurisprudencialmente nada impede o seu reconhecimento para pessoas jurídicas, quer se trate de pessoas de Direito Privado, quer se trate de pessoas de Direito Público. O Direito evolui de forma que, à luz do ideal de justiça e com o objetivo de ser mantida a segurança jurídica, a entidade estatal passa a ser titular de alguns direitos fundamentais (não se aplica a referência aos direitos humanos, cuja terminologia esclarece que tão-somente a pessoa natural pode titularizá-los).
Há de ser salientado que nem todos os direitos fundamentais podem ter o Estado como um de seus titulares, haja vista serem direitos cuja natureza destina-se exclusivamente aos seres humanos.
Para a aceitação das pessoas jurídicas de Direito Privado como titulares de alguns direitos fundamentais, não se encontram obstáculos filosófico-jurídicos intransponíveis. A mesma constatação se faz quando a titularidade é do Estado.
Os direitos fundamentais de natureza procedimental são o destaque da titularização estatal. Deles são exemplos o direito ao devido processo legal, o direito ao contraditório e o direito à ampla defesa. Sem esses direitos vinculados ao processo, disparates diversos podem ocorrer nos âmbitos administrativo e jurisdicional, o que implica o inaceitável desrespeito à igualdade formal e a corrosão das possibilidades estatais de atuação em prol da coletividade (também pode ser citada a norma de que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, conforme a Lei Maior de 1988, Art. 5º, inciso LVI) .
Enfim, apesar de o ser humano ser o principal titular dos direitos fundamentais, ao Estado também se destina parte desses direitos. Porém, nunca é demais lembrar que o Estado deve continuar sendo o meio mediante o qual a defesa, a proteção e a promoção das pessoas naturais hão de ser efetivadas, pois, consoante a matriz kantiana, o homem é um fim em si mesmo.
Inafastável é a dignidade da pessoa humana, que é a dignidade inerente a todo ser humano, sem exceções. Necessariamente, a orientação sexual é protegida pela dignidade, pois inseparável do ser humano é a sexualidade[21], [22], [23]. Tal argumento é irrefutável e deve ser levado em consideração, quando o assunto discutido são as uniões estáveis homossexuais, empreendimento pioneiro levado a efeito por alguns doutrinadores nacionais e poucos magistrados e que começa a romper, ainda com inauditos e corajosos esforços, o ciclo da interdição e a lógica da censura, os quais são recorrentes quando o assunto é homossexualidade:
“- O ciclo da interdição: não te aproximes, não toques, não consumas, não tenhas prazer, não fales, não apareças; em última instância não existirás, a não ser na sombra e no segredo. Sobre o sexo, o poder só faria funcionar uma lei de proibição. Seu objetivo: que o sexo renunciasse a si mesmo. Seu instrumento: a ameaça de um castigo que nada mais é do que sua supressão. Renuncia a ti mesmo sob pena de seres suprimido; não apareças se não quiseres desaparecer. Tua existência só será mantida à custa de tua anulação. O poder oprime o sexo exclusivamente através de uma interdição que joga com a alternativa entre duas inexistências. (FOUCAULT, 2003, p. 81)
– A lógica da censura. Supõe-se que essa interdição tome três formas; afirmar que não é permitido, impedir que se diga, negar que exista. Formas aparentemente difíceis de conciliar. Mas é aí que é imaginada uma espécie de lógica em cadeia, que seria característica dos mecanismos de censura: liga o inexistente, o ilícito e o informulável de tal maneira que cada um seja, ao mesmo tempo, princípio e efeito do outro: do que é interdito não se deve falar até ser anulado no real; o que é inexistente não tem direito a manifestação nenhuma, mesmo na ordem da palavra que enuncia sua inexistência; e o que deve ser calado encontra-se banido do real como o interdito por excelência. A lógica do poder sobre o sexo seria a lógica paradoxal de uma lei que poderia ser enunciada como injunção de inexistência, de não-manifestação, e de mutismo.” (FOUCAULT, 2003, p. 82)
Ainda sobre a interdição e a censura, acrescenta-se que as “formas de opressão social [que incluem o preconceito e a discriminação contra os homossexuais] anulam o ser, como realidade ontológica” (HERKENHOFF,1997, p. 30-31), sabendo-se que se vive numa sociedade caracterizada eminentemente pelo panoptismo, que:
“[…] É uma forma de poder que se exerce sobre os indivíduos em forma de vigilância individual e contínua, em forma de controle de punição e recompensa e em forma de correção, isto é, de formação e transformação dos indivíduos em função de certas normas. Este tríplice aspecto do panoptismo – vigilância, controle e correção – parece ser uma dimensão fundamental e característica das relações de poder que existem em nossa sociedade.” (FOUCAULT, 1999, p. 103).
O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos princípios maiores a direcionar a sociedade e o Estado em todas as ações individuais, coletivas e institucionais, visando à concretização do real Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, que são de todos, independentemente de orientação sexual, sob pena de resvalar no descrédito a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Para se concretizar o real Estado Democrático de Direito, respeitando-se verdadeiramente o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, urge afastar as ideologias que perpetuam o preconceito milenar e irracional contra gays e lésbicas[24], [25], sabendo-se que a democracia não é “um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem” (SILVA, 2008, p. 125-126).
Sobreleva-se a importância da socialidade e do pluralismo para o Estado Democrático de Direito que tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Nas palavras de Rios (2001, p. 113):
“[…] pode-se perceber no pluralismo a condição necessária para a preservação da dignidade humana e para o desenvolvimento pessoal, na medida em que sem o respeito às diferenças individuais desaparece a possibilidade da construção de um mundo onde haja espaço para a subjetividade e a constituição das identidades pessoais. Relacionando socialidade e pluralismo, verifica-se que a intimidade requer não só o direito negativo de estar só, mas também a possibilidade de estabelecer espaço de intimidade e condições sociais para o exercício das escolhas pessoais que estabelecem e mantêm relações afetivas e constituem identidades.” [grifo nosso]
Verifica-se que “‘[…] a família antecede ao Estado, preexiste à Igreja e é contemporânea do direito. Pela ordem natural das coisas, não está no poder de disposição do Estado ou da Igreja desenhar, ao seu arbítrio, o perfil da família’ ” (JOÃO BAPTISTA VILLELA apud FERNANDES, 2004, p. 42). No mesmo sentido é a constatação de Fernandes (2004, p. 94): “as famílias criadas pela convivência representam um fato natural, uma realidade social. Preexistem ao legislador que, somente, regula ou ordena o que já é efetivo e concreto no seio do povo. Com certeza, não foi o constituinte que ‘criou’ a união estável”. O atual século não prima pela família paradigmática heterossexual (pai, mãe e filhos), mas por uma pluralidade de formações familiares, incluindo-se os casais homossexuais.
Exemplo de novas entidades familiares são as famílias formadas por casais homossexuais, as quais, como quaisquer outras, merecem atenção e respeito do Estado e da sociedade, bem como normatização jurídica em condições de igualdade com as famílias constituídas por casais heterossexuais, a fim de que sejam respeitados os direitos humanos e fundamentais arduamente conquistados e os princípios maiores da Carta Política de 1988, entres estes os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
Sobre a diversificação dos núcleos familiares hodiernos, observa-se que já se fala em “princípio da pluralidade familiar” (MATOS, 2004, p. 19). Baseando-se no pensamento de Pietro Perlingieri, conclui Matos (2004, p. 156) que deve “o princípio da pluralidade no âmbito familiar receber uma interpretação ampla, respeitadora das diversas formas de união, a encontrar limite apenas na dignidade das pessoas”.
Enfim, pode-se concluir com Andrioli (2002) que:
“Se os direitos das minorias e a convivência com as diferenças são pressupostos para a democracia, os preconceitos e a discriminação contra homossexuais significam uma forma de violência e um retrocesso em nossa cultura, que precisam ser combatidos por todos os que se engajam na construção de uma sociedade justa e humana.”
4 IGUALDADE[26]
O caput do Art. 5º da Constituição da República de 1988 reza que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se […] a inviolabilidade do direito […] à igualdade […]”. Eis o princípio da igualdade, cuja versão original significa que, em face da lei, o aplicador do Direito deve tratar sem discriminações todos os sujeitos abrangidos abstratamente pela lei.
Isso corresponde à igualdade formal, que, nas palavras de Konrad Hesse apud Rios (2001, p. 68):
‘[…] pede a realização, sem exceção, do direito existente, sem consideração da pessoa: cada um é, em forma igual, obrigado e autorizado pelas normalizações do direito, e, ao contrário, é proibido a todas as autoridades estatais, não aplicar direito existente em favor ou à custa de algumas pessoas. […]’
Rios (2001, p. 68) prossegue:
“Concebido nestes termos, o direito de igualdade decorre imediatamente do princípio da primazia da lei no Estado de Direito, sem a consideração de quaisquer outros dados que não a abstrata e genérica formulação do mandamento legal, independentemente das peculiares circunstâncias de cada situação concreta e da situação pessoal dos destinatários da norma jurídica.”
Ao surgir o Estado de Direito, a lei e o Direito são compreendidos como sinônimos. E, devido à pressuposição da auto-suficiência da legalidade, o Poder Judiciário se torna o mero aplicador da lei.
No entanto, o princípio da igualdade, tal como herdado das Revoluções Americana[27] e Francesa[28], mostra-se, por si, incapaz de garantir a verdadeira igualdade entre as pessoas no mundo hodierno, dada a materialidade desigual de oportunidades[29] e condições de vida para os indivíduos. Por isso, a sociedade clama pela igualdade na lei[30], isto é, clama para que o legislador, na elaboração da lei, opte por normas que, sem discriminações desarrazoadas[31], regulem de forma igualitária situações fáticas idênticas, ou seja, fatos elevados à categoria jurídica por apresentarem o mesmo fulcro ensejador das reivindicações sociais[32].
Fala-se, portanto, em igualdade formal[33] (igualdade perante a lei) e igualdade material (igualdade na lei)[34], ambas proclamadas pela Carta Política de 1988, correspondendo, respectivamente, ao que Gomes e Silva (2003) expressam como igualdade estática (também denominada procedimental ou processual) e igualdade dinâmica (que ainda é identificada como militante, substancial ou de resultados).
Sobre isso, o Supremo Tribunal Federal in “A Constituição e o Supremo”, através de sua jurisprudência, ao interpretar a Magna Carta de 1988, assinala:
“O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade.” (MI 58, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19/04/91)
Acrescenta-se que a igualdade material deve considerar “também certos comportamentos inevitáveis da convivência humana, como é o caso da discriminação […] evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas pela própria sociedade” (GOMES e SILVA, 2003, p. 88). A propósito, essa questão é recorrente quanto ao tratamento legal e social dispensado aos homossexuais[35].
4.1 AÇÃO AFIRMATIVA
A falência da igualdade meramente formal (princípio da não discriminação, necessário, mas insuficiente) dá lugar ao que atualmente se designa ação afirmativa (políticas públicas e privadas voltadas para a igualdade material), pois “a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade” (GOMES e SILVA, 2003, p. 90) e esse alcance há de ser efetivo.
Enfim, “da concepção liberal de igualdade que capta o ser humano em sua conformação abstrata, genérica, o Direito passa a percebê-lo e a tratá-lo em sua especificidade, como ser dotado de características singularizantes” (GOMES e SILVA, 2003, p. 89).
No que guarda referência à homossexualidade, faz-se necessária a ação afirmativa, de forma a possibilitar, aos historicamente marginalizados, o mínimo de existência digna em igualdade de condições com os heterossexuais.
Tema manifesto no Direito Constitucional contemporâneo, inclusive brasileiro, sendo exemplo o Art. 3º, incisos I e III[36], da Lei Fundamental de 1988, as ações afirmativas, expressas no Título I da Carta Política de 1988:
“Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, […] visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fato, de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, aptas a inculcar nos atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. Por outro lado, constituem, por assim dizer, a mais eloqüente manifestação da moderna idéia de Estado promovente, atuante, eis que de sua concepção, implantação e delimitação jurídica participam todos os órgãos estatais essenciais, aí se incluindo o Poder Judiciário, que ora se apresenta no seu tradicional papel de guardião da integridade do sistema jurídico como um todo e especialmente dos direitos fundamentais, ora como instituição formuladora de políticas tendentes a corrigir as distorções provocadas pela discriminação[37]. […]” (GOMES e SILVA, 2003, p. 90-91, grifo nosso)
Sobre as ações afirmativas, preciosa é a lição de Carmen Lúcia Antunes Rocha apud Gomes e Silva (2003, p. 103-104):
‘Verifica-se que todos os verbos utilizados na expressão normativa – construir, erradicar, reduzir, promover – são de ação, vale dizer, designam um comportamento ativo. O que se tem, pois, é que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são definidos em termos de obrigações transformadoras do quadro social e político retratado pelo constituinte quando da elaboração do texto constitucional. E todos os objetivos […] traduzem exatamente mudança para se chegar à igualdade. […] Somente a ação afirmativa, vale dizer, a atuação transformadora, igualadora pelo e segundo o Direito possibilita a verdade do princípio da igualdade, para se chegar à igualdade que a Constituição Brasileira garante como direito fundamental de todos. Declara-se, ali [no Art. 3º], implícita, mas claramente, que a República Federativa do Brasil não é livre, porque não se organiza segundo a universalidade desse pressuposto fundamental para o exercício dos direitos, pelo que, não dispondo todos de condições para o exercício de sua liberdade, não pode ser justa. Não é justa porque plena de desigualdades antijurídicas e deploráveis para abrigar o mínimo de condições dignas para todos. E não é solidária porque fundada em preconceitos de toda sorte. (…) O inciso IV do mesmo art. 3º é mais claro e afinado, até mesmo no verbo utilizado, com a ação afirmativa. Por ele se tem ser um dos objetivos fundamentais promover o bem de todos, sem preconceitos de […] sexo […] e quaisquer outras formas de discriminação. […]’
Conquanto a afirmação de Dias (2000, p. 47) no sentido de que “O Brasil está entre os países cujo ordenamento jurídico simplesmente impede a criminalização, não articulando, no entanto, qualquer medida protetiva eficaz aos direitos fundamentais dos homossexuais”, despontam no cenário nacional as políticas públicas em prol dos homossexuais, como o “Brasil Sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação Contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual”[38].
4.2 HOMOSSEXUAL: BODE EXPIATÓRIO
Igualdade material e democracia[39] imbricam-se de forma tal que uma não sobrevive sem a outra. Afinal, a República Federativa do Brasil, consoante a Carta Política de 1988:
a) constitui-se em Estado Democrático[40] de Direito;
b) tem como fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana, a cidadania[41] e o pluralismo político;
c) tem como objetivos fundamentais, dentre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da marginalização, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos[42];
d) proclama que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-lhes a inviolabilidade do direito à liberdade, à igualdade e à segurança, além de outros direitos fundamentais[43].
Constata-se:
“[…] que se deve atentar para a igualdade jurídica a partir da consideração de toda a dinâmica histórica da sociedade, para que se focalize e se retrate não apenas um instante da vida social, aprisionada estaticamente e desvinculada da realidade histórica de determinado grupo social. Há que se ampliar o foco da vida política em sua dinâmica, cobrindo espaço histórico que se reflita ainda no presente, provocando agora desigualdades nascentes de preconceitos passados, e não de todo extintos. […]” (GOMES & SILVA, 2003, p. 139)
A observação anterior é marcante no que guarda referência ao tratamento social dispensado à homossexualidade, tema para o qual são imprescindíveis as contribuições da Antropologia.
Lapidar é o esclarecimento de Mott (2003, p. 36-41):
“É perfeitamente possível datar a origem e explicar o background do preconceito anti-homossexual, cristalizado com um dos mitos mais significativos da cultura ocidental, e que permanece ainda hoje como o maior tabu do mundo moderno. Sua gênese teve lugar por volta de quatro mil anos passados, na Caldéia, quando um velho pastor, Abraão, divulga junto a sua parentela e vizinhança certas revelações que assegurava ter recebido do próprio Deus, escolhendo-o como fundador de um povo predestinado. Elabora-se então, nesse momento, um projeto civilizatório que vai se tornar o mito fundador não só do povo judeu, como da própria história genealógica das três principais religiões do mundo moderno: judaísmo, cristianismo e islamismo. […] Cercados por nações antigas, superpopulosas e poderosas – assírios, babilônios, caldeus, hititas, egípcios – os hebreus, este pequenino bando de pastores nômades, não tinham outro caminho para atingir seu ambicioso projeto civilizatório: gerar filhos, fazer muitos filhos, engravidando ao máximo suas mulheres e escravas […] Destarte, o exercício da sexualidade passou a ter apenas um objetivo: povoar de estrelas-humanas as areias do deserto, procriar novos guerreiros capazes de enfrentar os violentos inimigos, esses, sempre desejosos de curvar o orgulho daquela pequenina tribo de pastores endogâmicos […] Assim sendo, cada gota de esperma desperdiçado passou a constituir verdadeiro crime de lesa-nacionalidade, pois todo sêmen deveria ser depositado no único receptáculo capaz de reproduzir um novo ser humano: o “vaso natural” da mulher. Daí o Levítico condenar à pena de morte os que praticassem a masturbação, o coito interrompido […] a homossexualidade. […] Para nossos ancestrais judeus e, posteriormente, em toda a cristandade, o preconceito homofóbico tinha como justificativa inconsciente não apenas o desperdício do sêmen, visto como uma espécie de controle perverso da natalidade, mas temia-se, mais que a peste, a ameaça desestabilizadora representada pelos amantes do mesmo sexo, na medida em que importantes costumes tradicionais eram colocados em xeque pelo revolucionário estilo de vida dos sodomitas: o sexo prazer desvinculado da procriação, a tentação da androginia e da unissexualidade, o questionamento da naturalidade da divisão sexual do trabalho e dos papéis de gênero. Num mundo de extrema violência como era o cenário bíblico na Antigüidade […] aquele bando de pastores nômades desenvolveu códigos de sociabilidade e papéis sociais fortemente hierarquizados e rudes, pois a segurança e a sobrevivência das mulheres, crianças, dos anciãos e rebanho, dependiam vitalmente da força física individual e coletiva dos machos adultos. Tornou-se crucial o fortalecimento e dureza do papel de gênero masculino, a rígida divisão sexual, de um lado o mundo do super-homens, ligado às armas, à guerra, ao enfrentamento do mundo hostil; do outro, o mundo feminino, submisso, doméstico, voltado para a prole, recluso. [eis a origem da falocracia, misoginia e homofobia] […] Mais que o travestismo, o maior perigo representado pelo homoerotismo sempre foi o questionamento da naturalidade dos papéis de gênero atribuídos aos dois sexos. Um homem que abdica do privilégio de ser guerreiro, ou mesmo de servir como sacerdote no altar do Deus dos Exércitos, optando por tarefas e ocupações inferiores identificadas com o universo feminino, provoca uma crise estrutural de proporções imprevisíveis, pois tal novidade poderia se tornar prevalente, ameaçando gravemente a perpetuidade deste povo e segurança nacional. Muitos gays, em incontáveis sociedades, distinguem-se dos demais machos exatamente por esse hibridismo comportamental e ocupacional, quando não pela inversão total de papéis e tarefas socioeconômicas, novidade performática que põe em risco e revoluciona a tradicional divisão sexual do trabalho. […] No imaginário dos judeus, homossexuais seriam sempre efeminados, fracos, guerreiros débeis, daí serem indesejados e perseguidos numa cultura tão marcada e dependente do militarismo. Com a expansão da moral e dos preconceitos judaico-cristãos pelo Ocidente, durante boa parte da Idade Média e particularmente na Península Ibérica a partir dos Tempos Modernos, o amor entre pessoas do mesmo sexo foi violentamente reprimido devido a seu caráter eminentemente revolucionário e desestabilizador de significativos princípios e regras sociais considerados basilares para nossos ancestrais. Com a conquista do Novo Mundo, a mesma fobia e perseguição à homossexualidade se enraízam na sociedade brasileira, de tal sorte que podemos traçar uma relação visceral da homofobia contemporânea com o projeto civilizatório do macho português no contexto do Brasil escravista. Novamente aqui, é a etno-história que nos fornece a melhor pista para estabelecer a relação entre o tabu da homossexualidade e seu componente revolucionário.”
4.3 (A)NORMALIDADE: PRODUTO SÓCIO-CULTURAL
Acerca da pretensa “normalidade” sexual, Desprats-Péquignot (1994, p. 96) afirma que, da mesma forma que a homossexualidade, a heterossexualidade aguarda uma explicação psicanalítica satisfatória e que o atual estágio científico no campo da Psicanálise não pode falar em normalidade sexual.
Na esteira de Freud e Canguilhem apud Desprats-Péquignot (1994, p. 22), “a definição da anormalidade explica-se, antes de mais nada, por uma norma que não é natural, mas produzida pelos homens”. Com Canguilhem apud Desprats-Péquignot (1994, p. 22), constata-se que “A norma muda, e o anormal, o patológico, são redefinidos em função dessa mudança”.
A sociedade define como paradigma a heterossexualidade, vendo-a como a única e exclusiva manifestação sexual e afetiva normal. A sociedade define quem é normal e quem é anormal. A (a)normalidade é criação social, vale dizer, não é real, mas ideologicamente criada para a prevalência de um grupo, que necessariamente repele os assim “excluídos” e insiste em desconsiderar que “[…] A igualdade na diferença relaciona-se com a necessidade de ser respeitada a dignidade da alteridade” (MATOS, 2004, p. 17).
Por isso, torna-se imperioso “desenvolver uma capacidade crítica a fim de se perceber serem alguns valores sociais, vistos como ‘naturais’, frutos de preconceito, de estigma e de estereótipos” (MATOS, 2004, p. 33).
Atualmente, vive-se o que Catonné (2001, p. 79) denomina “modernidade sexual”, surgida na segunda metade do século XX: “O prazer tem, de agora em diante, direito de cidadania. Ele é a minima um direito moral, mesmo se ainda não figura no Preâmbulo da Constituição republicana.” (CATONNÉ, 2001, p. 76).
Soma-se a constatação científica, na seara médica, de que inexiste vínculo entre as funções sexual e reprodutiva no ser humano:
“[…] Tanto no que concerne à anticoncepção quanto à reprodução assistida,
percebe-se nitidamente o fato que, no ser humano, as funções sexual e
reprodutiva estão desvinculadas, o que pode ser considerado como
elemento para distingui-lo dos demais animais. […] (POLI, 1996)
A reprodução assistida trouxe, no seu bojo, a confirmação de um fato já conhecido mas nem sempre bem aceito. A função sexual está, no ser humano, desvinculada da reprodução. […] (POLI, 1996)
E fácil compreender que quanto mais evoluído, em termos culturais e sociais, maior o desmem-bramento que o ser humano promove entre sexualidade e reprodução. […]” (POLI, 1996)
Além disso, relevantíssima é a contribuição da Psicologia para o estudo jurídico das uniões afetivo-sexuais estáveis de pessoas do mesmo sexo biológico. De conformidade ao Conselho Federal de Psicologia, que sobre a homossexualidade emite parecer técnico-científico através da Resolução nº 001, de 22 de março de 1999, “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão” (4º Considerando). Isso espanca quaisquer dúvidas dos profissionais do Direito e da sociedade genericamente considerada no que pertine à homossexualidade e, por outro lado, reclama imperiosamente do Estado as imprescindíveis ações afirmativas que, com efetividade, assegurem a igualdade material dos homossexuais em face da maioria heterossexual e façam valerem a Constituição da República de 1988 e o Estado Democrático de Direito.
Constata-se, enfim, que a homossexualidade é um produto sócio-cultural, ou seja, uma criação da sociedade devido à cultura que lhe é própria. De fato:
“a concepção da homossexualidade como construção social advoga, em última instância, a abolição das categorias homossexual/heterossexual na identificação dos sujeitos, caminho considerado apropriado para a superação da exclusão e discriminação dos indivíduos em função de suas preferências sexuais. […]” (RIOS, 2001, p. 60)
4.4 IGUALDADE: IMPERATIVO JURÍDICO BRASILEIRO
Continuar dispensando tratamento indigno e desigualitário aos homossexuais é persistir numa conduta que vai de encontro aos princípios alicerçantes da República Federativa do Brasil, conduta anti-cidadã, indigna, anti-social, anti-democrática, escravagista, injusta, anti-solidária, anti-progressista, marginalizante, desigualitária, preconceituosa, discriminatória, anti-humanitária, terrorista, inaceitável perante o atual estágio civilizatório, o hodierno conhecimento científico e a Carta Política de 1988.
Não se pode perder de vista que a Lei Maior de 1988, em seu Art. 3º, inciso IV, proíbe a discriminação por orientação sexual. Sobre isso, Rios (2001, p. 72-73) deixa registrado:
“De fato, a discriminação por orientação sexual é uma hipótese de diferenciação fundada no sexo da pessoa para quem alguém dirige seu envolvimento sexual, na medida em que a caracterização de uma ou outra orientação sexual resulta da combinação dos sexos das pessoas envolvidas na relação.
Assim, Pedro sofrerá ou não discriminação por orientação sexual precisamente em virtude do sexo da pessoa para quem dirigir seu desejo ou sua conduta sexual. Se orientar-se para Paulo, experimentará a discriminação; todavia, se dirigir-se para Maria, não suportará tal diferenciação. Os diferentes tratamentos, neste contexto, têm sua razão de ser no sexo de Paulo (igual ao de Pedro) ou de Maria (oposto ao de Pedro). Este exemplo ilustra com clareza como a discriminação por orientação sexual retrata uma hipótese de discriminação por motivo de sexo.
[…] é impossível a definição da orientação sexual sem a consideração do sexo dos envolvidos na relação verificada; ao contrário, é essencial para a caracterização de uma ou de outra orientação sexual levar-se em conta o sexo, tanto que é o sexo de Paulo ou de Maria que ensejará ou não o juízo discriminatório diante de Pedro. Ou seja, o sexo da pessoa envolvida em relação ao sexo de Pedro é que vai qualificar a orientação sexual como causa de eventual tratamento diferenciado.”
Por fim, não pode deixar de ser citada a seguinte passagem de Rios (2001, p. 74):
“a dimensão formal do princípio da igualdade, seja em sua enunciação geral, seja nos seus desdobramentos concretos, veda a diferenciação e estabelece a equiparação entre heterossexualidade e homossexualidade nas questões jurídicas […].”
Se se exige a igualdade formal, razão maior está no imperativo de se realizar efetivamente a igualdade material, sabendo-se que ainda reinam na contemporaneidade o preconceito, a discriminação direta e indireta, o heterossexismo, a homofobia, a violência institucionalizada, a violência velada.
No caso da homossexualidade, não há razão suficiente para dispensar-lhe tratamento indigno e formalmente/materialmente desigualitário. Corroboram esse pensamento as contribuições científicas atuais, sendo relevantes as que provêm da Antropologia, Medicina e Psicologia, conforme menções feitas nesta monografia.
Com a costumeira lucidez, Rios (2001, p. 79-80) registra:
“Neste esforço objetivante, a dogmática jurídica atenta para a relação entre os critérios de diferenciação e as finalidades da diferenciação eventualmente operada. Assim, além da existência da proibição jurídica da adoção de certos critérios de diferenciação, exige-se que toda diferenciação tenha fundamento racional, pois quando não há racionalidade entre o critério de diferenciação e a finalidade perseguida, surge o juízo arbitrário na fundamentação da desigualdade estabelecida, donde decorre a inconstitucionalidade do discrímen.
Conseqüência disto, no domínio específico da orientação sexual, é a imposição de tratamento igual sempre que não se apresentarem razões suficientes para justificar a desigualdade de tratamento. A suficiência ou não destas razões é matéria pertinente ao desenvolvimento do conhecimento humano em cada momento histórico, diante do problema a ser enfrentado.
No plano mais geral onde se situa este trabalho, é obrigatório afirmar, como diretriz geral para todos os casos, que a dimensão material do princípio da igualdade torna inconstitucional qualquer discriminação que utilize preconceitos ou lance mão de juízos malfundamentados a respeito da homossexualidade. Vale dizer, em cada uma das questões onde surgir a indagação sobre a possibilidade da equiparação ou da diferenciação em função da orientação sexual, é de rigor a igualdade de tratamento, a não ser que fundamentos racionais possam demonstrar suficientemente a necessidade de tratamento desigual, cujo ônus de argumentação será tanto maior quanto mais intensa for a distinção examinada.”
Também não se pode deixar de registrar o pensamento lúcido de Carvalho (2002, p. 8):
“Parte do discurso homofóbico é o resultado da pregação de grupamentos religiosos que adotam dogmas contrários ao comportamento homossexual, tido como pecaminoso. […] Dogmas não se discutem, são verdades, aceitos ou rejeitados integralmente. Portanto, questão de escolha e aceitação individual. O Brasil é uma nação laica, ou seja, Estado e religião estão separados na Constituição. Uma das conseqüências da liberdade de religião é que as leis que regem a sociedade não podem estar embasadas em um discurso religioso, mas na conformidade das leis à sociedade viva, a que existe no dia-a-dia.” [grifo nosso]
Do exposto sobre o princípio da igualdade, fica claro que esse é mais um dos princípios constitucionais na fundamentação da analogia entre as uniões estáveis homossexuais e as uniões estáveis reguladas pela Lei nº 9.278/1996 e o novo Código Civil, o que já começa a despontar na doutrina e em julgados nacionais.[44]
5 ANALOGIA
Analogia é um dos institutos jurídicos utilizados para a colmatação legal, previstos na Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, que reza no Art. 4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Fala-se em colmatação legal, porque, conforme se lê no aludido Art. 4º, a lei pode ser omissa, ou seja, o legislador considera que o ordenamento jurídico é incompleto[45], visto ser impossível a previsão de todos os fatos que requerem a sua regulação pelo Direito. Como exemplo, citam-se as uniões afetivo-sexuais estáveis que, à guisa de affectio maritalis, ocorrem entre homossexuais e necessitam de uma regulação jurídica explícita em face do ferrenho positivismo ainda vigente.
A analogia, que está prevista no ordenamento jurídico para fazer face à mencionada incompletude, requer semelhança essencial entre as hipóteses discutidas no caso concreto. As semelhanças não essenciais são insuficientes para que se faça a analogia, uma vez que esta se fundamenta na essencialidade da semelhança entre as hipóteses.
Segundo Alípio Silveira apud Marchetti (2002, p. 60-61), “ ‘Fundamento da analogia não é a vontade presumida do legislador, que se tivesse previsto um caso determinado tê-lo-ia regulado de um dado modo, mas é antes o supremo princípio da igualdade jurídica, o qual exige que casos semelhantes devam ser regulados por normas semelhantes’ ”.
De conformidade ao exposto por Maria Helena Diniz[46] apud Fernandes (2004, p. 148), o fundamento da analogia:
‘Encontra-se na igualdade jurídica, já que o processo analógico constitui um raciocínio ‘baseado em razões relevantes de similitude’, fundando-se na identidade de razão, que é o elemento justificador da aplicabilidade da norma a casos não previstos, mas substancialmente semelhantes, sem contudo ter por objetivo perscrutar o exato significado da norma, partindo, tão-só, do pressuposto de que a questão sub judice, apesar de não se enquadrar no dispositivo legal, deve cair sob sua égide por semelhança de razão’.
No que pertine à analogia das uniões estáveis de gays e lésbicas com as uniões estáveis heterossexuais, essa razão é o afeto, que caracteriza os relacionamentos regulados pelo Direito de Família e não está presente no fulcro das relações de cunho econômico-financeiro, normatizadas estas pelo Direito das Obrigações por se tratar de sociedades de fato.
Marchetti (2002, p. 45-46) assim se expressa ao conceituar o instituto da analogia:
“[…] definimos a analogia como um procedimento em que se estende um dispositivo legal a um caso semelhante não previsto porque socialmente passou-se a ser necessário sua regulamentação para a tutela do mesmo valor.
Mas o que significa que passou a ser necessária a regulamentação do caso?
Isso ocorre quando existe um sentimento de injustiça que, apesar da ausência legal, não aceita que o caso seja juridicamente irrelevante […]
[…]É interessante que este sentimento – e não razão – não esclarece com certeza o que é o justo, mas é capaz de fazermo-nos levantar contra o que intuímos injusto, conforme nos ensinou Recaséns Siches:
‘Acontece freqüentemente que ao enfrentarmos um problema social, não podemos determinar com certeza qual seria a melhor das várias soluções que se apresentam como possíveis; porém, ao contrário, com firmeza e unânimidade sentimos e sabemos que uma determinada solução seria superlativamente injusta’.”
Para Maximiliano (2000, p. 212), a analogia:
“I. Pressupõe: 1º) uma hipótese não prevista, senão se trataria apenas de interpretação extensiva; 2º) a relação contemplada no texto, embora diversa da que se examina, deve ser semelhante, ter com ela um elemento de identidade; 3º) este elemento não pode ser qualquer, e, sim, essencial, fundamental, isto é, o fato jurídico que deu origem ao dispositivo. Não bastam afinidades aparentes, semelhança formal; exige-se a real, verdadeira igualdade sob um ou mais aspectos, consistente no fato de se encontrar, num e noutro caso, o mesmo princípio básico e de ser uma só a idéia geradora tanto da regra existente como da que se busca. A hipótese nova e a que se compara com ela, precisam assemelhar-se na essência e nos efeitos; é mister existir em ambas a mesma razão de decidir. Evitem-se as semelhanças aparentes, sobre pontos secundários (2). O processo é perfeito, em sua relatividade, quando a frase jurídica existente e a que da mesma se infere deparam como entrosadas as mesmas idéias fundamentais (3).
244 – II. Não bastam essas precauções; cumpre também fazer prevalecer, quanto à analogia, o preceito clássico, impreterível: não se aplica uma norma jurídica senão à ordem de coisas para a qual foi estabelecida. Não é lícito pôr de lado a natureza da lei, nem o ramo do Direito a que pertence a regra tomada por base do processo analógico. Quantas vezes se não verifica o nenhum cabimento do emprego de um preceito fixado para o comércio, e transplantado afoitamente para os domínios da legislação civil, ou da criminal, possibilidade esta mais duvidosa ainda!”
5.1 AS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOSSEXUAIS SÃO JURIDICAMENTE ANÁLOGAS ÀS UNIÕES ESTÁVEIS HETEROSSEXUAIS
Quanto às uniões estáveis homossexuais, inaceitável é aplicar-lhes a legislação atinente às sociedades de fato, porque, ainda que nestas possa existir afeto entre os sócios, a possível afetividade dos sócios entre si não é essencial para configurar tais sociedades, que requerem, por imperativo, o intuito de lucro econômico-financeiro.
As sociedades de fato se formam sob o aspecto econômico-financeiro, sendo-lhes pressuposto o objetivo de alcançar lucros nessa esfera do relacionamento humano, significando que o afeto possivelmente presente entre os seus integrantes não é o elemento que determina a sua formação. Além disso, tal afeto não está presente nas relações dos sócios entre si em todas as sociedades de fato. Soma-se também a constatação de que esse afeto, em tais sociedades, é deveras diferente do afeto presente nos relacionamentos familiares.
No âmbito familiar, o que prepondera em sua constituição não é a busca de lucros na economia e nas finanças domésticas, mas o afeto entre as pessoas que se relacionam com o objetivo de constituir família, a qual, no limiar do século XXI, não mais se restringe ao paradigma do casal heterossexual.
As relações familiares contemporâneas dão-se em razão do afeto nelas presente, pois o afeto é a essencialidade de sua constituição, vale dizer, o seu pressuposto. Esse afeto, inclusive, é de natureza diversa do afeto que pode existir entre os membros de uma sociedade de fato.
A união estável homossexual é uma autêntica sociedade de afeto e, por conseguinte, uma família, apesar de nem todos os relacionamentos homossexuais constituírem verdadeira união estável, da mesma forma que muitos relacionamentos heterossexuais não constituem união duradoura, pública e contínua.
Observa-se que não há semelhança entre a união homossexual formada como entidade familiar e a sociedade de fato, o que afasta incontinênti a probabilidade de analogia entre elas.
Por sua vez, a essencialidade de semelhança existe entre a união estável regulada em lei e a união homossexual estabelecida com objetivo de constituir família. O ponto de intersecção essencial entre elas é o afeto, que caracteriza as diversas e não paradigmáticas entidades familiares hodiernas, realidade que não deve ser menosprezada em um Estado laico como o Brasil, Estado independente, pois, do preceituado pelas religiões abraçadas por seus nacionais.
Para José Lamartine Corrêa de Oliveira apud Matos (2004, p. 15), “ ‘só uma concepção personalista do Direito, centrada em torno da dignidade ontológico-axiológica da pessoa humana, pode oferecer base segura à construção de um verdadeiro Estado de Direito’ ”. Essa concepção é inerente ao Direito Brasileiro, pois a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (Carta Política de 1988, Art. 1º, inciso III).
Por sua vez, Matos (2004, p. 15-17) alude ao movimento atual de personificação ou repersonalização do Direito Civil. Esse movimento, que atinge necessariamente o instituto da família, significa um novo olhar sobre o papel social do Direito Civil, implicando a priorização dos valores esposados pelo ser humano contemporâneo.
Dentre esses valores, podem ser destacados a relevância da personalidade humana e o natural afeto a ensejar os inter-relacionamentos quando se trata de família. Assim, o formalismo jurídico e as referências ao patrimônio são de somenos importância, pois “O que importa, em verdade, é o enfoque personalístico da afetividade” (MATOS, 2004, p. 16-17), o qual vislumbra a pessoa humana não no sentido individualista, porém dinâmico de convivência com seus pares. Isso não é tendência, mas realidade presente em nível mundial[47].
O princípio da dignidade da pessoa humana – “ ‘cuja função diretriz hermenêutica lhe é irrecusável – traduz a repulsa constitucional às práticas, imputáveis aos poderes públicos ou aos particulares, que visem expor o ser humano, enquanto tal, em posição de desigualdade perante os demais, a desconsiderá-lo como pessoa.’ ” (EDILSON PEREIRA NOBRE JUNIOR apud MATOS, 2004, p. 170, nota de rodapé nº 39).
Ao ser aplicado esse princípio ao Direito de Família, tem-se que:
“ ‘é a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social.’ ” (GUSTAVO TEPEDINO apud GAMA, 2000, p. 60)
“ ‘Não é mais o indivíduo que existe para a família, mas a família e suas formas de constituição que existem para o desenvolvimento pessoal do indivíduo, em busca de sua aspiração de felicidade.’ ” (EDUARDO CAMBI apud GAMA, 2000, p. 59)
a família “ ‘é formação social, lugar-comunidade tendente à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que exprime uma função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes.’ ” (PIETRO PERLINGIERI apud GAMA, 2000, p. 54)
Segundo Matos (2004, p. 27), o casamento deixa de ser instituição na contemporaneidade e cede lugar à família eudemonista, que se alicerça no afeto e tem o objetivo de realizar personalisticamente os seus membros. Sobre isso, João Baptista Villela apud Matos (2004, p. 27) refere-se à “ ‘passagem de um organismo preordenado a fins externos para um núcleo de companheirismo a serviço das próprias pessoas que a constituem’ [refere-se à família]”.
O novo Direito de Família tem como enfoque, pois, o afeto. Isso imperativamente deve ser levado em consideração para o reconhecimento legal explícito das uniões estáveis homossexuais.
Como não há no ordenamento jurídico pátrio, até o momento, uma norma que se aproxima ainda mais da regulação que a união estável homossexual requer e, ainda, como não há semelhança entre esta e a sociedade de fato, mas com a união estável regulada pela Lei nº 9.278/96 e pelo Código Civil de 2002, deve ser aplicada a analogia das uniões estáveis homossexuais com as uniões estáveis heterossexuais. Tal analogia é a solução autorizada pela legislação atual, conforme o Art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e o Art. 126 do Código de Processo Civil.
Do exposto nesta monografia, constata-se que se aplica a analogia entre as uniões estáveis heterossexuais e as uniões homossexuais duradouras, públicas, contínuas e estabelecidas visando à constituição de família, pois, além do permissivo legal e do que ensina a doutrina acerca da analogia como instituto voltado para a colmatação da lei:
1) a dignidade da pessoa humana não aceita exceções;
2) a igualdade é de todos (heterossexuais, homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais) e afasta distinções desarrazoadas[48];
3) o juiz não pode e não deve eximir-se de seu mister em face da lacuna ou da obscuridade legal e, inexistindo normas legais aplicáveis à espécie, cabe-lhe recorrer aos institutos de colmatação, entre estes a analogia (Art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e Art. 126 do Código de Processo Civil);
4) o juiz, ao aplicar a lei, há de atender a seus fins sociais e às exigências do bem comum (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Art. 5º), que são as exigências voltadas para o bem de todos, incluindo o bem das minorias;
5) a sociedade brasileira há de ser livre, justa e solidária, sem preconceitos e discriminações, devendo erradicar a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, pois se vive em Estado Democrático[49] de Direito e a República Federativa do Brasil tem a cidadania como um de seus fundamentos (Constituição da República de 1988, Arts. 1º e 3º).
Os princípios que regem as uniões normatizadas pela Lei nº 9.278/1996 e pelo Código Civil de 2002 devem ser aplicados às uniões estáveis homossexuais. Da mesma forma que as uniões estáveis heterossexuais, também são realidades fáticas inegáveis as uniões afetivo-sexuais estáveis entre indivíduos que têm o mesmo sexo biológico. Para as uniões estáveis homossexuais, exige-se, portanto, a igualdade de tratamento jurídico dispensado às uniões estáveis que ocorrem entre pessoas de sexo biológico diverso. Tratar desigualmente essas duas realidades é agir sem razoabilidade, o que significa infringir flagrantemente o princípio da igualdade.
Resta citar Marchetti (2002, p. 79-81), cuja lucidez ensina que:
“A finalidade do direito é garantir a pessoa humana do indivíduo. Quando o direito desvia-se desta sua finalidade, torna-se opressão. Por isto, quando a criação judicial se faz através da analogia, o juiz deve sempre levar em conta a finalidade do direito que é garantir a pessoa humana do indivíduo, sobretudo quando em conflito contra a coletividade ou o Estado. Inexiste razão social ou de Estado que possa prevalecer sobre a pessoa humana do indivíduo. […]
[…] há direitos fundamentais da pessoa humana que precisam prevalecer absolutamente, inexistindo exceções, já que sem o indivíduo a sociedade perece.
Desta maneira somente é legítimo o uso da analogia para prestigiar os direitos da pessoa humana do indivíduo. Prestigiar os direitos da sociedade em sacrifício dos direitos do indivíduo não garante nada, pois o mais forte não precisa de garantia. A garantia tem por destinatário o mais fraco. […] o direito [é] instrumento de garantia.
[…] existe um espaço em que nenhuma vontade humana (individual ou coletiva) prevalece; neste espaço até os mais fortes têm que obedecer e os mais fracos têm seu direito absoluto. São os direitos fundamentais da pessoa humana do indivíduo.”
Em face do discutido nesta monografia, não há dúvida de que as uniões estáveis homossexuais são análogas às uniões estáveis heterossexuais reguladas pela Lei nº 9.278/1996 e pelo Código Civil de 2002. Essas duas realidades estão fortemente presentes na sociedade brasileira e devem ser tratadas igualmente, considerando-se o conhecimento científico atual nos campos da Sociologia, Antropologia, Medicina e Psicologia, bem como os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
5.2 OS JULGADOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL
A jurisprudência brasileira atual ainda expressa o entendimento de que as uniões estáveis homossexuais são sociedades de fato[50], aplicando-lhes o Direito das Obrigações e a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal[51].
Porém, acompanhando a coerência de Paulo Luiz Lôbo apud Dias (2004, p. 57), pergunta-se: “Afinal, que ‘sociedade de fato’ mercantil ou civil é essa que se constitui e se mantém por razões de afetividade, sem interesse de lucro?”
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, após a a publicação da Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, apresenta julgados vanguardistas, que reconhecem a analogia das uniões estáveis homossexuais com as uniões estáveis heterossexuais, levando em consideração, principalmente, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade.[52]
Nos referidos julgados, bem como nos que lhes seguem, evidenciam-se as várias argumentações dos Desembargadores. Os votos carreiam informações científicas e constituem inestimável acervo para o inafastável estudo hodierno das uniões geralmente designadas homoafetivas.
Agravo de Instrumento nº 599075496, julgado pela Oitava Câmara Cível em 17 de junho de 1999. Fixa-se a competência das Varas de Família para os julgamentos que envolvem relações afetivas, incluindo-se nestas os relacionamentos homossexuais. Cabe a observação de Henrique Nelson Calandra apud Fachin (1997, p. 120): “ ‘não pode a Justiça seguir dando respostas mortas a perguntas vivas, ignorando a realidade social subjacente, encastelando-se no formalismo, para deixar de dizer o direito’ ”.
Apelação Cível nº 598362655, julgada pela Oitava Câmara Cível em 1º de março de 2000. Afirma-se a possibilidade jurídica de pedido[53] que, alicerçado em união estável homossexual, é feito por um dos companheiros, ficando afastada a carência de ação. A Ementa:
“HOMOSSEXUAIS. UNIAO ESTAVEL. POSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO. E POSSIVEL O PROCESSAMENTO E O RECONHECIMENTO DE UNIAO ESTAVEL ENTRE HOMOSSEXUAIS, ANTE PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS INSCULPIDOS NA CONSTITUICAO FEDERAL QUE VEDAM QUALQUER DISCRIMINACAO, INCLUSIVE QUANTO AO SEXO, SENDO DESCABIDA DISCRIMINACAO QUANTO A UNIAO HOMOSSEXUAL. E E JUSTAMENTE AGORA, QUANDO UMA ONDA RENOVADORA SE ESTENDE PELO MUNDO , COM REFLEXOS ACENTUADOS EM NOSSO PAIS, DESTRUINDO PRECEITOS ARCAICOS, MODIFICANDO CONCEITOS E IMPONDO A SERENIDADE CIENTIFICA DA MODERNIDADE NO TRATO DAS RELACOES HUMANAS, QUE AS POSICOES DEVEM SER MARCADAS E AMADURECIDAS, PARA QUE OS AVANCOS NAO SOFRAM RETROCESSO E PARA QUE AS INDIVIDUALIDADES E COLETIVIDADES, POSSAM ANDAR SEGURAS NA TAO ALMEJADA BUSCA DA FELICIDADE, DIREITO FUNDAMENTAL DE TODOS. […]”
A propósito de pedido juridicamente possível, cabe tecer alguns comentários sobre o positivismo jurídico:
“Tal visão [positivista] implicou, e ainda implica, um legado de exclusão referente a algumas relações sociais não dispostas num conceito estrito de norma jurídica. Conforme um entendimento positivista do Direito, dentre as várias possibilidades de situações presenciadas na vida em sociedade, a relação é considerada jurídica quando objetivamente reconhecida como tal pelo ordenamento jurídico. Em outras palavras, a relação vivenciada será uma relação jurídica, se o sistema legislado desta maneira reconhecê-la expressamente.
Essas concepções, de cunho objetivista, destacam, em primeiro plano, o ordenamento jurídico formalizado em lei escrita. Não há preocupação de se estar em sintonia com as relações ‘realmente vividas’ no âmbito social.
Todavia, pode-se afirmar serem os silêncios jurídicos eloqüentes [a eloqüência dos silêncios jurídicos, em se tratando da homossexualidade, evidencia o ciclo da interdição e a lógica da censura de que fala Foucault, 2003, p. 81-82]. Há uma desatenção que não significa indiferença, mas se traduz na opção por determinados fatos sociais, que recebem o ingresso ao jurídico, importando a falta do reconhecimento daquelas realidades não acolhidas legisladamente.” (MATOS, 2004, p. 25-26)
Diferentemente da ideologia positivista aplicada ao Direito, Pietro Perlingieri apud Matos (2004, p. 26, nota de rodapé nº 26) expõe o entendimento de que:
‘fato juridicamente relevante não é somente aquele produtor de conseqüências jurídicas bem individuadas, mas todo fato enquanto expressão positiva ou negativa de valores ou de princípios presentes no ordenamento. Não existe fato que não tenha uma valoração expressa ou implícita no âmbito do ordenamento (…).’
Ficam, portanto, o registro da grande importância desse julgado na seara jurídica brasileira e o alerta de que, na interpretação e aplicação da lei, torna-se indispensável o uso de uma hermenêutica que não pisoteie os princípios informadores do Direito Brasileiro, especialmente os princípios oriundos da própria Carta Magna de 1988 (se assim não for, evidenciam-se a hedionda negação do direito à prestação jurisdicional e o ilegítimo pré-julgamento do mérito da causa).
Apelação Cível nº 70001388982, julgada pela Sétima Câmara Cível em 14 de março de 2001. Nesse julgado, que é um marco na história judicial brasileira, concedem-se direitos sucessórios a companheiro homossexual, analogamente ao que ocorre nas uniões estáveis heterossexuais, sendo as uniões estáveis homossexuais reconhecidas como entidades familiares. A Ementa:
“HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMONIO. MEACAO PARADIGMA. NAO SE PERMITE MAIS O FARISAISMO DE DESCONHECER A EXISTENCIA DE UNIOES ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO E A PRODUCAO DE EFEITOS JURIDICOS DERIVADOS DESSAS RELACOES HOMOAFETIVAS. EMBORA PERMEADAS DE PRECONCEITOS , SAO REALIDADES QUE O JUDICIARIO NAO PODE IGNORAR, MESMO EM SUA NATURAL ATIVIDADE RETARDATARIA. NELAS REMANESCEM CONSEQUENCIAS SEMELHANTES AS QUE VIGORAM NAS RELACOES DE AFETO, BUSCANDO-SE SEMPRE A APLICACAO DA ANALOGIA E DOS PRINCIPIOS GERAIS DO DIREITO, RELEVADO SEMPRE OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA IGUALDADE. DESTA FORMA, O PATRIMONIO HAVIDO NA CONSTANCIA DO RELACIONAMENTO DEVE SER PARTILHADO COMO NA UNIAO ESTAVEL, PARADIGMA SUPLETIVO ONDE SE DEBRUCA A MELHOR HERMENEUTICA.”
Apelação Cível nº 70002355204, julgada pela Sétima Câmara Cível em 11 de abril de 2001. Entende-se que é juridicamente viável a justificação que tem como objetivo comprovar a convivência sexual-afetiva entre duas pessoas do mesmo sexo. A Ementa:
“JUSTIFICACAO JUDICIAL. CONVIVENCIA HOMOSSEXUAL. COMPETENCIA. POSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO. 1. E COMPETENTE A JUSTICA ESTADUAL PARA JULGAR A JUSTIFICACAO DE CONVIVENCIA ENTRE HOMOSSEXUAIS POIS O EFEITOS PRETENDIDOS NAO SAO MERAMENTE PREVIDENCIARIOS, MAS TAMBEM PATRIMONIAIS. 2. SAO COMPETENTES AS VARAS DE FAMILIA, E TAMBEM AS CAMARAS ESPECIALIZADAS EM DIREITO DE FAMILIA, PARA O EXAME DAS QUESTOES JURIDICAS DECORRENTES DA CONVIVENCIA HOMOSSEXUAL POIS, AINDA QUE NAO CONSTITUAM ENTIDADE FAMILIAR, MAS MERA SOCIEDADE DE FATO, RECLAMAM, PELA NATUREZA DA RELACAO, PERMEADA PELO AFETO E PECULIAR CARGA DE CONFIANCA ENTRE O PAR, UM TRATAMENTO DIFERENCIADO DAQUELE PROPRIO DO DIREITO DAS OBRIGACOES. ESSAS RELACOES ENCONTRAM ESPACO PROPRIO DENTRO DO DIREITO DE FAMILIA, NA PARTE ASSISTENCIAL, AO LADO DA TUTELA, CURATELA E AUSENCIA, QUE SAO RELACOES DE CUNHO PROTETIVO, AINDA QUE TAMBEM COM CONTEUDO PATROMINIAL. 3. E VIAVEL JURIDICAMENTE A JUSTIFICACAO PRETENDIDA POIS A SUA FINALIDADE E COMPROVAR O FATO DA CONVIVENCIA ENTRE DUAS PESSOAS HOMOSSEXUAIS, SEJA PARA DOCUMENTA-LA, SEJA PARA USO FUTURO EM PROCESSO JUDICIAL, ONDE PODERA SER BUSCADO EFEITO PATRIMONIAL OU ATE PREVIDENCIARIO. INTELIGENCIA DO ART. 861 DO CPC.”
Apelação Cível nº 70003016136, julgada pela Oitava Câmara Cível em 08 de novembro de 2001. Assegura-se a companheiro homossexual o direito real de habitação.
Apelação Cível nº 70005733845, julgada pela Segunda Câmara Especial Cível em 20 de março de 2003. Decide-se a favor da possibilidade jurídica do uso da ação declaratória para fins de reconhecimento de relação jurídica, reconhecendo-se que isso se aplica também à união estável de pessoas do mesmo sexo biológico.
O Dr. Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Relator nessa apelação cível, cita em seu voto, à p. 3, o autor Rodrigo da Cunha Pereira, segundo o qual:
‘Muitas vezes não há interesse ou mesmo necessidade de se fazer a dissolução da sociedade concubinária, seja porque não há interesse patrimonial ou por razões de ordem pessoal. No entanto, pode haver outros interesses que tornem necessárias a prova da existência daquela relação para surtir efeitos previdenciários, sucessórios, indenizatórios, mudança de nome, etc. Assim as partes de uma relação concubinária, ou seus herdeiros, poderão propor uma ação declaratória, com fulcro no art. 4º, I e II e parágrafo único, do CPC, para que seja reconhecida a existência da sociedade de fato e relação concubinária (união estável)’
Os referidos dispositivos do Código de Processo Civil, in verbis:
“Art. 4º O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
I – da existência ou da inexistência de relação jurídica;
II – da autenticidade ou falsidade de documento.
Parágrafo único. É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito.”
Aquele Relator segue afirmando, à p. 4, que o argumento do mencionado autor é reforçado pelo reconhecimento de direitos previdenciários ao companheiro homossexual, consoante as Instruções Normativas nºs 25, de 07 de junho de 2000, e 50, de 08 de maio de 2001, ambas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)[54].
Embargos Infringentes nº 70003967676, julgados pelo Quarto Grupo de Câmaras Cíveis em 09 de maio de 2003. Nesse julgado histórico, faz-se a analogia das uniões estáveis homossexuais com as uniões estáveis de que trata expressamente o ordenamento jurídico pátrio, ficando reconhecidos os direitos hereditários de companheiro homossexual. A Ementa:
“UNIAO ESTAVEL HOMOAFETIVA. DIREITO SUCESSORIO. ANALOGIA. INCONTROVERTIDA A CONVIVENCIA DURADOURA, PUBLICA E CONTINUA ENTRE PARCEIROS DO MESMO SEXO, IMPOSITIVO QUE SEJA RECONHECIDA A EXISTENCIA DE UMA UNIAO ESTAVEL, ASSEGURANDO AO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE A TOTALIDADE DO ACERVO HEREDITARIO, AFASTADA A DECLARACAO DE VACANCIA DA HERANCA. A OMISSAO DO CONSTITUINTE E DO LEGISLADOR EM RECONHECER EFEITOS JURIDICOS AS UNIOES HOMOAFETIVAS IMPOE QUE A JUSTICA COLMATE A LACUNA LEGAL FAZENDO USO DA ANALOGIA. O ELO AFETIVO QUE IDENTIFICA AS ENTIDADES FAMILIARES IMPOE SEJA FEITA ANALOGIA COM A UNIAO ESTAVEL, QUE SE ENCONTRA DEVIDAMENTE REGULAMENTADA.”
Apelação Cível nº 70005488812, julgada pela Sétima Câmara Cível em 25 de junho de 2003. Além de ficar reconhecida como união estável a relação dita homoerótica, determina-se a partilha de bens consoante o regime de comunhão parcial. A Ementa:
“RELAÇÃO HOMOERÓTICA. UNIÃO ESTÁVEL. APLICAÇÃO DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA IGUALDADE. ANALOGIA. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO. VISÃO ABRANGENTE DAS ENTIDADES FAMILIARES. REGRAS DE INCLUSÃO. PARTILHA DE BENS. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.723, 1.725 E 1.658 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
Constitui união estável a relação fática entre duas mulheres, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados os deveres de lealdade, respeito e mútua assistência.
Superados os preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se os princípios constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e dos princípios gerais do direito, além da contemporânea modelagem das entidades familiares em sistema aberto argamassado em regras de inclusão.
Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos bens segundo o regime da comunhão parcial.[…]”
Apelação Cível nº 70006542377, julgada pela Oitava Câmara Cível em 11 de setembro de 2003. Fica reconhecida a união estável entre homossexuais. Conforme a Ementa:
“APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. Embora reconhecida na parte dispositiva da sentença a existência de sociedade de fato, os elementos probatórios dos autos indicam a existência de união estável. PARTILHA. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Caracterizada a união estável, impõe-se a partilha igualitária dos bens adquiridos na constância da união, prescindindo da demonstração de colaboração efetiva de um dos conviventes, somente exigidos nas hipóteses de sociedade de fato. […]”
Se a união estável homossexual não é proibida, conclui-se que é permitida (teoria kelseniana). Se se entende que existe lacuna no Direito, ela deve ser colmatada (teoria de Norberto Bobbio). Em sendo consideradas essas duas teorias, que são excludentes entre si, há que se caminhar seguramente por outra via, qual seja: se é permitida a união estável homossexual e não há norma específica a ela dirigida, então resta a analogia com a união estável heterossexual. Esse argumento tem sido registrado pelo Des. Rui Portanova em diversos julgados. Na presente Apelação Cível, o referido Desembargador atua como Relator, afirmando, à p. 11:
“No presente caso, a lacuna será preenchida com princípios constitucionais e analogia. Para Bobbio a analogia e os princípios fazem parte do método de auto-integração para preenchimento de lacunas (Teoria do Ordenamento Jurídico, p.150). Para Maria Helena Diniz os princípios são também usados para o preenchimento de lacunas, mas fazem parte do método da heterointegração (Lacuna do Direito, p. 212) por entender como fonte subsidiária do direito.
PRINCÍPIOS: IGUALDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
Segundo Roger Raupp Rios em “A Homossexualidade no Direito” (p.67) a concretização do princípio da igualdade se dá com a existência de um princípio geral de não discriminação por orientação sexual.”
O Des. Rui Portanova completa: “Certa a existência de lacuna a respeito do tema das uniões homossexuais, certo que o não reconhecimento de direitos aos parceiros do mesmo sexo significa uma afronta aos princípios constitucionais” (p. 13). O mesmo Desembargador também fala sobre os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
“A decisão de tutelar o direito do homossexual e as relações que daí advém cabe ao aplicador da lei com base no ordenamento jurídico que está a sua disposição. Só existem, assim, dois caminhos: ou se reconhece o direito às relações homoafetivas e lhes imprime proteção e às relações jurídicas decorrentes, ou se segrega, se marginaliza. Não existe meio termo ou outorgue proteção parcial.
A primeira hipótese coaduna-se com a tolerância que deve permear as relações sociais. A segunda, traz o preconceito, o sectarismo, o apartheid pela opção sexual. Implica em reconhecer como menor uma relação entre duas pessoas de mesmo sexo, sob o paradigma das relações heterossexuais. Ainda que corrente seja a heterossexualidade, o paradigma é outro: é o do gênero humano.
Nesse sentido a posição de JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS”(A relação homoerótica e a partilha de bens – Homossexualidade – Discussões Jurídicas e Psicológicas – Instituto Interdisciplinar de Direito de Família – IDEF, Editora Juruá, Curitiba/PR, 2001):
É que o amor e o afeto independem de sexo, cor ou raça, sendo preciso que se enfrente o problema, deixando de fazer vistas grossas a uma realidade que bate à porta da hodiernidade, e mesmo que a situação não se enquadre nos moldes da relação estável padronizada, não se abdica à união homossexual os mesmos efeitos dela.
Pouco importa se hetero ou homoafetiva é a relação. Importa que seja a troca ou o compartilhamento de afeto, de sentimento, de carinho e de ternura entre duas pessoas humanas. Importa que siga os elementos da união estável, mas que seus sujeitos sejam não somente o homem e a mulher, como também o homem e o homem e a mulher e a mulher. Negar-lhes esse direito é desprezar sua natureza humana e limitar a pessoa que são.”
O Des. José S. Trindade (Revisor) acata na íntegra o voto do Relator, aceitando, pois, a analogia da união estável homossexual com a união estável regulada em lei.
Na Apelação Cível nº 70007243140, julgada pela Oitava Câmara Cível em 06 de novembro de 2003, é feita a analogia da união estável homossexual com a união estável heterossexual. O Des. José S. Trindade (Relator) cita, às pp. 5-6, a Apelação Cível nº 598626655, julgada pela Oitava Câmara Cível em 1º de março de 2000. Entende esse Desembargador ser plenamente possível o reconhecimento da união estável homossexual, referindo-se à Lei Maior de 1988, Arts. 3º, incisos I e IV, e 5º, caput, asseverando que os princípios e direitos fundamentais, bem como as garantias constitucionais, prevalecem sobre as demais regras insertas na Carta Magna, inclusive com sobreposição ao Art. 226, § 3º.
O mesmo Desembargador cita, às pp. 8-9, o voto do Des. Luiz Gonzaga Pila Hofmeister, proferido na Apelação Cível nº 593110547, julgada pela Terceira Câmara Cível, voto no qual consta que “é de ser deferido o pedido de retificação do Registro Civil para alteração de nome e de sexo” (p. 9). Também são citados:
a) Apelação Cível nº 70001388982, julgada pela Sétima Câmara Cível em 14 de março de 2001, na qual se faz analogia entre as uniões estáveis homossexual e heterossexual;
b) Embargos Infringentes nº 70003967676, julgados pelo Quarto Grupo de Câmaras Cíveis em 09 de maio de 2003, nos quais é feita analogia da união estável homossexual com a união estável heterossexual.
O entendimento de que pode ser feita a aplicação analógica também é esposado pela Dra. Catarina Rita Krieger Martins, que, na Apelação Cível ora comentada, faz as vezes de Revisor.
No Agravo de Instrumento nº 70008631954, julgado pela Oitava Câmara Cível em 24 de junho de 2004, o Des. José S. Trindade (Relator), sobre a ação de reconhecimento e dissolução de união estável homossexual, manifesta o entendimento de que a matéria deve ser discutida no âmbito do Direito de Família, sendo competentes, para isso, as Câmaras de Família. Às pp. 3-4, o aludido Desembargador faz referência ao julgamento do Conflito de Competência nº 70000992156, levado a efeito pela Oitava Câmara Cível em 29 de junho de 2000, cuja Ementa reza:
‘RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS. COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA PARA JULGAMENTO DE SEPARAÇÃO EM SOCIEDADE DE FATO. A competência para julgamento de separação de sociedade de fato de casais formados por pessoas do mesmo sexo, é das Varas de Família, conforme precedentes desta Câmara, por não ser possível qualquer discriminação por se tratar de união entre homossexuais, pois é certo que a Constituição Federal, consagrando princípios democráticos de direito, proíbe discriminação de qualquer espécie, principalmente quanto à opção sexual, sendo incabível, assim, quanto à sociedade de fato homossexual. Conflito de competência acolhido.’
Sobre o Provimento nº 06/04-CGJ, oriundo da Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e que acrescenta parágrafo único ao Art. 215 da Consolidação Normativa Notarial Registral (CNNR)[55], o Des. Antônio Carlos Stangler Pereira (Relator), na Apelação Cível nº 70007911001, julgada pela Oitava Câmara Cível em 1º de julho de 2004, cita artigo do Des. Luiz Felipe Brasil Santos, que entende ser esse Provimento “até redundante [ex vi da CNNR, arts. 215, inciso VII, e 217, bem como da Lei dos Registros Públicos, art. 127, inciso VII e parágrafo único], embora se trate de uma redundância necessária, ante a persistência de alguns em não visualizar o óbvio”[56] (p. 7) e que o registro não tem o condão de constituir a união homossexual como união estável, porém apenas apresenta as finalidades probatórias, de conservação e de autenticação de data, concernentes ao relacionamento afetivo, não constituindo relações jurídicas e não gerando efeitos contra terceiros, mas sendo um registro preventivo.
Conforme o Des. Rui Portanova (Revisor) na Apelação Cível nº 70007336019, julgada pela Oitava Câmara Cível em 1º de julho de 2004, face ao disposto no Código Civil de 2002 não há que se falar em analogia das uniões estáveis homossexuais com a sociedade de fato: “tal analogia é totalmente inadequada” (p. 8). Para esse Desembargador, a única possibilidade de analogia, ainda que remota, existia tão somente na vigência do Código Civil de 1916. Realmente é o que salta aos olhos quando são interpretados, sob a ótica gramatical, o Art. 1.363 do Código de 1916 e o Art. 981 do novel Código, pois a sociedade de fato, na contemporaneidade e à luz do novo Código Civil, tem como centro gravitador o exercício de atividade econômica, o que não se aplica às uniões estáveis homossexuais, cuja razão de ser é a convivência afetiva e não a econômica.
Na Apelação Cível nº 70009791351, julgada pela Sétima Câmara Cível em 10 de novembro de 2004, fica claro que, ao se considerar o Art. 226, § 3º, da Carta Política de 1988, a exceção não pode ser interpretada ampliativamente. Nesse julgado, o Des. José Carlos Teixeira Giorgis afirma que é possível a união estável entre homossexuais (p. 11). A mesma tese é aceita pelo Des. Luiz Felipe Brasil Santos, que entende ser possível a analogia das uniões estáveis homossexuais com as uniões estáveis de que trata a lei (p. 11). Para o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (Relator), a entidade familiar configura-se com o objetivo de prole e, por isso, a “união homossexual não constitui entidade familiar” (p. 7), apesar de esse Desembargador reconhecer que “a dignidade de uma pessoa não está atrelada à sua orientação sexual” (p. 4).
Na Apelação Cível nº 70009550070, julgada pela Sétima Câmara Cível em 17 de novembro de 2004, faz-se judicialmente o reconhecimento da união estável homossexual. A Ementa:
“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE.
É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO.
A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). […]”
Nos Embargos Infringentes nº 70011120573, julgados em 10 de junho de 2005, o Quarto Grupo Cível expressa o entendimento de que a união estável homossexual é uma entidade familiar. A Ementa:
“ação declaratória. reconhecimento. união estável. casal homossexual. preenchi-mento dos requisitos. cabimento.
A ação declaratória é o instrumento jurídico adequado para reconhecimento da existência de união estável entre parceria homoerótica, desde que afirmados e provados os pressupostos próprios daquela entidade familiar.
A sociedade moderna, mercê da evolução dos costumes e apanágio das decisões judiciais, sintoniza com a intenção dos casais homoafetivos em abandonar os nichos da segregação e repúdio, em busca da normalização de seu estado e igualdade às parelhas matrimoniadas.
EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA.”
Agravo de Instrumento nº 70013929302, julgado em 29 de março de 2006 pela Sétima Câmara Cível, tendo como Presidenta e Relatora a Desa. Maria Berenice Dias. A Ementa: “UNIÃO HOMOAFETIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. Existindo divergência quanto ao termo final do relacionamento, deve ser mantida a indisponibilidade dos bens em nome de um dos companheiros até o julgamento final da ação de reconhecimento de união estável. […].”
Assevera a Desa. Maria Berenice Dias, por ocasião de seu voto:
A) “De início, cabe afastar a preliminar de incompetência do juízo. Encontra-se pacificado na jurisprudência deste Tribunal, de forma pioneira na matéria, que é do Juízo de Família a competência para julgamento das ações referentes às uniões homoafetivas” (p. 3) – as Ementas do Agravo de Instrumento nº 599075496 e da Apelação Cível nº 70010649440 são citadas;
B) “No mérito, não merece reforma a decisão proferida. Cumpre destacar que a homoafetividade, temática que veio o Direito albergar extemporaneamente, por meio da jurisprudência, nada se difere das relações heteroafetivas […]” (p. 4) – a Desa. faz citação de trecho do seu livro “União homossexual: o preconceito e a justiça”.
Apelação Cível nº 70013801592, julgada pela Sétima Câmara Cível em 05 de abril de 2006. Fica reconhecido que é juridicamente possível a adoção por casal homossexual. A Ementa é a seguinte:
“APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). […].”
Esse julgado é histórico, semelhantemente aos demais julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul atinentes às uniões estáveis homossexuais, os quais fazem cumprir a Constituição Cidadã de 1988.
Apelação Cível nº 70015169626, julgada em 02 de agosto de 2006 pela Sétima Câmara Cível e cuja Ementa assim está redigida:
“aPELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. RELAÇÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA E DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA SENTENÇA. PRECEDENTES. 1. Não há falar em carência de fundamentação na decisão que deixa de se referir expressamente ao texto de lei que subsidiou a conclusão esposada pelo julgador quanto à decisão do caso concreto. 2. Está firmado em vasta jurisprudência o entendimento acerca da competência das Varas de Família para processar as ações em que se discutem os efeitos jurídicos das uniões formadas por pessoas do mesmo sexo. 3. Não há falar em impossibilidade jurídica do pedido, pois a Constituição Federal assegura a todos os cidadãos a igualdade de direitos e a o sistema jurídico encaminha o julgador ao uso da analogia e dos princípios gerais para decidir situações fáticas que se formam pela transformação dos costumes sociais. 4. Não obstante a nomenclatura adotada para a ação, é incontroverso que o autor relatou a existência de uma vida familiar com o companheiro homossexual. Este relacionamento sequer é negado pela mãe do falecido. 5. A apelante não teve êxito na demonstração de que as aquisições imobiliárias foram feitas por ela e não pelo filho. Por fim, uma vez reconhecida que a convivência formou entre eles uma entidade familiar, aplicam-se, por analogia, ao caso os efeitos pessoais e patrimoniais comuns às uniões estáveis com presunção de formação patrimonial que dispensa prova da contribuição econômica do parceiro. […].”
A Oitava Câmara Cível julga, em 09 de novembro de 2006, a Apelação Cível nº 70017073933, cujo acórdão tem a seguinte Ementa: “APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOSSEXUAL ESTÁVEL. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. É juridicamente possível o pedido de reconhecimento e dissolução de união homossexual estável, bem como o pedido de partilha de bens móveis e indenização por dano moral. […].” Por ocasião de seu voto, o Des. José S. Trindade (Relator) registra que, em sendo considerada a dignidade da pessoa humana, a responsabilidade civil por danos morais também pode ocorrer no âmbito do Direito de Família, incluindo-se a união estável homossexual (pp. 7-8).
Agravo de Instrumento nº 70018249631, julgado pela Sétima Câmara Cível em 11 de abril de 2007, sendo Presidenta e Relatora a Desa. Maria Berenice Dias. No histórico Acórdão, por unanimidade, o dever/direito de visitas é judicialmente reconhecido à companheira homossexual, o que prestigia um dos mais novos paradigmas do Direito de Família: a filiação afetiva. Nesse Agravo de Instrumento, “Pretende a recorrente reformar a decisão que, nos autos da ação de reconhecimento e dissolução de união homoafetiva cumulada com reconhecimento de filiação socioafetiva e regulamentação de visitas ajuizada pela agravada.,fixou visitas ao infante nos sábados das 14h às 18h, em finais-de-semana alternados […]” (trecho consignado pela Desa. Maria Berenice Dias, por ocasião de seu voto, à p. 3).
Conforme registrado à p. 2, a parte agravante entende que “o relacionamento afetivo que manteve com a agravada, não traz como conseqüência jurídica o direito de visitas”. Permita-se registrar que, infelizmente, e à parte as considerações “naturalmente” esperadas de litigantes em processo judicial, ideologias como a apresentada pela agravante (“não traz como conseqüência jurídica”) comprovam o preconceito e a discriminação internalizados em muitos homossexuais, como se as uniões estáveis entre indivíduos do mesmo sexo biológico não fossem análogas às uniões estáveis heterossexuais e não constituíssem uma nova modalidade de família.
Sem sombra de dúvida, fazer justiça exige responsabilidade social, ética e imprescindível respeito à Constituição da República de 1988. Além disso, atuar no Direito de Família requer do magistrado uma sensibilidade aguçada, o que fica bastante evidenciado no belo e emocionante voto da Desa. Maria Berenice Dias.
A Ementa:
“FILIAÇÃO HOMOPARENTAL. DIREITO DE VISITAS. Incontroverso que as partes viveram em união homoafetiva por mais de 12 anos. Embora conste no registro de nascimento do infante apenas o nome da mãe biológica, a filiação foi planejada por ambas, tendo a agravada acompanhado o filho desde o nascimento, desempenhando ela todas as funções de maternagem. Ninguém mais questiona que a afetividade é uma realidade digna de tutela, não podendo o Poder Judiciário afastar-se da realidade dos fatos. Sendo notório o estado de filiação existente entre a recorrida e o infante, imperioso que seja assegurado o direito de visitação, que é mais um direito do filho do que da própria mãe. Assim, é de ser mantida a decisão liminar que fixou as visitas. Agravo desprovido.”
CONCLUSÃO
Gênero, cultura e sociedade constituem um tema deveras polêmico e que deve ser abordado, necessariamente, quando se discutem as uniões estáveis homossexuais, porque as relações de gênero são o retrato vivo da cultura (re)construída numa determinada sociedade. Sob a luz proporcionada pelo estudo dessas relações, devem ser analisados o sexismo, o preconceito, a discriminação, a homofobia e o tratamento jurídico a ser dispensado às uniões afetivo-sexuais estáveis entre indivíduos que têm o mesmo sexo denominado biológico.
A dignidade da pessoa humana é um tema sempre atual, pois se refere imediata e profundamente a um dos elementos essenciais do homem. Mais que isso, a dignidade integra a essencialidade do ser humano. Deve ser estudada por todos, de forma que as consciências se formem com os mais lídimos valores universais e da Lei Maior brasileira, especialmente quando a realidade se mostra incontavelmente pontilhada de violações dos direitos humanos fundamentais e a cidadania, por sua vez, clama por vida e libertação.
Doutrinadores cônscios da verdadeira Justiça e instâncias judiciais que enxergam com acuidade a realidade sócio-histórica já começam a inserir na “juridicidade” as uniões estáveis homossexuais, realmente interpretando a Carta Política de 1988 com vistas ao respeito devido aos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Se a dignidade é inerente a todo e qualquer ser humano, sem exceção; se a igualdade deve ser de todos na lei e perante a lei; se a orientação sexual não é opção de quem quer que seja, haja vista ninguém ser capaz de determinar que será heterossexual, homossexual, bissexual, travesti ou transexual, considerando que essa orientação independe da vontade humana por ocorrer em nível inconsciente; se a homossexualidade não é doença, distúrbio e perversão, mas um produto sócio-cultural, conforme afirma a ciência; não há por que discriminar os homossexuais, impingindo-lhes tratamento indigno e desigualitário no início do século XXI, como se a humanidade ainda vivesse nas trevas intelectuais e permanecesse aterrorizada com perseguições inquisitoriais, atualmente inaceitáveis.
Cabe, portanto, ao intérprete ter essas constatações em consideração inarredável, condignamente exercendo seu relevantíssimo papel de determinar o exato significado das letras legais, sempre à luz da Constituição Cidadã de 1988, especialmente dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, sob pena de serem condenados os brasileiros ao pútrido pântano do continuísmo de um milenar tabu, como se a homossexualidade fosse um pecado a ser rechaçado na interminável fogueira de preconceito, discriminação, homofobia, humilhação e violência em facetas caprichosamente diabólicas, tornando o cotidiano dos homossexuais um psicologicamente insuportável inferno dantesco.
O mesmo chamado de consciência deve ser obrigatoriamente feito aos legisladores e às demais autoridades públicas pátrias, cabendo também à sociedade desfazer-se do maléfico ranço preconceituoso que teve origem em tempos bíblicos, de forma que as conquistas históricas arduamente alcançadas, notadamente no âmbito dos direitos humanos, não sejam desprezadas e essa mesma sociedade não permaneça acorrentada à ideologia que menospreza a dignidade da pessoa humana e a igualdade, dois dos princípios maiores da Carta Política de 1988.
Resta a constatação de que as uniões homossexuais, quando duradouras, públicas e contínuas, são análogas às uniões estáveis de que trata a Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, tendo em vista que, no sistema jurídico brasileiro, cujo alicerce prima pelo pluralismo, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade fundamentam a referida analogia, sendo inconteste a aplicabilidade desta à temática em comento, pois, sendo consideradas também a definição doutrinária e a previsão legal de analogia, fica evidente que duas pessoas não se relacionam afetiva e sexualmente com objetivo de obter lucro, como se se tratasse de sociedade de fato, porém por questões relacionadas ao afeto. A esse respeito, o instituto jurídico mais próximo das uniões homossexuais duradouras, públicas e contínuas é a união heterossexual que apresenta as mesmas características e, por isso, é considerada estável pela mencionada lei. O afeto presente tanto naquelas uniões homossexuais quanto nas uniões estáveis reguladas em lei é precisamente o elemento de ligação entre elas, ensejando aplicação legal e doutrinária da analogia, que tem fundamento constitucional nos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, os quais não admitem exceção.
Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito Constitucional e Direito Administrativo.
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