Em 5 de outubro de 1.999, foi editado o Decreto nº 3.197, que incorporou os termos da Convenção nº 132 da Organização Internacional do Trabalho (“OIT”) ao ordenamento jurídico brasileiro. Assim, o Brasil finalmente ratificou as normas sobre férias anuais remuneradas dessa convenção internacional, que havia sido concluída desde 24 de junho de 1.970.[1]
Nesse sentido, primeiramente, se faz necessário esclarecer qual o marco inicial da vigência de uma convenção internacional, assinada pelo Brasil, em nosso Direito interno. Para alguns, a vigência desses tratados internacionais multilaterais teriam vigência imediata em nosso ordenamento, integrando-o tão logo fosse assinado o tratado.
Porém, com a devida vênia dos internacionalistas que entendam em contrário, discordamos dessa teoria, pois para a assinatura da convenção, no plano internacional, somente se faz necessária concordância do poder executivo, e nosso ordenamento jurídico expressamente abraça a tripartição dos poderes, equilibrada e harmonicamente entre si.[2] Destarte, aceitar que uma convenção internacional teria eficácia no ordenamento interno a partir de sua assinatura, representaria uma afronta ao sistema de checks and balances (freios e contrapesos) consagrado na Constituição Federal.
De outra forma, outros acreditam que a assinatura da convenção se restringiria a um compromisso assumido por um Estado antes os demais signatários, uma norma programática, que integraria o ordenamento pátrio somente depois de devidamente ratificada pelo Congresso Nacional.[3] Assim, sendo observada a submissão da norma à apreciação e aprovação de outro Poder da República, que não apenas o Executivo.
Visto isso, resta claro que a eficácia da Convenção no 132 da OIT no Direito brasileiro tem como dies a quo a publicação do Decreto nº 3.197/99. Não obstante, ainda se faz salutar a resolução de outro impasse, qual seja o da posição hierárquica da norma internacional ratificada através de decreto legislativo face ao direito interno.
Sabe-se que a Constituição Federal Brasileira silenciou acerca do status dos tratados internacionais, dessa maneira convém interpretar analogicamente as disposições constantes na Carta Magna relacionados à hierarquia dos textos convencionais. Nesse diapasão, embora exista posicionamento doutrinário que defenda a inclusão dos tratados como normas supraconstitucionais, urge inicialmente considerar que, como o Supremo Tribunal Federal (“STF”) pode declarar a inconstitucionalidade de tratado internacionais,[4] estas normas internacionais ficam hierarquicamente abaixo da Constituição Federal, uma vez que seria absurdo declarar a inconstitucionalidade de uma norma hierarquicamente acima da Constituição.
Ademais, o texto constitucional também indica que cabe ao Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) julgar, em recurso especial, a contrariedade ou negação de vigência a tratado ou lei federal, posicionando ambas no mesmo patamar, de forma a indicar a equivalência entre os tratados e as leis ordinárias.[5] Da mesma maneira, o Recurso Extraordinário n.º 80.004-SE consagrou o entendimento de que entre tratados internacionais e leis internas brasileiras, de caráter ordinário, existe relação de igualdade normativa e de que essas normas internacionais,[6] portanto, submetem-se à regra lex posterior derogat priori (a lei posterior derroga a anterior).
Mantendo essa linha, o STF pronunciou recentemente no sentido de que:
“(…) os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa”.[7]
Outrossim, embora as convenções internacionais do trabalho ratificadas pelo Brasil, como qualquer lei ordinária, derroguem a legislação anterior em contrário,[8] as mesmas não podem ser invocadas com o escopo de excluir medidas mais vantajosas imperantes no país. Especificamente, sobre o tema, a Constituição da OIT (norma superior às convenções da organização), em seu artigo 19, § 8º, declara que a adoção de uma convenção não importa na alteração ou revogação de qualquer lei, costume ou acordo que garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis.[9]
Esclarecida a dinâmica das convenções da OIT, quando incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, vemos que estas se encontram no mesmo patamar hierárquico que a CLT, Decreto-Lei nº 5.452/43, e a Lei dos Empregados Domésticos, Lei no 5.859/72, ambos legislação ordinária federal. Visto isso, cumpre observar se há alguma contraditoriedade entre tais normas, pois, em havendo, a lei mais benéfica derrogaria a outra, mesmo que esta fosse posterior àquela.
Assim, salta aos olhos o fato de que a ratificação da Convenção no 132 da OIT trouxe mais elementos à discussão acerca da duração das férias do empregado doméstico, sendo certo que já havia divergência doutrinária anteriormente à sua vigência no direito nacional. Dessa maneira, tornando-se necessária uma avaliação da evolução do direito às férias destes empregados peculiares, que contam com legislação específica sobre o tema.
Historicamente, a CLT determinava expressamente que seus dispositivos não se aplicariam aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestassem serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.[10] Dessa forma, a categoria profissional dos domésticos não contou com regulamentação alguma no Direito pátrio até o advento da Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1.972, que consagrou diversas garantias para os domésticos, dentre as quais o direito às férias de 20 (vinte) dias úteis, após cada período de 12 (doze) meses de trabalho, prestado à mesma pessoa ou família.[11]
Sem embargo, a controvérsia acerca das férias do empregado doméstico teve início com a edição do Decreto no 71.885/73, que veio regulamentar a citada Lei dos Empregados Domésticos. Com a edição desta lei, para alguns, as férias do doméstico restaria atrelada às férias da CLT, inclusive quanto a sua duração, conforme abaixo:
“Note bem: já em 1973, a legislação não deixava dúvidas de que os domésticos fariam jus às férias nos Termos da Consolidação das Leis do Trabalho. Na época (1973) a CLT estabelecia 20 (vinte) dias úteis a todos os empregados urbanos”.[12]
Porém, entendemos que tal interpretação restaria sobremaneira equivocada, em hermenêutica extensiva que considera somente a letra legal do artigo 2o do referido decreto. Destarte, cabendo a lembrança de que o artigo 6o do mesmo decreto versa especificamente sobre a duração das férias dos domésticos, de forma a tornar inequívoco que a aplicação do capítulo de férias da CLT deve se dar unicamente no que diz respeito ao modus operandi desta, mas não quanto a sua duração, que foi basicamente mantida, com redação que somente acresceu que ficaria a fixação do período de férias ficaria a cargo do empregador.[13]
Observe-se que à época da edição do decreto a presente discussão seria inútil, pois ambos diplomas legais (CLT e Decreto no 71.885/73) continham as mesmíssimas determinações, tanto quanto a duração, quanto a quem cabia fixar o período de gozo. Não obstante, em 1977, com o advento do Decreto-Lei n.º 1.535 foi dada nova redação ao capítulo das férias (Capítulo IV) da CLT, de forma que o período de gozo passou de 20 (vinte) dias úteis, para 30 (trinta) dias corridos, à luz do artigo 130, inciso I, da CLT.
À partir desta alteração da CLT é que alguns entenderam que, uma vez que a Lei dos Domésticos estabelecia que as férias destes seria nos termos da CLT, a alteração do texto consolidado resultaria em que os domésticos fizessem jus a 30 (trinta) dias corridos de férias.[14] Todavia, conforme já aduzido, não entendemos dessa maneira, pois acreditamos que a expressão “nos termos da CLT” diz respeito somente ao modus operandi das férias, este inalterado com a reforma.
Com a Constituição Federal de 1988, surge nova controvérsia quanto à duração das férias dos domésticos, porque o parágrafo único do artigo 7º da Carta Magna equiparou os empregados domésticos aos urbanos e rurais (celetistas), em alguns direitos, dentre os quais o constante em seu inciso XVII, que versa sobre férias, prevendo seu gozo anual, remunerado com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal.[15]
Sem embargo, restou claro que o único direito referente às férias estendido constitucionalmente aos domésticos foi ao seu gozo anual e com remuneração de, ao menos, um terço a mais do que o salário normal, nada havendo sido dito acerca da duração das férias. Destarte, com a máxima vênia dos que entendem em contrário, cremos que se encontram equivocados os que interpretaram o inciso XVII do artigo 7o da Constituição Federal como sendo a representação do desejo do legislador constituinte em assegurar o direito às férias de 30 (trinta) dias corridos a todos os trabalhadores.
No mesmo sentido, porém utilizando-se de argumento complementar, posiciona-se o jurista Sérgio Pinto Martins, com as seguintes palavras, que transcrevemos:
“Não se pode dizer, porém, que o período de férias do doméstico é de 30 dias, de acordo com o Decreto nº 3.197, pois o decreto não fixa o período de férias do doméstico, nem pode estabelecer direitos trabalhistas, que somente podem ser editados por lei federal (art. 22, I, da CF)”.[16]
A grande e real controvérsia surgiu com a ratificação da Convenção no 132 da OIT, através da edição do Decreto no 3.197, de 5 de outubro de 1.999, uma vez que esta somente exclui os empregados à exceção dos marítimos.[17] Portanto, em estando também os domésticos incluídos no rol dos abrangidos pelas determinações da Convenção, deve-se proceder à análise se houve alguma alteração em seu direito de férias, mormente quanto a sua duração.
Preliminarmente, relembrando que, conforme dito, a Constituição da OIT, em seu artigo 19, § 8º, declara que a adoção de uma convenção não pode importar na alteração ou revogação de qualquer lei, costume ou acordo que garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis. Ademais, se assim não fosse e mesmo não sendo o doméstico amparado pela CLT, entendemos que o princípio da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, consagrado no artigo 620 da CLT, garantiria a prevalência do mais benéfico ao obreiro, por se tratar de princípio geral do direito do trabalho.
Dessa forma, com relação às férias dos empregados domésticos, de 20 (vinte) dias úteis, previstas no artigo 3º da Lei 5.859/72, é que reside a verdadeira celeuma, uma vez que alguns sustentam que houve derrogação da norma específica, pois os domésticos passariam a ter direito a férias anuais remuneradas de 21 (vinte e um) dias e não de 20 (vinte) dias úteis. Isso, porque a Convenção no 132 da OIT determina que a duração das férias não poderá ser inferior a 3 (três) semanas de trabalho a cada ano de serviço.[18]
Entretanto, entendemos que não houve derrogação alguma, pois os 20 (vinte) dias úteis de férias, consagrados no artigo 3º da Lei nº 5.859/72, são mais benéficos do que os 21 (vinte e um) dias do parágrafo 3 do artigo 3o da Convenção nº 132 da OIT, senão vejamos: dia útil é aquele em que há trabalho, assim sendo os 20 (vinte) dias úteis[19] totalizam 23 (vinte e três) ou 24 (vinte e quatro) dias, conforme o caso, enquanto que a norma internacional fala simplesmente em 3 (três) semanas, ou seja, 21 (vinte e um) dias corridos. Assim, sendo claro que a lei especial é mais benéfica do que a norma internacional.
Outrossim, em complemento, cabe grifar que o adicional constitucional previsto no artigo 7º, inciso XVII, da Constituição da República, também aplicável aos domésticos, não sofre alteração com a incorporação da Convenção no 132 da OIT ao Direito pátrio, pois há de ser observada a supremacia da Constituição e, mesmo que não fosse assim, a legislação brasileira é mais benéfica, aplicando-se esta e não a norma internacional, conforme prevê o artigo 19, parágrafo 8 da Constituição da OIT.
Em conclusão, entendemos que não obstante das controvérsias pré-existentes sobre o tema e da ratificação da Convenção no 132 da OIT pelo Brasil, a duração das férias dos empregados continua inalterada, ainda sendo eficaz a norma da Lei nº 5.859/72, que confere 20 (vinte) dias úteis de férias anualmente a esses empregados.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pela Universidade Gama Filho – UGF. Atvogado atuante, notadamente na seara trabalhista, Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio de Janeiro. Autor do livro “Fiscalização do Correio Eletrônico no Ambiente de Trabalho” (Editora Servanda, 2007) e de diversos artigos jurídicos publicados em revistas, jornais, livros e sites especializados em Direito.
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