A incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro

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O fascínio por diferentes culturas e povos não é privilégio apenas dos tempos modernos. Descobertas arqueológicas comprovaram que civilizações muito antigas já possuíam um contato com povos de diferentes regiões do mundo e se relacionavam trocando mercadorias e conhecimentos em áreas como a agricultura e a criação de animais. Esse comércio possuía suas próprias leis e ao passo que novas parcerias eram formadas, outros acordos eram incorporados aos já existentes.


O relacionamento internacional, mesmo nos tempos antigos, inúmeras vezes envolve mais do que apenas relações comerciais. Existem inúmeros tratados sobre cooperação entre os povos, além de acordos com fins políticos, tecnológicos, culturais e ambientais. Infelizmente, porém, algumas dessas relações internacionais geram conseqüências negativas. A aproximação dos países e a diminuição das fronteiras contribuíram inevitavelmente para uma invasão nos relacionamentos humanos, unindo as pessoas mais intensamente do que qualquer época no passado, o que acabou gerando ainda mais conflitos motivados pela intolerância, alargando o já imenso abismo de desigualdade entre ricos e pobres pela exploração inescrupulosa nos países mais pobres. A globalização do mercado financeiro impulsionou outro fator preocupante, o temor de uma crise econômica em um país poder afetar o outro com perspectivas nada boas.


Por certo que tal aproximação também gerou efeitos positivos especialmente com vistas às realizações humanas. Oportunidades de emprego ficaram mais evidentes, assim como a possibilidade de descobertas científicas por meio de cooperação entre países e o surgimento de novos modelos de comportamento e costumes que reforçam os direitos humanos. Além disso, a cooperação entre as nações é um enorme passo para se tentar erradicar a pobreza, a fome e algumas doenças.


A maior interação entre as pessoas também tende (ou deveria tender) a aumentar a solidariedade global. Algumas organizações de direitos humanos têm sido bem-sucedidas em utilizar os recursos da internet para promover suas causas. Só para citar um exemplo, o tratado internacional de proibição de minas terrestres, de 1997, foi conseguido em parte devido ao uso do correio eletrônico a fim de mobilizar diversos grupos de apoio do mundo todo. E um tratado internacional, uma vez incorporado ao ordenamento de um país, vira lei com a obrigatoriedade de ser cumprido.


Um tratado internacional, todavia, não é incorporado imediatamente ao ordenamento de nosso país. O processo de incorporação dos tratados internacionais possui fases e somente na última delas é que será incorporado efetivamente ao ordenamento jurídico brasileiro. Quando os representantes do Poder Executivo se reúnem com diversas autoridades visando debater pontos controvertidos, encontrar a melhor solução e adequação dos dispositivos à real necessidade brasileira, temos a primeira fase, sendo essa competência privativa do Presidente da República, a menos que este delegue essa função. No entanto, o presidente é quem tem a incumbência de enviar a mensagem, uma forma de encaminhamento do tratado ao Congresso Nacional, anexando, inclusive, as necessidades de análise já debatidas juntamente com o tratado.


A segunda fase compete ao Congresso Nacional por força do art. 49, I da Constituição da República, para este analisar o tratado. Deve haver um decreto legislativo porque, ao ser analisado, requer a aprovação por maioria simples na Câmara dos Deputados e do Senado, porém, isso não garante a obrigatoriedade do tratado. Qualquer decreto legislativo não admite sanção ou veto do presidente. Quando o dirigente máximo da nação não concorda, o tratado é engavetado.


O Congresso Nacional, entretanto, não tem a legitimidade para apresentar reservas a um tratado celebrado pelo representante de um Estado. Este, porém, pode apresentar ressalvas que podem se tornar reservas propriamente ditas, ou seja, um ato unilateral de um Estado que, não concordando com a redação de determinado artigo, retira a obrigatoriedade de cumprir esse dispositivo do tratado .


A terceira fase é marcada pelo retorno do tratado ao Poder Executivo, também através de mensagem, e o Presidente da República tem a discricionariedade, ou seja, poderá concordar ou não com as observações feitas pelo Congresso, ratificando o tratado ou não. Se o Poder Executivo resolver ratificar será necessário ainda a promulgação através de decreto executivo. Impende ressaltar a diferença desse ato. A carta de ratificação usada em acordos internacionais em que os países que aderiram a um tratado assinam, tem a função de obrigar o Estado a cumprir com aquele acordo num nível entre relações internacionais. A carta de ratificação, por outro lado, não garante a executoriedade do tratado no ordenamento pátrio. Essa força obrigatória somente virá após a ratificação pelo decreto executivo ou presidencial, pois este ato é que incorpora o tratado ao ordenamento jurídico brasileiro.


Uma vez apresentadas essas ressalvas pelo Congresso, o Poder Executivo não pode desconsiderá-las ficando obrigado a aceitá-las, o que não ocorre com as relações com os outros países signatários do mesmo tratado. Essas ressalvas só obrigam o Executivo e não serão observadas nas relações internacionais. Assim sendo, após ser aprovado pelo Congresso Nacional com a promulgação do decreto legislativo e ratificado pelo Poder Executivo com a respectiva promulgação do decreto executivo, um tratado internacional é, enfim, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro.


Por razão do quorum para a sua aprovação, maioria simples, o Supremo Tribunal Federal entendeu que uma vez incorporado, um tratado internacional passa a ter o status de lei ordinária, obviamente subordinado aos ditames da Constituição Federal, prevalecendo as mesmas regras no caso de conflitos de normas. Um tratado, se mais específico, ou mais recente que uma lei ordinária, irá derrogar a lei, e vice e versa.


O § 3º do art. 5º da Constituição da República, inserido em 8 de dezembro de 2004 pela emenda constitucional nº 45, assim diz:  “Os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Por determinação desse parágrafo, haverá a possibilidade, ainda que remota, de um tratado internacional celebrado pelo Brasil, que verse sobre direitos humanos, se passar pelo crivo do Congresso Nacional e se for aprovado, ser equiparado como emenda constitucional. No entanto, somente para os tratados posteriores a dezembro de 2004, e somente tratados sobre direitos humanos, o que esclarece a interpretação dos parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo 5º, onde dá-nos a idéia de um certo monismo do direito interno brasileiro, cujos tratados seriam incorporados diretamente.


De todos os tratados internacionais já ratificados até hoje, os que versam sobre direitos humanos sem dúvida têm recebido maior ênfase. O crescimento das relações internacionais e os movimentos não-governamentais humanitários abriram o caminho para a conscientização de muitos problemas mundiais envolvendo o ser humano e a busca de soluções. Em 1991, Javier Pérez de Cuéllar, então secretário-geral da ONU, reforçou a necessidade da solidariedade internacional. Apesar dos resultados positivos, muitos temem que os efeitos negativos da globalização possam ser maiores do que os seus benefícios.


Infelizmente muitos governos ainda desconsideram a importância do cumprimento dos acordos internacionais sobre direitos humanos. Governantes insensíveis encaram esses direitos como questão puramente política e quando falta a vontade política de agir e acabar com as violações por certo o resultado será o fracasso. Também a Organização das Nações Unidas tem encontrado dificuldades para conter os abusos e as crassas violações aos direitos humanos.


Ainda hoje culpamos governos pelas violações não só aos direitos humanos, pela inércia ao se deparar com um problema como o do Brasil e Bolívia ou pela recusa em cumprir acordos internacionais. O surgimento de novas leis complexas e extensas com as severidades de suas punições e a incorporação de novos tratados internacionais não obrigará, por si só, os governos a cumpri-las. Da mesma forma que também não conseguirão amainar as diferenças entre os povos para uma convivência pacífica a menos que exista uma vontade livre de influências externas em obedecê-los e a consciência de que a liberdade de uma pessoa termina quando começa a da outra. Idéia essa que está acima de qualquer ideal político.


Leis muito mais simples, a exemplo de “não deves assassinar”, “não deves furtar”, “não deves testificar uma falsidade contra o teu próximo” e “tens de amar o teu próximo como a ti mesmo”, ainda perduram por mais de três mil anos e o autor desse código certamente entendia muito mais de direitos humanos que qualquer pessoa. A ordem envolvia muito mais do que apenas cumpri-las, era preciso incorporá-las ao coração e desenvolver uma mentalidade correta ao executá-las, estando convicto de que aquilo era bom e justo, e que esta era a maneira correta de agir. Este quesito tem faltado não só aos representantes dos Estados, mas também em nós. Por vezes obedecemos às leis apenas pelo receio das sanções, ou aderimos a uma causa humanitária apenas por força da mídia, mas no íntimo fazemos sem a convicção de um senso de justiça ou sem notar a real necessidade de ajudar a quem precisa. Qualquer lei pode orientar-nos e será considerada correta sob vários aspectos, mas somente será efetivamente empregada dentro do fim social buscado pelo Direito se for analisada do ponto de vista moral, dentro daquilo que se espera ser feito pelos outros. Além do mais, esforços bem-intencionados de melhorias podem ficar frustrados por causa de circunstâncias desfavoráveis. Se não houver interesse e vontade de que um tratado seja cumprido será apenas mais uma lei no nosso já tão complexo e imenso ordenamento jurídico.



Informações Sobre o Autor

Bruno Soares de Souza

Acadêmico do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Oeste de Minas – FADOM/Divinópolis/MG


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