Resumo: objetiva o presente contribuir para a melhor compreensão das questões nodais levantadas pelas alterações postas pelo caput do artigo 475-J do CPC, inserido pela Lei nº. 11.232 de 2005 e a sua adequação ao vigente Sistema Processual Civil.
Sumário: 1. A Proposta de Estudo. 2. Uma Panorâmica das Recentes Reformas: a Desestruturação da Execução Civil. 3. A Lei 11.232/2005: Síntese Informativa. 4. A Multa do Artigo 475-J do CPC. 4.1. Aplicabilidade aos Juizados Especiais? 5. O Termo Inicial do Prazo de Espera. 5.1. O Paradigma da Jurisprudência. 5.2. A Filtragem Doutrinária. 5.3. A Tese da Fluência Automática. 5.4. A Tese da Necessidade de Intimação do Devedor. 5.4.1. A Discussão sobre a Necessidade de Intimação Pessoal. 5.4.1.1. A Tese da Suficiência de Intimação pelo Advogado. 5.4.1.2. A Tese da Necessidade de Intimação Pessoal. 5.5. Intimação de Ofício ou mediante Requerimento do Credor? 5.6. A Nossa Opinião. 6. A Multa x Execução Provisória. 7. Voluntário Cumprimento ou Caução em Garantia do Pagamento? 8. A Multa x Possibilidades Patrimoniais do Executado. 9. Direito Intertemporal. 10. Conclusão. 11. Bibliografia.
1. A Proposta de Estudo:
Seguramente, a Lei Federal de nº. 11.232 de 22.12.2005 provocou um grande abalo no sistema jurídico pátrio.
Se de um lado, a doutrina e a jurisprudência se debelam, se mutilam, como há muito não se observava, de outro, os advogados e as partes, atônitos, confusos, ainda não sabem como melhor processualmente agir.
Mesmo que inúmeros livros e artigos específicos tenham sido e venham sendo produzidos, fomentando a produção de teses de mestrado e de doutoramento.
Quadro em que, o autor dessas simplórias linhas não se propõe a ser mais um pensador a cansar os estudiosos do direito ao expor exaustivamente suas convicções, culminando por aderir às vertentes existentes ou mesmo, em arroubos de intelectualidade, descobrir algum “esconderijo entre as vírgulas da lei”, pelo inescrupuloso prazer de conseguir se isolar.
O objetivo é, realmente, mais modesto, ainda que bem trabalhoso: tentar identificar o maior número de correntes doutrinárias existentes, enfileirando os seus adeptos, sobre o tema que se propõe a estudar, o que se fará como se tecendo uma “colcha de retalhos” doutrinária, com declarado objetivo crítico.
O ilustre Leonardo Greco, em primoroso artigo, sobre a Lei Federal número 11.232/2005, demonstrando honestidade intelectual, logo após confessar “se defrontar com muitas dúvidas” afirma que as mesmas, “talvez pudessem ter sido esclarecidas se o meio acadêmico brasileiro se debruçasse com mais interesse sobre os projetos de lei em elaboração”, mas que, infelizmente, “nossos juristas preferem estudar e discutir o alcance das leis depois de aprovadas”.[1]
Panorama que motivou duro prognóstico de um dos mais autorizados processualistas pátrios da atualidade, segundo o qual estamos diante de “mais uma reforma que muito mais deforma que melhora”.[2]
Salientando ainda, de forma aguda, os badalados Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ser essa uma “onda de reformas feitas de atropelo e sem nenhuma responsabilidade com o sistema e com a ciência do processo”.[3]
Palavras que preocupam e nos motivam a escrever o artigo em tela, buscando delinear a “babel doutrinária” que se formou na interpretação da Lei 11.232 de 2005, fruto, inclusive, de indesculpáveis omissões do texto normativo.
Tendo por paradigma, justificando a epigrafe que elegemos por título, a análise do material escrito por dois dos seus mais ilustres comentadores.
O primeiro deles, o sereno mestre gaúcho Athos Gusmão Carneiro, seu aplaudido mentor intelectual e, ao certo, o mais efusivo defensor; o segundo, o grande processualista baiano José Joaquim Calmon de Passos, sem dúvidas, o mais declarado e categorizado crítico desta etapa da reforma.
Ousamos mesmo dizer que se apenas fossemos nos ater aos textos produzidos por Athos Gusmão Carneiro, quase que teríamos a impressão de que a crise da execução dos títulos judiciais teria sido milagrosamente debelada.
Ao ponto que, se formos nos deixar seduzir pelo brilhantismo de J.J. Calmon de Passos, em artigo polêmico, teríamos a apocalíptica impressão de que o fim do ideal de uma frutífera e célere execução de sentença seria iminente.
E se conseguirmos lograr êxito em nosso intuito, nos daremos por satisfeitos, esperando ofertar útil painel doutrinário, sobre as questões que se permitiu enfrentar, ainda que não se tenha a pretensão de esgotamento de tão recente temática.
Averbando, desde logo, e com apoio em Marcelo José Magalhães Bonício, que “nunca é demais alertar que os entendimentos a respeito da nova execução civil ainda estão longe de alcançar um grau de maturidade razoável”.[4]
2.Uma Panorâmica das Recentes Reformas: a Desestruturação da Execução Civil.
Reconhece Leonardo Greco, em substancioso estudo, que “o Direito Processual Civil está hoje na berlinda, questionado por todos quanto à sua eficácia, como instrumento apto a assegurar a tutela jurisdicional dos direitos dos cidadãos e, talvez, não haja setor mais criticado pela sua ineficiência do que o Processo de Execução”.[5]
Pontuando uma de nossas mais privilegiadas penas que, de todos os nossos fantasmas, o que mais assombra é o tempo, “o tempo-inimigo”, que corrói os direitos, o qual até agora não aprendemos combater.[6]
Em cujo contexto, a celeridade ganha ares de princípio fundamental, com vestes constitucionais.[7]
E se a crise na execução era gritante, precisava ser enfrentada, focando-se no ideal da efetividade do processo, pois a morosidade da prestação dos serviços jurisdicionais vem chamando a atenção e preocupando a todos.
Entendendo, de uns tempos para cá, o legislador, que a tradicional separação entre o processo de conhecimento e o de execução consubstanciaria um grave entrave à celeridade da prestação jurisdicional, razão pela qual tratou de buscar eliminá-la, ainda que de forma paulatina, unificando os processos.
Firme na concepção de que “a autonomia do processo de execução não seria absoluta, nem decorreria de uma imposição de natureza científica”.[8]
Quadro em que as reformas foram operacionalizadas para tentar quebrar o distanciamento entre o rigor do tecnicismo da ciência processual e os legítimos anseios dos jurisdicionados.
Sendo que no que diz respeito ao primitivo sistema de estratificação das atividades jurisdicionais em processos autônomos, as modificações surgiram a partir das reformas de 1994.[9]
Devendo se registrar, pois, que a lenta mudança do processo de execução se iniciou com o advento da Lei de nº. 8.952/1994, quanto às sentenças condenatórias de obrigação de fazer e de não fazer.
Quando nosso legislador lançou o germe que resultaria numa verdadeira “desestruturação do processo de execução”.
Passando pela Lei de nº. 10.444/2002, alcançando as sentenças condenatórias de obrigação de entregar coisa certa e coisa incerta.
E apenas restava reformar as sentenças condenatórias de obrigação de pagar quantia certa[10], até mesmo por questão de lógica e de harmonia legislativa.
Sendo, então, de se afirmar que a última etapa da unificação entre os processos de conhecimento e o processo de execução de sentença ocorreu com a Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005.
Provocando, sem nenhum exagero, uma verdadeira revolução no ordenamento processual civil pátrio.
Bastando se ter em mente que “o exame sistemático da ordem processual mostra que tudo foi construído a partir da premissa da distinção e recíproca autonomia entre o processo de conhecimento e o de execução, cada um deles tendo sua vida própria e não representando meras fases de um processo só”.[11]
E foi nessa premissa, nessa verdadeira pedra angular, que o nosso legislador mexeu, “desestabilizando a pureza e a autonomia procedimental do processo de execução, instituindo-se um procedimento híbrido que numa só relação processual procede às duas atividades jurisdicionais”.[12]
Mas, “a novel estratégia no plano teórico não desnatura a sentença condenatória como título judicial, apenas torna a execução desse título interinal, na própria relação de cognição”.[13]
Não deixando de ser atual a clássica afirmação de ser a sentença condenatória o título executivo por excelência[14], por identificar, de modo completo, a norma jurídica individualizada, definindo, inclusive, qual a conseqüência jurídica decorrente da inobservância do preceito.[15]
Atestando o grande mestre gaúcho Ovídio Araújo Baptista da Silva “ser possível se visualizar o sentido das reformas introduzidas como significando uma importante tentativa de libertar-se dos excessos a que nosso sistema foi conduzido especialmente pela exacerbação do racionalismo”.[16]
Nesse contexto, o que se visou foi “construir um sistema inspirado na instrumentalidade do processo, no sentido de proporcionar um conjunto normativo que mais celeremente possa atingir a finalidade de realização última do direito, em se tratando da realização dos efeitos da sentença”.[17]
Constituindo, então, a Lei 11.232/05, mais um esforço legislativo para arrancar a execução da sua crise prolongada, com resultados que apenas a praxe forense irá externar
03. A Lei 11.232/2005: Síntese Informativa.
Atento ao norte esboçado para o nosso estudo, não enfrentaremos todo o conteúdo normativo albergado pela Lei Federal de número 11.232/2005, em relação à qual apenas nos interessa, nesse momento, ter em mente que se trouxe a execução de sentença para o processo de conhecimento.
Sendo imprescindível que não se percam de vista ao menos dois aspectos: “as alterações legislativas da lei 11.232/2005 operaram, topicamente, dentro do processo de conhecimento; pelo que, executar a sentença, na forma do artigo 475-J significa independer da instauração de processo de execução autônomo para tanto”.[18]
Introduzindo nova técnica de efetivação do julgado, na esperança de agilizar o gozo do bem da vida reconhecido pela sentença.[19]
Sendo, então, a novel lei de cumprimento de sentença “animada pelo objetivo pragmático principal consistente em proporcionar a satisfação do direito do credor mais rapidamente, através de uma estrutura normativa mais simples”.[20]
Adotando-se o modelo da “execução fundada em título executivo judicial sem intervalo – sem a necessidade de citação do executado”.[21]
Quadro em que o processo passa a se realizar por fases até a efetiva satisfação do titular do direito e, agora, sem a instauração de uma nova relação processual, perdendo, pois, a execução de título judicial a autonomia que lhe era característica.
Mas, a execução civil não deixou de existir, apenas deixou de ser realizada em processo autônomo em relação ao que gerou a sentença.
Vociferando José Carlos Barbosa Moreira que “raiaria pelo absurdo, note-se, pensar que a Lei 11.232 pura e simplesmente aboliu a execução”.[22]
Em verdade, se “o princípio da autonomia perde seu vigor originário e estrutural, subsiste a autonomia funcional, porém: os atos de realização coativa do direito reconhecido no provimento distinguem-se dos atos que conduziram ao seu reconhecimento”.[23]
Ou seja, “a execução – entendida como a prática de atos materiais de invasão da esfera patrimonial do devedor para, contra a sua vontade, satisfazer-se o credor – continua certamente a existir. Nada obstante a lei passe a falar em cumprimento de sentença, não há dúvida de que, se o devedor não efetuar voluntariamente a prestação que lhe foi imposta no título judicial, necessário será praticar os atos materiais acima mencionados, e isso, até que surja denominação mais adequada ou exata, continua a se chamar execução”.[24]
Aditando o laureado mestre Arruda Alvim, figura maior da escola de Direito Processual da PUC-SP, que “é preciso não deixar de ter presente que subsistem diferenças essenciais entre a fase de conhecimento e a fase de execução, que sempre existiram, mesmo porque essas diferenças decorrem da natureza das coisas”.[25]
Apenas, para a instauração da fase executiva, não mais é necessária uma nova citação, já que o efeito da citação inicial desse processo unitário se estende por todo o seu curso.[26]
Trazendo, a Lei de nº. 11.232/2005, a execução de sentença para o processo de conhecimento, fazendo ingressar, no ordenamento jurídico pátrio, “um novo processo sincrético”.[27]
Quadro em que, a execução de sentença passou a ser uma mera fase do procedimento sincrético, que assim é qualificado “pois não se encerra com a sentença, mas com a satisfação do demandante”.[28]
E a intervenção no âmago da crise da execução civil, além da junção dos processos, se operou, também, para sujeitar, de uma forma mais gravosa, o devedor, às conseqüências do inadimplemento, ante a previsão de meios que lhe trazem o justo receio conquanto às conseqüências de não satisfazer, voluntária e tempestivamente, o crédito judicialmente reconhecido.
Mormente, pela ameaça de incidência da multa de 10% (dez por cento), soerguida pelo caput do artigo 475-J do CPC, sendo exatamente sobre os contornos que envolvem a configuração e a incidência dessa polêmica multa que iremos nos ater no presente estudo.
04. A Multa do Artigo 475-J do CPC:
Segundo estatuiu o caput, do artigo 475-J, do Código de Processo Civil, acaso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou que já tenha sido fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de uma multa de 10% (dez por cento).
Ao que se tem notícia, a disposição é similar ao artigo 548 da Ley de Enjuiciamiento Civil (LECiv) Espanhola de 2000.[29]
Investigando as razões que levaram o legislador pátrio à instituição da multa, pontifica o mais eminente dos processualistas paulistas ser atentatório contra o exercício da jurisdição o devedor que tendo dinheiro, não paga, no prazo legal.[30]
E na opinião de Cássio Scarpinella Bueno, “para fins de convencer o devedor de que o melhor que ele pode fazer é cumprir o que ele tem que cumprir é apenar-lhe monetariamente, tornando sua dívida mais onerosa”.[31]
Mas, para Araken de Assis “a primeira vista, melhor se conduziria o legislador adotando técnica oposta, concedendo benefícios econômicos para o condenado”.[32]
De nossa parte, estamos certos que a escolha por se adotar uma medida de estimulo ou de desestímulo é apenas uma questão de opção política.
Seja como for, indo ao mencionado texto legal, facilmente se extrai que a incidência da multa subordina-se à liquidez da condenação.
Em assim sendo, “quando o valor da condenação depender de liquidação tem-se motivo que impede a imediata exigibilidade da condenação”.[33]
E “neste caso, deverá o credor promover a liquidação da obrigação. Realizada essa e cientificado o devedor, do quantum a ser pago, terá curso o prazo de quinze dias, incidindo a multa em caso de inadimplemento”.[34]
Ou seja, sendo ilíquida a obrigação imposta em sentença, “apenas depois da fase de liquidação terá vez, a multa”.[35]
Mas, importa grifar que “a circunstância de que a dívida reconhecida na sentença deva ser acrescida de parcelas acessórias capazes de serem quantificadas, mediante ‘simples cálculo aritmético’, não impede o transcurso do prazo para o pagamento”.[36]
Sem razão, pois, o prestigiado Vicente Greco Filho, quando entende, de forma minoritária, que quando a condenação depender de liquidação por simples cálculos aritméticos, o prazo de quinze dias não começará a correr, antes de ser efetivada, pelo credor, a liquidação, nos termos dos artigos 475-B a 475-H do Código de Processo Civil.[37]
Ainda que seguido, em erro, d.m.v., pelos renomados Ernane Fidélis dos Santos[38] e Paulo Henrique dos Santos Lucon.[39]
Explicando, com total acerto, Athos Gusmão Carneiro, o mentor da reforma, que “somente impede o transcurso do prazo para o pagamento quando seja necessário o procedimento de liquidação de sentença por arbitramento ou por artigos”.[40]
Não obstando a fluência do prazo para o adimplemento se apenas forem necessários simples cálculos aritméticos.
Ora, “como, na liquidação por simples cálculo, a conta pode ser elaborada pelo devedor, incumbe a ele, a partir do momento em que a sentença se tornou eficaz, realizar a conta em conformidade com os parâmetros fixados em sentença, depositando o valor correspondente no prazo de quinze dias”.[41]
Assim, “como a lei marca um prazo (15 dias) para o devedor cumprir a prestação a que foi condenado (artigo 475-J), a ele também cabe a elaboração da memória de cálculo”.[42]
Incluindo a correção monetária, os juros, as despesas processuais e os honorários de sucumbência.[43]
Não se podendo olvidar que a apuração do quantum debeatur esteja ao alcance do vencido, não sendo essencial, para que se pague o valor devido que se aguarde uma eventual memória de cálculo a cargo do credor.[44]
Então, não há que se subordinar o início do prazo à apresentação de cálculo pelo vencedor.
Até mesmo porque, quando a quantificação depender da elaboração de simples cálculos aritméticos, não há mais, desde o advento da Lei nº. 8.898, de 29/06/1994, propriamente, uma liquidação.[45]
Razão jurídica pela qual, temos por certo que “a multa independe do requerimento da execução. É anterior a isso”.[46]
Sendo essa, ao nosso sentir, a única exegese que se amolda aos princípios que vem inspirando a reforma processual.
Lembrando-se apenas que, “nos casos de sentença que contente uma parte líquida e outra ilíquida poderá o credor promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta”.[47]
Ressaltando, a despeito dessa discussão, que “o objetivo da multa pecuniária consiste em tornar vantajoso o cumprimento e, na contrapartida, onerosa a execução para o devedor recalcitrante”.[48]
Vale dizer, “dissuadir o inadimplemento da sentença que determina o pagamento de soma, tornando desnecessária a execução por expropriação”.[49]
Noutro passo, urge se salientar estarmos diante de multa que “vale, exclusivamente, para a execução de sentença condenatória, admita-se ou não o efeito executivo, em qualquer outra espécie de sentença”.[50]
E não temos dificuldade de concordar com Araken de Assis, quando afirma que “o artigo 475-J, caput, aplica-se a todos os títulos do artigo 475-N, em que haja o reconhecimento do dever de prestar” [51], posto que, em tais casos, há condenação.
No mais, segundo anota Marcelo Abelha Rodrigues, “está afastada a possibilidade de incidência da multa quando o título executivo for uma sentença declaratória que reconheça a obrigação”.[52]
E tal observação é relevante por existir prestigioso setor doutrinário e jurisprudencial, do qual nos afastamos, a afirmar que o legislador, pelo inciso I, do artigo 475-N, do CPC, teria conferido eficácia executiva também às sentenças declaratórias.[53]
De nossa parte, entretanto, não nos convence, os argumentos, nem mesmos os exemplos que são oferecidos pelo setor minoritário de nossa doutrina, quando defende a eficácia executiva de determinadas sentenças declaratórias.
Concepção que é devastada por Araken de Assis, segundo o qual, “quando se diz que a sentença declaratória pode constituir título, bastando, para tanto, que a sentença reconheça a existência da obrigação, não se percebe que, em tal caso, há condenação. Em nada difere, nesse sentido, a afirmação de que tem eficácia executiva a sentença declaratória que traz a definição integral da norma jurídica individualizada. Também ai, simplesmente, há condenação”.[54]
Tanto que ao interpretar o inciso I, do artigo 475-N, do Código de Processo Civil, em cujos termos é título executivo judicial “a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”, não vacilam, José Eduardo Carreira Alvim e Luciana G. Carreira Alvim Cabral, em afirmar que, “trata-se, no fundo da sentença condenatória”.[55]
E por se cuidar de verdadeira condenação, rende ensejo à aplicação da multa prevista no artigo 475-J, atendidos os pressupostos aí estabelecidos.[56]
Panorama em que a sentença civil declaratória continua não sendo exeqüível.[57]
Devendo-se ainda grifar que existe sólida doutrina a sustentar que o inciso I, do artigo 475-N, padece de inconstitucionalidade.
Sob o argumento de que houve mudança substancial, e não apenas de redação, em seu conteúdo, no Senado[58], em relação àquele que havia sido aprovado na Câmara dos Deputados.
Pontificando enfaticamente Carlos Alberto Carmona ser “claro que há diferença ontológica entre o que estava no Projeto de Lei aprovado na Câmara dos Deputados e o que foi aprovado no Senado Federal”.[59]
Sendo-lhe imputável irremediável inconstitucionalidade, por violação frontal ao texto do parágrafo único, do artigo 65, da CRFB de 1988.[60]
Avançando um pouco mais, além de não se aplicar às sentenças declaratórias, a multa também não atinge as sentenças constitutivas.
E o legislador apenas previu a incidência da multa quando se estiver diante de sentença, nos parecendo não se justificar interpretação extensiva que propugne pela sua admissibilidade quando diante de uma decisão interlocutória proferida frente a uma ação condenatória.
Assim, ousamos nos permitir discordar do eminente processualista paulista Sérgio Shimura, quando esse defende a sua incidência nas hipóteses de descumprimento das chamadas “decisões interlocutórias com força de sentença condenatória”, também conhecidas por “decisões interlocutórias executivas”, como, por exemplo, nas hipóteses de concessão, pelo juiz, de antecipação de tutela, diante de parcela incontroversa do pedido.[61]
O texto legal não permite dúvidas: a multa incide apenas se não houver voluntário cumprimento de sentença condenatória que imponha obrigação de pagar quantia certa, não sendo, pois, aplicável às decisões interlocutórias, de nenhuma espécie.
Sendo odiosa uma interpretação extensiva em desfavor do devedor.
Quanto à natureza jurídica da multa, é controvertida.
Reconhecidamente, trata-se de uma “técnica de aceleração do processo”.[62]
Que desfruta, ao nosso sentir, de escancarada feição de meio de coerção.
Pois “a letra da lei deixa entrever, de forma inequívoca, que a multa tem natureza de meio de coerção, prevista como meio de vencer a obstinação do devedor em não cumprir o julgamento”.[63]
E “como medida coercitiva, é modalidade de execução indireta”.[64]
Inserindo-se no seleto rol das técnicas de tutela disponíveis para a efetivação das decisões judiciais.
Sem qualquer razão, ao nosso sentir, os mestres paranaenses Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, quando entendem que esta multa não teria caráter coercitivo, pois não constituiria instrumento destinado a constranger o réu a cumprir a decisão.[65]
Sinceramente, não vemos como não se enxergar o intuito legal de exortar, através dessa medida de apoio, o devedor, a pagar.
Mas, não se trata, ao nosso alvitre, apenas de um meio de coerção.
Sendo, ainda, uma “multa punitiva”.[66]
Ou seja, “uma pena pecuniária aplicável ao devedor que se atrasa no pagamento da prestação que lhe foi imposta”.[67]
Afirmando, assim, Leonardo Greco que “o dispositivo cria, então, um autêntico dever processual, de cujo descumprimento a multa é a correspondente sanção“.[68]
Entretanto, Araken de Assis[69] e Luiz Rodrigues Wambier[70] lhe negam a natureza punitiva, por entenderem tratar-se, apenas, de uma medida coercitiva.
Dos quais temos que discordar, por nos parecer muito nítido que o legislador soergueu uma sanção processual, em punição à eventual inércia do devedor.
Sendo mesmo “uma típica multa penitencial”, no elucidativo parecer do cerebral Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.[71]
E, de nossa parte, não vemos óbice algum em considerar a multa, em abstrato, como uma ameaça legal (meio de coerção) e, em concreto, como uma sanção (medida punitiva).[72]
Assistindo razão, pois, ao mestre Carlos Alberto Carmona, quando este afirma se tratar, essa multa, de um “misto de mecanismo de coerção e pena”.[73]
Sendo expresso, nesse sentido, Sérgio Shimura, quando afirma que “essa multa, além do caráter punitivo, exerce também função coercitiva”.[74]
Ultrapassada essa discussão, importante enfrentar a questão sobre que verbas incidiriam a multa, podendo-se observar que vem se consolidando o entendimento segundo o qual, essa incidiria “não só sobre o principal como sobre os acessórios: correção monetária, honorários, juros legais, etc”.[75]
Ou seja: a multa incidiria sobre o valor total da condenação.[76] Desfrutando da concordância, no particular, de Nelson Nery Júnior e de Rosa Maria de Andrade Nery.[77]
Dizendo ainda o moderno Cássio Scarpinella Bueno que “afasta-se, pois, que o dispositivo seja interpretado como se montante da condenação fosse montante da obrigação inadimplida”.[78]
Particularmente, ousamos discordar e entendemos que a multa deva incidir apenas sobre o valor originário da obrigação, pois o texto legal não primou pela clareza, firme no princípio geral da execução segundo o qual a mesma deva se desenvolver da maneira menos gravosa possível para o devedor.
Ensina o grande mestre Cândido Rangel Dinamarco, folgadamente o maior processualista civil paulista da atualidade, que “a lei busca o adequado equilíbrio entre os interesses das partes em conflito, para que a execução seja tão eficiente quanto possível, com o menor sacrifício possível ao patrimônio do devedor”.[79]
Invocável ainda a excelência de magistério de Alcides de Mendonça Lima, que agudamente grifava a necessidade de se “selecionar e dimensionar meios executivos, na pendência da execução, de modo que o devedor sofra o menos possível para a plena satisfação do credor”.[80]
Não sendo, então, ao nosso alvitre, sequer razoável a interpretação que a doutrina majoritária vem acolhendo, privilegiando o credor, em detrimento do devedor, se afastando de um ideal de execução equilibrada.
Estando, pois, a questão lançada a maiores reflexões.
Tratando-se, a despeito dessa pendenga, de uma multa única que não se amplia em razão do tempo de atraso, a qual o juiz não está autorizado a diminuir nem majorar.[81]
Isso, contudo, “não significa que as partes não possam fazer um acordo, abatendo a multa do valor da dívida”.[82]
Sustentando Luiz Rodrigues Wambier “não poder o juiz optar entre esta ou outra medida de coerção”.[83]
Incide, no caso, o princípio da tipicidade das medidas executivas segundo o qual não o juiz, mas a norma jurídica é que estabelece quais medidas executivas devem incidir, bem como o modo de atuação de tais medidas.[84]
Não pode optar, nem, acrescentamos, cumular com outra sanção, como, por exemplo, a multa diária.
Sem prejuízo, apenas, de também serem impostas as penas do artigo 14 do CPC, se for o caso.[85]
Afirmando, ultrapassando-se mais essa discussão, José Roberto dos Santos Bedaque, renomado professor titular de Direito Processual da veneranda Faculdade de Direito da Universidade do Largo São Francisco, que “subsiste a sanção mesmo se o devedor realizar espontaneamente o pagamento após o término do prazo”.[86]
Assim, “o tardio cumprimento da sentença não livra o devedor da multa já incidente”.[87]
Não se podendo, d.m.v., concordar com o isolado parecer de Flávio Luiz Yarshell, quando esse afirma que a multa possa e deva ser relevada quando o pagamento vier aos autos, findo o prazo de espera, mas antes de instaurados os atos executivos, uma vez que o objetivo colimado pela lei teria sido atingido.[88]
Devendo, já se avançando um pouco mais, a polêmica “multa ser revertida em favor do credor”, segundo esclarece Carlos Alberto Carmona.[89]
Então, “pelo sistema, reverterá, ao credor, a pessoa prejudicada pela mora no pagamento”.[90]
Não sendo o crédito correspondente revertido ao Estado-Juiz.
Conforme o texto legal, o devedor tem o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário da obrigação de pagar, sob pena de multa de dez por cento.
Lapso temporal ao qual o inspirado Araken de Assis vem chamando de um “prazo de espera”.[91]
Prazo de espera “antes do qual não se poderá dar início ao módulo processual executivo, mediante requerimento do credor”.[92]
Dispondo “o devedor desse prazo quinzenal para pagar a quantia certa”.[93]
Prazo que “o juiz não poderá alargar, nem mesmo restringir”.[94]
Mas que pode ser alterado, segundo entendemos, pelo alvitre das partes, por se tratar de um típico prazo dilatório e não de um prazo peremptório, haja vista o teor dos artigos 181 e 182 do CPC.
Nos parecendo, pois, exato o parecer de Luiz Guilherme Marinoni e de Sérgio Cruz Arenhart, que afirmam que o prazo de quinze dias deveria ser visto apenas como regra subsidiária.[95]
Sendo certo que, em sua contagem, face à sua natureza processual, são aplicáveis as regras gerais, muito particularmente o artigo 184 do Código de Processo Civil, excluindo-se o dia do começo e incluindo o do vencimento.[96]
E mais, se o 15º dia cair em dia em que não há expediente forense, fica prorrogado até o primeiro dia forense útil.[97]
Quanto ao percentual de 10% (dez por cento), Alexandre Freitas Câmara chega a afirmar “que o legislador teria sido tímido”.[98]
Mas, para Antonio Cláudio da Costa Machado, “representa sanção econômica pesada para o devedor”.[99]
Temos para nós que apenas o caso concreto revelará se a multa será pesada ou não, dependendo inclusive da situação econômica do devedor.
Avançando um pouco, para fins de se afastar a multa, é “irrelevante a circunstância de ter o devedor oposto, ou não, a impugnação permitida pelo artigo 475-J, parágrafo 1º, do CPC”.[100]
Mas, a mesma, “sempre que a impugnação vier a ser integralmente acolhida, afastando a obrigação de pagar quantia, não subsistirá”.[101]
“Pois o devedor não terá que pagar sequer o principal”, conforme esclarece o aclamado Humberto Theodoro Júnior.[102]
E, segundo Leonardo Greco, “em sendo provido eventual recurso do devedor, ficará sem efeito a multa”.[103]
Por uma e única razão jurídica: “a multa do artigo 475-J do CPC não existe autonomamente em relação à obrigação principal”.[104]
Interpretações as quais aderimos, sem ressalvas.
Sendo apenas certo que, acaso haja pagamento parcial dentro do prazo legal, incidirá a multa sobre a diferença – artigo 475-J, parágrafo 4º, do CPC.
Devendo, por fim, se pontificar que “não há necessidade de prévia estipulação da sanção no título” [105], nos parecendo despropositada a posição em contrário de Luiz Rodrigues Wambier.[106]
A prévia e suficiente estipulação é a posta pela lei.
4.1. Aplicabilidade aos Juizados Especiais?
Em sendo firme o parecer doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o Código de Processo Civil seja subsidiariamente aplicável aos feitos regidos pela Lei nº. 9.099/1995[107], quando essa for omissa e não houver incompatibilidade entre os regimes, é de se questionar se seriam ou não aplicáveis, as indigitadas alterações introduzidas pela Lei de nº. 11.232/2005, aos feitos que corram perante aos Juizados Especiais Cíveis Estaduais.
E vem se reconhecendo, em nossa jurisprudência, mansamente, ser aplicável o novel regime do artigo 475-J do Código de Processo Civil aos feitos regidos pela Lei de nº. 9.099 de 1995, entendimento esse que foi definitivamente consagrado pelo Enunciado de número 97 do FONAJE, bem como, pelo verbete de nº. 13.9.3, da Consolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis e Administrativos em vigor resultantes das discussões dos encontros de juízes de juizados especiais cíveis e turmas recursais do Estado do Rio de Janeiro, público pelo Aviso T.J nº 39, de 03/09/2007.
Ou seja, no Rio de Janeiro, se pacificou o entendimento no sentido de que as alterações introduzidas pela Lei nº. 11.232/2005, sejam aplicáveis aos feitos regidos pela Lei 9.099/1995.
Não dando eco ao diagnóstico de Araken de Assis segundo o qual, “sempre de olhos fitos nos princípios que regem a execução nos juizados, repugna a idéia de aplicar a sanção da multa de dez por cento, sem texto expresso, fortalecendo a tese de que o regime do artigo 475-J do CPC aplica-se apenas residualmente em lei especial”.[108]
Sob o argumento, ainda pouco foi enfrentado, de que a interpretação conjunta do caput e do inciso III, do artigo 52, da Lei 9.099/1995, pré-excluiria a aplicabilidade do artigo 475-J do CPC.
Ao qual nos rendemos, manifestando nossa expressa adesão.
Merecendo, parece-nos, a questão, maiores reflexões.
Sendo, entretanto, forçoso se reconhecer ser vitoriosa a corrente daqueles que, v.g., como Alexandre Freitas Câmara[109] defendem a idéia de ser aplicável o indigitado artigo 475-J do CPC aos feitos regidos pela Lei nº. 9.099 de 1995.
Lamentando-se, apenas, o total silêncio do texto legal, que, a bem da segurança jurídica, poderia e deveria ter regrado a questão, evitando toda essa celeuma.
5. O Termo Inicial do Prazo de Espera:
Assim, o devedor tem de pagar a quantia que for identificada no título executivo judicial, dispondo de quinze dias para fazê-lo, sob pena de terem início as providências descritas nos parágrafos do artigo 475-J, do CPC.[110]
E muito se vem discutindo, qual o termo inicial para a contagem desse prazo de quinze dias para voluntário cumprimento, o que é natural, por se tratar de dispositivo inédito, sem precedentes no direito pátrio.
Seguramente, trata-se da questão mais polêmica, entre as alterações que foram introduzidas pela Lei 11.232/05 e a solução, ante ao lamentável silêncio do nosso legislador, depende da análise conjunta de 02 (dois) elementos: a sua admissibilidade, ou não, antes do trânsito em julgado; e a necessidade, ou não, de uma intimação específica para a sua fluência.
5.1. O Paradigma da Jurisprudência:
Em sede de jurisprudência, o firme paradigma é o acórdão proferido, à unanimidade de votos, pela Egrégia Terceira Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em 16 de agosto de 2007, em julgamento ao Recurso Especial de nº. 95485-9/RS, tendo por relator o Ministro Humberto Gomes de Barros, quando se decidiu, ao nosso sentir com acerto, que o prazo flui do trânsito em julgado, de forma automática, sem qualquer nova intimação de advogado ou de parte, além de afirmar responder, civilmente, o advogado, pela eventual não comunicação ao devedor.
Começando o Superior Tribunal de Justiça, pois, a cumprir o seu papel de uniformizador da interpretação da lei federal, ainda que, eventualmente, as suas demais Turmas possam alterar essa inicial manifestação.
Sendo esse o entendimento proclamado pelo Enunciado de nº. 105 do FONAJE.
Não obstante ser forçoso se reconhecer que os Tribunais de Justiça que estão espalhados pelo Brasil oscilam, e muito, quando enfrentam a questão, nos termos que ainda nos permitiremos pontuar, com a apresentação de alguns precedentes de jurisprudência que conseguimos identificar, o que se fará nos tópicos que seguirão ao presente.
Parecendo-nos, pois, exacerbada a opinião manifestada pelo insigne José Rogério Cruz e Tucci, ao afirmar que representa, o mencionado acórdão do STJ, “uma descabida emboscada para o advogado”.[111]
5.2. A Filtragem Doutrinária:
Acreditamos, sinceramente, ingressarmos, aqui, no âmago desse nosso modesto artigo.
Posto que, como aventado, é em sede doutrinária, que o artigo 475-J do CPC vem suscitando mais dúvidas, buscando-se precisar qual seja o termo inicial do prazo para o voluntário cumprimento, discutindo sobre a necessidade ou não de intimação específica para o adimplemento; bem como sobre a incidência ou não, da multa, antes do trânsito em julgado da decisão judicial.
Até mesmo por que, “o caput do artigo 475-J e, de resto, a totalidade da Lei 11.232/2005, não traz nenhuma informação clara a respeito do prazo de quinze dias”.[112]
Pois, “na verdade, como a regra não esclarece quanto tem início o cômputo do prazo de quinze dias, também não se tem por certo o instante em que a multa deverá incidir”.[113]
E discussão deixaria de existir se o texto da lei fosse claro, dispondo acerca do início do prazo.
Quadro em que passaremos a expor os contornos das principais teses e correntes doutrinárias que se formaram no seio de nossa melhor doutrina, para que possamos, após, finalmente, externarmos de forma um pouco mais detalhada, a nossa opinião.
5.3. A Tese da Fluência Automática:
Uma primeira grande corrente, liderada por Araken de Assis[114], Athos Gusmão Carneiro[115] e Luiz Guilherme Marinoni[116], sustenta que o prazo para o cumprimento voluntário se inicia quando a sentença se torna exeqüível, por ter ocorrido o trânsito em julgado ou por ter sido alvejada por recurso ao qual não se atribua efeito suspensivo.[117]
Prazo que fluiria ope legis, sem a necessidade de uma específica intimação de advogado, nem mesmo de intimação pessoal do devedor.[118]
Nesse mesmo sentido, marcham os diagnósticos de José Roberto dos Santos Bedaque[119] e de Flávio Luiz Yarshell.[120]
Salvo engano, também assim, Leonardo Greco.[121]
Acrescentando-se, entre os seus adeptos, que “o advogado, ao ser intimado da sentença, naturalmente já ficará intimado de que o devedor, a quem ele representa em juízo, deve pagar no prazo concedido em lei”.[122]
Lecionando Luiz Fux, categorizado Ministro do STJ, que “a prévia ciência do devedor destinatário da sentença quanto ao reconhecimento de sua obrigação dispensa nova citação ou intimação para pagamento”.[123]
Entendendo-se, com arrazoado de argumentos, que o devedor já esteja ciente do valor da condenação, através do seu representante, que é o advogado.
Afirmando-se que “era idéia fixa do legislador dispensar nova citação, na fase de cumprimento, economizando tempo precioso e evitando percalços na sempre trabalhosa localização do devedor”.[124]
Quadro em que, para essa corrente, “quando o recurso não tem efeito suspensivo, o prazo flui a partir do instante em que o réu tem ciência da decisão”.[125]
Assim também, “se o devedor não tiver recorrido, o prazo de quinze dias começa a correr, automaticamente, a partir da intimação da sentença.”.[126]
Segundo esse setor da doutrina, o prazo fluiria a partir da intimação da sentença condenatória por quantia, mesmo quando não houver recurso.[127]
Fluindo, pois, o prazo de espera, desde o instante em que a decisão jurisdicional a ser cumprida reúna eficácia suficiente, mesmo que de forma parcial.
Isto inclusive quando a hipótese comportar execução provisória.
Lembrando esses, em apoio, que “o efeito condenatório da sentença não se opera apenas com o trânsito em julgado”.[128]
Ou seja, “o prazo flui, automaticamente, quando a sentença se tornar exeqüível, ainda que provisoriamente”, adita Athos Gusmão Carneiro.[129]
Tese essa que veio a ser encampada, em nítido precedente de jurisprudência, pela 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no monocrático julgamento, no dia 24/10/2007, do Agravo de Instrumento de nº. 2007.00229789, pelo Desembargador Lindolpho Morais Marinho.
Tratando-se de uma pretensa interpretação literal da norma, que se amolda, afirmam esses, ao espírito da reforma.
Devendo-se apenas se ter em mente que “se o recurso interposto tem efeito suspensivo, é lógico que a multa não incide, porque a exigibilidade da sentença foi obstada”.[130]
E tal concepção nos leva a uma dificuldade: segundo anotou Marcelo Abelha Rodrigues, se o efeito suspensivo for ex-lege, o juiz, ao receber o recurso irá declará-lo, com eficácia retroativa; ao passo que se o efeito suspensivo não for ex-lege, quando o juiz receber o recurso, se o deferir, se dirá, então, que o mesmo ostenta natureza constitutiva, com eficácia não-retroativa, quadro em que a multa já teria incidido, tão logo tenha decorrido o prazo para efetuar o pagamento.[131]
Mas, ao sentir de Alexandre Freitas Câmara, no momento em que a sentença é proferida, a mesma ainda é ineficaz, não podendo ser efetivada, nem provisoriamente, antes de ser recebido eventual recurso que seja desprovido de efeito suspensivo.[132]
Quadro em que, segundo o mencionado jurista, o prazo de espera não correria antes do recebimento do recurso desprovido de efeito suspensivo.[133]
Assim, quando do recebimento do recurso, a multa ainda não teria incidido.
E tal celeuma, aos nossos olhos, apenas enfraquece a tese de ser admissível a multa em sede de execução provisória.[134]
Mas, voltando-se à tese da fluência automática, da qual ora estamos tratando, se observa, em nítida variante, segundo doutrina de Guilherme Rizzo Amaral, que, se nas hipóteses em que a decisão judicial for exeqüível de forma definitiva, o prazo flui, do trânsito em julgado, automaticamente, sem depender de qualquer intimação; nas hipóteses em que for provisoriamente exeqüível, dito prazo flui a contar da intimação do devedor, por seu advogado constituído nos autos, via diário oficial, para o cumprimento provisório da obrigação de pagar quantia certa.[135]
Que, em precedente de jurisprudência, veio a ser acolhido pela 18ª Câmara Cível do TJ-RJ, quando do monocrático julgamento, no dia 06/11/2007, do Agravo de Instrumento de nº. 2007.002.18853, pelo DES. Jorge Luiz Habib.
Linha de pensamento que nos parece ser isolada.
Não podendo, em absoluto, ser enfileirada naquela primeira grande face da doutrina, que, sem diferir as hipóteses em que a decisão seja exeqüível de forma provisória ou definitiva, afirma que o prazo flui independente de qualquer sorte de intimação.
Observe-se, ainda, que existem alguns outros autores, de renome, como, v.g., os gaúchos Carlos Alberto Álvaro de Oliveira[136] e José Maria Rosa Tesheiner[137], os quais, não obstante entenderem desnecessária a nova intimação para a fluência do prazo de 15 dias, afirmam, expressamente, que o termo inicial seja o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Gozando do expresso concorde de Petrônio Calmon.[138]
Não se enquadrando, também esses, na primeira corrente de nossa doutrina, representando tese autônoma e substanciosa, encampada pela 3ª Turma do E. STJ no julgamento do Recurso Especial nº. 95485-9/RS.
Igualmente, pelo Enunciado de nº. 105 do FONAJE e pelo verbete de nº. 13.9.1, da Consolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis e Administrativos em vigor resultantes das discussões dos encontros de Juízes de Juizados Especiais Cíveis e Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro, público pelo Aviso TJ de nº 39, de 03/09/2007.
Bem como pela Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, quando do julgamento, à unanimidade de votos, no dia 24/04/2007, do Agravo de Instrumento de nº. 1.0194.06.06194-6/001, nos termos do voto do Desembargador Pedro Bernardes.
Acrescentando-se que, segundo o Enunciado de nº 106 do FONAJE, o depósito do valor da condenação deverá ser feito perante o juízo singular de origem, ainda que os autos estejam na instância recursal, acaso haja dificuldade de pagamento direto ao credor.
Orientação que foi acolhida pelo verbete nº 13.9.4 da Consolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis e Administrativos que estão em vigor resultantes das discussões dos encontros de juízes de juizados especiais cíveis e turmas recursais do Estado do Rio de Janeiro, público pelo Aviso T.J de nº 39, de 03/09/2007.
Merecendo, apenas, essa variante, um reparo terminológico: não se fará depósito algum, perante o juízo singular de origem:
O que se fará é o pagamento, juntado nos autos.
Assistindo, pois, razão ao percuciente José Maria Rosa Tesheiner, quando pontua que “não se trata de depósito, que deva ser autorizado pelo juiz, mas de pagamento, que independe de autos”.[139]
Mas, “nada impede que se pague diretamente ao credor e, juntado o recibo, o juiz encerre o processo”.[140]
Temos, então, duas iniciais grandes correntes sobre o tema:
Uma primeira, que além de repudiar a necessidade de intimação da parte, afirma que o prazo flui antes mesmo do trânsito em julgado, quando a decisão judicial for alvejada por recurso ao qual não se atribua efeito suspensivo.
Outra, que, mesmo sem exigir a intimação do devedor, não admite a fluência do prazo, antes do trânsito em julgado – a qual nos rendemos.
Que são unidas pelo firme entendimento de que o prazo de quinze dias flua automaticamente.
Ambas, em doutrina, minoritárias.
5.4. A Tese da Necessidade de Intimação do Devedor:
Uma terceira corrente, liderada por José Carlos Barbosa Moreira[141], Cândido Rangel Dinamarco[142] e Antonio Carlos de Araújo Cintra[143], repudia a tese de fluência automática do prazo para voluntário cumprimento.
Defendendo, então, a necessidade de intimação do devedor, para o voluntário e tempestivo cumprimento da obrigação de pagar quantia certa.
Isso “em homenagem ao princípio da segurança jurídica”, inclina-se a magistral Ada Pellegrini Grinover.[144]
Lembrando J.C. Barbosa Moreira que, “em mais de um caso, pode surgir dúvida sobre o momento em que se configura a exeqüibilidade. Pense-se, por exemplo, na hipótese de sentença objetivamente complexa, cujos capítulos se tornem irrecorríveis em diferentes momentos”.[145]
Afirmando, então, o maior processualista brasileiro, que, tal quadro, “suscita uma injustificável incerteza acerca do começo da incidência da multa. Afigura-se preferível situar o dies a quo da incidência (da multa) em momento inequívoco. Daí optarmos pela necessidade de intimar-se o executado – que se harmoniza, por sinal, com o disposto no artigo 240, caput, do CPC”.[146]
Concluindo, nesse prisma, Carlos Alberto Carmona que “a intimação, não prevista em lei, terá a vantagem de evitar dúvidas sobre o prazo para cumprimento voluntário do preceito”.[147]
Salientando-se, em apoio, que “a fluência de prazos processuais não pode depender de impressões subjetivas”.[148]
Afirmando alguns, entretanto, num purismo que reputamos muito deplorável, que aparenta ignorar, por completo, com as vênias de estilo, os ideais da reforma processual, que não se poderia aceitar a idéia da suficiência da intimação da sentença, feita assim que esta é proferida, que teria por nodal finalidade dar às partes conhecimento da decisão e abrir-lhes a possibilidade de impugná-la, mas não se prestaria a determinar seu cumprimento, o que reclamaria uma específica intimação.[149]
Muito respeitosamente, nos parece cristalino que as partes devem ser intimadas do teor da decisão judicial, nos termos da lei, para, se quiserem, recorrerem e, inclusive, diligenciar o seu pronto cumprimento.
Exato o mestre Humberto Theodoro Júnior ao afirmar que “não há, pois, duas intimações para que o prazo de cumprimento de sentença condenatória transcorra, donde inexistir necessidade de outra intimação que não aquela normal do ato judicial”.[150]
Seja como for, a intimação em questão, segundo minoritário setor da doutrina, seria do trânsito em julgado da decisão condenatória.
Identificando-se, nesse passo, precedente de jurisprudência segundo o qual, “o prazo para cumprimento espontâneo da condenação se inicia com a simples publicação do despacho pelo qual se dá conhecimento ao devedor de que a sentença transitou em julgado”.[151]
Ainda que existam autores, como, v.g., Carlos Alberto Carmona, que em ligeira variação, defendam que “a intimação deva ser conquanto à baixa dos autos”.[152]
Quando o prazo de espera fluiria da intimação às partes da chegada do processo ao juízo da causa.[153]
Sob o nodal argumento de que “a ausência de autos em primeiro grau é dificuldade prática que pode constituir óbice ao cumprimento espontâneo da obrigação”.[154]
Já que o devedor, no mais das vezes, teria a necessidade de amplo acesso aos autos do processo, conferindo as respectivas datas, para contar os juros e a correção monetária, pois caberá a ele calcular o valor exato da dívida.[155]
Mesmo assim, não nos parece mesmo nada razoável a exegese que exige a intimação do “cumpra-se o venerando acórdão”, para a fluência do prazo de espera.
Exato, no particular, José Maria Rosa Tesheiner, ao pontuar que “isso implicaria a concessão de um prazo, que pode estender-se por vários meses, a um devedor já condenado porque deve e porque em mora”.[156]
Ora, se os autos se encontram em instância superior, as partes tem o dever de acompanhá-lo, e, assim, o devedor deverá estar preparado.[157]
Assistindo, então, razão ao moderno mestre gaúcho Guilherme Rizzo Amaral, quando aponta para a “premente necessidade de serem eliminadas as etapas mortas do processo, tal qual a que se instauraria entre o trânsito em julgado e a baixa dos autos à origem”.[158]
Reverberando, ainda, Petrônio Calmon que “o velho e inútil despacho cumpra-se o venerando acórdão, que nunca teve qualquer sentido, já que o acórdão deve ser cumprido por sua própria força e não porque o juiz de primeiro grau está determinando, deverá agora ser banido totalmente da prática judiciária, pois poderá gerar confusão na mente do jurisdicionado”.[159]
Para nós, de forma irrespondível.
Devendo-se, a despeito dessa discussão, apenas, se registrar que, entre os que exigem a intimação para a fluência do prazo, é bem majoritário o entendimento de que a multa também incida em sede de execução provisória.
E, por questões de didática de exposição, apenas no tópico de número 06, do presente estudo, melhor enfrentaremos a polêmica sobre a fluência ou não do prazo de espera, antes do trânsito em julgado.
Quadro em que, nesse momento, o que importa é grifar que, o elo entre as duas faces dessa corrente, é o argumento de que prazo legal só fluiria, em qualquer caso, após a efetiva intimação.
Lançando-se mão de argumentos reconhecidamente razoáveis.
Sendo invocado, em favor da necessidade de intimação, o artigo 240 do CPC, segundo o qual os prazos para as partes, ressalvadas disposições em contrário, começam a correr da sua intimação.
E como o artigo 475-J do CPC não excepciona, não seria lícito ao interprete fazê-lo.
Sob pena de se surpreender o devedor.
Aditando o mestre Paulo Henrique dos Santos Lucon que, “se de um lado o legislador quis tornar o processo efetivo, de outro não quis torná-lo célere a qualquer custo, passando por cima de garantias constitucionais essenciais”.[160]
Sendo fácil se observar, aqui, a preocupação com a segurança que deve nortear a fluência dos prazos processuais.
Nos termos que se passará melhor expor.
5.4.1. A Discussão sobre a Necessidade de Intimação Pessoal:
Uma grande polêmica se levanta entre os que negam a fluência automática do prazo de quinze dias para o voluntário cumprimento da obrigação.
A intimação do devedor será feita na pessoa de seus advogados ou será necessária a sua intimação pessoal?
Existindo uma aguda discussão, formando-se dois grandes blocos antagônicos, integrados por nomes dos mais ilustres.
Projetando a intensidade da polêmica, vale grifar que o moderno Marcelo Abelha Rodrigues, após defender efusivamente, durante o ano de 2005, em obra coletiva, a necessidade de intimação pessoal do devedor[161], veio, já no ano de 2007, em obra individual, a apostatar de suas primárias convicções.
Passando a afirmar expressamente ser suficiente a intimação do devedor, por advogado, através de imprensa oficial, sob o nodal argumento de que muito custoso seria para o exeqüente arcar com a intimação pessoal do executado.[162]
O que bem nos serve de espelho para externar a insegurança que ainda ronda a questão.
Delineada tal peculiaridade, permissível já se é se apresentar as duas principais correntes que se formaram sobre a questão, que são unidas pelo firme entendimento de ser necessária a intimação, para a fluência do prazo de espera.
E separadas pela aguda divergência de ser suficiente a intimação do devedor, por intermédio de seu advogado, via imprensa oficial, ou de ser exigível a sua intimação pessoal.
Nos termos que ora se passará a expor.
5.4.1.1. A Tese da Suficiência de Intimação pelo Advogado:
Um grande bloco da doutrina, após repudiar a fluência automática do prazo de quinze dias, defendendo a necessidade de intimação do devedor para o cumprimento da obrigação de pagar quantia certa, sustenta a sua suficiência, através de advogado, por meio de órgão oficial de imprensa.
Invocando, em apoio à suficiência da intimação, do devedor, na pessoa de seu advogado, a exuberante Ada Pellegrini Grinover, “a observância ao espírito utilitário que informa a lei”.[163]
Também assim, Nelson Nery Júnior, Rosa Maria de Andrade Nery[164], Carlos Alberto Carmona[165], José Eduardo Carreira Alvim, Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral[166], Cássio Scarpinella Bueno[167], José Rogério Cruz e Tucci[168], Fredie Didier Júnior[169], Antonio Cláudio da Costa Machado[170] e Elpídio Donizetti.[171]
E ao defender a suficiência da intimação da parte, por D.O, através do advogado, se repudia a necessidade de intimação pessoal.
Enfaticamente, e nesse prisma, o autorizado mestre Paulo Henrique dos Santos Lucon qualifica “a eventual intimação pessoal da parte, na hipótese, como uma medida contraproducente e fora do espírito da lei, que significaria um indevido retrocesso, que o legislador não teria desejado”.[172]
E seria, dizem os seus adeptos, colidente com o ideal de celeridade e de efetividade do processo e representaria uma ressurreição dos formalismos, demoras e percalços que a nova sistemática quis eliminar do mundo processual.
Doutrinariamente, parece-nos ser essa a majoritária corrente.
Encampando a tese da suficiência da intimação do devedor, por seu advogado, através da imprensa oficial, já se manifestou, a unanimidade de votos, a Vigésima Oitava Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, quando do julgamento do Agravo de Instrumento número 1.081.610-00/1, nos termos do voto do eminente relator Desembargador Neves Amorim.
Bem como, a 09ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no dia 27/11/2007, quando do monocrático julgamento do Agravo de Instrumento de nº. 2007.002.31104, pelo DES. Paulo Maurício Pereira.
Sendo seguida pela 06ª Câmara Cível do TJ-RJ, quando do monocrático julgamento, no dia 17/10/2007, do Agravo de Instrumento de nº. 2007.002.29060, pelo DES. Marco Aurélio Froes.
Mas, a questão está longe de se pacificar.
5.4.1.2. A Tese da Necessidade de Intimação Pessoal:
Exatamente no seio da doutrina que exige a intimação, para a fluência do prazo de espera, levantou-se uma cisão.
Quadro em que, vem crescendo nitidamente a sólida argumentação de que seja necessária a intimação pessoal do devedor, não bastando, pois, a intimação por advogado.
Inclusive sob o aguerrido argumento, com vestes classistas, de que como o advogado não é parte, a multa jamais lhe poderá ser aplicada, pois a obrigação de pagar toca ao devedor.
Tese essa de peso, por ser liderada por Cândido Rangel Dinamarco, em opinião externada em entrevista, em vídeo, fornecida à Academia Brasileira de Direito Processual Civil.[173]
Assim também se manifestaram, em artigo de não poucos méritos, os eminentes mestres Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina.[174]
Sendo seguidos por Alexandre Freitas Câmara[175], Rodrigo da Cunha Lima Freire[176], Misael Montenegro Filho[177] e por Evaristo Aragão Santos.[178]
Diferindo os atos processuais que exigem a capacidade postulatória, e que reclamam a intimação da parte, através de seu advogado; dos denominados atos materiais de cumprimento da obrigação, em relação aos quais a intimação pessoal da parte passa a ser necessária.[179]
Invoca-se, em apoio, o magistério do consagrado Egas Dirceu Moniz de Aragão, proferido antes da reforma, no sentido de que “a parte apenas deverá ser pessoalmente intimada quando deva ela própria, pessoalmente, ter ciência de algo a fim de fazer ou não fazer alguma coisa”.[180]
Lembrando esses ser o cumprimento de sentença ato cuja realização dependa da parte. E não um ato processual que exija a capacidade postulatória.
Nada justificando, em absoluto, o risco da própria parte não ser cientificada, a despeito de algum prejuízo à celeridade.
“Não se podendo, a pretexto de se conferir maior celeridade ao feito, se atropelar o contraditório”, acrescentam Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina.[181]
Sob pena de gritante “violação à garantia constitucional do processo justo, decorrente do princípio do devido processo legal”.[182]
Sendo nítida uma engenhosa tentativa de interpretação conforme a Constituição da República de 1988, se dando ênfase à segurança, ainda que em prejuízo à efetividade.
Tese que veio a ser acolhida, em precedente de jurisprudência, proferido pela 04ª Câmara Cível do TJ-RJ, quando do julgamento, pelo DES. Fernando Fernandy Fernandes, no dia 05/06/2007, do Agravo de Instrumento de nº. 2007.002.08042.
E, pela mesma 04ª Câmara Cível do TJ-RJ, no dia 27/04/2007, quando do julgamento, pelo DES. Reinaldo P. Alberto Filho, do Agravo de Instrumento nº. 2007.002.10330.
Bem como, pela 14ª Câmara Cível do TJ-RJ, quando do julgamento, pelo DES. Jose Carlos Paes, no dia 16/05/2007, do Agravo de Instrumento de nº. 2007.002.09398.
O que bem demonstra não se tratar de uma posição isolada.
5.5) Intimação de Ofício ou mediante Requerimento do Credor?
Entre os que exigem a intimação para a efetiva fluência do prazo de espera e, conseqüentemente, para a incidência da indigitada multa de dez por cento, ainda se discute se a intimação poderá se operar de ofício, pelo juiz, ou dependerá de expresso requerimento do credor.
Um primeiro setor vem defendendo que o prazo para cumprimento apenas fluirá se houver a intimação do devedor, mediante requerimento do credor. Sendo esse o entendimento de Paulo Henrique dos Santos Lucon[183] e de Antônio Cláudio da Costa Machado.[184]
Discordando, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que “a intimação deverá ser determinada de ofício pelo juiz, por força da regra do impulso oficial, do artigo 262 do CPC”.[185]
Mas, ao sentir de Antonio Cláudio da Costa Machado “a idéia de intimação para pagamento, de ofício, haveria de estar consagrada, explicitamente, se a lei assim o desejasse”.[186]
Polêmica em relação a qual não opinamos, por entendermos que o prazo flui automaticamente, sem a necessidade de qualquer intimação específica, apenas lamentando, uma vez mais, o silêncio do legislador que não cuidou de disciplinar a questão.
5.6. A Nossa Opinião:
Salvo engano, identificam-se, sem muito esforço, ao menos quatro grandes correntes doutrinárias que se mutilam debatendo sobre o termo inicial do prazo para o voluntário cumprimento da obrigação de pagar quantia certa.
Duas, minoritariamente, sustentando a desnecessidade de intimação do devedor, divergindo apenas quanto à necessidade ou não do trânsito em julgado para sua fluência.
Outras duas, majoritariamente, defendem a real necessidade de intimação, divergindo quanto à suficiência ou não de sua efetivação em nome do advogado da parte – mas que também discutem, numa clara subdivisão, se tem incidência a multa antes do trânsito em julgado.
Tendo a Egrégia Terceira Turma do STJ e o FONAJE se inclinado, como visto, aos ensinamentos de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, repudiando a necessidade de intimação, exigindo, apenas, o trânsito em julgado.
Encampando, pois, a jurisprudência que vem se formando a face minoritária da doutrina.
E essa imensa discussão parece-nos que seria bem desnecessária se o legislador e, antes, os mentores da reforma, tivessem o necessário cuidado de expressamente disciplinar a questão, o que se faria, facilmente, no próprio caput do artigo 475-J ou em um único e singelo parágrafo.
Que ainda poderia ser acrescentando, ao artigo 475-J do CPC, pelos condutores da reforma, se, realmente, pedindo vênias pela ousadia, haja interesse em conjugar a celeridade, um mínimo de segurança jurídico-processual.
Sendo, apenas, de se espantar as fartas notícias que dão conta de intensos debates no Instituto Brasileiro de Direito Processual, sobre os termos que deram origem à Lei 11.232 de 2005.
E o mais grave é que a jurisprudência que vem se formando, colide, parece-nos, haja vista as opiniões manifestadas pelo mentor da reforma, com aquela que seria a intenção de legislador.
Mas, esse nosso desabafo a parte, meditando sobre os argumentos dessas correntes, afirmamos não ser necessária específica intimação, para a fluência do prazo, quer do advogado, quer da parte, sem qualquer sombra de violência ao contraditório ou ruptura do sistema constitucional de garantias processuais.
Até mesmo por que, as partes já terão sido antes intimadas, por seus advogados, de todas as decisões do processo, não havendo racionalidade, em se exigir intimação do trânsito em julgado, se é que se especula, com serenidade, de se imprimir efetividade ao processo.
A prévia ciência do próprio devedor destinatário da sentença, quanto ao reconhecimento de sua obrigação, dispensa nova citação ou intimação para pagamento.
Exato Petrônio Calmon quanto pontifica que “a própria sentença é a intimação para o pagamento”.[187]
Sendo, nos parece absolutamente lógico, a obrigação de pagar mera e simples conseqüência da condenação, da qual o devedor terá sido intimado.
Arcando, frente ao processo, as partes, naturalmente, pelos riscos da eleição de seu patrono.
Não existe no texto legal, qualquer indício que leve à necessidade de intimação da parte, para a fluência do prazo de quinze dias. Se, é verdade que o parágrafo primeiro, do artigo 475-J exige a intimação da penhora, para que flua o prazo para o oferecimento da impugnação, nada há, no caput, sobre a eventual necessidade de intimação, para a fluência do prazo para o voluntário cumprimento da obrigação imposta em sentença.
Sabemos ser uma louvável técnica de exegese se interpretar o parágrafo, em conformidade com a cabeça do artigo. Não, em absoluto, vênias pela ousadia, o revés: se interpretar a cabeça do artigo, tendo por paradigma o parágrafo.
Razão jurídica pela qual, repudiamos a face majoritária da doutrina.
Assim, o advogado zeloso deverá acompanhar, normalmente, todos os andamentos dos processos em que funcione como patrono de uma das partes, respondendo, civilmente, frente ao cliente, por eventual falha profissional.
O profundo Carlos Alberto Carmona, numa panorâmica geral sobre as reformas processuais, afirmou que “a responsabilidade dos advogados, fica claro, aumentou com a recente reforma. Esta é uma tendência das leis que sucessivamente estão alterando a feição de nosso processo civil, tendência que precisa ser acompanhada com cuidado e cautela pelos profissionais”.[188]
Palavras que caem como uma luva, para a hipótese, sem que vejamos qualquer violência às prerrogativas dos advogados, os quais, para se eximirem, apenas precisarão provar ter comunicado à parte o início do prazo, o que faz, com facilidade, por um telefonema, por um e-mail ou por uma carta, inclusive com aviso de recebimento. Se, eventualmente, a parte se muda ou altera seu endereço ou seu número de telefone, sem comunicar ao seu patrono, assume o risco processual.
Ainda que se concorde com Paulo Henrique dos Santos Lucon quando salienta que todas “essas possibilidades, como é natural, transmitem às partes grande insegurança jurídica quanto às providenciais que devem adotar quando do cumprimento da sentença”.[189]
Às partes e aos advogados, ouso acrescentar, sendo imperativo, pois, que nossos Tribunais possam uniformizar rapidamente suas jurisprudenciais, por exigência de segurança jurídica.
Quanto às razões pelas quais entendo ser inadmissível a incidência da multa antes do trânsito em julgado, poderão ser observadas no seguinte tópico.
6. A Multa x Execução Provisória:
Entre todas as questões que se formaram em torno da interpretação do artigo 475-J, caput, do CPC, a mais tormentosa talvez seja a que envolve a sua incidência ou não, em sede de sentença condenatória provisoriamente exeqüível.
Quadro em que soa-nos como jocosa a afirmação de Marcelo Abelha Rodrigues no sentido de que “não há discussão quanto ao fato de que a multa pelo não pagamento só poderá ocorrer quando a sentença tiver transitado em julgado, não incidindo nas execuções provisórias”.[190]
Até mesmo porque, a maioria de nossa doutrina admite a incidência da multa de dez por cento, quando a sentença for provisoriamente exeqüível, por ser impugnada por recurso destituído de efeito suspensivo. Ou seja, a admitem na execução provisória, invocando-se, em apoio, a própria literalidade do artigo 475-J do CPC, que, em momento algum, subordina a sua incidência à ocorrência do trânsito em julgado.
Marcham nesse sentido, José Roberto dos Santos Bedaque[191], Athos Gusmão Carneiro[192], Cassio Scarpinella Bueno[193], Vicente Greco Filho[194], Luiz Fux[195], Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina[196], Flávio Luiz Yarshell[197] e Marcelo José Magalhães Bonício.[198]
Isso por que, segundo explica Paulo Henrique dos Santos Lucon, “no momento em que a obrigação líquida e certa se torna exigível, em execução provisória ou definitiva, deseja o legislador que o executado espontaneamente a cumpra”.[199]
Por uma nodal razão jurídica: “sendo inequívoca a existência da obrigação – porque reconhecida por título executivo judicial -, não se justifica que o devedor possa permanecer inerte, em desobediência à ordem jurídica. Ainda que provisório o título executivo judicial, porque discutível em grau de recurso, ao qual a lei, porém, entendeu por negar efeito suspensivo, concluindo pela improbabilidade da alteração do resultado, ou pela necessidade de correr-se o risco da modificação futura, em prol da celeridade processual”.[200]
Acrescentando Guilherme Rizzo Amaral que “ao franquear ao credor a possibilidade de requerer não apenas o cumprimento provisório, mas também a execução provisória do julgado, a lei reconhece a mesma exigibilidade às sentenças e acórdãos com ou sem trânsito em julgado, modificando apenas as garantias necessárias para o desenvolvimento expropriatório”.[201]
E se a lei não restringiu, não competiria ao intérprete fazê-lo.
E “cair no equívoco de admitir que a multa somente pode incidir depois do trânsito em julgado implica ignorar o fato de que ela também objetiva dar efetividade à sentença condenatória e que essa pode produzir efeitos antes da formação da coisa julgada material”.[202]
Concluindo, então, o aplaudido mestre gaúcho Araken de Assis, que, “apesar das resistências, hauridas de bastiões reformistas, o prazo se aplicará tanto na execução definitiva, quanto na provisória”.[203]
Identificando-se, nesse sentido, um precedente de jurisprudência, oferecido pela 05ª Câmara Cível do TJ-RJ, quando do monocrático julgamento, no dia 09/10/2007, do Agravo de Instrumento de nº. 2007.002.23829, pelo DES. Milton Fernandes de Souza.
Igualmente, pela 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, quando do monocrático julgamento, no dia 19/06/2007, do Agravo de Instrumento de nº. 2007.002.00448, pelo Desembargador Jorge Luiz Habib.
Bem como, pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, quando do monocrático julgamento, no dia 24/07/2007, do Agravo de Instrumento de nº. 2007.002.17552, pelo Desembargador José C. Figueiredo.
Entretanto, refutando a possibilidade de incidência da multa, em sede de execução provisória, encontramos o parecer de Humberto Theodoro Júnior[204], Carlos Alberto Álvaro de Oliveira[205], Ernane Fidélis dos Santos[206], Carlos Alberto Carmona[207], José Maria Rosa Tesheiner[208], Petronio Calmon[209] e Marcelo Abelha Rodrigues.[210]
Tese que ganhou o peso da adesão de Cândido Rangel Dinamarco, em opinião externada em luminosa entrevista, em vídeo, conferida à Academia Brasileira de Direito Processual Civil.[211]
Argumentando-se, entre esses, que não seria nem razoável impor o cumprimento, sob pena de multa, de uma sentença ainda possível de mudança, parecendo “excessivo se submeter o devedor ao sistema solve et repete”.[212]
Ora se durante o trâmite do recurso que seja recebido sem o efeito suspensivo é possível o requerimento de execução provisória, como faculdade do credor, ainda não existe a obrigação de cumprir espontaneamente a obrigação, para o devedor.[213]
No mesmo sentido, o Enunciado de nº. 105 do FONAJE e o verbete nº. 13.10.3, da Consolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis e Administrativos resultantes das discussões dos Encontros de Juízes de Juizados Especiais Cíveis e das Turmas Recursais do Rio de Janeiro, que foi tornado público pelo Aviso T.J nº 39, de 03/09/2007.
Ou seja, no Rio de Janeiro, se firmou o entendimento, em sede de Juizados Especiais Cíveis, no sentido de que a multa não se aplica às hipóteses de execução provisória.
Não em outra marcha, já se pronunciou a 18ª Câmara Cível do TJ-RJ, quando do julgamento, no dia 15/08/2007, do Agravo de Instrumento de n. 2007.002.21237, pelo Desembargador Rogério de Oliveira Souza.
Igualmente, a 9ª Câmara Cível do TJ-MG, quando do julgamento, à unanimidade de votos, no dia 24/04/2007, do Agravo de Instrumento de nº. 1.0194.06.06194-6/001, nos termos do voto do eminente Desembargador Pedro Bernardes.
Os adeptos dessa segunda corrente, mais conservadora, entendem que a multa apenas se aplica nas hipóteses de execução definitiva, pressupondo o trânsito em julgado, com o que concordamos.
Lembrando, em apoio, Humberto Theodoro Júnior que “a execução provisória se dá por iniciativa e por conta e risco do credor, não passando, portanto, de faculdade ou livre opção de sua parte”.[214]
Lecionando José Maria Rosa Tesheiner, que “exigir o pagamento do devedor, implicaria em exigência de ato incompatível com a vontade de recorrer”.[215]
E “tratando-se de pena, a multa só é exigível após o trânsito em julgado da decisão condenatória”, pontifica Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.[216]
Argumento que considero irrespondível.
Os opositores discordam invocando o ideal da efetividade.
Sendo rebatidos, sob o sólido fundamento segundo o qual, “no conflito entre efetividade e a segurança, aquela deve ceder a essa”.[217]
Conquanto ao argumento de que exigir o pagamento para evitar a cobrança da multa em execução provisória implicaria no reconhecimento de exigência de ato incompatível, é asperamente respondido por Guilherme Rizzo Amaral.
Segundo o qual, essa interpretação ignora por completo a literalidade do parágrafo único do artigo 503 do CPC, sendo, pois, frágil se pensar que o cumprimento provisório da sentença personifique sua aceitação tácita e ato incompatível com a vontade de recorrer.[218]
Mas um outro argumento pode justificar a não incidência da sanção em sede de execução provisória: a multa representa a pronta reposta do ordenamento jurídico a um ilícito processual – a mora.
E seria possível atribuir, ao mesmo tempo, à parte, o direito de recorrer e uma conseqüência processual negativa por exercer tal direito?
A negativa se impõe!
Aditando Humberto Theodoro Júnior que “convém lembrar que o direito de recorrer integra a garantia do devido processo legal, pelo que o litigante não poderá ser multado por se utilizar, adequadamente e sem abuso, desse remédio processual legítimo”.[219]
Ora, na irretocável lição dos mestres paulistas Nelson Nery Júnior e de Rosa Maria de Andrade Nery, versando sobre o voluntário cumprimento da sentença, “transitada em julgado a sentença, o princípio da lealdade processual traz como conseqüência o dever da parte condenada à obrigação de pagar quantia em dinheiro cumprir o julgado, depositando a quantia correspondente ao valor constante do título judicial, sem opor obstáculos à satisfação do direito do credor, vitorioso em ação de conhecimento em virtude de sentença transitada em julgado”.[220]
Esse dever, apenas advém do trânsito em julgado. Antes, não, sendo um direito da parte sucumbente interpor seu recurso, quadro em que não seria razoável que se contrapusesse ao mesmo a incidência de uma multa.[221]
Assistindo, então, total razão aos comentadores que, como, v.g., Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, afirmam, na hipótese, que “não há mora do devedor, por que ele está postulando a reforma da decisão condenatória”.[222].
Devendo, ainda, se registrar que, nessa última corrente, se vem afirmando que “acontecendo de houver trânsito em julgado no correr da execução provisória inicia-se o prazo para pagamento voluntário, sob pena de aplicação da multa”.[223]
Também assim, expressamente, Ernane Fidélis dos Santos.[224]
Seja como for, mais uma vez, falharam tanto o legislador quanto os mentores da reforma, ao não se preocupar, a despeito das muito propagadas discussões realizadas no Instituto Brasileiro de Direito Processual, em disciplinar expressamente a questão.
Afligindo, seriamente, de insegurança, os jurisdicionados.
7) Voluntário Cumprimento ou Caução em Garantia do Pagamento?
Nos moldes delineados no tópico anterior, é bem controvertida a incidência da multa de 10% prevista no artigo 475-J, em sede de execução provisória.
Quadro em que, alguns setores vêm afirmando que para evitar a sua incidência, bastaria o depósito, em garantia (e não em pagamento), do valor da condenação.
Pensando o mestre Leonardo Greco que, “acaso o devedor preste caução suficiente para garantir o pagamento, ao impugnar a sentença, mediante recurso sem efeito suspensivo, a multa não irá incidir”.[225]
Também assim, Marcelo Abelha Rodrigues.[226]
Entendendo-se ainda que “se o devedor depositar o valor em pagamento e recorrer, o credor não poderá levantar o valor em questão, salvo prestando caução – artigo 475-O, inciso III, do CPC”.[227]
Afirmando, noutro prisma, o profícuo Rodrigo da Cunha Lima Freire que, “acaso haja o não cumprimento tempestivo e voluntário da obrigação imposta por sentença provisoriamente exeqüível, a multa também seria provisória”.[228]
Vale dizer, em sendo reformada ou anulada a sentença, a multa também desapareceria. E mais: quando não tiver sido requerida a execução provisória, a multa, igualmente, desapareceria.
Pelo que, dizem esses, seria razoável e suficiente o depósito em garantia.
Entretanto, no agudo parecer de Flávio Luiz Yarshell, autorizado livre-docente da Universidade de São Paulo, “uma interpretação literal do artigo 475-J exige que o devedor efetue o pagamento do valor da condenação e não apenas que apresente bens em garantia do juízo”.[229]
Razão pela qual o reformador Athos Gusmão Carneiro afirma, ao nosso sentir com acerto, que “simplesmente caucionar ao juízo, ainda que no prazo de 15 dias, não obsta a incidência da multa”.[230]
Ora, no simples ato de caucionar não há voluntário cumprimento, não parecendo possível, pois, dispensar, por tal, o pagamento da multa.
Nesse sentido, o alvitre de Cassío Scarpinella Bueno.[231]
Se o espírito da reforma processual é permitir, ao credor, ter acesso ao bem da vida que lhe foi reconhecido em sentença, de forma mais célere, temos para nós que a não incidência da multa na hipótese de se oferecer caução ao juízo, lhe seria ferir de morte.
O laureado Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, ainda que, como nós, não admita a incidência da multa em sede de execução provisória, também afirma, versando, ao que parece, sobre possíveis atitudes do devedor, já em execução definitiva, que “não é possível se depositar o valor da condenação, para se evitar a multa, por ser indispensável a satisfação de exeqüente”.[232]
Sob pena de se macular o espírito da reforma, com o qual, uma vez mais, concordamos, sem ressalvas.
8. A Multa x Possibilidades Patrimoniais do Executado:
Ao sentir do mais renomado processualista baiano, “os reformadores entenderam que todo aquele que deve e não paga, seja um meliante, tanto que lhe impõem o pagamento em dinheiro, sem levar em consideração que, vencido, o devedor nem sempre dispõe da quantia necessária e que este fato não configura um ilícito, a ponto de acarretar a vergonhosa multa que lhe foi prevista”. [233]
Sendo permitindo se concluir que, em dadas hipóteses, a aplicação da letra fria da lei, poderá conduzir a lamentáveis injustiças, quadro em que vem se discutindo a possibilidade do juízo relevar a aplicação da multa prevista no artigo 475-J do CPC.
E não são poucas as vozes que afirmam que estando o devedor materialmente impossibilitado de saldar a dívida nesse prazo, ou por não dispor do dinheiro ou por não dispor de bens facilmente transformáveis em dinheiro, não poderá ser atingido pela multa, devendo o pedido ser feito na ulterior execução.[234]
Não podendo é, em hipótese alguma e sob qualquer argumento, o juiz relevar a pena de multa de ofício.
Também assim, quando provada a impossibilidade de cumprimento voluntário, Marcelo Abelha Rodrigues[235] e Guilherme Rizzo Amaral.[236]
Afirmando o equilibrado Luiz Rodrigues Wambier, em concordância, que “a incidência da multa somente poderá ser afastada excepcionalmente, em casos em que o cumprimento da obrigação pelo réu seja impossível ou muito difícil, causando-lhe gravame excessivo e desproporcional”.[237]
E que “tais circunstâncias poderão operar como excludentes desde que o réu demonstre que o não cumprimento da sentença decorreu de fato alheio à sua vontade”.[238]
Chegando-se a argumentar, nessa vertente, inclusive com apoio no artigo 620 do CPC, que a execução não pode levar o devedor à ruína[239], apenas se afirmando caber ao mesmo o ônus de provar a impossibilidade ou ao menos o justo impedimento.
De forma irrespondível, ao nosso sentir.
Em sendo a multa do artigo 475-J do CPC “uma pena que se aplica à parte por praticar um ilícito processual, o qual, pressupõe, salvo expressa disposição em contrário, uma conduta dolosa, não poderá incidir quando restar cabalmente comprovada a impossibilidade material de cumprimento”.[240]
Em sentido contrário, asperamente, por entender que a incidência da multa independe da condição econômica do devedor, se manifesta Athos Gusmão Carneiro.[241]
Afirmando-se, pois, que a incidência da multa do artigo 475-J do CPC não perquire das intenções e possibilidades do devedor.
Seguindo-lhe, no particular, Carlos Alberto Carmona.[242]
Seria, pois, “ônus do devedor alienar seu patrimônio e obter liquidez suficiente para o pagamento”.[243]
Afirmando-se, friamente, que “não importa se o devedor não tem recursos disponíveis; não importa se ele tem apenas bens imóveis ou imóveis. A multa será devida em decorrência do inadimplemento voluntário”.[244]
Malgrado a notória autoridade dos mencionados processualistas, tal sorte de interpretação afigura-se infectada de forte conteúdo de purismo jurídico, ignorando o vetor de que a execução deva ser feita de forma menos gravosa para o devedor, deitado no artigo 620 do CPC, parecendo dar razão ao grande J.J Calmon de Passos, quando afirma esse que para o reformador o devedor sempre seria um meliante que intencionalmente não satisfaz o direito do credor.
O que, ao menos num país como o nosso, no qual a pobreza de parcela majoritária de nossa população é escancarada pelo IBGE, não se pode admitir.
Ressaltando, com a sua habitual clareza, Alexandre Freitas Câmara, ser “bom lembrar que nem todo devedor é desidioso, nem deve ser tratado como vilão. Há devedores que chegam à situação de inadimplemento em razão das dolorosas vicissitudes da vida”.[245]
Devendo, pois, se admitir, ainda que de forma excepcional, quando for provada a impossibilidade de voluntário cumprimento, seja relevada a multa do artigo 475-J do CPC.
O que não se pode, d.m.v., é concordar com o isolado parecer de Flávio Luiz Yarshell, quando esse afirma que a multa possa ser relevada quando o pagamento vier aos autos, findo o prazo de espera, mas antes de instaurados os atos executivos, uma vez que o objetivo colimado pela lei teria sido atingido.[246]
Isso, ao que nos parece, mesmo sem se investigar quais as razões pelas quais houve o tardio pagamento. Ora, quando não houver pagamento, no transcurso do prazo de espera, teremos um ilícito processual punível com a multa de 10% (dez por cento), que apenas poderá ser relevada quando houver justa causa – a impossibilidade patrimonial do devedor.
9. Direito Intertemporal:
Tema dos mais complexos de toda a ciência jurídica é o do direito intertemporal.
Segundo Alexandre Freitas Câmara, “no direito processual civil, esse tema adquire especial relevância, uma vez que a entrada em vigor de uma nova lei processual sempre vai encontrar uma série de processos em curso no momento do início da vigência do novo diploma. Pois isto sempre irá gerar dificuldades para o intérprete”.[247]
Aditando Luiz Fux que esse “tema singulariza-se no âmbito do processo em razão da natureza dinâmica da relação processual, que a cada evolver faz surgir novas etapas, novos atos, novos direitos, deveres, ônus e faculdades, impondo a aplicação da lei nova aos efeitos pendentes”.[248]
Sendo certo que a Lei de nº. 11.232/2005 também produziu suas pendengas nessa seara, algumas das quais passaremos a enfrentar, limitando-nos, apenas, aos objetivos traçados para o presente estudo.
Devendo-se ressaltar prevalecer, em doutrina, a percepção de que a multa do artigo 475-J, caput, do CPC não pode incidir se a sentença foi proferida antes da entrada em vigor da Lei 11.232 de 2005.
Nesse sentido, manifestam-se Athos Gusmão Carneiro[249] e Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.[250]
Também assim, Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, sob o irrespondível argumento de que “a incidência da multa trata-se de um reflexo dos efeitos da sentença”.[251]
Afirmando, em valioso apoio, Araken de Assis “ser evidente que a multa apenas será admissível quanto às sentenças já proferidas na vigência da lei nova, sem o que não há como se penalizar o condenado”.[252]
Sendo aplicável, então, a regra da “irretroatividade das sanções agravadas ou inovadas”, pontifica Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.[253]
Tal qual preconizado, em obra mais do que clássica, pelo magnífico Galeno Lacerda.[254]
Assistindo razão àqueles que entendem que o dia da sentença é o que determina a lei que deve incidir.[255]
Tese a qual, manifestamos, apenas de passagem, a nossa mais irrestrita concordância.
Não se podendo admitir que uma sanção processual inovada possa retroagir, em respeito ao ideal de segurança jurídico-processual das partes.
Em sentido contrário, mas sem qualquer razão, Alexandre Freitas Câmara admoesta que, “acaso a execução tenha sido requerida no regime anterior, mas o devedor ainda não tiver sido citado quando do início de vigência da Lei 11.232 de 2005, deverá o juiz, deliberando pela mudança de rumo do feito, determinar a intimação, para voluntário cumprimento, no prazo de 15 dias, sob pena de incidência da multa”.[256]
Seguindo-lhe, no particular, o mestre Sérgio Shimura.[257]
Sendo curial, diante do mencionado debate, ainda se averbar a existência de alguma divergência quanto ao dia de início de vigência da Lei 11.232 de 2005.
Que enfrentou vacatio legis de seis meses.
Um setor, liderado por Humberto Theodoro Júnior defende que o início de vigência se deu no dia 24/06/2006.[258]
Entretanto, outro segmento, que tem em suas trincheiras nomes como, v.g., o de Araken de Assis, afirma que a Lei 11.232 começou a viger no dia 23/06/2006.[259]
Ilustrando a intensidade dessa polêmica, nos permitimos, muito respeitosamente, isolar o parecer de Athos Gusmão Carneiro.
O qual, se num primeiro momento, em aplaudido artigo, chegou a defender que o início de vigência se deu no dia 23/06/2006[260], veio, em sua obra fundamental, sobre a novel Lei Federal nº. 11.232, a passar a afirmar que o início de vigência se deu no dia 24/06/2007.[261]
A polêmica surge da incompatibilidade entre o artigo 8º, da Lei 11.232, que soergueu a vacatio legis de seis meses; e o parágrafo 2º, do artigo 8º, da Lei Complementar 95/98 (que disciplina a técnica legislativa), o qual determina que período de vacância seja fixado em dias.
Sendo certo não haver hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária – José Afonso da Silva[262] -, não há vício algum na Lei 11.232.
Mas a questão é: tendo em vista a incompatibilidade, seria aplicável o parágrafo 1º do artigo 8º, da Lei Complementar 95/98 (segundo o qual a lei deva entrar em vigor no dia seguinte ao término do período de vigência)?
Os professores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery entendem que sim, concluindo, pois, que o início de vigência se deu no dia 24/06/2006.[263]
Igualmente, o eminente Luiz Fux.[264]
Identificando-se, nessa marcha, um precedente de jurisprudência proferido pela 18ª Câmara Cível do TJ-RJ, quando do julgamento, no dia 13/11/2007, do Agravo de Instrumento de nº. 2007.002.28671, pelo afamado DES. Luis Felipe Salomão.
Entretanto, uma segunda parte da doutrina refuta, no caso, a aplicabilidade do parágrafo 1º, do artigo 8º, da LC 95/98, haja vista a incompatibilidade de seu parágrafo 2º, com o artigo 8º, da Lei 11.232, o que faria com que a lei entrasse em vigor exatamente seis meses após sua publicação e não no dia seguinte ao término do prazo.
Concluindo, com total razão, que o início de vigência se deu no dia 23/06/2006.
Sendo esse o expresso alvitre de Arruda Alvim[265], Ernane Fidélis Dos Santos[266] e de Teori Albino Zavascki.[267]
Sendo, ao nosso sentir, essa a única exegese que mereça prosperar.
Não há como se refutar a aplicabilidade do parágrafo 2º, do artigo 8º, da Lei Complementar 95/98, tendo em vista sua incompatibilidade com o artigo 8º, da Lei 11.232 e, ao mesmo tempo, se defender a aplicabilidade do parágrafo 1º, do artigo 8º, daquela.
Isso, segundo as mais elementares noções da hermenêutica jurídica.
Razão jurídica pela qual temos a firme convicção de que o início de vigência da Lei de Cumprimento de Sentença se deu exatamente no dia vinte e três de junho do ano de dois mil e seis.
10. Conclusão:
Buscou-se, nesse artigo, meramente, ofertar um painel sobre as principais questões que ainda vem inquietando a comunidade jurídica quanto à multa e ao prazo de espera, postos pelo artigo 475-J, do CPC, escancarando a insegurança com que nossa doutrina vem enfrentando-as.
Reconhecemos que, em alguns dados momentos, face ao excesso de citações doutrinárias, propositadamente invocadas, hauridas em nada menos que 89 (oitenta e nove) textos, entre livros e artigos, pode ter se tornado denso o nosso estudo.
Mas, esperamos, sinceramente, ter logrado êxito em nosso modesto intuito.
As nossas opiniões, em apertada síntese, são as seguintes:
– O prazo legal de quinze dias, para o voluntário cumprimento da sentença, flui, automaticamente, independente de uma específica intimação, de advogado, ou de parte, do dia do trânsito em julgado.
– Respondendo, civilmente, o advogado, por uma eventual falha profissional.
– Não incidindo, a multa, na execução provisória, por ser o recurso um direito que se reconhece à parte, não caracterizando ato ilícito que legitime a incidência de sanção processual.
– Multa que não incidirá quando estiver pendente de julgamento de recurso e que não subsistirá quando a impugnação for acolhida de sorte que o autor nem mesmo venha a receber o valor do principal.
– Não sendo, ao nosso sentir, suficiente o depósito em garantia do juízo para evitar a incidência da multa, posto que o legislador, claramente, exigiu o voluntário pagamento.
– Apenas podendo ser relevada a multa quando o executado tal requerer e provar sua incapacidade patrimonial para adimplir a obrigação de pagar a quantia certa dentro do prazo de espera.
– Incidindo a multa apenas nas sentenças condenatórias.
– Não sendo aplicável o artigo 475-J, caput, do CPC aos feitos regidos pela Lei 9.099/1995.
– A Lei 11.232/2005 enfrentou início de vigência em 23/06/2006 e a multa do artigo 475-J, caput, do CPC apenas se aplica aos feitos sentenciados, na fase de conhecimento, sob a sua égide.
– Merecendo críticas mais essa fase da reforma, apesar da legítima busca do ideal de efetividade do processo, tendo em vista as omissões do texto legal, que ainda poderiam ser sanadas pelos reformadores.
– Por último, concluímos nos rendendo ao grande mestre J.J. Calmon de Passos, segundo o qual estamos diante de “uma reforma que mais deforma que melhora”.
– Sendo essas, enfim, nossas sumárias impressões sobre o tema a que nos propusemos estudar.
Especialista em Direito do Consumidor e em Direito Processual Civil. Membro Honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Advogado, no Rio de Janeiro.
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