A transação é negócio jurídico onde os interessados[1] previnem ou terminam litígio mediante concessões recíprocas.
É o conceito que podemos extrair da previsão legal estatuída no art. 840 do Código Civil de 2002 [2].
Quando se operou drástica mutação em sua natureza jurídica posto que antes era apenas modo anômalo de extinção de obrigações, e hoje é modalidade contratual típica, nominada, passando a integrar o elenco das várias espécies de contratos.
A obrigatoriedade da transação flui do acordo de vontades expedido com o fito de extinguir as relações obrigacionais controvertidas anteriormente.
Daí justifica-se o não se admitir retratação unilateral da transação que conforme o artigo 849, caput do Código Civil [3] diz in verbis: “só se anula por dolo, coação ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa”.
Ressalte-se que nos ensina Humberto Theodoro Júnior que a transação é irretratável unilateralmente mesmo que ainda não tenha sido homologado o acordo em juízo.
De sorte que uma vez firmado seja por instrumento público ou particular ou por termos nos autos, suas cláusulas ou condições obrigam definitivamente os contraentes.
É somente aparente a limitação dos vícios de consentimento a ensejar a inviabilidade da transação, pois está sujeita a todos os princípios da teoria geral dos contratos, inclusive a possibilidade de ocorrência, por exemplo, de simulação, fraude contra os credores, lesão e estado de perigo.
A expressão volitiva é tão relevante que não se admite discussão sobre eventuais erros sobre o objeto da transação (art. 849, parágrafo único do Código Civil [4]). Porém, não é fácil a configuração prática disso, principalmente quando o erro de direito mostra-se indubitavelmente ligado a uma situação de fato.
Currial é não confundir transação com conciliação. Realmente a conciliação também traduz o fim do litígio.
E processualmente quando alcançada, pode ser celebrada através de uma transação, que passa a ser seu conteúdo.
Homologada por sentença a transação, esta passa a revestir-se de título executivo judicial e, para sua eventual desconstituição será necessária a ação anulatória prevista no artigo 486 do Código de Processo Civil [5]. E, não a ação rescisória exceto quando a referida sentença também apreciar o mérito do negócio jurídico, deixando ser, meramente homologatória.
Embora seja forma mais comum, a conciliação não precisa ser necessariamente uma transação uma vez que através desta, também poderia ocorrer o reconhecimento da procedência do pedido ou a renúncia do direito em que se funda a pretensão, caso disponível.
Ressalve-se que na seara trabalhista[6], o predominante do TST é, de só admitir a ação rescisória contra a conciliação judicial, na forma do seu Enunciado 259 [7] (vide ainda o art. 831 da Consolidação das Leis Trabalhistas [8]).
Há elementos constitutivos fundamentais da transação, a saber:
Primeiro: O acordo das partes posto que é negócio jurídico bilateral atendendo-se aos requisitos de validade principalmente quanto à capacidade dos transigentes e a legitimação, bem como a outorga de poderes especiais quando realizada por mandatário (art. 661, parágrafo 1º do Código Civil [9]).
Segundo: É a existência de relações jurídicas controvertidas, ou seja, haver razoável dúvida.
Por essa razão, é nula a transação a respeito de litígio já decidido por sentença que transitou em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores ou quando por título ulteriormente descoberto se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação (art. 850 do Código Civil [10]).
É basto elástico e abrangente o conceito “qualquer obrigação que possa trazer dúvida aos obrigados pode ser objeto de transação”. Em tese, obrigações cuja existência, liquidez e valor não são discutidas pelo credor.
O terceiro e último elemento é o animus de extinguir o litígio ou pelo menos preveni-lo.
É a idéia reinante dessa figura jurídica.E, nesse elemento podemos incluir as concessões recíprocas pois na transação, cada uma das partes abre mão de seus direitos.
Se tal não ocorrer, inexistirá transação, mas renúncia, desistência ou até mesmo doação.
Trata-se evidentemente de contrato bilateral, comutativo e oneroso. E por sua etiologia lógica, é contrato paritário, onde as partes possuem iguais condições de negociação para disporem livremente as cláusulas contratuais, sobretudo no que tange às concessões recíprocas.
Uma das peculiaridades da transação é sua invisibilidade, só deve ser considerada como um todo, sem a possibilidade de seu fracionamento, (art. 848, caput do Código Civil [11]). Desta forma, sendo nula quaisquer de suas cláusulas, a transação será tida como nula também.
Mas, se versar sobre diversos direitos contestados, independentes de si, o fato de não prevalecer em relação a um, não prejudicará os demais. Assim, admite-se a validade de certas cláusulas da transação quando atestada a sua autonomia em relação à invalidada cláusula.
O mesmo ocorre quanto à indivisibilidade da interpretação da transação, devendo esta ser restritiva (conforme art. 843 do Código Civil [12]).
O que inviabiliza o uso de analogia ou interpretação extensiva, presumem-se que as concessões mútuas com suas conseqüentes renúncias foram feitas da forma menos onerosa que possível.
Outra característica é sua natureza declaratória pois apenas certifica a existência de certos direitos e situações jurídicas.
A renúncia ou transferência da coisa pertence a um dos transatores importa nos lucros da evicção.Ocorrente a evicção, ao evicto cabe reclamar perdas e danos, (art. 845 do Código Civil [13]), não ressuscitando a obrigação original, convertendo-se a obrigação extinta em perdas e danos.
A transação é francamente admitida em relações civis e comerciais havendo sérias restrições em razão de normas cogentes de interesse público, nos contratos trabalhistas, consumeristas e administrativos.
Da análise do art. 841 do Código Civil [14] percebe-se que se restringe transação a versar sobre os direitos patrimoniais de caráter privado.
De sorte, não é cabível a transação sobre os chamados direitos de família puros.
Poderá ser solene como também não-solene de acordo com os interesses em conflito (art. 842 do Código Civil [15]).
E explicita o art. 843 do Código Civil [16] que é um contrato consensual e que se consuma pelo consenso na sua celebração, mesmo que haja execução diferida.
Poderá ainda ser individual dispondo entre sujeitos determinados ou ainda, coletiva (também chamado de contrato normativo) alcançando grupos não individualizados porém reunidos por relação jurídica ou de fato.
É ainda, contrato instantâneo mas admite-se tanto a execução deferida como a imediata.
Como a maioria dos contratos em Direito Civil é contrato casual, cujos motivos determinantes podem impor o reconhecimento da sua invalidade, caso sejam considerados inexistentes, ilícitos ou imorais.
É por sua finalidade econômica, um contrato de prevenção de riscos e, surge, via de regra, para evitar o risco potencial da demanda [17].
Por derradeiro, é contrato principal e definitivo.
Se prévio a instauração do litígio temos a transação extrajudicial (art. 585, II do Código de Processo Civil [18]).
Mas poderá ser judicial, quando já aforada a demanda, mesmo quando ultimada por instrumento público e realizada nos escritórios de advogados das partes. Nada impede que seja por instrumento particular, que nem carece de reconhecimento de firma do outorgante (mandante).
Haverá de ser escritura pública quando a lei exigir conforme art. 842 do Código Civil [19].
Não poderá versar sobre direitos indisponíveis relacionados ao estado e, à capacidade das pessoas, ou direitos puros de família, ou direitos personalíssimos.
Ninguém poderá negociar direito personalíssimo. Mas, nada impede que uma compensação pecuniária por dano moral sofrido seja objeto de transação.
O direito aos alimentos é insuscetível de transação mas é possível haver concessões recíprocas quanto aos valores devidos, desde que não importe em renúncia.
Poderá ser estabelecida uma cláusula penal, conforme autoriza o artigo 847 do Código Civil [20].
Os efeitos da transação são limitados aos transatores, efeito muito semelhante ao da coisa julgada, (art. 844 do Código Civil [21]).
O art. 1030 do Código Civil de 1916 [22] era explícita a esse respeito, o que não foi repetido pelo novo codex.
Sua natureza contratual impõe a extinção original juntamente com seus acessórios [23], resultando na definitiva extinção da obrigação controvertida.
A transação efetuada com relação a delito não atinge a jurisdição penal (art. 846 do Código Civil [24]) até porque a persecução criminal é norteada por superiores princípios de ordem pública e preservação social.
No processo penal, há modalidade peculiar de transação inspirada no plea bargaining do direito penal. E se aplica, em regra, às infrações de menor potencial ofensivo, segundo a Lei 9.099/1995.
A chamada justiça criminal negociada ou barganhada dos norte-americanos apesar de criticável, se tornou imprescindível principalmente em face do crescimento populacional. É hoje em dia, cerca de 90% a ocorrência do plea bargaining na jurisdição dos EUA.
No entanto, a transação penal pátria difere da norte-americana pois a aceitação de aplicação das chamadas penas alternativas não implica em reconhecimento de culpa.O agente, tão-somente concorda perante o juiz, a que seja submetido a uma determinada sanção.
Caso seja aceita a transação penal proposta pelo MP (Ministério Público), arquiva-se conseqüentemente o processo, sem que haja registro algum de antecedentes criminais. A anotação, no entanto, é feita em cartório apenas para impedir nova concessão do beneplácito no prazo de 5 (cinco) anos, (art. 76, parágrafo 4º da Lei 9.099/95 [25]).
Importante sublinhar que mesmo na vigência da sistemática do Código Civil de 1916 alguns doutrinadores como Carvalho Santos, Pontes de Miranda, Orlando Gomes e Silvio Rodrigues já entendiam tratar-se de negócio jurídico bilateral com prevalente conteúdo declaratório. Pois a transação não se restringe a extinguir obrigações, já que dela podem surgir outras relações jurídicas.
No sistema jurídico português, (art. 1.248, 2ª parte do Código Civil Português [26]), podem as concessões envolverem a constituição, modificação ou extinção de diversos direitos do direito controvertido.
E no mesmo diapasão incorre a doutrina italiana, assinalando que transação possui caráter declarativo mas sua eficácia é constitutiva de direito.
Toda transação origina o nascimento de novos vínculos ou obrigações em substituição aos dos extintos. Porém o novo codex não aquiesceu tais noções.
Assevera Caio Mário, não há transação por força de lei. E atua apenas no plano de direito material, evitando-se a jurisdição do conflito de interesses. Assim sendo a sentença homologatória da não apreciação mérito transação do negócio jurídico de direito material.
O efeito processual da transação correspondendo a extinção do feito com julgamento do mérito, (art. 269, III do Código de Processo Civil [27]).
Serpa Lopes sustenta que tanto a transação extrajudicial como a judicial são idênticas em essência em seus efeitos. E realça ser a reciprocidade de concessões, sem dúvida, o mais importante requisito da transação. De sorte que não-ausência de recíprocas concessões, desnatura-se a figura jurídica de transação passando a ser apenas reconhecimento, renúncia ou desistência.
Mas tais concessões mútuas não precisam ter equivalente exato uma das outras. E nesse particular o Código Civil Italiano (art. 1.970 [28]), não pode a transação ser impugnada por causa de lesão.
Porém na sistemática cível pátria consagra-se uma relativa equivalência das concessões mútuas, e se sua disparidade ultrajar os limites ditados pela boa-fé e pela preservação do equilíbrio contratual, impõe-se sua invalidação.
A capacidade para transacionar está relacionada à capacidade jurídica plena e a quem tem poder de disposição sobre a situação jurídica objeto da transação.
Não podem, em regra, transigir os menores, os absolutamente incapazes, salvo se assistidos por seus representantes legais e devidamente autorizados pelo juiz.
Aos interditos (pródigos [29]), quanto a transação realizada anterior à interdição ocorre a conseqüência de sua nulidade, se restar comprovada a presença do fato determinante na incapacidade.
Os tutores, curadores sobre os direitos de seus pupilos e assistidos só podem transigir mediante autorização do juízo. Bem como os mandatários sem poderes especiais, corporações dotadas de personalidade jurídica, senão conforme as regras prescritas para alienações de seus bens.
E até o detentor do poder familiar sofre restrições (só mediante autorização judicial) quando o negócio jurídico extrapolar aos poderes de simples gerência e conservação do patrimônio do menor (STJ, 3ª T. Resp 292.974, julg. 29/05/2001, publ. DJ em 25/06/2001).
A natureza e aos interesses envolvidos na relação jurídica concreta devem ser direitos patrimoniais de caráter privado.Portanto, a transação só é viável àquelas situações jurídicas de conteúdo econômico que podem se expressar em pecúnia.
Evita-se assim o comércio dos direitos subjetivos extrapatrimoniais ou existentes e os seus corolários principalmente pela vigente tutela especial do princípio da dignidade da pessoa humana.
Porém a patrimonialidade não é requisito suficiente per si para garantir que a situação jurídica seja passível de transação.
Nem todas situações patrimoniais são suscetíveis de transação. Como, por exemplo, os bens fora do comércio (que não podem circular, com aquelas relações jurídicas de cunho privado que interessem diretamente à ordem pública).
Só a título de exemplo, podemos citar como bens fora do comércio: o ar, água, a luz do sol, os bens inalienáveis em virtude de lei como os públicos, os bens gravados com cláusula de inalienabilidade.
Não é lícito transigir sobre questões ligadas ao estado de pessoas, legitimidade do matrimônio, poder familiar, filiação e demais relações jurídicas que interessem à ordem pública.
Incluem-se nesse precioso rol, as garantias fundamentais e os princípios constitucionais superiores.Por importar a transação em renúncia recíproca de direitos só cabível a interpretação restritivamente. E pela transação apenas se declaram ou reconhecem direitos.
Todavia Beviláqua assevera que o instituto não é ato aquisitivo de direitos mas meramente declaratório ou recognitivo. Admitindo-se que contenha ato transativo a título oneroso desde que não seja parte substancial dela.
Porém é forçoso concordar com o magistral Pontes de Miranda que “não é mais freqüente conceder-se reciprocamente, sem se constituir, sem se outorgar. O fato de ser negócio jurídico de reconhecimento, seria construção extraordinariamente forçada.”
Sem dúvida, a transação modifica a relação jurídica das obrigações ou de direito das coisas.
Destaque-se então que nesse ponto não logrou êxito o novel codex.
O art. 847 do Código Civil [30] realiza o que vulgarmente falamos “chover no molhado”, posto que, uma vez que a transação é considerada forma especial de contrato é perfeitamente admissível a pena convencional (cláusula penal).
A inadmissibilidade da transação vige em função de harmonia do negócio, pelo perigo de se desequilibrar a balança em que se colocaram os favores recíprocos.
Contém o parágrafo único do art. 848 do Código Civil [31] uma exceção à regra versada no caput.
A manutenção da transação, não obstante a invalidade de uma de suas cláusulas quando possível deve ser buscada de modo a prestigiar a conservação do negócio jurídico e sua função social.
Tepedino em comentário ao art. 849 do Código Civil [32] alude que não mais se atribuem à transação os efeitos da coisa julgada.A coisa julgada material decorrente da sentença homologatória obsta o debate judicial acerca do mesmo objeto (art. 267, V c/c art. 301, VI do Código de Processo Civil [33]).
A transação judicial impede reabertura do debate sobre o objeto, o qual se transigiu. Enquanto não anulada a transação.
Destaca-se a escorreita substituição do termo “rescinde” por anular, uma vez que rescisão é reservada, para os casos de inexecução da cláusula contratual, ou como meio impugnativo na forma do art. 485 do Código de Processo Civil [34].
Desta forma, somente se dá a anulação da transação quando ocorram os vícios de consentimento (quais sejam: dolo, coação, erro substancial quanto à pessoa ou coisa controversa e lesão).
Quanto ao dolo, somente o dolo essencial (quando for eficiente causa para transação). Quanto à coação se esta se deu para celebrá-la. E tal ameaça seja ilícita.
Já quanto ao erro, este deve ser substancial e dizer respeito a natureza do ato, ao objeto principal da declaração.
Dispõe o Código Civil de 2002 que não se anula a transação por erro de direito, foi opção legislativa adotada a fim de evitar a eternização dos busilis [35].
É pois oportuna a lembrança, posto que o novo codex abriga escrachadamente a anulação fundada por error juris (art. 139, III do Código Civil [36]).
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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