As competências constitucionais do delegado de polícia e suas crises contemporâneas

Sumário: INTRODUÇÃO; 1.SEGURANÇA PÚBLICA; 1.1 Aspectos Relacionais entre Segurança Pública e Direitos Humanos; 1.2  A Polícia Judiciária e suas Especificidades; 1.3  O Poder de Polícia; 1.4  Os Atributos do Poder de Polícia; 1.5 O Delegado de Polícia; 1.6 Aspectos Relevantes acerca do Poder Discricionário do Delegado de Polícia; 2 .  O DELEGADO DE POLÍCIA E SUAS CRISES CONTEMPORÂNEAS; 2.1 A Crise Contemporânea do Delegado de Polícia frente aos Juizados Especiais Criminais;  A Crise Contemporânea do Delegado de Polícia frente ao Ministério Público;  A Crise Contemporânea do Delegado de Polícia frente à Polícia Militar; 2.4 A Crise Contemporânea do Delegado de Polícia frente à Previsão Constitucional de 1988 que que passou a Outorgar Competência Exclusiva ao Estado-Juiz para a Exepedição de Mandados de Busca e Apreensão na Esfera Criminal; CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA.


“Sê justo. Verifica, nos conflitos, onde está a justiça; após, fundamenta-a no Direito”.(Juan Carlos Mendoza)


INTRODUÇÃO


O presente escrito possui o escopo de tornar hialino ao leitor alguns aspectos constitucionais essenciais atinentes a alguns conflitos contemporâneos relativos às competências da carreira do Delegado de Polícia, conflitos esses os quais já se tornaram públicos e notórios ante às intensas divulgações veiculadas pelas imprensas falada e escrita.


Com efeito, após a Constituição de 1988, a carreira de Delegado de Polícia sentiu um impacto negativo muito profundo, ao passo em que foram excluídas competências suas até então exercidas livremente, como, v.g., a expedição de mandados de busca e apreensão, os quais passaram a ser de exclusiva competência judicial.


O Ministério Público, por sua vez, também passou a avocar a prerrogativa de exercer, sem prejuízo à competência do Delegado de Polícia, a frente de investigações criminais. Decerto, e hoje isso se vê patente, referida nova conjuntura deu gênese a uma crise inegável no âmbito da segurança pública, tanto que a matéria foi levada até o Supremo Tribunal Federal.   


A própria nomenclatura e conseqüente conjunto de competências processuais relativos ao termo “autoridade policial”, sempre compreendido como referente à classe dos Delegados de Polícia, hoje se vê em xeque, porquanto, após a vinda da Lei nº9.099/95, surgiu o entendimento que qualquer policial, mesmo o praça mais razo da Polícia Militar pode ser compreendido como autoridade policial, expedindo notificações processuais, p.ex.


Dessarte, não de pouca importãncia mostra-se este escrito, ao passo que se pretende expor os tópicos principais dessa crise contemporânea envolvendo a figura do Delegado de Polícia e os aspectos constitucionais que giram em torno da matéria.


Como introdução aos capítulos que descreverão as crises hoje existentes relativas à carreira do Delegado de Polícia, haverá breves considerações, em capítulos próprios, sobre a Segurança Pública e sobre o Delegado de Polícia, a fim de se tornar mais compreensível o tema principal de fundo.  


1 SEGURANÇA PÚBLICA


A Segurança Pública é tema sempre palpitante no cenário político brasileiro.


Modernamente, e merecidamente, vem também ganhando espaço no mundo acadêmico.


Efetivamente, a segurança pública é o mecanismo estatal tendente a refrear, preventiva[1] ou repressivamente,[2] as práticas criminais.


Composta por instituições tais como a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Institutos Gerais de Perícias,[3] a Superintendência dos Serviços Penitenciários,[4] etc., a temática envolvendo a segurança pública jamais pode olvidar dos aspectos relativos aos Direitos Humanos.


Os órgãos de segurança pública atingem, diretamente, o direito de liberdade da pessoa humana, não se podendo olvidar, nesse campo, de todos aqueles princípios criados e tornados vívidos por meio da disciplina relativa aos Direitos Humanos.   


Dessa arte, estampadamente, vê-se íntima relação entre os dois temas, o que se tornará ainda mais claro nos capítulos a seguir.


Polícia e repressão são duas palavras que impregnam uma semântica consideravelmente pejorativa no Brasil pós Ditadura Militar. Repressão era um conceito conexo unicamente com a performance subterrânea dos órgãos de segurança pública, figadalmente jungida com a tortura e o desaparecimento de opositores ao regime de governo ditatorial.


A Polícia não era órgão de conservação e garantia da paz e da tranqüilidade públicas, porém órgão de repressão, nesta ocasião percebida no aspecto pejorativo.


Desvanecida a Ditadura e acomodado o Estado Democrático de Direito, referidas palavras – repressão e polícia – permaneceram carregando aquele sentido negativo, já que as chagas abertas na sociedade muitas vezes precisam de anos para as suas cicatrizações. Além disso, estão sujeitas à atuação consciente dos homens para alterar uma doutrina densamente alojada.


No que tange à repressão, é uma das diversas formas de performance dos órgãos de polícia. Os órgãos de polícia operam de maneira preventiva e repressiva. Em quaisquer dos casos aspiram ao estrito cumprimento da lei. Reprimir é, deste modo, nada mais nada menos que empregar a força estatal para forçar ou obrigar o implemento da lei. Perceba-se que a repressão não obra sobre todos, indistintamente, no entanto apenas sobre aqueles que extravasam os lindes traçados pela Lei. No entanto, a sua implicação pedagógica é para todos. Não há e nem pode haver repressão como um fim em si mesmo. A repressão não é uma represália do Estado, porém é um exemplo que deve ser versado a todos.


Azado falar aqui naquilo que em Direito Administrativo avalia-se por Poder de Polícia.  É em alto grau comum às pessoas enlear Poder de Polícia, que tem sua concepção e conceituação nos limites da doutrina administrativista, com função ou atividade policial, que são coisas que não se confundem. Se, por um aspecto, as funções policiais são específicas de alguns órgãos públicos, na maioria das vezes denominados polícia, por outro o Poder de Polícia é intrínseco a todo o Estado, na proporção em que por meio de seus órgãos, intromete-se nas atividades regulares dos cidadãos.


1.1.Aspectos Relacionais entre Segurança Pública e Direitos Humanos


Por meio dos órgãos de segurança pública, o Estado procura impor a ordem expendida no sistema legal.


Referido proceder estatal atinge diretamente o direito de liberdade da pessoa humana, daí o cuidado que se deve observar pelo Poder Público no sentido de não serem violados os direitos mínimos inerentes à pessoa.


Não se pode mais conceber uma estrutura policial similar à época da ditadura militar, onde se via o cidadão como um inimigo do Estado.


Vale lembrar, por exemplo, que a Polícia Militar, em nosso país, foi criada por meio da união da Força Pública Estadual com a Guarda Civil, na oportunidade do Golpe de 64. Constituiu-se, assim, em numa milícia auxiliar do Exército, a fim de conter as manifestações populares e o movimento de guerrilha estimulado pelos ideais comunistas.


A realidade imposta pela ditadura militar no Brasil, onde eram públicos e notórios atos de abuso para com a dignidade da pessoa humana, deve ser relegada ao passado, servindo como paradigma de um modelo vencido e não mais desejado por uma sociedade evoluída.


Percebendo-se que a atuação da segurança pública deve ser norteada pelos princípios atinentes aos Direitos Humanos, justamente, porque a atuação referida atinge os seres humanos, conclui-se, sem gris algum, que há patente relação entre segurança pública e Direitos Humanos. Em verdade, estes disciplinam a conduta daquela.


Quanto mais afastada desses referidos princípios, mais próxima estará a atuação estatal do chamado abuso de poder.


O Brasil, nessa linha de raciocínio, procurando esquecer o seu passado ostentado, mormente, pela ditadura militar, demonstra patente vontade em erradicar a tortura praticada por agentes do Estado. Com efeito, a Constituição Federal considera a tortura crime grave, imprescritível e insuscetível de graça ou anistia.


Por outro lado, ainda, as Convenções da ONU[5] e da OEA[6] pela abolição da tortura foram ratificadas. Além disso, em abril de 1997, foi sancionada a Lei 9.455[7] a qual tipificou o crime de tortura.


O aspecto relacional existente entre segurança pública e Direitos humanos encontra suporte, ainda, no fato de que, separando-se referidos institutos, ver-se-ia uma manifesta e nefasta crise no Estado moderno, ocasião em que se retornaria às características de um Estado Monárquico e Absolutista dos séculos XVII e XVIII, no qual o rei era o soberano e exercia a plenitude do poder sem nenhuma limitação de ordem constitucional.[8] 


Com a teoria da vontade geral, voltada para os Direitos humanos, o exercício da soberania sai das mãos do monarca e passa para as mãos da nação.[9]


 A soberania, então, deixa de ter o seu caráter de “absolutismo” contra a pessoa humana do país, passando a caracterizar-se como sendo um poder que é juridicamente inconstratável, pelo qual se tem a capacidade de definir e decidir acerca do conteúdo e da aplicação das normas, impondo-as coercitivamente dentro de um determinado espaço geográfico, bem como fazer frente a eventuais injunções externas.


1.2.A Polícia Judiciária e suas Especificidades


Polícia Judiciária possui o papel precípuo de apurar as infrações penais e a sua autoria, por meio do inquérito policial, procedimento administrativo com particularidade inquisitiva, o qual serve, em regra, de sustentáculo à pretensão punitiva do Estado estabelecida pelo Ministério Público, Senhor da ação penal pública. [10]


A persecução penal, ordinariamente, inicia-se por meio da investigação criminal, com o Estado angariando subsídios para o exercício do jus puniendi[11] em juízo, razão pela qual, em sendo o inquérito policial peça procedimental de contumaz importância para o Estado, devidamente disciplinado pelo Código de Processo Penal, embora prescindível, não é ele mera peça de informação como a doutrina e a jurisprudência, praticamente pacífica, o cognominam[12]. Ele é, isto sim, peça de informação de alta relevância. Lida com o sagrado direito à liberdade e, em sendo propriamente conduzida, seguramente propiciará uma maior probabilidade de sucesso no estágio do direito de punir do Estado-Administração, bem como de justiça na fixação da pena pelo Estado-Juiz, quando da análise das circunstâncias judiciais.[13]


Ao considerar-se o inquérito policial um procedimento inquisitivo, não há que se falar da aplicação, nesta fase, das garantias do contraditório e da ampla defesa, reservadas à instrução processual, pois que só aí há acusação e defesa. Com efeito, somente a partir da aceitação da denúncia, em se tratando de persecução oriunda de investigação criminal ou inquérito policial, pode-se falar em acusado. [14]


Por certo, o inquérito policial não abrange as consagradas garantias constitucionais. Ele evidencia-se, especificamente, por um conjugado de atos praticados por autoridade administrativa. [15]


O texto constitucional, ao afiançar ao preso a assistência de um advogado, não exige a sua presença aos atos procedimentais, nem que a autoridade policial deva obrigatoriamente constituir um para acompanhar o seu interrogatório,[16] mais sim, constitucionalmente lhe é assegurado ser assistido por um advogado de sua livre nomeação, caso deseje e o promova.[17] Isso, por certo, mostra-se coerente, haja vista, como acima já dito, que em inquérito policial não existe contraditório e ampla defesa, a serem exercidos somente em processo judicial ou administrativo.[18]


Por outro lado, a presença do advogado, ainda que prescindível no inquérito policial, é recomendável, mas apenas recomendável, diante da possibilidade de deficiência de justa causa para a sua instauração em desfavor do investigado, da possibilidade de pleitearem-se diligências, do pedido de liberdade provisória, de relaxamento de prisão em flagrante, bem como de inibir qualquer arritmia de conduta que possa advir por parte do agente policial do Estado, por meio de hábeas corpus ou representação à Corregedoria de Polícia.


De tal modo, permite-se discorrer em defesa no inquérito policial, em sentido amplo, mas não em ampla defesa, agindo o advogado para garantir a observância dos direitos e garantias individuais traçados na Constituição da República.


No que concerne ao segredo da investigação, é ele da essência do inquérito. Não o guardar é muitas vezes fornecer armas e recursos ao delinqüente, a fim de frustrar a atuação da autoridade, na apuração do crime e da autoria. [19]


No que pese, todavia, o disposto no art. 20 do CPP, observa-se que, com o advento do Estatuto da OAB,[20] lei federal de âmbito nacional, a aplicação do sigilo nos inquéritos policiais viu-se mitigada, atingindo a discricionariedade do Delegado de Polícia na direção do procedimento.


No entanto, não houve anulação desse poder discricionário da Autoridade Policial, de modo que, nas investigações em que o sigilo seja indispensável para a apuração da infração e da sua autoria, ou exigível no tocante ao interesse da sociedade, deve a autoridade policial representar, fundamentadamente, à autoridade judiciária competente, a fim de que o princípio da publicidade seja restringido, com vistas ao Ministério Público, por ser o destinatário final da informatio delicti[21].


Referido proceder é coeso com a propriedade inquisitiva do inquérito policial, em que não se desempenha defesa propriamente dita, vetando-se a possibilidade de ciência prévia da diligência a ser efetivada oportunamente,[22] a qual poderia ver-se frustrada, em virtude de uma possível performance precoce e ágil do advogado interessado.


Vale mencionar que o Estado possui poderes para a sua organização, conservação, determinação de suas diretivas e consecução de seus fins.


Todo poder estatal é poder político, mas convencionou-se denominar poder político unicamente aquele que se agrupa e é desempenhado prontamente pelos Poderes de Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário – como órgãos governamentais dos Estados Democrático Modernos. Ficou estabelecido que os demais poderes, desempenhados pelos órgãos da Administração Pública, constituem-se em poderes administrativos, dentre os quais se arraiga o Poder de polícia.


Poder é a capacidade de deliberar e cominar a decisão aos seus destinatários. Nessa acepção, o poder exprime-se em todos os grupos e comunidades, desde a família, que se apóia no pátrio poder, até o Estado, que se sustenta no poder político, emanado da aspiração popular, que é o suporte da Soberania Nacional. Poder, assim, é a própria emanação de soberania do Estado.[23]


Poder de polícia, por sua vez, é o engenho de frenagem de que dispõe a Administração Pública, para ater os abusos do direito individual. Por meio desse mecanismo, que é uma peça de toda Administração, o Estado (em significado amplo: União, Estados e Municípios) prende a atividade dos particulares que se desvendar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social.


Convém distinguir-se, neste ponto, a polícia administrativa da polícia judiciária. A polícia administrativa é aquela que incide sobre bens, direitos ou atividades, ao passo que a polícia judiciária incide sobre as pessoas.  Desse modo, poder de polícia judiciária é privativa dos órgãos auxiliares da Justiça, [24] enquanto que o poder de polícia administrativa difunde-se por todos os órgãos administrativos, de todos os Poderes e entidades públicas. Explicando, quando a autoridade apreende uma carta de motorista por infração de trânsito, exercita ato de polícia administrativa. Agora, quando prende o motorista por infração penal, pratica, então, o ato de polícia judiciária.


Poder de polícia, em seu significado amplo, envolve um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado procura não só preservar a ordem pública, senão também instituir para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem imprescindíveis para serem evitados conflitos de direitos e para garantir-se a cada um o deleite ininterrupto de seu próprio direito, isso até onde for razoavelmente conjuminado com o direitos dos demais.


Administração Pública tem o poder de especificar e executar medidas restritivas do direito individual em beneficio do bem-estar da coletividade e da preservação do próprio Estado. Como salienta JOSÉ AFONSO DA SILVA,  a separação de poderes tem por fundamento a procura da especialização funcional e a independência orgânica no exercício de cada uma das atribuições típicas do Estado.[25]


A noção de Poder de Polícia, diga-se de passagem, encontra-se patente em nossa legislação, valendo fazer referência ao Código Tributário Nacional que assim dispõe:


“Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a ‘Prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.[26]


1.3 O Poder de Polícia


A extensão do poder de polícia é hoje muito ampla, abarcando desde a proteção à moral e aos bons costumes, a preservação da saúde pública, a censura de filmes e espetáculos públicos, o controle das publicações, a segurança das construções e dos transportes, o mantimento da ordem pública em geral, até à segurança nacional em particular. Daí, encontra-se, nos Estados modernos, a polícia de costumes, a polícia sanitária, a policia das águas e da atmosfera, a polícia florestal, a polícia rodoviária, a policia de trânsito, a polícia das construções, a polícia dos meios de comunicação e divulgação, a polícia política e social, a polícia da economia popular, e outras que atuam sobre as atividades individuais que afetam ou sejam capazes de afetar os superiores interesses da coletividade, a que incumbe o Estado velar e proteger. Onde houver interesse acentuado da comunidade ou da Nação, deve haver, correlatamente, igual poder de policia para a proteção desse interesse público.


Os exatos limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais dos indivíduos assegurados na Constituição da República. [27] Do absolutismo individual evolui-se para o relativismo social. Os Estados democráticos como o nosso inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem comum. Aliás, a idéia de reparação é uma das mais velhas idéias morais da humanidade, como já dizia RIPERT, citado por CAIO MÁRIO [28].


Referida sujeição do direito individual aos interesses coletivos ficou bem marcada na vigente Constituição da República, ao estabelecer-se que a ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base dentre outros fatores, na «função social da propriedade».[29] 


Por meio de restrições infligidas às atividades do indivíduo que afetem a coletividade, cada cidadão cede parcelas mínimas de seus direitos à comunidade e o Estado lhe retribui em segurança ordem, higiene, sossego, moralidade e outros benefícios públicos, propiciadores do conforto individual e do bem-estar geral. Para concretizar essas restrições individuais em favor da coletividade, o Estado se utiliza desse poder discricionário, que é o poder de polícia administrativa. Tratando-se de um poder discricionário, a norma legal que o confere, não minudencia o modo e as condições da prática do ato de polícia. Esses aspectos são adjudicados ao prudente critério do administrador público. Mas se a autoridade ultrapassar o admitido em lei, incidirá em abuso de poder, corrigível por via judicial. O ato de polícia, como ato administrativo que é, fica sempre sujeito à invalidação pelo Poder Judiciário, quando praticado com excesso ou desvio de poder.


1.4.Atributos do Poder de Polícia


O poder de polícia possui atributos específicos e peculiares ao seu exercício. Há os gerais e há o específico. Dentre os gerais, encontram-se a presunção de legitimidade, a auto-executoriedade e a imperatividade, também chamada de coercitividade ou exigibilidade. No que se refere ao atributo específico, encontra-se a discricionariedade.


A discricionariedade, que se pretende destacar neste momento, traduz-se na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e da conveniência em se exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado no caso em concreto, que é a proteção de algum interesse público determinado. Neste particular, e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída, a discricionariedade é legítima. Exemplo: se a lei permite a apreensão de mercadorias deterioradas e a sua inutilização pela autoridade sanitária, esta pode apreender e inutilizar os gêneros imprestáveis para a alimentação, sem nenhuma interferência de outro poder, inclusive do Judiciário. Porém, se a autoridade é incompetente para a prática do ato, ou se o praticou arbitrariamente sem prévia comprovação da imprestabilidade dos gêneros para sua destinação, ou se interdita o estabelecimento fora dos casos legais, a sua conduta poderá ser impedida ou invalidada pela Justiça. No uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores é que reside a discricionariedade do poder de polícia.


De qualquer sorte, a liberdade máxima consentida não é jamais o pleno arbítrio, mas o prudente arbítrio ou o poder discricionário, que permite ao seu titular escolher os interesses para os quais deverá exercê-lo, mas proíbe que ele possa prescindir de tal avaliação. Se uma função for exercida por interesse distinto, daquele que lhe constitui a base, dá lugar a um comportamento ilegítimo, que recebe o nome de desvio de poder.[30]


1.5.O Delegado de Polícia


Com fulcro, precipuamente, nos ensinos de Thomas Paine [31], personagem de grande espírito humanitário e de brilhante visão democrática (1737-1809) [32], procurar-se-á, neste capítulo, estabelecerem-se paralelos existentes entre o bem articulado racionalismo de Paine, todo ele voltado para o contexto político de sua época, e a realidade hodierna existente acerca das similitudes existentes entre a visão daquele celebrado personagem da história política e a realidade vivenciada nos dias de hoje pelos Delegados de Polícia, autoridades responsáveis pelo gerenciamento da fase inquisitorial do Processo Penal.


Antes de mudar-se para a América e sedimentar-se como um dos grandes escritores da história política, Paine, após numerosas tentativas de melhorar o seu padrão de vida e retirar-se de um constante estado de pobreza e miséria, acabou por tornar-se “Coletor de Impostos”. Todavia, plenamente convencido de que os Coletores eram muito mal pagos, escreveu o seu primeiro panfleto, dirigido ao Parlamento [33]. Em referido escrito, observamos estampadamente o humanitarismo de Paine:


“Se o aumento do dinheiro no reino constitui uma das causas do elevado preço dos suprimentos, é peculiarmente lastimável o caso dos coletores de impostos. Não recebem aumento algum. Excluídos da bênção geral, contemplam-na como se contempla o mapa do Peru. Aplica-se-lhes um pouco a resposta de Abraão a Dives: Há ali um grande abismo.” [34]


O interessante é que, mesmo, ou quiçá exatamente por isso, ao procurar influenciar os membros do Parlamento a favor dos coletores, acabou por ser demitido, em 1774, pelo governo, como indivíduo perturbador da ordem.


Percebe-se, dessarte, que o tempo transcorre, mas a história muda-se apenas superficialmente, por meio de breves nuanças. Com efeito, odiernamente, é do senso comum que a Polícia Judiciária, a despeito de seu papel inquestionavelmente primordial no âmbito social, está longe de ser tratada com o devido zelo pelos seus governantes.


Influenciada de forma contundente pela realidade político-partidária da situação, a Polícia sujeita-se ao “vai-e-vem” do pensamento político presente, constituído pela troca de poder exsurgida a cada escrutínio.  


Despido é, dessarte, o Governo, no seu aspecto de repressão direcionada ao particular, em prol da coletividade, de índole eminentemente técnica, posto que sujeita às vicissitudes do pensamento político vigorante.


Aquele que eleva a sua voz a respeito, corre os mesmos riscos que Paine outrora correu. E se, por um lado, a exoneração encontra óbice no devido processo legal, também contemplado no âmbito administrativo [35],  a transferência “por conveniência do serviço” constitui-se em instrumento de flagrante ilegitimidade, quando utilizada com o fim de fazer calar a voz daquele que se insurge com os mandos e desmandos de um gerenciamento exclusivamente político nos órgãos de Segurança, contrário àquele comando exclusivamente técnico, reclamado pelos anseios de uma Sociedade sedenta por uma polícia mais ágil, científica e eficaz.


Como ensina o Prof. HELY LOPES MEIRELLES, há manifesta distinção entre discricionariedade e arbitrariedade; aquela, ocorre dentro dos limites legais e de acordo com o interesse público, já esta é levada a efeito sem consonância com o interesse público:


“Já temos acentuado, e insistimos mais uma vez, que o ato discricionário não se confunde com o ato arbitrário. Discrição e arbítrio são conceitos inteiramente diversos. Discrição é liberdade de ação dentro dos limites legais; arbítrio é ação contraria ou excedente da lei. Ato discricionário, portanto, quando permitido pelo direito, é legal é válido; ato arbitrário é, sempre e sempre, ilegítimo e inválido”. [36]


Todavia, no âmbito da Polícia Judiciária, a imposição de “transferência”, v.g., como forma punitiva aos Delegados de Polícia malcontentes, é um temor que tende a elidir-se, à luz do recente Projeto de Emenda à constituição, elaborado em 2003, de autoria dos  Srs. Reinaldo Betão, João Campos e outros.


Com efeito, e em suma, o projeto acrescenta o § 10º ao art. 144 da Constituição Federal, dispondo sobre a inamovibilidade de Delegados da Polícia Civil e da Polícia Federal.


Nada mais justo, pois vem a preencher um velho, legítimo e histórico anseio das Polícias Civil e Federal. O instituto da inamovibilidade, já garantido a juízes e promotores públicos, é de suma importância para o bom desempenho da meritória função que exerce a autoridade policial. Visa-se a garantir a independência, a imparcialidade, a isenção e a dignidade do profissional.


Bem consta na “justificativa” do referido projeto o seguinte e contundente texto:


“O delegado de polícia tem a desagradável surpresa de ser compulsoriamente afastado das investigações que preside e conduz de forma honesta e coerente, muitas vezes sem qualquer justificativa plausível, sendo removido para circunscrições distantes por mero capricho da autoridade governamental. Não há o mínimo de respeito ao profissional da segurança pública, quando contraria interesses outros daqueles que estão exercendo o poder.”


Por exigência legal, o Delegado de Polícia tem formação jurídica, sendo o profissional da segurança pública que primeiro toma conhecimento da ocorrência do fato delituoso, desencadeando a “persecutio criminis”.


Assim, exerce ele o papel de anteparo da sociedade, providenciando, imediatamente após o fato, a prisão do acusado ou a instauração do procedimento apuratório respectivo. Não é difícil, portanto, imaginar que este profissional sofra toda espécie de pressão durante as investigações, e até mesmo após concluir o inquérito policial. A garantia da inamovibilidade ao delegado de polícia só trará benefícios para o bom desempenho do cargo, garantindo que ele não será substituído devido aos rumos das investigações isentas.


Por outro lado, como bem consta do projeto, a inamovibilidade não prevalece no caso de interesse público devidamente justificado, ocasião em que haverá decisão do Conselho Superior da Polícia sobre o assunto.


Não obstante, é claro, a defesa que a Autoridade Policial precisa dispor sobre os devaneios superiores em torno de descontentamento acerca de investigações desenvolvidas por  ela, é assaz relevante lembrarmos que os arbítrios podem também conter gênese diferente, muitas vezes oriundos da manifestação particular ou sindical das Autoridades Policiais sobre as precárias condições materiais de trabalho postas à sua disposição.  


Thomas Paine, no seu influente livro O Senso Comum e a Crise,  ressalta que o Ser Humano, por menos expressivo que se considere ou por mais difíceis que sejam as suas condições a serem enfrentadas, possui qualidades que, somadas às dos demais, resulta em benefício em torno de uma causa, por mais exigente que ela seja.


Surge aí a vital importância dos movimentos sindicais, como forma de reforçar os pleitos de determinadas classes junto aos governantes. A incansável busca pela dignidade do cargo, por meio de justas reivindicações sindicais, reveladoras de um forte e digno caráter por parte dos detentores do Cargo de Delegados de Polícia, é uma atitude que não deve jamais se abrandar, pois, consoante Paine, “o carácter é mais facilmente mantido do que recuperado”.


Efetivamente, nosso sucesso depende de uma variedade tão grande de colaboração humana e circunstâncias outras que todas as pessoas, podendo pouco mais que desejar o bem, são de significativa utilidade.


Para Paine, é possível concluir que, quando o motivo é justo, o homem comum torna-se um herói.


Nessa seara, percebe-se a tendência coletiva no sentido de união de categorias em torno de pleitos por melhores condições de labor profissional. Isso, por certo, motivou a exigência, por parte da classe de Delegados de Polícia, do projeto de emenda constitucional alhures comentado.


Para Thomas Paine, a sociedade, em qualquer estado, é uma benção, enquanto que o governo, mesmo em seu melhor estado, não passa de um mal necessário. E, no seu estado pior, é um mal verdadeiramente intolerável [37].


O Estado, no seu aspecto de “mal necessário”, em uma visão mais moderna, tende a ceifar ou limitar a liberdade individual em prol dos direitos ou interesses de uma maioria.


Nesse contexto, com grande força, surge a figura dos Órgãos de Segurança Pública, como longa manus do Estado no seu sentido repressor.  


Lamentavelmente, consoante se percebe odiernamente, o tratamento dispensado aos Órgãos de Segurança não vem abarcando o zelo necessário por parte dos governantes. Remuneração ínfima, precariedades de recursos materiais, escassez de estratégias bem elaboradas e articuladas entre os vários Órgãos atuantes na área de segurança demonstram a realidade do que se afirma aqui. Se Paine, em tempos passados, deixou de ser “Coletor” por motivos que ultrapassaram sua própria vontade, hoje temos um acervo significativo de Delegados de Polícia que deixam seus cargos em busca de melhores condições de vida, mormente em outros concursos públicos contemplados com melhores remunerações.    


De facto, em um contexto de flagrante ingerência eminentemente política, os cargos de chefia de nossas Polícias, das instâncias mais diminutas às mais altivas, encontram-se despidos de critério eminentemente técnico.


Em outras palavras, os detentores de referidos cargos, geralmente, não são neles inseridos em decorrência de critérios técnicos previamente estipulados pelas respectivas categorias.


No que se refere a essa realidade, ao que parece, já é ela cediça de todos. E sem aviltar as qualidades dos profissionais que ocupam referidos ofícios, é-nos cediço, também, que o coloquial “Q.I.” [38] constitui-se em requisito tido como revestido muitas vezes de suficiência para os seus preenchimentos.


Se o provimento deu-se por critérios políticos, ou seja, de “indicação”, inexoravelmente, ou o detentor de referidos cargos submete-se a “oscilar” conforme a música previamente estipulada pelo governo da situação, ou é deposto e outro inserido em seu lugar. E vale lembrar, ainda, que não contemplem referidos cargos de liderança remuneração significativa, a sensação de poder sentida por quem os preenche tende a corromper, sendo que o apego ao “título” torna-se, muitas vezes, lamentavelmente, mais importante que a intenção de defesa dos legítimos direitos dos seus liderados [39]. Como dizia Paine, “os títulos não passam de apelidos, e todos apelidos são títulos”.


Indicações meramente políticas, pois, emanadas do interesse governamental vigente, em prejuízo irrefutável aos executores chefiados e à sociedade em geral, exigente de uma polícia verdadeiramente “apolítica”, resulta xeque social.


Se os partidos políticos modificam-se como as nuvens, urge que as polícias modifiquem-se apenas no seu aspecto de crescente e constante aperfeiçoamento científico, com todas as garantias tendentes a não-ingerência político-partidária.  Como dizia BOBBIO[40]: “os códigos se sucedem; as leis são modernizadas, os juízes substituídos e, ainda assim, as pessoas estão protegidas pelo sistema legal”.


Paine sofreu, outrora, o que muitos que levantam suas vozes hoje também o sofrem. É o modelo de exercício do poder pela opressão, pela humilhação, pela tirania e pela sufocação das liberdades de manifestação.


A essência da filosofia de Paine assenta-se, repise-se, no fato de que há indubitável distinção entre sociedade e governo. A sociedade é produzida pelas nossas necessidades, e o governo pena nossa maldade; a primeira promove positivamente a nossa ventura, unindo os nossos afetos, enquanto o segundo o faz negativamente, refreando os nossos vícios. A primeira encoraja o intercâmbio, o segundo cria distinções. A primeira é uma patrocinadora, o segundo um punidor.


Exatamente, aí, está o senso comum coletivo acerca da Polícia, no seu aspecto de órgão repressor. Polícia é um mal absolutamente necessário, podemos dizer. E quando é má gerida, percebemos uma polícia caótica, desorganizada, indo e vindo, conforme o interesse, o pensamento, ou o devaneio político da atualidade.


Hely Lopes Meirelles [41], quando define poder de polícia como “a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”, denuncia, em sentido lato, a importância máxima do Estado em seu sentido repressor. Daí a delicadeza e o cuidado que nunca deve ser tido como damasiado em comporem-se os quadros da Polícia, mormente a Judiciária, detentora que é de competência constitucional para apurar a autoria e a materialidade das infrações penais.


Poder de polícia, como já se disse alhures, é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos de direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda a administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.


Como já é cediço, especificamente no que tange à Polícia Judiciária,  tem esta a função precípua de apurar as infrações penais e sua autoria, por meio de inquérito policial, procedimento administrativo inquisitivo, que serve, em regra, de base à pretensão punitiva do Estado formulada pelo Ministério Público, Senhor da ação penal pública[42].


A relevância do trabalho presidido e sob a incumbência do Delegado de Polícia no cenário jurídico nacional é, pois, irrefutável. Dizer-se que o inquérito policial por ele presidido é mero caderno informativo sem força probatória é, como já se disse antes, proferir-se disparate sem tamanho.


Com efeito, se não serve o inquérito policial, como se costuma dizer, no seu aspecto de mero “caderno informativo”, como fundamento, por si só, para condenar um delinqüente a uma pena mínima prevista em determinado preceito secundário atinente a estabelecido preceito primário, pode servir ele, e aí está o contra-senso, como meio relevante para condenar o mesmo delinqüente a determinada pena que encontra o seu patamar em abstrato no limite máximo previsto em nosso Codex substantivo penal. Com efeito, nos delitos contra a vida, à luz da soberania dos vereditos [43], os jurados podem basear-se com serenidade na “prova” carreada nos autos do inquérito policial, pois julgam de “capa a capa”. A respeito, vale colacionar o seguinte julgado:


17006119 – JÚRI – HOMICÍDIO DUPLO – DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS – INOCORRÊNCIA – CONFISSÃO POLICIAL – VALOR PROBANTE – Júri. Duplo homicídio. Petição recursal sem fundamentação específica. Preliminar de não conhecimento. Rejeição. Decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Recurso defensivo. Confissão policial e outros elementos de convencimento. Validade. Desprovimento. Inexiste motivo para não conhecer do recurso quando a peça de interposição, em tema de Júri, deixa de especificar o fundamento que o justifica. É que se deve assegurar, em respeito à norma constitucional em vigor, o exercício da ampla defesa com os recursos que lhe são inerentes, até em homenagem ao duplo grau, modo de consagração à segurança que toda decisão judicial deve ter. Não é contrária à prova dos autos, menos ainda manifestamente, a decisão do Tribunal do Júri que, apreciando caso de duplo homicídio, opta pela condenação de agentes valendo-se da confissão policial de um deles, validada por outros confiáveis elementos de prova autorizadores do reconhecimento da autoria. Recurso defensivo improvido. (TJRJ – ACr 383/96 – (Reg. 260897) – Cód. 96.050.00383 – Bom Jesus de Itabapoana – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Cláudio T. Oliveira – J. 17.06.1997).


Como se percebeu, a figura do Delegado de Polícia, a despeito de encontrar-se prevista constitucionalmente [44], ainda está por demais sujeita às vicissitudes da ordem político-partidária da situação. E é por comparativos históricos como as alusões a Paine e sua  sempre clássica obra “Common Sense and Other Political Writings” que percebemos não ser de hoje os desarranjados político-partidários em torno de questões sociais onde a técnica e o caráter científico deveriam ser os únicos assuntos em debate.


Não obstante, nunca é tarde para identificarmos devaneios e patenteá-los ao crivo social; até, porque a sensação de que algo precisa ser revolucionado é sempre do “senso comum”, exsurge do consciente coletivo e apenas é expressado, quando muito, por um ou outro particular que opta pela iniciativa. Aliás, conforme bem referido por Paine, “temos de admitir que há tempos em que as idéias estão ‘no ar’, e que se afiguram uma propriedade comum, e em que a atribuição, a um único homem, da parternidade de uma idéia particular qualquer é extremamente impossível. O século XVIII foi indubitavelmente uma desses períodos [45]”.


1.6.Aspectos Relevantes acerca do Poder Discricionário do Delegado de Polícia


O Delegado de Polícia é o primeiro receptor do caso em concreto. Não lhe é compelido, pelo ordenamento jurídico, agir sem a devida cautela e sem o devido senso de prudência, ante a íntima proximidade que há entre suas atribuições e o direito fundamental da liberdade da pessoa humana.


Cabe ao Delegado de Polícia, efetivamente, sempre deliberar com a devida prudência ante o direito à liberdade do indivíduo, em todas aquelas hipóteses em que lhe for possível a sua restrição, hipóteses essas as quais, de regra, constituem-se em extrema excepcionalidade.  Toda a atividade policial, por sua natureza, em tese, possui o condão de tolher o direito à liberdade do indivíduo. Esse direito fundamental é, de fato, princípio constitucional, [46] compreendendo ele uma das chaves de todo o nosso sistema normativo. Por isso, precisa ser visto como critério maior, mormente no campo penal. E se é pacífico que o próprio Estado-juiz não pode olvidar de observar com a máxima cautela esse direito constitucional, também o deve ser pela Autoridade Policial, pois não é fadado a esta cometer abusos manifestos contra os direitos da pessoa humana, sob o argumento de que não lhe é conferido pela norma competência para se levar a efeito, de acordo com o seu discernimento, a medida mais adequada ao caso concreto.


As Autoridades Policiais, por suposto, constituem-se agentes públicos com labor direto frente à liberdade do indivíduo. É da essência das suas decisões, por isso, conterem inseparável discricionariedade, sob pena de cometerem-se os maiores abusos possíveis, quais sejam, aqueles baseados na letra fria da Lei, ausentes de qualquer interpretação mais acurada, separadas da lógica e do bom senso.


A fundamentação plausível deve ser elemento sempre unificado ao ato discricionário da Autoridade Policial. Mencionado ato será sempre legítimo, se devidamente fundamentado. De fato, dentro do nosso ordenamento encontra-se o princípio elementar da proporcionalidade, com raiz na lógica e no bom senso, exigindo-se que o decisum[47] respectivo seja, como já foi dito, fundamentado, à luz do princípio do livre convencimento motivado.   


A respeito desse poder discricionário, aliás, vale a colação do seguinte excerto doutrinário da lavra de HELY LOPES MEIRELLES, onde ele faz interessante observação, no sentido de que, nem mesmo com relação aos atos vinculados o administrador está limitado a executar a lei cegamente:


“Tanto nos atos vinculados como nos que resultam da faculdade discricionária do Poder Público, o administrador terá de decidir sobre a conveniência de sua prática, escolhendo a melhor oportunidade e atendendo a todas as circunstâncias que conduzam a atividade administrativa ao seu verdadeiro e único objetivo – o bem comum”.[48]


Por outro lado, é de bom alvitre inserir-se neste texto interessante decisão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo: 


“A determinação da lavratura do auto de prisão em flagrante pelo delegado de polícia não se constitui em um ato automático, a ser por ele praticado diante da simples notícia do ilícito penal pelo condutor. Em face do sistema processual vigente, o Delegado de Polícia tem o poder de decidir da oportunidade ou não de lavrar o flagrante”. [49]


Por ocasião desse decisum colegiado, fica clara a faculdade do Delegado de Polícia em, nas hipóteses de flagrante delito, levar a efeito, conforme o seu juízo de valor, a melhor decisão que lhe surgir a consciência, vertendo para a lavratura do auto ou não, consoante sua apreciação daquilo que for mais conveniente e oportuno diante do caso em concreto.


Neste momento da dissertação, chega-se ao momento crucial, onde se estabelecerão as concisas, hialinas e simplificadas hipóteses de aplicação do princípio da insignificância no seio das atividades policiais.


Se este trabalho dissertativo, embora de manifesta singeleza, possui uma razão de ser, exatamente neste momento chega-se a ela, qual seja, a de estabelecer, por meio de dois simples e concisos exemplos, quais seriam as possibilidades concretas de aplicação do instituto da insignificância na seara policial.


O direito à liberdade encontra-se dentre os direitos fundamentais previstos no art. 5º, caput, da Constituição Federal, ao lado de outros tais como a inviolabilidade do direito a vida, a igualdade, a segurança e a propriedade.


Está, ainda, previsto no inciso VII do artigo supra que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.


Vê-se, pois, que a liberdade é um pressuposto natural de uma sociedade justa.


O direito à liberdade, tratado como inviolável pela Constituição, coaduna-se com a orientação internacional quanto aos direitos do homem, o que, por si só, aliás, afeta a faculdade concedida ao Juiz em outorgar livramento provisório, para torná-la investida de caráter não-facultativo, mas obrigatório e compulsório. Este status da norma, além do mais, dispensa a própria existência do artigo 310 do Código de Processo Penal.


O encarceramento da pessoa humana é medida extremada e, dentro de um sistema jurídico obviamente pautado pela lógica e pelo bom senso, com regras legais postas ao julgador, a fim de serem interpretadas em harmonia umas com as outras, com princípios para a solução de eventuais antinomias e, até mesmo, anomias, não se pode aceitar como crível que se leve a efeito pela Polícia, e sejam referendados pelo Judiciário, atos desvirtuados de uma mínima lógica.


Há hipóteses em que a insignificância da ofensa ao bem jurídico tutelado não justifica édito condenatório e muito menos, então, encarceramento prévio ao início da ação penal (isso, se esta, de fato, vier a ser proposta pelo parquet). 


Em furtos famélicos, ou de itens de pequeno valor em supermercados (como um barbeador descartável, um desodorante, etc.), não se justifica a prisão do sujeito, a menos que reiteradas de maneira intolerável.


De fato, em um regime democrático de direito, deve ser considerado o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção. Há de ser observada, em cada caso concreto, a individualização da pena.


O encarceramento do indivíduo não é um fim em si mesmo, mas uma conseqüência, donde há de ser observado um nexo, um liame entre a ação considerada antijurídica e a natureza ou intensidade da resposta estatal.  


O desiderato da custódia cautelar é retirar de circulação sujeitos que, pela sua conduta irregular, oferecem risco à sociedade. Em síntese, o risco, inexoravelmente, precisa abalar a ordem pública, quer seja pela intensidade da ofensa, quer seja pela reiteração de um conjunto de ofensas. Há, dessarte, que tratar-se desigualmente os desiguais. Assim, pois, encarcerar-se, por meio da prisão em flagrante, o autor de um homicídio ou de um roubo é atitude equânime com a gravidade de referidas ofensas.


Todavia, ainda em hipóteses como as acima aludidas, o autor, momentos após a prisão, poderá sair do cárcere, por meio do relaxamento da sua custódia pelo Juízo competente, caso não estejam presentes os requisitos da manutenção preventiva da sua prisão, fulcro no que dispõe o art. 312 do Código de Processo penal.


E se é bem certo, e verdadeiramente provável, que em infrações materialmente atípicas, devido à insignificância da ofensa ao bem jurídico tutelado, o relaxamento da prisão ocorrerá inexoravelmente, percebe-se que aquele primeiro ato (prisão) levado a cabo pela Polícia Judiciária indistintamente, tanto em relação aos crimes graves como em relação aos materialmente atípicos, é tratar de forma igual situações absolutamente  desiguais.  


Assim, é sustentável, à luz do sistema jurídico pátrio, que é um conjunto de leis e de princípios que se entrelaçam sob a égide dos ditames maiores lançados pela nossa Constituição Federal, que a Autoridade Policial possa, por meio da sua discricionariedade ínsita, não lavrar flagrantes acerca de infrações que são, em tese, materialmente atípicas.


O decisum de valoração a ser levado a efeito pela Autoridade Policial bastará que contenha fundamentação razoável, fulcro no princípio da persuasão racional, como, de resto, é a atribuição de todos aqueles que levam a efeito atos administrativos em geral. 


Depois de esclarecida a hipótese de aplicação do princípio da insignificância frente às situações de flagrante delito, passa-se a discorrer acerca da derradeira hipótese sustentada de aplicação do aludido princípio em sede das atribuições a cargo do Delegado de Polícia.


A Polícia Judiciária abarca, praticamente, a totalidade absoluta das infrações penais levadas ao conhecimento dos Órgãos Públicos.


Salvo raríssimas exceções, até mesmo aquelas comunicações levadas ao conhecimento dos representantes do Ministério Público, são todas encaminhadas eles à Polícia Judiciária, a fim de que esta sim apure os fatos por meio do procedimento pertinente.


Em assim sendo, percebe-se que o mundo da ilicitude só chega aos olhos dos julgadores, porque são levados ao seu conhecimento pelos órgãos policiais. Em outras palavras, a Polícia é responsável, com exclusividade praticamente absoluta, pela recepção das notícias criminais, elaboração dos instrumentos apuratórios adequados e remessas suas à apreciação do Judiciário.


Surge, então, em decorrência desse vultoso, verdadeiramente incomensurável e invencível fardo, problemática irrefutável, mas pouco discutida em nossos dias atuais, qual seja, “grande parte das comunicações de ocorrências policiais acabam vendo as suas prováveis penas em abstrato prescrevendo-se nos próprios órgãos policiais”.


De tempos em tempos, e esta tem sido a prática, ao atingir-se número considerável de feitos prescritos em um Distrito Policial, convenciona-se determinado acordo entre Delegado de Polícia e Promotor de Justiça locais e remetem-se citados cadernos apuratórios, em lotes, à apreciação do parquet, a fim de que este requeira seu arquivamento ao Juízo competente. Incontáveis procedimentos, instaurados ou não, já prescritos, encontram esse destino em nossa Administração Pública.


A razão desse procedimento costumeiro não é nada além da incontestável impossibilidade de os Órgãos Policiais levarem a efeito termo à totalidade da demanda que os assola diariamente.


Pragmaticamente, então, e forçosamente, em determinadas situações, as Autoridades Policiais sentem-se premidas e fatalmente precisam selecionar, dentre os procedimentos às suas cargas, aqueles que mais urgem atenção e celeridade ante as suas gravidades. É uma decisão razoável, perante uma problemática real.


Com efeito, dentro dessa problemática existente, urge conjetura plausível, qual seja, poder-se-ia conceder à Autoridade Policial legitimidade para esta estabelecer, com razoabilidade e bom senso, um critério seletivo acerca daquilo que seria levado a efeito pelo labor policial, em prejuízo daquilo que, fatalmente, acabaria não sendo.


Essa legitimidade que se propõe, no entanto, não é aquela mesma já concedida ao Delegado de Polícia pela força do seu dia-a-dia, já bem estabelecida pela prática e pelo costume. Seria isto sim, algo novo e mais cristalino.


A competência a ser emprestada à Autoridade Policial necessitaria emanar de instrumentos legais, quer fosse por meio de uma cláusula geral acerca do princípio da insignificância a ser inserida em nosso Codex substativo penal, quer fosse, ao menos, por meio de simples pactos administrativos a serem avençados em cada Estado Federativo, tudo dependendo da realidade vivida por cada ente federado e à luz da comunhão de esforços e da conjugação de vontades existentes entre os membros do Ministério Público e Delegados de Polícia seus.


Pois, esclarecidas as possíveis fontes de onde seria ideal ver originada essa faculdade a serviço da Polícia Judiciária, resta imperioso deixar-se claro, de antemão, que não se está aqui defendendo tese alguma sobre uma possível faculdade de arquivamento de cadernos policiais em sede de Polícia Judiciária.


Tal qual preceitua o nosso Codex adjetivo processual [50], a Autoridade Policial não poderá, jamais, mandar ao arquivo autos de inquérito.


O que se propõe, isto sim, seria a possibilidade de que, em prol da apuração de ilícitos mais graves, aqueles procedimentos referentes a fatos aparentemente atípicos no seu aspecto material acabassem por abarcar “sistemática processual” extremamente mais simples e célere do que a costumeira, o que é por demais plausível diante da nossa conjuntura hodierna.


Essa sistemática processual sintética concretizar-se-ia por meio de uma  verdadeira faculdade a ser concedida legalmente à Autoridade Policial, quer pela norma federal, como se disse acima, quer, ao menos, em decorrência de acordos a nível estadual, onde esta não necessitaria instaurar inquéritos policiais acerca de delitos materialmente atípicos, remetendo-se, de qualquer forma, os seus registros respectivos de ocorrências policiais à apreciação dos Promotores de Justiça competentes. Na hipótese de estes discordarem de um ou de outro critério seletivo adotado pelo Delegado de Polícia, restituiriam, então, os autos à Delegacia de Polícia, a fim de ver-se instaurado o procedimento policial a respeito.


Nada mais lógico, nada mais coerente. Absolutamente nada haveria de prejudicial à sociedade, e poder-se-ia vislumbrar uma sensível maior celeridade no trâmite daquelas causas penais realmente relevantes, sempre a cargo da Polícia Judiciária e muitas delas fadadas ao perigo da prescrição em abstrato.


Verdadeiramente, os Órgãos Policiais, já tão defasados de pessoal e de condições materiais variadas, estão sempre premidos pelo exíguo e insuficiente lapso temporal destinado ao esquadrinhamento das ilicitudes de evidente maior gravidade, de gritante maior urgência social.


Dessarte, pela sistemática aqui defendida, dizer-se que se estaria valorizando o tempo da nossa Polícia Judiciária seria, a bem da verdade, uma afirmação inverídica.Estar-se-ia, isto sim, valorizando o ínfimo lapso temporal que a própria sociedade dispõe para a persecução dos casos graves, pois aquela só existe pela razão desta.


Todavia, falar-se o que se disse acima parece simples. No entanto, há barreiras ainda instransponíveis para a sua real aplicação. Como exemplo dessa problemática que se apõe à confecção de sistemáticas mais simplificadas acerca de questões menos complexas está o que gira em torno dos delitos de menor potencial ofensivo abarcados pela Lei dos Juizados Especiais Criminais. Com efeito, é realidade facilmente observada em comarcas de primeira entrância a exigência da confecção, mesmo nas infrações abarcadas pelos Juizados Especiais Criminais, de praticamente um trabalhoso inquérito policial, não se abrindo mão de oitivas detalhadas, previamente à audiência, de todos os envolvidos e de todas as testemunhas”. Em assim não sendo, o termo respectivo baixa do Juízo competente, após requerimento do Ministério Público, a fim de ser complementado.


Porém, ao observar-se a sistemática adotada em jurisdições distintas daquelas de primeira entrância, percebe-se, claramente, uma aproximação bem maior aos ditames da concernente Lei que versa sobre os Juizados Especiais Criminais, quiçá pela experiência já abarcada ao longo da vida funcional pelos seus respectivos Juízes e Promotores. 


O que está ocorrendo nos dias de hoje, com a inexistência da sistemática aqui proposta, é a inexorável seletividade, por parte da Polícia Judiciária, acerca daquilo que será e daquilo que não será prescrito nos próprios Órgãos Policiais. Essa problemática é real, de conteúdo seriíssimo, mas de solução não apontada por qualquer sistema legal uníssono e harmônico com a realidade das condições materiais da Administração Pública.


Falar-se em acréscimo de efetivo ou melhoria nas condições materiais das nossas Polícias é apenas proferir verbos de conteúdo vazio e inócuo, até mesmo porque isso jamais seria suportado, nem de longe, por qualquer cofre público.


Aliás, ainda que, hipoteticamente falando, fosse possível se dar conta da totalidade dos procedimentos em trâmite em sede de Polícia Judiciária, fosse pelo provimento de um incontável e devaneado número de servidores novos, surgiria, então, outra problemática tão séria quanto à primeira: os Órgãos do Ministério Público e do Poder Judiciário, pelas suas condições materiais e número de pessoal existente, jamais teriam, nem de longe, condições de apreciar devidamente a carga incomensurável de trabalhos que lhe adviriam de tudo isso. A propósito, mesmo com o ritmo atual de remessas de procedimentos policiais a juízo, é público e notório que o número de prescrições da pretensão punitiva do Estado nas entrâncias judiciárias é realidade consuetudinária.


Assim, vê-se que a sistemática que aqui se pretende por em prática, toda ela embasada no bom senso, quer evitar um labor policial sem razão de ser em procedimentos acerca de fatos que, visivelmente, em tese, mostram-se atípicos materialmente.


É elementar, presentemente, que se atente à seguinte situação, qual seja, nem sempre um delito de pouco gravidade será considerado atípico, materialmente falando, quando da sua apreciação pelo Poder Judiciário. Todavia, isso não significa que a sua baixa ofensividade, ainda assim, mereça um ato inicial extremado por parte do Estado em relação à pessoa do autor, quer seja por meio da instauração de um caderno inquisitivo, ou, muito menos, por meio de uma prisão em flagrante.


Com efeito, ao falar-se de um porte de arma, por exemplo, levado a efeito por pessoa sem antecedentes policiais, em situação em que não se expôs, de forma concreta, a perigo a sociedade (manutenção da arma no porta-luvas do seu veículo, p. ex.), está-se diante de hipótese em que não se vê como justificável atitude extremada por parte do Estado. Com efeito, constituir-se-ia medida flagrantemente desproporcional à intensidade da conduta impingir-lhe prisão em flagrante, esta sempre um ato extremado do Estado. Aliás, neste caso em particular, o encarceramento cautelar do autor não vê mesmo lógica em qualquer prisma de coerência possível, uma vez que, ao atentar-se à letra da Lei e à pena em abstrato prevista para o caso, por mais que houvesse cominação ao autor de uma pena máxima, o regime de cumprimento previsto para o caso é o aberto.


Elidida a possibilidade de flagrante delito acerca de um delito como o de porte de arma, frente à pena em abstrato prevista para o caso, com a conseqüente possibilidade de aplicação de penas alternativas ou, até mesmo, suspensão condicional do processo, também é coerente sustentar-se que todo um trâmite exigido por inquérito policial apresenta-se como moroso trabalho sem sentido, prejudicial ao trâmite de questões outras a cargo das Delegacias de Polícia, referentes a crimes de patente maior relevância (roubos, latrocínios, homicídios, etc.).


Assim, em ilícitos de menor gravidade como o exemplificado neste item, é razoável que, além de rechaçar-se a possibilidade de aplicação de prisão em flagrante, também se possa eliminar o trâmite de todo um inquérito policial, ocasião em que apenas registrar-se-ia o fato, aprender-se-ia o instrumento e, qualificadas as partes, remeter-se-iam os autos à apreciação do Ministério Público, titular da ação penal.   


Observado isso, a par do fato de que a aplicação do princípio da insignificância no tocante ao labor diário da Polícia Judiciária é o mínimo que se pode exigir, também é plausível sustentar-se a extensão da sistemática aqui proposta àqueles ilícitos que, embora materialmente típicos, vêem-se de menor importância no cenário criminoso vivido por determinadas sociedades.   


2.O DELEGADO DE POLÍCIA E SUAS CRISES CONTEMPORÂNEAS


Neste ponto da presente dissertação, chega-se ao momento crucial do que se pretende esclarecer ao leitor.


Efetivamente, visar-se-á, doravante, discorrer-se acerca de onde, precisamente, encontram-se as crises contemporãneas relativas às competências constitucionais do Delegado de Polícia.


2.1 A Crise Contemporânea do Delegado de Polícia frente aos Juizados Especiais Criminais


Neste ponto, poder-se-ia discorrer acerca do impacto negativo que a Lei nº9.099/95 trouxe ao Delegado de Polícia no que concerne às suas competências processuais exclusivas de, na seara policial, espedir notificações e compromissos, bem como o choque que houve quanto à interpretação que a doutrina passou a ter em relação à figura da “Autoridade Policial”. Efetivamente, por meio de uma interpretação conjunta entre Constituição Federal e Código de Processo Penal, sempre se teve certo que “Autoridade Policial” era sinônimo de “Delegado de Polícia”. Após a Lei nº9.099/95, todavia, isso mudou radicalmente de figura, ocasião em que qualquer policial, ainda que o praça mais razo da Polícia Militar, passou a ser compreendido, também, como “Autoridade Policial”, porquanto lhe foi conferida competência, para a expedição de notificações e compromissos processuais.


Não obstante, referidos tópicos serão tratados no capítulo referente à crise contemporânea sofrida pelo Delegado de Polícia frente à Polícia Militar, a seguir, deixando-se para o presente capítulo preleção atinente a outra séria crise que a Lei nº 9.099/95 trouxe à atividade policial sob incumbência do Delegado de Polícia.


De efeito, pode-se conceituar mencionada crise como o “princípio da primeira impressão”.


As problemáticas acima serão esclarecidas no desenvolver do presente capítulo.


Pois, bem, em 26 de setembro de 1995 entrava no cenário jurídico pátrio o então novel diploma legal acerca da criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais[51]. Posteriormente, já no ano de 2001, a disciplina em torno dos soft crimes foi renovada por meio do advento da Lei disciplinadora dos juizados especiais no âmbito da Justiça Federal[52].


A criação dos juizados especiais emanou de imperativo constitucional[53]. Especificamente no âmbito da Justiça Federal, a criação dos Juizados Especiais Criminais ocorreu com a Emenda Constitucional n.˚ 22, de 18.03.1999, a qual acrescentou um parágrafo ao art. 98 da Carta Magna, prevendo a criação de juizados especiais na esfera da Justiça Federal.


Surgiu, na circunferência dos soft cases abarcados pela sistemática dos juizados especiais, o que se pode denominar de “princípio da primeira impressão”. Compulsa-se, frise-se, de princípio de índole nociva, enraizado na prática judiciária e decorrente de hermenêutica equivocada.


A legislação atinente aos juizados especiais cíveis e criminais, ao enfatizar os princípios da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade, bem como a realização, sempre que possível, da conciliação ou da transação,[54] acabou promovendo falsa impressão aos órgãos estatais incumbidos de aplicá-la, conjuntura em que esses órgãos romperam em verdadeiro juízo falso, grande desacerto, lastimável engano e patente inexatidão na arte da exegese.


De fato, o hermeneuta, por meio de uma leitura apressada acerca do que dispõe o art. 69 da Lei 9.099/95,[55] fortificou a possibilidade permissiva de perpetuarem-se, como “autores” e como “vítimas” de determinado fato, aquelas partes que, de acordo com a “primeira impressão” surgida no registro de ocorrência policial, viu-se redigido pelo policial atendente em seu histórico.


A liberdade de se desprender dos rígidos fechos exegéticos é, sem dúvida, um postulado de que qualquer intérprete não gostaria de abrir mão. No plano jurídico, a segurança jurídica que postula um direito estável, de previsível certeza e de igualdade formal contrapõe-se, hoje mais do que nunca, com a intenção de justiça advinda das impressões do intérprete.


Em virtude disso, enalteceu-se em importância a margem de decisão pessoal do jurista. Para o direito livre, o direito legal tem tantas lacunas quanto palavras. Assim, pode-se dizer que é inadmissível confundir-se o direito com a lei. A fundamentação das decisões é arbitrariamente elaborada pelo pensamento do intérprete, em referência aos resultados obtidos através do seu sentimento jurídico. E justamente foram questões dessa natureza que ocasionaram afirmações como a de Zweigert no sentido de que o defeito da nossa teoria jurídica interpretativa reside especialmente em não termos ao nosso dispor uma hierarquização segura dos múltiplos critérios de interpretação.[56]


Conforme ministrou BONAVIDES, na existência do direito, a interpretação já não mais se volta para a vontade do legislador ou da lei, mas se entrega à vontade do intérprete ou do juiz, em um Estado que acaba deixando de ser de Direito clássico para se converter em Estado de Justiça (…).[57]


Dessarte, é o intérprete quem dará, a rigor, na aplicação da Lei, o sentido da norma, asseverando que ela quer dizer isso e não aquilo. Em outras palavras, será o intérprete que pronunciará, afinal, qual é a Lei aplicável ao caso concreto e o que ela quer, em verdade, dizer, ainda que uma interpretação rigorosamente literal pouco corresponda com a interpretação pessoal do exegeta.


Em decorrência disso, percebemos, no cenário jurídico pátrio, decisões aparentemente destoantes do que parece ser a vontade do legislador. Quer desejemos, ou não, será, na prática, o intérprete quem dirá a lei, não o legislador. Assim, dependemos, para uma sensata e razoável distribuição da justiça em nosso meio, do bom senso do aplicador da norma.


Essa liberdade do intérprete é instigada pela própria norma, senão vejamos:


Na Lei de Introdução ao Código Civil: “Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.”


No Código Civil Brasileiro: “Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins a que ela rege e às exigências do bem comum.”


 Na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/95): “Art. 6º. O juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e as exigências do bem comum.”


Vale dizer, portanto, que temos, em termos práticos, uma ampla liberdade de interpretação por parte do julgador. Isso pode denotar que não há limites impostos a ele. Todavia, se nos acautelássemos em perceber que há distinção entre os vocábulos interpretação e hermenêutica, perceberíamos que não é tão vasta assim a liberdade de decidir conferida ao julgador. Efetivamente, interpretação não é sinônimo de hermenêutica. Hermenêutica é o complexo de técnicas e princípios voltados à produção do sentido, mas não de qualquer sentido, senão daquele que atenda aos fins maiores da interpretação. O hermeneuta não pode ignorar a realidade social, os valores que dão origem à atividade judicial e jurisdicional de maior justiça e solidez. Como disse FALCÂO, o intérprete não pode esquecer que determinadas normas, ainda quando válidas e vigentes são, às vezes, tão monstruosamente injustas e lesivas ao próprio sentimento de humanidade que se faz aconselhável interpretá-las atenuadamente, quando não seja pura e simplesmente o caso de as interpretar mais com base nos princípios (grifo meu) que na letra da lei expressa.[58]


Ao regulamentar o art. 98 da Constituição Federal, os arts. 1º. e 60 da Lei nº. 9.099/95, previram a criação, pelos Estados e pela União (no Distrito Federal), dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Ordinária (Justiça Comum Estadual e Justiça Comum do Distrito Federal). Com o advento da Emenda Constitucional n.º 22/99, acrescentou-se um parágrafo ao mencionado art. 98,  onde se determinou que a lei federal iria dispor sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. Efetivamente, surgiu, como conseqüência a Lei nº. 10.259/2001, que no seu art. 27 estabeleceu que sua vigência seria de seis meses após a data de sua publicação. Referida formalidade ocorreu em 13 de julho de 2001. Levando-se, ainda, em conta o disposto no art. 8º., § 1º. da Lei Complementar nº. 95/98, a nova lei passou a ter vigência no dia 14 de janeiro do ano de 2002.


 Especificamente no que concerne aos Juizados Especiais Criminais têm eles competência para a conciliação, o processo, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo e poderá ser composto por juízes togados e leigos.


Foi em decorrência das falhas da organização judiciária no que concerne à sua lentidão e, conseqüentemente, à impunidade de infratores que sempre auferiam a extinção da punibilidade que se analisou a necessidade de reforma das leis processuais.


Era necessário um processo penal de melhor qualificação, cujos instrumentos fossem mais consonantes com a proteção dos direitos do cidadão. A implantação de um processo criminal com mecanismos céleres, simples e econômicos já não mais poderia tardar.


Era normal que, diante da criminalidade incandescente, as pequenas infrações acabavam por ficar relegadas a um segundo plano, dando-se preferência à resolução daquelas infrações de médio ou alto potencial ofensivo.


Dentro desse panorama, os Juizados Especiais surgiram trazendo como novidade um procedimento mais célere, despido de formalidades desnecessárias. É importante ressaltar que a celeridade que se almejou com o rito dos Juizados Especiais deveria exteriorizar-se com a entrega da prestação jurisdicional em alguns meses, inclusive com sentença definitiva. Todavia, essa finalidade não se vê em sua plenitude, pois de nada adianta a solução rápida em um primeiro grau, se o processo arrasta-se pelo segundo, como vem ocorrendo ordinariamente.


O critério de fixação da competência[59] dos Juizados Especiais concretiza-se em razão da natureza do delito, ou seja, “as infrações de menor potencial ofensivo”, resultando na impossibilidade de julgamento no respectivo Juizado Especial Criminal de infrações de outra natureza, sob pena de nulidade absoluta.


 É importante salientar que aos Juizados Especiais cabem toda a matéria que não for da competência da Justiça Eleitoral[60] ou da Justiça Militar[61].


 Conforme Mirabete, é competência do Juizado Criminal a homologação da composição (arts. 73 e 74), o julgamento da transação (art. 76) e do processo sumaríssimo (art. 77), e a execução das penas de multa instituídas na transação e no julgamento (arts. 84 e 85), exceto, a priori, o procedimento executivo das sanções restantes (art. 86).


 É conveniente aqui lembrarmos, também, do instituto da “despenalização”, muito bem articulado nos arts. 72 e 74 da lei nº9.099/95, conjuntura em que, na ação penal de iniciativa privada ou de ação penal condicionada à representação da vítima, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação, ficando, assim, extinta a punibilidade do agente (art. 107, V, do Código Penal). Aliás, nota-se, na doutrina e legislações modernas, a tendência de se substituir a pena privativa de liberdade por outras sanções, tais como a multa e as restrições de direitos.


Pois, por meio dessas breves considerações, pode-se observar a relevância no cenário jurídico que comporta o novo sistema processual implementado em torno dos soft crimes. Muito bem articulado foi por Luiz Flávio Gomes, com a propriedade que lhe é sempre peculiar, a seguinte transmissão que nos frisou: “Muitas vítimas, que jamais conseguiram qualquer reparação no processo de conhecimento clássico, saem agora dos Juizados Criminais com indenização. Permitiu-se a aproximação entre o infrator e a vítima. O sistema de Administração de Justiça está gastando menos para a resolução desses conflitos menores. E atua com certa rapidez. Reduziu-se a freqüente prescrição nas infrações menores. As primeiras vantagens do novo sistema são facilmente constatáveis.”[62]


Ainda, Luiz Guilherme Marinoni, explicita muito bem o espírito do legislador na elaboração de todo o conjunto de regras que perfazem a legislação aqui comentada: “a exigência de tornar a justiça acessível a todos é uma importante faceta de uma tendência que marcou os sistemas jurídicos mais modernos no nosso século, não apenas no mundo socialista, mas também no ocidental. Isso é evidenciado, mais claramente, pelas constituições ocidentais mais progressistas do século XIX, caracterizadas por seu esforço em integrar as liberdades individuais tradicionais – incluindo aquelas de natureza processual – com as garantias e direitos sociais, essencialmente destinados a tornar as primeiras a todos acessíveis e, por conseguinte, a assegurar uma real, e não meramente formal, igualdade perante a lei”.[63]


Consta, no art. 69 da Lei nº 9.099/95, que a Autoridade Policial que tomar conhecimento da ocorrência deverá lavrar termo circunstanciado e o encaminhar imediatamente (grifo meu) ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.


Na seara prática da Polícia Judiciária, quando ocorre um delito de menor potencial ofensivo, várias são as possibilidades de instauração do procedimento devido.


De modo real, ou é o autor do fato que comparece para registrar ou é a vítima, ou são ambos, cumulativa ou alternadamente, podendo, ainda, comparecerem espontaneamente ou encaminhados, conjunta ou individualmente, pela Polícia Militar, v.g.


Problemática, à vista disso, existente e que acarreta graves aborrecimentos ao particular é o fato de que a administração, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, na arte de interpretar a norma, resolveu, provavelmente afeta ao advérbio “imediatamente” contido no art. 69 da Lei nº9.099/95, fazer valer para as partes e no trato dos soft cases o “princípio da primeira impressão”. 


Com efeito, se dois sujeitos enveredam-se em contenda verbal, com trocas de ameaças, p. ex., aquele que primeiro comparecer à Delegacia de Polícia e registrar o fato ver-se-á caracterizado nos autos como “vítima”, em prejuízo do seu algoz que passará a ser tratado nas mesmas laudas como “autor”. Assim, aquele que primeiro comparecer ao Distrito Policial e narrar a sua versão terá o “princípio da impressão” voltado ao seu favor.


Efetivamente, é por meio da audiência a ser realizada futuramente, em juízo, que se perpetuará, ou não, a primeira impressão sacramentada nos autos policiais. Todavia, é-nos cediço que muitos daqueles que são chamados em juízo acabam, por medo advindo de sua falta de conhecimento jurídico, aceitando as transações oferecidas como meio de sobrestar o processo que, verdadeiramente, assusta-o. Um dos resultados disso advindo é que, impostas as condições, há o interstício de cinco anos onde aquele que foi, injusta ou justamente, apontado como autor deverá observá-las.


Como se não bastasse esse acontecimento, no âmago da Polícia Judiciária, ainda há a conhecidíssima folha de antecedentes policiais. Talvez aí é que esteja mesmo a maior das dores de cabeça daquela pessoa que viu o “princípio da primeira impressão” tornar-se visível em seu desfavor. Pois, figurando como autor dos autos originados por meio da ocorrência policial registrada pela sua persona non grata, há, automaticamente, a inserção do seu nome nos sistemas informatizados da Polícia Civil como autor de determinada infração penal. E só será elidida referida inserção de dados, se, dissolvida a sua demanda perante o Estado-juiz, compareça novamente à Delegacia de Polícia, agora tendo em suas mãos a pertinente certidão firmada pelo Poder Judiciário, e requeira, então, a justa elisão que lhe é de direito.


Irrefutável é-nos que a sistemática existente encontra-se falha, em franqueado prejuízo ao cidadão. O fato de que a norma exige celeridade na remessa imediata do procedimento (Termo Circunstanciado) a juízo não significa que ele deve ser remetido nos moldes de como vem sendo feito ordinariamente. A celeridade deve permanecer, a forma não. Com efeito, caso não mantida a celeridade, perderia toda a legislação referente às infrações mínimas o seu sentido. Não obstante, é imperioso não se olvidar da necessidade de refazer-se a sistemática administrativa de apuração célere dessas brandas infrações, sob pena de, ao contrário, continuarem-se a cometer injustiças injustificáveis.


Pode-se dizer, por certo, que a inserção de dados pejorativos no sistema informatizado da Polícia Civil, apontando determinado sujeito como autor de determinadas infrações, configura-se apenas uma menção de cunho informativo e nenhum vínculo possui com a inserção do nome dessa mesma pessoa no rol dos culpados, caso condenada fosse. Ocorre, entretanto, que os prejuízos causados ao particular diante de mencionada inserção administrativa são manifestos. Quem não sabe, pois, que é corriqueiro empresas privadas exigirem a “folha de antecedentes policiais” do cidadão que procura e almeja determinado emprego? E em concursos para as carreiras militares, então, não é habitual narrada exigência? Logo, portanto, é isso tudo e ainda mais o fato de que, para a eliminação da prejudicial referência no banco de dados, deve o próprio interessado, munido de certidão judicial, pleitear a elisão junto ao órgão policial competente, quando resolvida a questão no  campo judiciário.


É certo que a interpretação acerca do princípio da inocência [64] nada tem a ver com o equívoco aqui levantado e discutido. Não se trata, efetivamente, do assunto. Aliás, muito se tem avocado esse elemento do corpo orgânico de nossa Carta Magna para sustentar os mais variados interesses, inclusive, a inconstitucionalidade de prisões cautelares. Vicenzo Manzini refuta veementemente o aludido princípio, qualificando-o, aliás, como uma absurdidade, “una extravagancia derivada de los viejos conceptos, nacidos de los princípios de la Revolución francesa, por los que se llevan a los más exagerados e incoherentes excesos las garantias individuales”.[65]


 O que se pretendeu erigir, in casu, é a sistemática administrativa equivocada, laborada em todo o país, em torno do preparo dos apuratórios referentes às infrações de menor potencial ofensivo, onde se configura como autor aquele que resolveu não comunicar o fato à Polícia, ou que chegou em segundo lugar à Delegacia competente para se levar a efeito a referida comunicação.


A Lei dos juizados especiais veio à tona, com o intuito de aplacar a crise do Judiciário, tornando mais célere a prestação jurisdicional.  Deveria a Lei nº 9.099/95, nesse diapasão, haver surgido como o marco de um novo tempo, mostrando-se uma esperança que, dentre outras, deveria lograr sucesso para o bem da sociedade, trazendo uma justiça mais acessível, digna e mais próxima da plebe. Todavia, o afirmado por Eduardo A. Zannoni[66] no sentido de que o direito deverá realizar a justiça como uma ordem que possa garantir a cada indivíduo o que é seu (grifo meu), isto é, o direito deve dar a cada um as possibilidades de realização pessoal em convivência, longe está de se ver realizado no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, onde, frente ao  “Princípio da Primeira Impressão”, o sujeito, por mais inocente que seja, caso haja tardado em comparecer ao Distrito Policial, ao contrário do verdadeiro, porém ligeiro, autor do fato, terá agora de comparecer à audiência aprazada com o estigma de “autor de infração penal”, bem como verá o seu nome, sumariamente, lançado no rol dos detentores de antecedentes policiais.


Como se vê, no intuito de procurar construir um sistema legal mais justo e de acordo com os anseios sociais, o legislador trouxe à tona norma que concedeu gênese aos Juizados Especiais Criminais. No entanto, no específico aspecto levantado neste discurso, acabaram os aplicadores da norma, no afã, na ânsia e no entusiasmo de aplicá-la imediatamente, envilecendo e desonrando o seu verdadeiro e legítimo sentido.


Se, por um lado, a norma traz o advérbio imediatamente, no art. 69 da Lei nº9.099/95,  isso não deveria significar ao hermeneuta que o procedimento deveria ser remetido a juízo de qualquer forma, como se fosse imperativo cogente seu apresentar-se em juízo sob a égide do nocivo “princípio da primeira impressão”.


Por outro lado, é notório que retardar a remessa a juízo do procedimento especial (Termo Circunstanciado), a fim de se aferir o caso in concreto e perceber, de fato, quais seriam os reais “autores” e “vítimas” respectivas, não se mostra, nem de longe, o melhor remédio. Se assim fosse levado a efeito, um dos principais objetivos da Lei, a celeridade, estaria eivada de morte.


Como hipótese possível, surge a possibilidade de que, na elaboração dos procedimentos atinentes aos Juizados Especiais Criminais, não se cogite acerca de “autor” ou “vítima”. De facto, tão-somente, basta a descrição circunstanciada do fato, como já fixa a Lei pertinente, com sua posterior e imediata remessa a juízo, onde “partes”, e não indigitados “autor” e “vítima”, compareceriam, então, à audiência aprazada.


Por derradeiro, nunca olvidemos da máxima, aplicável ao que se discorreu aqui, de que as decisões da Administração Pública, bem como aquelas atinentes ao Poder  Judiciário, devem laborar construtivamente em torno dos princípios e regras constitutivos do Direito vigente, de forma a dar curso e reforçar a crença na legalidade, na segurança jurídica, e no sentimento de justiça realizada, o que deflui da adequabilidade da decisão às particularidades do caso concreto.[67]


2.2 A Crise Contemporânea do Delegado de Polícia frente ao Ministério Público


Hodiernamente, vivenciam-se estampadas “crises do Estado”. Pode-se afirmar, diante disso, com cristalina serenidade, que um dos seus fatores é a expansão, sem precedentes, dos chamados “Poderes do Estado”, mormente nos seus aspectos legislativo e administrativo.       


Em decorrência dessa conjuntura, tornou-se mais aguda e urgente a exigência do controle judiciário ante a atividade do Estado. Os embates judiciais deixaram de envolver apenas sujeitos privados e passaram a abarcar, também, os próprios órgãos estatais, em que pese a ínsita finalidade de promoção da pacificação social que, em conjugação de esforços e estreita junção de vontades, compete-lhes levar a efeito precipuamente.


Efetivamente, pouco resolveria atribuir-se tamanho acervo de relevância aos direitos da pessoa, por meio de uma sempre crescente expansão das chamadas “ramificações estatais”, e, ao mesmo tempo, não se assegurar a real proteção da pessoa humana, ante o embate vivenciado entre as próprias “ramificações”. Com propriedade, NORBERTO BOBBIO já afirmara que o grave problema de nosso tempo, com relação aos direitos da pessoa humana, não mais é o de fundamentá-los, mas sim o de protegê-los. [68]


No que diz respeito à problemática abarcada neste estudo, meritório é tornar inteligível o que se deve conceber, in casu, acerca do vocábulo “excentricidade”.  Com efeito, quer-se denotar o aspecto de “desvio ou afastamento de um centro comum“,[69] ou seja, quer-se ressaltar a carência de uma urgente e mais acertada harmonia, ou união operacional, entre os órgãos do Ministério Público e Polícia Judiciária.


Se o Estado é uma “Couraça Coercitiva da Sociedade Civil” (GRAMSCI apud CARNOY, 1994:98), essa armadura, no aspecto de proteção, deve ser impermeável a conflitos de ordem interna ou, ao menos, que eventuais oposições não degradem a imagem estatal perante a sociedade. Aliás, segundo Alba Zaluar (1999, p. 26-27):


[…] as imagens ou representações sociais do crime e da violência e o medo da população, muitas vezes apresentados como irracionais, são envenenadas pela mídia que manipula seu sentimento por meio do exagero ou excessiva exposição da natureza violenta da sociedade brasileira e sua falta de concepção de cidadania.


Compete à Polícia Judiciária à apuração da autoria e da materialidade dos ilícitos penais, exceto os militares.[70] Ao Ministério Público, compete a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.[71]


Pois, pela expansão moderna cada  vez mais crescente do Estado como regulador de uma convivência social concebida como salutar, estabeleceram-se incontáveis normas cogentes, bem como se estabeleceram inúmeras formas de fiscaliza-las e de impor sanções às suas infrações.


Muito se tem discutido, e anda ainda em aguda voga, a legalidade  da investigação criminal levada a efeito pelo Ministério Público. Pela singela análise das competências constitucionais acima aludidas, fonte por demais confiável, quaisquer divergências que venham a surgir, certamente, por mais acirradas que se apresentem, consubstanciar-se-ão em debates inócuos, posto que manifesto está a intenção do constituinte em não assoberbar um órgão e esvaziar o outro, como estão querendo alguns.  


Com efeito, se não é crível um juiz receber uma denúncia formulada por um Delegado de Polícia, também não nos é sensato conceber que, dentre as atribuições legais comissionadas ao Ministério Público, esteja a presidência do inquérito policial.


O legislador, ao elaborar seus atos, em consonância com a vontade popular que lhe concedeu referido mandato, estabeleceu uma relação de órgãos a quem foram atribuídas específicas funções. Se exercidas elas dentro dos seus perfeitos lindes, ver-se-ão exsurgidos como resultados apenas as mais perfeitas aspirações sociais, porquanto os postulados cogentes são constituídos e emanados de rigoroso e mui artificioso processo legislativo.


Todavia, conforme já fora escrito antes, a vaidade é ínsita do ser humano e o que disso advém é pura aflição.[72] Conjugado a isso, ainda há o entendimento de Lord Acton, qual seja, o de que o poder tende a corromper; e o de que o poder absoluto corrompe absolutamente.[73]  


Esse verdadeiro conflito de atribuições observado entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária, no que tange à investigação criminal, onde as inserções de um na seara de atribuições específicas do outro não vê precedentes à altura em nossa história jurídica, acaba por deixar o estudioso um tanto perplexo, sendo que o número alarmante de escritos a respeito denotam essa perplexidez acadêmica.


Não obstante, por que as melhores idéias da vida são sempre as mais simples, bem como as melhores explicações também sempre são as mais singelas, imaginemos as  seguintes situações hipotéticas: um Promotor de Justiça lavrando uma sentença; e, por fim, um Delegado de Polícia elaborando uma denúncia. Indubitavelmente, e isso é relativo à lógica, a resposta sobre a razoabilidade dessas conjeturas levanta-se veementemente das suas próprias conjecturas. Se, dessarte, não é dado ao Delegado de Polícia elaborar denúncia, porquanto ato contra legem, a contrario sensu, no que diz respeito à sua competência prevista constitucionalmente para apurar as infrações penais, exceto as militares, tem-se que  a recíproca deve, forçosamente, ser verdadeira.


Entretanto, o que se procura ressaltar aqui, não mais é o debate acerca da legalidade ou ilegalidade investigatória do órgão ministerial. Brilhantes pareceres e julgados existem para ambas partes. Debater-se na defesa de pareceres de um lado, em prejuízo de pareceres de outro, é de pouca produtividade no momento. Quer-se, isto sim, prender a atenção ao aspecto contraproducente do dissenso observado no aspecto relacional dos referidos órgãos os quais, antes de mais nada, devem sempre agir com a mais profunda e profícua união, no encalço da tão almejada pacificação social.


Efetivamente, a carência de uma maior diálogo a nível de cúpulas constitui-se em irrefutável da contraproducente excentricidade relacional observa entre essas duas ramificações estatais. E não deveria ser conferido à doutrina debater sobre os embates ideológicos ou de interpretação legal ocorridos entre os órgãos do Estado. Estes, exclusivamente, devem desenvolver um melhor costume dialógico, pretérito à inserções abruptas de um na seara funcional do outro.


A verdade inexorável é que conflitos interpretativos sempre ocorrerão entre as tão vastas ramificações estatais, mas não cabe aos particulares, nem mesmo ao Judiciário, precipuamente, conferirem a eles as soluções almejadas. Com efeito, no dizer de Carlos Maximiliano, não há princípio isolado, em ciência alguma. Há sempre conexão de uma norma com as demais. O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos, mas se constitui em um conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio.[74] Por isso, tencionar-se fundamentar opinião jurídica em torno de temas palpitantes como o em voga é prática que encontra infinita possibilidade de fundamentação jurídica, pouco importando a facção doutrinária a que se pretenda fazer parte com seu novel parecer. Pode-se opinar pró ou contra, qualquer hipótese encontra larga margem de fundamentação.


No momento em que os próprios órgãos do Estado entram em embate, à revelia completa da ínsita união incorruptível e harmônica que lhes deveria ser característica principiológica, o Estado entra em crise. Tratar-se-ia de uma problemática similar ao câncer, nome concedido a um conjunto de inúmeras doenças que têm em comum o crescimento desordenado, ou seja, maligno, de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se , por meio da metástase, para outras regiões do corpo. Assim, tem-se que o Estado não pode transformar-se em um monstro teratológico que carrega em seus genes as nefastas características da natureza humana, tal qual é a discórdia observada dos dias de hoje em relação ao tema da titularidade, exclusiva ou não, da investigação criminal. Juristas, os mais renomados, já trouxeram a público seus pareceres os quais vertem para todos os lados, mas ninguém se ateve à premissa maior da necessidade em não se olvidar da elegância imprescindível de um diálogo mais próximo, amigável, isento de interesses pessoais, “pretérito” às decisões relevantes e “constante” durante o trâmite das decisões tomadas, tudo entre as celebradas cúpulas respectivas. 


A elegância do diálogo pretérito entre os Órgãos incumbidos de promover a pacificação social é sempre de bom tom, pois, conforme o dizer de Dallari, o ser “apolítico” ou é um animal ou um Deus.[75]   


A temática toda aqui proposta, e que tanto se discute na doutrina presentemente, vê a sua gênese no entremeio ministerial na seara da competência constitucional atribuída à Polícia Judiciária. Talvez, se fosse da intenção do legislador brasileiro conferir poder investigatório ao Ministério Público, redigiria tal qual o fez o legislador italiano no seu Codice di Procedura Penale, in verbis, “o Ministério Público e a Polícia Judiciária realizarão, no âmbito de suas respectivas atribuições, a investigação necessária para o termo inerente ao exercício da ação penal”.[76]


Na França, aliás, nem um pouco diferente, o legislador também deixou hialina a sua intenção, sem margem para interpretações equivocadas como os respeitáveis defensores do poder investigatório do Ministério Público estão hoje fazendo, senão vejamos:


“o Procurador da República procede ou faz proceder a todos os atos necessários à investigação e ao processamento das infrações da lei penal. Para esse fim, ele dirige as atividades dos oficiais e agentes da Polícia Judiciária dentro das atribuições do seu tribunal.”[77]


É de contumaz relevância, ainda, não olvidarmos que o Delegado de Polícia, após um concurso público de relevância no cenário jurídico pátrio, passa por um processo de treinamento específico nas chamadas academias de polícia, processo este pelo qual não se submete o parquet.  Assim, a Autoridade Policial submete-se, por força  legal, a um treinamento que procura torná-la imune às chamadas “intoxicações” do processo investigatório. Nesse aspecto, já observara ALTAVILLA no seu trabalho sobre os perigos das hipóteses provisórias, as quais tem o condão de “seduzir o investigador” e torná-lo daltônico na apreciação das conclusões de indagações ulteriores. Assim, internalizada no policial a procedência da hipótese provisória, cria-se em seu espírito a necessidade de demonstrar o que considera verdade. O policial tornar-se-ia “intoxicado”, a bem da verdade. E, intoxicado por sua verdade, acabaria por sobrevalorizar os elementos probatórios que lhe fossem favoráveis e diminuiria o valor dos contrários, até o ponto de não serem mais tomados em consideração em determinado caso concreto.[78] 


À luz desse entendimento, aliás, e porque corre nas veias do parquet o mesmo sangue mortal de todos os humanos, assim já foi decidido:


“Ministério Público. Impedimento de seus órgãos. Nulidade da denúncia. 1. O membro do Ministério Público que atua na fase inquisitorial, apurando pessoalmente os fatos, torna-se impedido para oficiar como promotor da ação penal (inteligência dos arts. 252, I e 258, CPP). Nula, portanto, é a denúncia ofertada, se inobservado esse aspecto.” (EJTJAP, v. 1, nº 1, p. 91)  


Sempre é de bom alvitre também não olvidarmos do respeitável posicionamento do Supremo Tribunal Federal, exarado por meio do eminente Ministro Nélson Jobim:


“O Ministério Público não tem poderes para realizar diretamente investigações, ma sim requisitá-las à autoridade policial competente, não lhe cabendo, portanto, inquirir diretamente pessoas suspeitas da autoria de crime, dado que a condução do inquérito policial e a realização das diligências investigatórias são funções de atribuição exclusiva da polícia judiciária”.[79]


Por outro lado, e porque o discurso aqui deve ser imparcial, é surpreendente o poder conferido ao Ministério Público nos Estados Unidos. Com efeito, o Ministério Público (“District Attorney”), naquele país, reveste-se de verdadeira supremacia sobre a Polícia e, também, sobre o Poder Judiciário. Cabe-lhe, por exemplo, proceder a negociações com os acusados, celebrar acordos e manter em sigilo o nome de testemunhas. Tais atribuições, cuja origem se associa à necessidade de combate à alta criminalidade, tornam-no verdadeiro “Senhor” da conveniência e oportunidade da propositura e exercício da ação penal. Daí, revela-se sua ampla competência investigatória.


A par desse verdadeiro “poder” conferido aos Promotores de Justiça nos Estados Unidos, tem-se muito falado ultimamente na “tendência mundial” em se deferir ao Ministério Público competência investigatória. Contudo, mais uma vez, quer-se ressaltar que a intenção deste escrito não está em se pôr em jogo contenda atinente a revelar a quem restará o “poder”. Acima de tudo, o Estado é um conjunto de órgãos, seus longa manus, cuja única finalidade é a de, em conjugação de esforços, promover o bem-estar social. Qualquer contenda envolvendo os próprios órgãos do Estado denota crise interna, um dissenso, uma inoportunidade a ser dissolvida incontinenti, entre as próprias cúpulas, amigavelmente e à luz do bom senso, sem se permitir o prévio despejo do assunto controvertido à apreciação dos órgãos judiciais e da doutrina em geral, esta sedenta que é por assuntos o mais palpitantes possíveis.     


Não se pode olvidar que não se confere conteúdo à Constituição a partir das leis. A fórmula a adotar-se deve operar ‘de cima para baixo’.[80] Procede-se à interpretação da lei sempre a partir da Constituição, já que esta constitui fundamento de validade daquela. E embora o texto de nossa Carta Magna, expressamente, confira a investigação criminal ao Delegado de Polícia,[81], como nos é cediço, o direito é por demais lato, passível de incontáveis interpretações atinentes aos seus mais variados temas. As considerações díspares são salutares em uma sociedade em plena evolução, mas não se pode colocar em xeque, tão frontal e deselegante, encarregados tão meritórios e essenciais à promoção da paz social como o Delegado de Polícia, juiz de primeiríssima e última instância no dizer de Rubem Braga, e o Promotor de Justiça. A sociedade os paga, a fim de vê-los unidos e harmônicos no combate ao crime.


2. 3 A Crise Contemporânea do Delegado de Polícia Frente à Polícia Militar


Outro aspecto que evidencia mais uma “crise de estado” no ramo da segurança pública, setor tão sensível e delicado que é, assenta-se na contenda traçada entre Polícia Militar e Polícia Judiciária em torno da lavratura dos termos circunstanciados.[82]


A lex pátria reza, sem revolutear, serenamente, que compete à “autoridade policial” lavrar o termo circunstanciado, e aí está a gênese de toda a polêmica.[83]


A discussão repousa, lamentavelmente, em se saber se a expressão “autoridade policial” deve ser compreendida em seu aspecto estrito, à luz do nosso Códex adjetivo processual, ou se deve abarcar ela exegese lata.


De acordo com o Código de Processo Penal, [84] no seu Título II, art. 4º, quando se passa a tratar especificamente do Inquérito Policial, expresso está que a sua presidência compete à Polícia Judiciária, exercida pelas “autoridades policiais”.[85]


Mais uma vez, portanto, o legislador deixou expresso, de forma hialina, com a mesma força com que o dono da fazenda marca, indelevelmente, o seu gado em brasa, que o inquérito policial, peça destinada a levar ao Poder Judiciário ciência formal acerca da materialidade e da autoria dos ilícitos penais praticados, compete ao Delegado de Polícia, sendo ele, em princípio, seu único presidente legalmente previsto. Com efeito, o art. 4º do referido codex traz à baila a expressão “Polícia Judiciária”, exercida pelas “autoridades policiais”, cujo fim é a apuração das infrações penais e da sua autoria (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995). Assim, tem-se que a expressão “autoridade policial” é sinônima de Delegado de Polícia, pois, consoante o disposto no art. 144, §4º, da Constituição Federal,  às polícias civis, dirigidas por “delegados de polícia” de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. A exegese não avoca esforço, é singela, pois cristalina foi a vontade do legislador em se estabelecer, sem equívocos, as atribuições de cada um dos órgãos essenciais à edificante e sensível administração estatal em torno da segurança pública.    


O inquérito policial é, pois,  o instrumento de maior relevância na atualidade no combate à criminalidade, com expressa previsão em nossa legislação processual, tendente a apurar a autoria e a materialidade das infrações penais. A sua presidência, em princípio, é exclusiva da Autoridade Policial. Quando se quer dizer “em princípio”, está-se ressaltando que a lei poderá vir a conferir sua presidência à autoridade administrativa diversa da figura do Delegado de Polícia, consoante  o parágrafo único do art. 4º do CPP.[86] Não obstante, referidas exceções deverão decorrer de lei, entendida como tal o ato emanado exclusivamente do Legislativo, de acordo com o previsto processo constitucional atinente a sua elaboração.


Pois veio ao cenário pátrio a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais,[87]. Ela promoveu modificações nas disposições penais e processuais penais até então vigentes, estabelecendo um novo sistema inclinado para as infrações de menor potencial ofensivo.


Todavia, não estabeleceu, em nenhum momento, o declínio da competência conferida constitucional e processualmente ao Delegado de Polícia para a elaboração dos cadernos tendentes a levar ao conhecimento do Poder Judiciário as infrações penais e a elucidação das sua autoria.


De facto, a expressão “autoridade policial“ constante na Lei nº9.099/95 é perfeitamente consonante e não entra em conflito, em momento algum, com os textos da Constituição Federal e do Código de Processo Penal. Há uma harmonia patente, só atingida pelo pálpito debate em torno da competência do Policial Militar em se levar a efeito a lavratura de um termo circunstanciado, compromissando as partes a comparecerem à audiência judicial.  


Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da lavra do eminente relator Ministro Vicente Leal,  já decidiu no sentido da legalidade da lavratura de Termos Circunstanciados pela Polícia Militar:


“PENAL. PROCESSUAL PENAL. LEI N.º 9099/95. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. TERMO CIRCUNSTANCIADO E NOTIFICAÇÃO PARA AUDIÊNCIA. ATUAÇÃO DE POLICIAL MILITAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA”.[88]


Vale mencionar que, segundo o entendimento do celebrado Relator, “nos casos de prática de infração penal de menor potencial ofensivo, a providência prevista no art. 69, da Lei n.º 9099/95, é da competência da autoridade policial, não consubstanciando, todavia, ilegalidade a circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar”.


Vê-se, pois, que o Poder Judiciário, por meio da celebrada Corte supra, entende que a competência para a lavratura de termos circunstanciados é, indubitavelmente, pertencente ao Delegado de Polícia, mas, por força de questões funcionais do Estado, não há ilegalidade em este utilizar-se, para tanto, da força Policial Militar.


Novamente, vêem-se entendimentos de todos os lados. Brilhantes pareceres doutrinários e acirradas e empolgantes discussões sobre o tema. Todavia, o que deve ser notado, mais uma vez, é que, in casu, novamente, faltou uma prévia e mais acertada discussão entre as Polícias Civil e Militar sobre o assunto, antes da inserção abrupta de um órgão nas atribuições relativas à seara do outro.


Lamentavelmente, quando não previamente pactuadas e lapidadas, entre os próprios órgãos envolvidos,  inovações procedimentais como a em pauta, resplandece à população a hipótese de que há uma, absolutamente impensada e deselegante, “briga por poder” entre as ramificações estatais.


Pelo que se depreende do estudo em evidência, há, hodiernamente, uma crise moderna enfrentada pelo Estado no âmbito da segurança pública. As suas ramificações postas em vida para a promoção da pacificação social estão, de forma obtusa e perplexa, em patente e nada proveitoso conflito.


Os discursos políticos tendentes a dissimular a atual conjuntura acabam por verem-se inseridos em querela violenta com as próprias manchetes estampadas na tão vasta e disseminada tipografia jurídica, e até mesmo não jurídica, que versejam sobre o tema. A conjugação sobre proposições relevantes envolvendo a segurança pública deve ser abarcada, sempre, interna corporis, em caráter preventivo, antes de a temática ser lançada ao longus oculus do Big Brother.


A excentricidade relacional entre os gestores da segurança pública torna-se tão instigante ao criminoso que, por mais duras que sejam as leis sobre a criminalidade, não possuirão elas, jamais, o condão de aplacar o encorajamento do infrator. Por sinal, convenientemente, vale citar o aposentado Ministro do STF, Dr. EVANDRO LINS E SILVA:


“Muitos acham que a severidade do sistema intimida e acovarda os criminosos, mas eu não tenho conhecimento de nenhum que tenha feito uma consulta ao Código Penal antes de infringi-lo.” [89]


2.4 A Crise Contemporânea do Delegado de Polícia frente à Previsão Constitucional que Outorga Competência Exclusiva ao Estado-Juiz para a Exepedição de Mandados de Busca e Apreensão na Esfera Criminal 


A expedição de mandados de busca e apreensão, quando de investigações criminais, é da competência constitucional exclusiva da autoridade judiciária., com suporte no art. 5º, XI, da CF.[90]  


Referida sistemática processual, em incontáveis oportunidades, acaba por prejudicar a perfeita atuação da autoridade policial frente às ilicitudes que lhe compete coibir, bem como acaba por frustrar alarmante número de investigações policiais e estorva a recuperação da “res furtiva” [91] em prol das vítimas.


Sem a intenção, pois, de desonrar o Constituinte que, frente à necessidade contemporânea de conceder-se o maior número de garantias possíveis à pessoa humana perante o Poder público, bem como em decorrência da tendência mundial em se quebrar  a inviolabilidade do asilo residencial do sujeito de direitos somente por meio de mandamento judicial, quer-se estabelecer nesta dissertação, isto sim, a inviabilidade da sistemática ora existente, assim como a indispensabilidade de um repensar incontinenti acerca da  garantia constitucional ora evocada.


Por vezes mesmo, como bem afirmado por Montaigne, no excerto que se escolheu para dar princípio a este artigo, é necessário retrocedermos em algum ou outro ponto legislativo que se concebia, quando da sua criação, como benévolo e criativo, mas que se mostrou, sem demora, incessantemente inexeqüível. 


Por certo, ao se procurar estabelecer um estudo tendente a tornar inteligível a legitimidade da autoridade policial, entendida esta como sendo exclusivamente o Delegado de Polícia, dirigente que é das atividades de Polícia Judiciária, não se concebe como prescindível deixar-se de lado o estabelecimento hialino do que se deve interpretar em termos legais a respeito de morada, residência, domicílio e casa.


Em primeiro lugar, deve-se deixar claro que há considerável gradação nos conceitos de morada, residência e domicílio.


De efeito, existe na residência um plus relativo à morada, ocasião em que se deve abstrair do conceito de morada aquela eventualidade efêmera tal qual a de uma pessoa que passa por um hotel determinado a passeio e por breve período.


A residência, pois, reclama um maior fator de estabilidade ou habitualidade, podendo até ser identificada como tal o quarto de um hotel, mas desde que o hóspede não ali esteja por um breve período ou a passeio, mas realizando, v.g., um curso de longa duração naquela respectiva cidade.


E vale, nessa esteira, conforme esclarecida doutrina de Adriano Soares da Costa, acrescentar:


Residência é o lugar onde se mora, onde há permanência do indivíduo por algum tempo. Se há propriedade de uma casa de campo, e nela passa-se temporadas, há residência; assim também se se possui casa de veraneio, ou casa de praia. Portanto, pode-se ter mais de uma residência. Basta à configuração da residência a estadia mais prolongada, costumeira, dia e noite. A habitualidade da moradia é nuclear no conceito de residência. [92] 


Domicílio, por sua vez, já reclama vínculo psíquico entre o indivíduo e o respectivo local. Efetivamente, ao conceito de residência devemos acrescentar, ainda, o chamado animus manendi,[93] ou seja, deve haver  um elemento externo consubstanciado em “residir” e outro interno, de cunho jurídico, consubstanciado no verbo “permanecer”.


Para Washington de Barros Monteiro, domicílio “é a sede jurídica da pessoa onde ela se presume presente para efeitos de direito e onde exerce ou pratica, habitualmente, seus atos e negócios jurídicos”. Já para Orlando Gomes, “domicílio é o lugar onde a pessoa estabelece a sede principal de seus negócios (constitutio rerum et fortunarum), o ponto central das suas ocupações habituais”.


No atual Codex substantivo civil brasileiro,[94] a conceituação legal autêntica acerca do domicílio encontra-se no Título III, do Livro I, da Parte Geral. Não obstante, vale prelecionar aqui, tão-somente, que, para fins de cumprimento de mandados de busca e apreensão pela Polícia Judiciária, durante o dia, salvo em hipóteses de flagrante delito, desastre ou para prestar-se socorro, ocasião em que a “violação” residencial poderá ser noturna, deve o ato ser precedido, de acordo com a Carta da República, de ordem judicial, tanto nas hipóteses de morada, como nas hipóteses de residência e domicílio.


Outrossim, no que concerne ao vocábulo “casa”, compreenda-se que este abarca, como característica nuclear do seu conceito legal, as concepções da morada, da residência e do domicílio.


De fato, face à garantia constitucional insculpida no inciso XI, do art. 5º da CF, onde se preceitua que a “casa” é o asilo inviolável, tem-se por pacífico que o vocábulo referido abarca, efetivametne, as inteligências de moradia, residência e domicílio. De modo real, o próprio Codex substantivo penal,[95] em seu artigo 150, estabelece que a expressão “casa” compreende qualquer compartimento habitado; aposento ocupado em habitação coletiva; ou compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.  


A finalidade precípua do mandado de busca e apreensão enquanto instrumento processual


O instituto do mandado de busca e apreensão está disciplinado nos arts. 240 a 250, Capítulo XI,  Título VII, do Livro I, do Codex adjetivo processual penal pátrio.[96]


Conjugados referidos dispositivos legais com o ordenamento constitucional previsto no inciso XI da Constituição Federal vigente, tem-se que o cumprimento de mandado de busca e apreensão somente poderá ocorrer com suporte em ordem judicial.


Percebe-se, pois, que o contido no art. 241 do CP não foi recepcionado em sua totalidade pela Magna Carta,[97] conjuntura em que agora só à autoridade judiciária compete proceder à busca domiciliar independentemente de mandado escrito.


Por outro lado, e em que pesem entendimentos contrários, o cumprimento de mandado de busca e apreensão poderá realizar-se durante o período noturno, desde que autorizado pelo morador, conforme reza o art. 245 do CPP.[98] Verdadeiramente, percebe-se que o dispositivo foi recepcionado pela Constituição de 1988, porquanto não há lógica em se privar o próprio morador da sua faculdade de decidir quem poderá, ou não, adentrar nas adjacências da sua morada. De fato, a garantia constitucional veio permitir-lhe que, ao menos no período noturno, não se cumpram mandados de busca e apreensão em sua “casa”, se assim não lhe apetecer, mas não lhe frustrou a liberalidade de permitir, se assim lhe convier, que a medida seja cumprida mesmo no período noturno, porquanto, a bem da verdade, pode-lhe até mesmo ser oportuna mencionada atitude estatal, quando, v.g., interessar-lhe comprovar, o quanto antes, a sua inocência.    


Guilherme de Souza Nucci, por sua vez, assevera que o mandado de busca não prescinde de comportar necessárias precisão e determinação. Segundo o autor, deve ele indicar, dentro do possível, a casa onde a diligência efetuar-se-á, assim como o nome do proprietário, morador, locatário ou comodatário. Admitir-se mandado genérico, preleciona, tornaria impossível o controle acerca dos atos de força do Estado contra o direito individual. [99]


Mirabete, ainda, oportunamente preleciona que, a fim de não desaparecerem as provas do crime, a autoridade policial deverá apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relação com o delito.[100]


De efeito, compete a quem preside o caderno apuratório, no caso o Delegado de Polícia, primar pela sua efetividade como instrumento propício e de importância irrefutável à concessão de sustentáculo à propositura de eventual ação penal. 


O Código de Processo Penal, bem assim, relaciona[101] os objetos e pessoas que podem ser objeto da busca e apreensão, tanto pela autoridade policial como pelo juiz, quando fundadas razões autorizarem-nas. Embora a busca e a apreensão estejam insertas no capítulo das provas, a doutrina considera-as mais como medida acautelatória, liminar, destinada a evitar o perecimento das coisas e das pessoas.


Não só no que tange aos objetos materiais do ilícito,[102] a busca e apreensão constitui-se em instrumento de indubitável imprescindibilidade frente à coleção de indícios outros tendentes à formação do adequado panorama comprobatório em torno do delito esquadrinhado.


De efeito, a necessidade de busca e apreensão em torno de instrumentos utilizados durante o iter criminis,[103] de bens auferidos na qualidade de produtos do crime, dentre outros, perfazem o instrumento processual em debate como sendo um dos mais importantes instrumentos processuais de irretorquível condão à formação das convicções policial, ministerial e judicial à roda de qualquer matéria investigada.   


O senso comum em torno da possibilidade de extensão ao delegado de polícia de competência constitucional para a expedição de mandados de busca e apreensão


Até o ano de 1988, o Delegado de Polícia possuía competência para a expedição de mandados de busca e apreensão. Com o advento da Carta da República, esta prerrogativa foi ceifada. Já no ano de 2002, ou seja, pouco após a inovação normativa, o próprio Poder Legislativo já percebeu a inviabilidade do novo ordenamento que criara.


Com efeito, houve proposta de emenda à Constituição cuja autoria coube a Luiz Antônio Fleury e outros. A proposição dá nova redação ao inciso XI do art. 5º da Constituição Federal, restabelecendo o poder à autoridade policial no que tange à expedição de mandados de busca e apreensão.[104]


A justificativa da proposta, por sua vez, evocou ser fundamental o restabelecimento do poder da autoridade policial no sentido de determinação da realização de busca e apreensão atinentes a provas e indícios de crime.


Embora sucinto, o texto que justificou a proposta mostrou-se direito e cristalino, ipsis litteris:[105]


“Muitas vezes, pela ausência da autoridade judiciária, não se consegue obter em tempo hábil a necessária determinação judicial para a busca domiciliar, possibilitando ao autor do crime o lapso temporal necessário à destruição de elementos de prova que poderiam levá-lo à condenação. (Sala das Sessões, em 26 de fevereiro de 2002).”


Como se vê, exsurge da consciência comum que a expedição de mandado de busca e apreensão como ato exclusivo da autoridade judiciária é conjuntura temerária aos fins do próprio instituto em estudo.


Na prática, não é só consenso entre as autoridades policiais que a necessidade de aguardar-se o mandado judicial constitui-se em entrave enfadonho que causa males não só à atuação estatal em torno da busca de provas e da recuperação da “res furtiva”, mas também, e principalmente, às vítimas de crimes contra o patrimônio. Estas, ordinariamente, almejam, atônitas, a recuperação daqueles bens a respeito dos quais labutaram durante as suas vidas, honesta e incessantemente, por meio de enorme esforço, para os verem inseridos no seu patrimônio de volume modesto.


Verdadeiramente, frustra e causa constrangimento a qualquer autoridade policial perceber o semblante da vítima de delito contra o patrimônio que, ofegante e cheia de esperanças, ao comunicar à autoridade policial seu conhecimento acerca de onde está a “res” do delito que acabara de ocorrer, acaba tendo de receber como resposta  preliminar a justificativa de que, antes de uma possível busca ao local indicado, deverá ser elaborado um adequado procedimento formal a ser destinado ao Estado-juiz, a fim de que este, cujo prazo para tanto não lhe é delimitado pelo sistema legal, avaliará, então, o ato formalizado e, quiçá, expedirá a ordem à autoridade policial. 


Como bem definido por Hegel:[106] “o verdadeiro não reside na superfície do sensível; em tudo o que singularmente deve ser científico a razão não pode dormir, e há que se empregar a reflexão”.


Nessa linha de pensamento, objetivamente, não se torna oculto ao exegeta perceber a índole do constituinte quando da sua postura na Carta de 88. Percebe-se, sem a necessidade de grande esforço intelectual, que o leitmotiv[107] seu foi o temor de possíveis abusos de autoridade, possíveis precipitações consistentes em inserções indevidas de agentes do Estado no asilo da pessoa humana. Estabeleceu-se, pois, que a “casa” seria, a partir de então, o asilo inviolável do indivíduo.


No entanto, façamos a devida utilização do chamado “raciocínio por absurdo”:[108] se ao Estado-juiz é concedido o poder de violar o asilo tido como “inviolável”, de “inviolável” o que lhe resta? Se antes da Carta da República de 88 a casa da pessoa humana não era “inviolável”, porquanto ao juiz e ao delegado de polícia era concedida a prerrogativa processual de violá-la, seria ela agora “inviolável”, porquanto ao delegado foi afastada essa possibilidade, mas mantida foi ela ao Estado-juiz? Qual a diferença, então, de cunho antropológico, entre a figura humana do juiz de direito e da figura humana do delegado de polícia? Não correria o mesmo sangue nas veias de um e de outro? Não haveriam sido concursados pelo mesmo Estado e constituídos seus  “longa manus” ? [109]


Pois bem, o que se deve ter em mente, peremptoriamente, diante deste discurso, é o fato de que o abuso de autoridade pode ser levado a efeito por qualquer agente do Estado, pouco importando se delegado de polícia ou juiz de direito.


De fato, o sistema normativo não aponta com exclusividade o delegado de polícia como agente passível de ver sua conduta inserida no tipo de abuso de autoridade, tampouco elide essa possibilidade no que concerne à conduta do juiz de direito. Qualquer um pode incidir em aventado tipo desvalioso.


Nesse diapasão, tem-se que,  a contrario sensu,[110], em relação ao delegado de polícia não há óbice algum em lhe ser restituída, obviamente por meio de emenda constitucional, a competência para a efetivação de busca e apreensão desatada de ordem judicial.


O delegado de polícia é autoridade processante, competindo-lhe dar o devido andamento ao processo inquisitorial que lhe é de responsabilidade. Durante o iter [111] dos seus atos, há de responder ele por possíveis abusos de autoridade, assim como de resto qualquer outra autoridade, judicial, ministerial, etc., também o devem responder no tocante aos atos levados a efeito no desenvolvimento dos seus misteres.


A legitimidade dos atos efetivados pela autoridade policial como, v.g., a hipotética realização de busca e apreensão desvinculada de ordem judicial, de acordo com possível e vindoura inovação constitucional, adviria, como de resto já advém em relação a qualquer outro ato estatal, daquela fundamentação plausível (grifei) concernente às razões que o levaram à realização do ato.


Vê-se, pois, que o temor do constituinte frente a possíveis abusos de autoridade promoveu entrave inviável à diligência em debate, que por sua natureza deve comportar deliberação precípua e imediata ao encargo da autoridade de Polícia Judiciária, geralmente primeira receptora que é das informações em torno de ilícitos penais, bem como primeira responsável que se mostra pelas primeiras respostas estatais ao caso concreto.


Dessa arte, percebe-se que, caso advier emenda constitucional à roda desta matéria promovendo competência à autoridade policial para a efetivação de busca e apreensão desvinculada de ordem judicial, no curso de inquérito policial, bastará à autoridade policial, nos próprios autos do caderno apuratório, fundamentar as razões que a levaram a tornar efetivo o ato, à luz  dos princípios da persuasão racional e do livre convencimento motivado (grifei).     


Há sobejo rol de garantias e princípios em prol da pessoa humana em nosso ordenamento jurídico. Por vezes, no entanto, entram referidas proteções em obtusa colisão. Daí surge, então, a necessidade de propor-se adequado sopeso entre elas.


Com efeito, no que tange às colisões ora estudadas, tem-se, v.g., que entram elas em embate:


1. Quando a garantia de inviolabilidade do domicílio colide com a garantia constitucional à segurança;


2. Quando a garantia de inviolabilidade do domicílio colide com o princípio da efetividade na prestação dos serviços públicos; ou


3. Quando a garantia da inviolabilidade do domicílio colide com a garantia à propriedade.


Efetivamente, na primeira hipótese, a prerrogativa de a vítima (grifo meu) obter segurança do Estado vê-se prejudicada, na oportunidade em que o próprio Estado, por meio da sua polícia, fica impedido de atuar celeremente, por meio de deliberação do delegado de polícia, responsável que é pela presidência e comando imediato dos atos de polícia judiciária, deixando-se de adentrar incontinenti em determinada residência e, ali, buscar e apreender itens ligados à ilicitude, aplacar, com isso, a criminalidade e conceder uma adequada resposta estatal ao episódio.


Já na segunda hipótese, percebe-se que a garantia de inviolabilidade do domicílio colide com o princípio da efetividade na prestação dos serviços públicos, porquanto o Estado é impedido de atuar celeremente diante de um caso concreto e conceder à vítima o que lhe é de direito.


Por fim, na terceira hipótese, presencia-se  um inadequado conflito entre a garantia da inviolabilidade do domicílio para com a garantia do indivíduo à propriedade, já que, impedido de atuar celeremente, o Estado deixa, constantemente, de recuperar a “res furtiva” que se constitui no legítimo patrimônio de quem se viu vítima em episódios de delitos contra o patrimônio. Em outras palavras, a vítima vê-se privada do seu direito ao patrimônio, porquanto ao autor de crime é garantido ver o seu direito à inviolabilidade de domicílio mitigado apenas por decisão judicial. Dessa arte toda, nem um nem outro restam  com suas prerrogativas asseguradas. Em primeiro lugar, porque a vítima, em decorrência da demora na efetivação de busca e apreensão, acabou perdendo o seu patrimônio definitivamente repassado a terceiros pelo autor. Este, em segundo lugar, também não restou com sua prerrogativa de inviolabilidade de domicílio resguardada, porquanto, assim que expedido foi o mandado de busca e apreensão pelo juiz de direito, teve de permitir a entrada dos agentes policiais em sua casa.


Como se vê, pela sistemática existente, manifestamente obtusa, havendo conflito entre garantias, o autor de ilícitos regozija-se com alarmante vantagem perante a vítima de crimes. Certamente, exposta conjuntura não mais pode ver-se sustentada pelo ordenamento jurídico pátrio.


Por outro lado, neste escrito, não se pretende defender a idéia de que, em hipotéticos episódios onde houvesse a coleta estatal de provas por meio irregular, violando-se o domicílio da pessoa humana com ausência de busca e apreensão regular, fosse possível  dali abstraírem-se provas validades como parte integrante de um conjunto probatório, ante o princípio da proporcionalidade.


Embora, como bem defendido por César Dário Mariano da Silva,[112] o princípio da proporcionalidade permita a articulação das normas constitucionais como um todo natural e harmônico, a ponto de viabilizar, entrementes, o sacrifício de um direito ou garantia constitucional em prol de outro, o que se defende nesta dissertação longe está disso. E também não se está aqui a defender, sequer, auxílio à idéia de uma “invenção” normativa qualquer, mas, isto sim, à idéia de uma necessária restauração, de uma indispensável reparação e de uma imprescindível recomposição daquilo que muito bem já vigorava dantes em nosso sistema legal, à luz do derrogado art. 241 do CPP.[113]   


Claro, não obstante, é que a reparação defendida nesta exposição deve emanar, agora, exclusivamente de imperativo constitucional, in casu a denominada “emenda constitucional”,[114] porquanto a derrogação do artigo 241 do nosso Codex adjetivo processual penal assim também se fez.


Pela preleção que se expôs, pois, deduz-se que o restabelecimento do sistema processual penal pretérito à Carta Política de 1988, no que concerne à concessão de competência para a expedição de mandados de busca e apreensão, é medida que longe está de mostrar-se prescindível.


Se a legitimidade do ato do Delegado de Polícia está atrelada à determinada fundamentação plausível que comporte justificativa coerente quanto aos motivos que o levaram a praticá-lo, não há, então, o porquê de barrar-lhe a iniciativa de ato que lhe é de vital importância à consecução dos seus objetivos dentro do sistema de investigações criminais.


De fato, o temor do constituinte frente a possíveis abusos de autoridade não se justifica, porquanto a responsabilidade da autoridade policial subsisti de toda sorte, quer-lhe seja restabelecida a competência para a efetivação de busca e apreensão desvinculada de mandamento judicial, quer não lhe seja ela restabelecida. O que sempre determina a responsabilização de qualquer agente público é o seu ato irresponsável, não a sistemática processual que o regula.


A sistematização ora existente, após a promulgação da Constituição de 1988, vem-se mostrando inexeqüível ao longo do tempo, incutindo prejuízos irrecuperáveis às vítimas de ilícitos penais, ao sistema de política criminal como um todo e fadando o delegado de polícia à situação de desdourada penúria, de vexatória mendicância processual que em nada condiz com a relevância ínsita do seu cargo.


O restabelecimento da disposição processual ora debatida tal qual se mostrava em tempo anterior à Carta da República de 1988, onde ao Delegado de Polícia era permitida a busca e apreensão desvinculada de mandado judicial, é medida cuja irrenunciabilidade e incontinência mostram-se patentes e irretorquíveis.


Consoante a tudo isso, aliás, e como epílogo deste redigido atinente ao indispensável restabelecimento de tamanho e crucial instrumento processual penal outrora de competência concorrente do delegado de polícia, hoje de competência exclusiva do juiz de direito, vale a pertinente passagem poética do nosso saudoso Soares de Passos, assim composta: “Às portas do rico bati sem alento. Eu, rico noutrora, mendigo por fim”.[115]


CONCLUSÃO


Como se viu, exerce o instituto da Segurança Pública, muito bem delineado na Constituição de 1988, papel precípuo na sociedade contemporênea, sendo que a figura do Delegado de Polícia mostra-se, sem qualquer gris, como essencial ao desenvolvimento desse instituto. Não obstante, a carreira do Delegado de Polícia vem perdendo, paulatinamente, seus poderes.


Exsurge aos olhos de qualquer um que, dia após dia, a criminalidade aumenta de forma alarmante no país, a ponto de se ter, em Estados como São Paulo/SP e Rio de Janeiro/RJ, conjuntura similar a de uma guerra civil.


Surge perplexidade, pois, ver-se uma carreira tão essencial à Segurança Pública pátria, tal como é a do Delegado de Polícia, apenas perder, gradativamente, suas essenciais prerrogativas outrora exercidas sem tamanhos embaraços, em um tempo, diga-se de passagem, cuja criminalidade era ainda bem menor do que a odierna.


Solução possível, sem se apelar exclusivamente a um repensar do legislador, seria as Polícias Civil e Militar, bem como o Ministério Público, passarem a atuar em maior harmonia, em mais acentuada conjugação de esforços. A sociedade, aliás, clama por isso. As cúpulas devem antepor-se, pois, ao legislador, maximizando os mecanismos já postos à disposição.


Cabe, ainda, ressaltar que cada instituição acima já possui um acervo próprio de competências de suma e vital importãncia social, sendo descabida qualquer crise envolvendo conflito relativo à ânsia de abocanhar-se competências diversas, as quais historicamente nunca lhe disseram respeito.


A união entre as instituições gerará a força necessária ao aplacamento da criminalidade, o que o dissídio jamais alcançará.


As instituições nasceram para o bem da sociedade e constituem-se instrumentos da sociedade, não um fim em si mesmas.


Issos posto, na oportunidade em que foram declinadas as crises contemporâneas principais que atingem a essencial carreira do Delegado de Polícia frente à Segurança Pública hodierna, acabou-se por tornarem-se facilmente perceptíveis alguns dos principais tópicos que vêm impedindo uma prestação otimizada de segurança pública pelo Estado. Quiçá, por meio deste singelo escrito, a doutrina e os gestores do Estado atentem-se com maior ênfase à problemática que envolve a carreira do Delegado de Polícia, levando-se a efeito medidas corretivas que atingirão, reflexivamente, o essencial  instituto da Segurança Pública.    


 


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Notas:

[1] Faz-se isso por meio da Polícia Militar, fardada e ostensiva.

[2] A Polícia repressiva constitui-se na Polícia Judiciária, a quem compete apurar a autoria e a materialidade das ilicitudes penais.

[3] A existência do Instituto-Geral de Perícias (IGP) como órgão autônoma de segurança pública do Estado do Rio Grande do Sul  foi prevista na Constituição Estadual, promulgada em 1989, pelo artigo 124, então como o nome de Coordenadoria-Geral de Perícias. Em 1997, no dia 17 de julho, com a Emenda Constitucional 19, o IGP assumiu a atual nomenclatura, sendo então, considerada essa data a de aniversário deste órgão de segurança. O IGP é um dos órgãos vinculados a Secretaria da Justiça e da Segurança, ao lado da Brigada Militar, Polícia Civil, Susepe e Detran, ao qual compete, além de outras atribuições, especialmente: as perícias médico-legais e criminalísticas; os serviços de identificação; e o desenvolvimento de estudos e pesquisas em sua área de atuação.

[4] A Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE) é o órgão estadual responsável pela execução administrativa das penas privativas de liberdade e das medidas de segurança

[5] A Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada oficialmente a 24 de Outubro de 1945 em São Francisco, Califórnia por 51 países, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. A primeira Assembléia Geral celebrou-se a 10 de Janeiro de 1946 (em Westminster Central Hall, localizada em Londres). A sua sede atual é na cidade de Nova York.

[6] A Organização dos Estados Americanos (OAS em inglês, OEA nas três restantes línguas oficiais da organização) é uma organização internacional criada em 1948, com sede em Washington, DC (EUA), cujos membros são as 35 nações independentes e “democráticas” das Américas.

[7] LEI Nº 9.455, DE 7 DE ABRIL DE 1997. Define os crimes de tortura e dá outras providências.

[8] BOLZAN DE MORAIS, José Luis. As crises do Estado e da Constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. Pág. 24.

[9] BOLZAN DE MORAIS, José Luis. As crises do Estado e da Constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. Pág. 25.

[10] CF, art. 129,I.

[11] Direito de Punir.

[12] STF-2ª Turma, HC-74198/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 06.12.1996, PP-48711 EMENT VOL – 01853-03 PP-00561; STF-1ª Turma, HC-73730/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 14.06.1996, PP-21076 EMENT VOL – 01832-02 PP-00561; STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Pedro Acioli, DJU de 18.04.1994, pg. 8525; JTACrimSP, 70/319; CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, ed. Saraiva, 4ª ed., 1999, p. 71; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 1, ed. Saraiva, 12ª ed., 1990, p. 181; MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, ed. Atlas, 3ª ed., 1994, p. 79

[13] CP, art. 59.

[14] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. idem, ob. cit., p. 184; Pedroso, Fernando de Almeida. Processo Penal – O Direito de Defesa: Repercussão, Amplitude e Limites, ed. Forense, 1ª ed., 1986, p. 43 e 44.

[15] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional, ed. RT, 1999, p. 59.

[16] CPP, art. 6º, V, c/c o art. 185 e ss.

[17] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, ed. Saraiva, 4ª ed., 1999, p. 81

[18] CF, art. 5º, LV.

[19] NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, ed. Saraiva, 17ª ed., 1986, p. 22.

[20] Lei nº4.215/63, art. 89, XV. Atualmente art. 7º, XIV, da Lei nº8.906/94.

[21] Informação do delito.

[22] Mandados de busca e apreensão, prisões temporárias, preventivas, etc.

[23] DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 4ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 1984, página 84.

[24] Ministério Público e Polícia em geral.

[25] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., 4ª tiragem, Malheiros, SP, 1994, p. 99.

[26] Código Tributário Nacional, art. 78.

[27] CF, art. 5º.

[28] RIPERT. apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. III, p. 500.

[29] CF, art. 160, n. III.

[30] ROMANO, Santi. Princípios de Direito Constitucional Geral, tradução de Maria Helena Diniz, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1970, pág. 145/146.

[31] Thomas Paine – Common Sense and Other Political Writings, Copyright, 1935, by The Liberal Arts Press, Inc.

[32] Faleceu em 8 de Junho de 1809 nos Estados Unidos. Foi um político ferveroso, com fundo republicano, jornalista defensor da independência americana, herege por ir contra os dogmas da igreja e foi um dos signatários da “Declaração de Independência Americana”, participando ativamente de várias reuniões com os demais membros idealizadores.

[33] Case of the Officers of Excise (1772).

[34] Rights of Man em The Writings of Thomas Paine, compilado por Moncure Conway (Nova York, G. P. Putnam’s Sons, 1894-96), IV, 500.

[35] CF, art. 5º, LV.

[36] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18 edição. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 51.

[37] Thomas Paine, Common Sense (1776) (trad. It., in Thomas Paine, I Dirimi dell Uomo, T. Magri (org). Editori Riuniti. 1978, p. 65).

[38] Termo hominis, cômico-irônico, sintético da expressão “Quem indica”, como substituto da terminologia “Quociente Intelectual”.

[39] Como, sabiamente, Lord Acton, em carta ao Bispo M.Creighton, no ano de 1887, já declarara, “todo o poder tende a corromper; e o poder absoluto corrompe absolutamente.”

[40] BOBBIO, Norberto, A era dos Direitos, p. 63.

[41] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 22. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 115.    

[42] CF, art. 129, I.

[43] CF, art. 5º, XXXVIII, “c”.

[44] CF, art. 144, §4º.

[45] The Correspondence of Jefferson and DuPont de Nemours, compilação de Gilbert Chinard (Baltimore, 1931), p. XI. 

[46] CF, art. 5º.

[47] Decisão.

[48] Hely Lopes Meirelles – Direito Administrativo Brasileiro, 14ª ed., págs. 143/144 – Revista dos Tribunais.

[49] RT 679/351

[50] CPP, art. 17.

[51] LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995.

[52] LEI Nº 10.259, DE 12 DE JULHO DE 2001.

[53] Dispõe o art. 98, inciso I, da Constituição Federal que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão juizados especiais.

[54] Lei nº9.099/95, art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

[55] Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002)

[56] ENGISH, 1977, p. 145.

[57] BONAVIDES, 1996, p. 421.           

[58] FALCÃO, 1997, p.245.

[59] Competência, para Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly, é a fixação de limite imposta pela lei; é a medida da jurisdição, em razão da matéria, do local, da prerrogativa de função, além de outras causas.

[60] Art. 121, CF/88

[61] Art. 124, CF/88.

[62] In. Juizados Especiais: Esplendor ou Ocaso? Bol. IBCCRIM, Nº 89. Abr. 2000.

[63] Luiz Guilherme MARINONI. Novas Linhas do Processo Civil. p. 24-25.

[64] Dispõe o inciso LVII do art. 5o da Constituição Federal de 1988: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

[65]MANZINI, Vicenzo: Tratado de Derecho Procesal Penal. volume I. Traduccion de Santiago Sentis Melendo y Marino Ayerra Redín. Buenos Aires: Librería El Foro, 1996, p. 255.

[66] Comentários ao Código Penal. 2º ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1985

[67] CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do estado democrático de Direito. Revista de Direito Comparado, Belo Horizonte: Mandamentos, v. III, P. 481, 1997.

[68] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, p. 25.

[69] Consoante o Dicionário Aurélio: excentricidade [Do lat. med. excentricitate.] S. f. 1.Desvio ou afastamento do centro. 2. Astr. No sistema cosmológico de Ptolomeu, a distância entre o centro do mundo e do excêntrico1 (3) (q. v.) do astro considerado. 3.Astr. Excentricidade da órbita. 4.Geom. Cociente da distância de um ponto de uma cônica ao seu foco pela distância desse ponto à sua diretriz. Se a cônica é central, é o quociente da distância do centro ao foco pela distância do centro ao vértice.

[70] CF, art. 144, § 4º – às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

[71] CF, art. 127 – O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis -.

[72] 1-Eclesiastes 1.14 Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito.

[73] Lord Acton, em carta ao Bispo M. Creighton, no ano de 1887.

[74] Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Freitas Bastos, 1961, p. 165.   

[75] DALLARI, Dalmo de Abreu,  Elementos de Teoria Geral do Estado, p. 7-8.

[76] “Codice di Procedura Penale”, art. 326.

[77] Código de Processo Penal da França, art. 41.

[78] Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 19, p. 106.

[79] Rel. Min. Nélson Jobim, 6/5/03 (RHC 81.326).

[80] Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e Interpretação Constitucional, p. 102.

[81] CF, art. 144, §4º.

[82] Procedimento tendente a apurar as infrações de menor potencial ofensivo, à luz da Legislação dos Juizados Especiais Criminais.

[83] Lei nº9.099/95, art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (NR) (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 10.455, de 13.05.2002, DOU 14.05.2002, com efeitos a partir de 45 dias da data da publicação)

[84] DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941.

[85] Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995)

[86] CPP, art. 4º. Parágrafo único.  A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.

[87] Lei nº9.099/95.

[88] HC n.º 7199/PR

[89] In Ciência Jurídica Fatos – nº 20, maio de 1996.

[90] CF, art. 5º, XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial (grifo meu);

[91] Coisa furtada.

[92] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral: teoria da inelegibilidade: direito processual eleitoral: comentários à lei eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 107.

[93] Do latim manere, ficar, deter-se. Intenção de permanecer, remanescer no mesmo local. Daí a caracterização do domicílio

[94] LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Institui o Código Civil.

[95] DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Instituiu o Código Penal.

[96] DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. Código de Processo Penal.

[97] CPP, art. 241.  Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.

[98] CPP, art. 245.  As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.

[99] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 2º edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 436.

[100] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal – Interpretado, 8ª ed., São Paulo, Editora Atlas, 2001, p. 535.

[101] CPP, art. 240, §1º.

[102] Objeto do Crime: aquilo contra que se dirige a conduta humana que o constitui. Objeto jurídico do crime: é o bem ou interesse que a norma penal tutela. Objeto material do crime: é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta ativa do delito. Exs.: HOMICÍDIO: o objeto jurídico é a vida; e o objeto material é o homem vivo. FURTO: o objeto jurídico é o patrimônio; e o  objeto material é a coisa furtada.

[103] Caminho do delito.

[104] O texto proposto foi elaborado da seguinte forma:

Art. 1º O inciso XI do art. 5º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5º ……………..

…………………..

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial ou por ordem decorrente de mandado de busca e apreensão expedido por autoridade policial, em caso de fundada suspeita da ocultação de provas ou indícios ou de autores de crime. (NR)

……………………”

Art. 2º esta emenda entrará em vigor na data de sua publicação.

[105] Expressão de origem latina que significa “pelas mesmas letras”, “literalmente”. Utiliza-se para indicar que um texto foi transcrito fielmente ao original.

[106] Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Nasceu em Stuttgart, em 27 de agosto de 1770. Faleceu em 14 de novembro de 1831. Foi o último filósofo clássico famoso. Autor de um esquema dialético no qual o que existe de lógico, natural, humano e divino oscila, perpetuamente, de uma tese para uma antítese, e de volta para uma síntese mais rica.

[107] Motivo condutor.

[108] Raciocínio por absurdo.  Lóg. Demonstração da verdade de uma proposição pela demonstração da falsidade da proposição contrária; apagogia, demonstração por absurdo. [Cf. redução ao absurdo.] 

[109] Longa Manus: expressão derivada do latim cujo significado é “braço longo”.

[110] A contrario sensu: pela razão contrária, em sentido contrário.

[111] Iter: significa, em latim, caminho.

[112] DA SILVA, César Dário Mariano. Provas Ilícitas. 2 ed., São Paulo: Leud, 2002, 32.

[113] CPP, art. 241.  Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.

[114] Emenda Constitucional é o instituto que se utiliza, a fim  de promover adaptação da Carta Política às novas necessidades que surgem .

[115] Soares de Passos, Poesias, p. 1180.   

Informações Sobre o Autor

Roger Spode Brutti

Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito (UMSA). Mestre em Integração Latino-Americana (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos (FADISMA)


Equipe Âmbito Jurídico

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