Resumo: O direito ao transporte interestadual não pode estar condicionado à lacuna da legislação infra-legal, por ser medida abusiva à parcela significativa de idosos que não possuam documentos hábeis, estes exigidos pelo decreto regulamentador n° 5.934, de 18 de Outubro de 2006.
Palavras-chave: Transporte interestadual, idoso, hipossuficiência, declaração de pobreza.
PRELIMINARMENTE:
Esposa o Art.10, § 1, V, do Estatuto do idoso o direito de integração plena à vida comunitária. O referido parágrafo é a cristalização de um padrão de vida em coletividade .O mandamento nuclear do Estatuto do Idoso está pautado na integração de pessoas à convivência saudável e pacífica no bojo da sociedade. Por integração deve compreender o direito de ir e vir, albergando esse princípio, o deslocamento a centros de tratamento especializados como os das grandes metrópoles, dentre outros. Nesta breve exposição, reproduzimos os mandamentos contidos no referido Estatuto:
“Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
§ 1o O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos:
I – faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
(…)
V – participação na vida familiar e comunitária;
(…)”
O transporte é um instrumento de inclusão social, de aproximação dos diversos contingentes de pessoas distribuídas por toda a nação.
Após intensa labuta e por questões de ordem políticas, além de embargos, finalmente foi instituído o Decreto Regulamentador n° 5.934/06.
A matéria enfrenta, por ocasião, eventual interesse das exploradoras de serviços no que tange à manutenção do equilíbrio financeiro (cláusula contratual rebus sic stantibus), além de uma revisão dos contratos administrativos.
Constitui a singela medida uma vitória, ainda que fugaz aos direitos da terceira idade.
Não será objeto de o presente trabalho esgotar a matéria quanto ao equilíbrio financeiro dos contratos de concessão pública, firmados para com as empresas de transportes coletivos.
DA COMPROVAÇÃO DE RENDA:
Compulsando as breves disposições do § 2o do art. 6° do Decreto Regulamentador n° 5.934/06, percebe-se que o legislador preferiu meios de comprovação formal em detrimento daqueles obtidos por meio de dilação probatória, como as provas de perito, assim como as provas testemunhais.
Não é verdade que o legislador infra-constitucional sopesou a valor probatório de umas provas em detrimento de outras. Preferiu esse, no entanto, meios que fossem idôneos e práticos para a grande maioria das pessoas, por questões de portabilidade, de segurança de ambas as partes, de liquidez das informações a serem prestadas, por dentre outros motivos.
É de se estatuir que a singeleza dos procedimentos aqui informados, além de promover uma simplificação dos procedimentos para viagem, já que, na maioria dos casos, são viagens que exigem um procedimento hábil e sem maiores embargos aos passageiros, culminou por segregar idosos que estejam albergados em situação formal, daqueles que estejam em situação informal .
A seguir, traremos às margens dos parágrafos do art. 6°, parágrafo segundo, do Decreto Regulamentador n° 5.934/06, algumas breves considerações:
“ 2o A comprovação de renda será feita mediante a apresentação de um dos seguintes documentos:
I – Carteira de Trabalho e Previdência Social com anotações atualizadas”;
É a prova formal de maior legitimidade prática no vigente ordenamento jurídico. Consoante a sensibilidade do legislador e perante a realidade socioeconômica de parcela significativa dos brasileiros foi eleita como forma de se comprovar a renda do obreiro, além de servir como documento de identificação.
“II – contracheque de pagamento ou documento expedido pelo empregador”;
O contracheque e/ou recibo de pagamento são documentos idôneos para a comprovação de fato. Vale reportar aos casos em que obreiro tem duas ou mais ocupações econômicas, fator esse em que imputaríamos como prejudicial às empresas de transporte de ônibus por transbordar o limite de dois salários mínimos mensais e; por fim, aos casos em que há a declaração formal de dois salários mínimos e que sobrevenham descontos legais judiciais (pensão alimentícia etc.) para aquém do limite. A lei não foi clara sobre o limite de dois salários mínimos (líquido ou bruto). A seguir teceremos comentários acerca dos parágrafos terceiro ao quinto:
“III – carnê de contribuição para o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS;
IV – extrato de pagamento de benefício ou declaração fornecida pelo INSS ou outro regime de previdência social público ou privado; e
V – documento ou carteira emitida pelas Secretarias Estaduais ou Municipais de Assistência Social ou congêneres”.
Estas últimas possibilidades são, na realidade, chancelas do poder público e, por gozarem de legitimidade, são meios válidos até prova em contrário.
As hipóteses aqui contempladas albergam os beneficiários que estejam em situação formal, não constituindo, dessa arte, a parcela mais significativa e miserável daqueles que estejam em idade avançada bem como aqueles estejam associados a um mecanismo de renda formal para a sua sobrevivência.
DA ADMISSIBILIDADE DA DECLARAÇÃO DE POBREZA:
A declaração de pobreza tem por objetivo a comprovação de renda, bem como a exposição de motivos pelo qual o interessado está impossibilitado de custear serviços os mais diversos possíveis, sem prejuízo de sua renda própria, nem do bem–estar de sua família.
O legislador pré-constitucional teve o cuidado de simplificar procedimentos corriqueiros e que abarrotavam a máquina administrativa estadual, substituindo procedimentos de praxe, por melhor, os atestados, pela simples declaração do interessado. Tal processo resultou na lei n° Lei n° 7.115, de 1983, o que reproduzimos o seu artigo primeiro:
”Art 1º – A declaração destinada a fazer prova de vida, residência, pobreza, dependência econômica, homonímia ou bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interesse ou por procurador bastante, e sob as penas da Lei, presume-se verdadeira.
Parágrafo único – O dispositivo neste artigo não se aplica para fins de prova em processo penal”.
Acontece que essa modalidade não está explicita no Decreto Regulamentador n° 5.934/2006.
Esclarece DINIZ[1] que o processo de integração analógico se trata de mecanismo quase lógico, uma vez que sopesa as semelhanças em contraposição às diferenças. É igualmente um meio de transferência de valores de uma estrutura para outra. A analogia é um processo empírico, e concreto portanto, a despeito das subsunções encetadas em seu bojo.
Como a relação entre tomador e o prestador de serviço não decorre do “jus imperium” estatal, estamos em que seja perfeitamente cabível a integração da lacuna infra-legal por meio da analogia. Da mesma sorte, estamos em que a Lei n° 7.115/83 tem força de norma geral, devendo, pois, ser observada, no caso de uma lacuna ou de uma omissão da lei especial. Não foi o sentido de a lei adstringir a dispensa de prova documental à seara da administração pública tão somente, mas, aos particulares com os quais a administração mantenha contratos de concessão pública. Fácil intuir sua menção a partir do ementário. Desta feita, não trata, pois, de interpretação extensiva, em que se repercutiria uma reconstrução da lei e de um novo espírito (mens legis). O espírito normativo já existia antes mesmo da publicação do Estatuto do Idoso (norma especial).
A burocracia encerra em si um excesso de zelo e amor excessivo à segurança jurídica, por meio dos quais resultam no afastamento do propósito maior da norma jurídica que é justamente o de possibilitar a efetiva satisfação dos direitos consagrados.
Os meios servem de sustentação aos fins que lhes são imanentes e sob nenhuma hipótese podem esses atos servirem de gargalos além de entraves a consumação de suas finalidades.
Aos idosos maiores de 65 anos que não possuam renda comprovada e por igual sorte não estejam vinculados ao sistema previdenciário na qualidade de segurado, nem tampouco ao sistema da Assistência Social pelo BPC (Benefício de Prestação Continuada), defendemos que a documentação exigida é a exibição da declaração de pobreza, podendo esta ser firmada de próprio punho além de não depender de chancela de órgão público (carimbo, protocolo etc.).
Vingam hoje alternativas que refogem aos padrões de outrora, calcadas essas na formalização de atos jurídicos com base na informática jurídica. O legislador (em sentido genérico) foi mais além em possibilitar que a mera declaração poderia ser feito com a utilização de processos manuais simples e práticos, tais como um papel e uma caneta.
Como o decreto não pode minguar o âmbito da concessão do beneficio de uns em detrimento de outros, estamos em que a lacuna poderá ser preenchida (o que já o ocorre na prática). O decreto foi editado para facilitar a integração do idoso ao meio social e não para prejudicá-lo.
Atualmente, a lei está plenamente dotada de eficácia, a partir da implementação da condição suspensiva por meio do decreto regulamentador. O decreto não poderá discriminar idosos que estejam em situação formal em detrimento daqueles que estejam em situação informal (o que hodiernamente constitui parcela significativa na participação do PIB nacional), nem ensejar um tratamento diferenciado daquele conscrito em lei. A comprovação fática por prova testemunhal ou por expedição de certidão da Receita Federal (por declaração de isento etc.), constituiria em uma medida protelatória e sem eficácia fatídica.
No caso do idoso analfabeto e que não possa assinar seu próprio nome, por interpretação analógica, consta do art. 30, § 2° da Lei 6.015 de 1973:
“Art. 2º. O estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, tratando-se de analfabeto, neste caso, acompanhada da assinatura de duas testemunhas”. (Redação dada pela Lei nº 9.534, de 1997).
DA PRESUNÇÃO RELATIVA DA DECLARAÇÃO DE POBREZA:
Na exposição de motivos em que resultaram no Decreto Regulamentador n° 83.936, de 6 de Setembro de 1979, preferiu o poder publico agilizar e simplificar os procedimentos de praxe pelo risco calculado da confiança nas informações constantes da declaração. Por um longo caminho de variâncias e pela prática forense, percebeu o poder público que a mácula nas declarações constituía caso isolado e sem grande reverberação econômica.
Consignamos que, embora o serviço seja explorado por particulares e que a iniciativa do empreendimento deva ser privada, há em seu bojo um interesse público a ser velado e, por ser de utilidade à população, deve ser prestado com eficiência e sem o condicionamento de medidas extralegais, a saber, por meio de atestados da administração pública (em detrimento de declarações do próprio interessado). É nesse esteio que a presunção relativa tem por fito a celeridade na consumação dos atos a serem praticados por particulares
Como regra geral, não se presume a má-fé das pessoas, entretanto, a boa fé. Os dados foram lançados em concreto e não por meio de meras subsunções do intelecto humano. Dessa arte, a presunção dos dados infirmados pelo interessado deve ser considerada como verdadeira até prova em contrário.
Um outro reconhecimento da administração, digno de nota, foi o de que a excessiva exigência de provas documentais eram verdadeiros[2] “entraves à pronta solução dos assuntos que tramitam nos órgãos e entidades da Administração Federal”.
Vale instar, por oportuno, que, da declaração de pobreza deverá constar a eventual responsabilidade cível e/ou criminal do declarante (na qualidade de rodapé ou na de nota de fim), sob pena de nulidade de tal ato (art. 3° da Lei 7.115/83), o que teceremos maiores detalhes a seguir.
DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL PELA INEXATIDÃO DAS INFORMAÇÕES:
Como a declaração importa na eventual responsabilização criminal das informações contidas, caso as informações imputadas sejam inverídicas, nos termos do art. 299 do Código Penal, há maior eficácia no que tange a concessão do benefício da gratuidade (e/ou abatimento), conferindo, dessa forma proteção ao prestador de serviço de boa-fé.
A responsabilização cível e/ou criminal consta de diversos diplomas legais, dos quais destacamos o Art. 30 da lei 6015:
“§ 3º A falsidade da declaração ensejará a responsabilidade civil e criminal do interessado”. (Incluído pela Lei nº 9.534, de 1997)
Por igual sorte preclara o art. 2° da Lei nº 7.115/83:
“Art 2º – Se comprovadamente falsa a declaração, sujeitar-se-á o declarante às sanções civis, administrativas e criminais previstas na legislação aplicável”.
Na falsidade ideológica o documento é plenamente válido, bem como o canal de expressão é formalmente admissível em direito, muito embora a mácula, a violação do direito repousa em seu conteúdo. Reforça COSTA JR[3] que “a falsidade ideológica afeta o documento em sua parte intrínseca, em seu valor ideativo” .
Estatui igualmente COSTA JR[4] que o sujeito ativo poderá redigir o próprio documento, caso em que configuraria a autoria imediata. O esboço aqui delineado poderá servir como eventual moldura típica (se perfeito o fato típico conscrito no art. 299 do CP), já que a declaração é um ato privativo do interessado, além de constituir um instrumento particular.
FORO COMPETENTE PARA A APRECIAÇÃO:
Uma eventual insatisfação da prestadora de serviços de utilidade pública para com o particular, deverá ser discutida na Justiça Comum Estadual. Por não gozarem de fórum privilegiado, nem por ter interesse da Fazenda Pública tutelado, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
(CC 47229/RS – STJ 1ª SEÇÃO – Proc. 2004/0160280-4 – DJ 20.03.2006 p. 178 – Min. LUIZ FUX)
(destaques nossos).
A dúvida residual consta da eventual cobertura pela administração pública no caso de malferimento ao equilíbrio financeiro, por força da cláusula “rebus sic stantibus” (a situação financeira deve permanecer constate). Este caso, pelo menos em tese, configuraria uma responsabilização subsidiária por parte da administração contraente. Com base nessas informações há pouco expostas, há, desse modo, o deslocamento para as varas especializadas da fazenda publica estadual e, eventualmente para a Justiça Federal.
ULTIMAS CONSIDERAÇÕES:
A medida visa assegurar a democratização ao acesso, além de proporcionar maior integração de entes familiares distribuídos pelo território nacional.
A partir de um nível macroeconômico (a despeito das empresas que exploram o serviço de transporte interestadual) pode se vislumbrar um maior escoamento de bens e de serviços (e, por conseqüência, a exploração destes) voltados para a terceira idade, além de um melhor amadurecimento e de maior preparação para com o porvir da sociedade.
O critério definido na Lei de Registros Públicos e em legislação suplementar foi mais realista por aderir ao fundamento de hipossuficiência em contraste do fundamento de “pobreza” definido no Estatuto do Idoso, fixando o limite em dois salários mínimos. Acontece que o referido estatuto regressou, ao olvidar pessoas que convivam com doenças degenerativas e crônicas; ainda, ao ignorar a diminuição gradativa dos postos de trabalho, mormente no setor público. Observa-se principalmente na família de baixa renda, uma contribuição maior de idosos para a formação da economia familiar, árdua além de hercúlea tarefa que vem ocupando mais e mais as mesas e os pratos ásperos da miserabilidade, em que pesem os ganhos “reais” nos salários mínimos.
A concessão do beneficio é de caráter personalíssimo, não podendo ser transferido a terceiros, nem mesmo por quem seja maior de 65 anos e que faça jus ao benefício.
Por fim, tonificamos as considerações tecidas no Art. 8o do Decreto Regulamentador 5934/2006, em que devem ser concedidos os mesmos direitos e garantias aos idosos beneficiários.
Texto escrito por: Ricardo Régis Oliveira Veras, Advogado
Advogado. Bacharel em Direito pela Uinversidade de Fortaleza/CE. Pós-graduando em Direito Administrativo do Trabalho e Processo Trabalhista pela Faculdade Ateneu.
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