Evolução histórica da legislação ambiental

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Ao longo da história, antes que o Direito Ambiental se firmasse como um ramo autônomo da Ciência Jurídica, inúmeros dispositivos jurídicos brasileiros e portugueses ao longo da história previram a proteção legal ao meio ambiente.

Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin defende que a evolução da legislação ambiental brasileira se desenvolve em três fases ou momentos históricos, que são a fase de exploração desregrada, a fase fragmentária e a fase holística.

Talvez seja mais adequado terminologicamente tratar esses mesmos momentos históricos como fase fragmentária, fase setorial e fase holística, porque na fase que Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin chama de fase de exploração desregrada já existe uma legislação ambiental esparsa e na fase que ele chama de fragmentária a legislação ambiental passa a existir em função de cada área de interesse econômico.

É preciso dizer que essas fases históricas não possuem marcos afirmativos precisamente delineados, de maneira que elementos caracteristicamente pertencentes a uma fase podem estar cronologicamente relacionados a outra fase.

O primeiro momento histórico no que diz respeito à legislação ambiental brasileira é aquele descrito como do descobrimento até aproximadamente a década de 30 sendo chamado de fase fragmentária. Essa fase é caracterizada pela não existência de uma preocupação com o meio ambiente, a não ser por alguns dispositivos protetores de determinados recursos ambientais. Édis Milaré faz um estudo da legislação ambiental desse período afirmando que o esbulho do patrimônio natural e a privatização do meio ambiente eram muito comuns nesse período.

Na época do descobrimento vigorava em Portugal as Ordenações Afonsinas, cujo trabalho de compilação foi concluído no ano de 1446 durante o reinado de Dom Afonso IV. É possível encontrar na Ordenações Afonsinas algumas referências à preocupação com o meio ambiente, a exemplo do dispositivo que tipificava como crime de injúria ao rei o corte de árvores frutíferas.

As Ordenações Manuelinas foram editadas em 1521 também contendo dispositivos de caráter ambiental, a exemplo da proibição da comercialização das colméias sem a preservação das abelhas ou da caça de animais como coelhos, lebres e perdizes com instrumentos que pudessem denotar crueldade. A tipificação do corte de árvores frutíferas passou a ser punida com o degrado para o Brasil quando a árvore abatida tivesse valor superior a trinta cruzados.

As Ordenações Filipinas, editadas durante o período em que o Brasil passou para o domínio espanhol, proibiam que seja jogassem na água qualquer material que pudesse matar os peixes e suas criações ou que se sujasse os rios e as lagoas. A tipificação de árvores frutíferas é mantida, prevendo-se como pena o degredo definitivo para o Brasil.

O primeiro Código Criminal de 1830 tipificou como crime o corte ilegal de madeira e a lei nº 601/1850 discriminou a ocupação do solo no que diz respeito a ilícitos como desmatamentos e incêndios criminosos.

Na prática só eram punidos aqueles que de alguma forme prejudicassem os interesses da Cora ou dos latifundiários ou grandes comerciantes.

Com a proclamação da República a falta de interesse pela questão ambiental permaneceu e talvez até tenha se acentuado.

Durval Salge Jr. ressalta que sob o aspecto jurídico a preocupação com o meio ambiente sequer existia, tanto no período colonial quanto no imperial e republicano

Nessa fase ainda não existe de fato uma preocupação com o meio ambiente, a não ser por alguns dispositivos isolados cujo objetivo seria a proteção de alguns recursos naturais específicos como o pau-brasil e outros. Tais restrições se limitavam à preservação de um ou outro elemento da natureza, destacando sempre a importância botância ou estética ou o direito de propriedade.

A segunda fase é chamada de fragmentária e se caracteriza pelo começo da imposição de controle legal às atividades exploratórias tratamento ambiental e tem como início o final da década de 20.

Contudo, esse controle era exercido de forma incipiente porque de um lado era regido pelo utilitarismo, visto que só se tutelava o recurso ambiental que tivesse valoração econômica, e de outro pela fragmentação do objeto, o que negava ao meio ambiente uma identidade própria, e em conseqüência até do aparato legislativo existente.

Edis Milaré destaca a importância do Código Civil de 1916 como precedente de uma legislação ambiental mais específica ao trazer alguns elementos ecológicos, especialmente no que diz respeito à composição dos conflitos de vizinhança.

Mas foi aproximadamente a partir do final da década de 20 que surgiu uma legislação ambiental mais completa, embora o meio ambiente tenha continuado a ser compreendido de forma restrita.

Ricardo Toledo Neder afirma que o que marca o Estado brasileiro após a década de 30 em relação ao meio ambiente é o estabelecimento do controle federal sobre o uso e ocupação do território e de seus recursos naturais, em uma atmosfera de disputa entre o governo central e as forças políticas e econômicas de diferentes unidades da Federação. Para o autor, a “regulação pública sobre recursos naturais no Brasil nasceu da coalização de forças políticas industrialistas, classes médias e operariado urbano que deu origem à Revolução de 30 e do modelo de integração (nacional e societária) daí decorrente”.

Os recursos ambientais como a água, a fauna, a flora passaram a ser regidos por uma legislação diferenciada, de maneira a não existir articulação entre cada um desses elementos ou entre cada uma das políticas específicas.

Dessa forma, a saúde pública passou a ser regida pelo Regulamento de Saúde Pública ou Decreto nº 16.300/23, os recursos hídricos passaram a se reger pelo Código das Águas ou Decreto-lei nº 852/38, a pesca pelo Código de Pesca ou Decreto-lei nº 794/38, a fauna pelo Código de Caça ou Decreto-lei nº 5.894/43, o solo e o subsolo pelo Código de Minas ou Decreto-lei nº 1.985/40, e a flora pelo Código Florestal ou Decreto nº 23.793/34.

A partir da década de 60 começa a segunda etapa da fase setorial, que é marcada pela edição de normas com maiores referências às questões ambientais propriamente ditas do que as da fase anterior.

Entre os textos legislativos mais importantes se destacam o Estatuto da Terra ou Lei nº 4.504/64, o Código Florestal ou Lei nº 4.771/65, a Lei de Proteção à Fauna ou Lei nº 5.197/67, o Código de Pesca ou Decreto-lei nº 221/67 e o Código de Mineração ou Decreto-lei nº 227/67.

Por conta da ênfase dada ao direito de propriedade não existia efetivamente uma preocupação com o meio ambiente, já que não se considerava as relações de cada dos recursos naturais entre si como se cada recurso ambiental específico não influísse no restante do meio natural e social ao redor de si.

O Estado reduzia sua atuação aqueles recursos ambientais naturais que pudessem ter algum valor econômico.

No entendimento de Ricardo Toledo Neder, a legislação ambiental desse período tinha como objetivo viabilizar a regulação administrativa centralizada de uma autoridade geopolítica em cima dos recursos ambientais como tarefa da União.

Esse mesmo autor afirma que é na fase setorial, chamada por ele de fase de gestão de recursos naturais, que o Estado passa a regulamentar o uso dos recursos ambientais por meio de outorgas e concessões a particulares, que assim poderia explorar a fauna, a flora, os minérios, os recursos hídricos, os recursos pesqueiros e a exploração da terra.

Essa estrutura administrativa estava praticamente centralizada na União, que desempenhava as políticas relativas a cada um dos tipos de recursos ambientais por meio dos seguintes órgãos específicos: Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), Departamento Nacional de Prospecção Mineral (DNPM), Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Cada um desses órgãos federais passou a desempenhar suas atribuições e competências em todo o território nacional independentemente da atuação dos demais, o que conduziu a ações descordenadas e conflitantes.

Ainda na atualidade a Administração Pública ambiental é pautada pela existência de lógicas setoriais de ação e de interesses que impedem a integração das políticas públicas de meio ambiente.

Tanto até esse quanto nos momentos anteriores a legislação ambiental brasileira estava mais ou menos em compasso com a legislação internacional, refletindo a falta de conscientização ambiental da época. Depois da 2ª Guerra Mundial, com o aceleramento desordenado da produção agrícola e principalmente da produção industrial, a esgotabilidade dos recursos naturais ficou evidente.

Todavia, somente a partir de meados da década de 60, com a divulgação de dados relativos ao aquecimento global do planeta e ao crescimento do buraco na camada de ozônio na atmosfera, e com a ocorrência de catástrofes ambientais, como o vazamento do petroleiro Torrey Canyon em 1967 e a ameaça imobiliária contra o parque de Vanoise, na França, é que a sociedade civil começou a gradualmente construir uma consciência ambiental.

Em junho de 1972 a Organização das Nações Unidas organizou em Estocolmo, na Suécia, a 1ª Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, aprovando ao final a Declaração Universal do Meio Ambiente que declarava que os recursos naturais, como a água, o ar, o solo, a flora e a fauna, devem ser conservados em benefício das gerações futuras, cabendo a cada país regulamentar esse princípio em sua legislação de modo que esses bens sejam devidamente tutelados. Essa declaração abriu caminho para que a legislação brasileira, e as demais legislações ao redor do planeta, perfilassem a doutrina protetiva com a promulgação de normas ambientais mais amplas e efetivas.

Édis Milaré afirma que no Brasil somente a partir da década de 80 a legislação começou a se preocupar com o meio ambiente de uma forma global e integrada.

A Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, é o primeira grande marco em termos de norma de proteção ambiental no Brasil. Essa legislação definiu de forma avançada e inovadora os conceitos, princípios, objetivos e instrumentos para a defesa do meio ambiente, reconhecer ainda a importância deste para a vida e para a qualidade de vida.

O segundo marco é a edição da Lei da Ação Civil Pública ou Lei nº 7.347/85, que disciplinou a ação civil pública como instrumento de defesa do meio ambiente e dos demais direitos difusos e coletivos e fez com que os danos ao meio ambiente pudessem efetivamente chegar ao Poder Judiciário.

A Constituição Federal de 1988 foi o terceiro grande marco da legislação ambiental ao encampar tais elementos em um capítulo dedicado inteiramente ao meio ambiente e em diversos outros artigos em que também trata do assunto, fazendo com que o meio ambiente alcasse à categoria de bem protegido constitucionalmente.

O quarto marco é a edição da Lei de Crimes Ambientais ou Lei nº 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Essa Lei regulamentou instrumentos importantes da legislação ambiental como a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica e a responsabilização penal da pessoa jurídica.

É preciso destacar que é somente na fase holística que surge o Direito Ambiental propriamente dito, com princípios, objetivos e instrumentos peculiares. Nessa fase desponta a idéia de intercomunicação e interdependência entre cada um dos elementos que formam o meio ambiente, o que faz com que esses elementos devam ser tratados de forma harmônica e integrada.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Talden Queiroz Farias

 

Advogado militante, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco e em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco e mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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