Mediação familiar em casos de alienação parental

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“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro.

Cada um me contou a narrativa de porque se haviam zangado.

Cada um me disse a verdade.

Cada um me contou as suas razões.

Ambos tinham razão.

Não era que um via uma coisa e o outro outra,

ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente.

Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado.

Cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente,

e cada um, portanto, tinha razão.

Fiquei confuso com esta dupla existência da verdade.” (Fernando Pessoa).

1. Conceito DE MEDIAÇÃO


Nesses últimos tempos, tem-se intensificado a busca de resolução de conflitos por meio de recursos que favoreçam o diálogo e o entendimento entre as partes, dado o desgaste físico, emocional e financeiro que a burocracia e os entraves judiciais causam nas pessoas. Assim, a Mediação vem surgindo como uma das formas mais evoluídas e exitosas de condução, elaboração e transformação de conflitos.


Apesar de ser uma prática muito antiga, inclusive documentada por antropólogos como presente em diversas culturas, só muito recentemente surgiu como prática na sociedade ocidental. A Mediação Familiar (que será vista adiante), por exemplo, apareceu nos EUA em 1974 pelo trabalho de um psicólogo que desenvolveu uma forma alternativa de resolver conflitos familiares. Posteriormente, espalhou-se por todo o mundo anglo-saxônico e ganhou relevo na Europa na década de 80, sendo que em Portugal passou a ser conhecida e utilizada a partir da segunda metade da década de 90 (GANHÃO, 2001. Citada por GROENINGA, G.C. e BARBOSA, A.A., 2003).


NAZARETH (2004) conceitua a Mediação como ‘um método de condução de conflitos, voluntário e sigiloso, aplicado por um terceiro neutro e especialmente treinado, cujo objetivo é restabelecer a comunicação entre as pessoas que se encontram em um impasse, ajudando-as a chegar a um acordo.’ Para a autora, ‘o objetivo é facilitar o diálogo, colaborar com as pessoas e ajudá-las a comunicar suas necessidades, esclarecendo seus interesses, estabelecendo limites e possibilidades para cada um, tendo sempre em vista as implicações de cada tomada de decisão a curto, médio e longo prazo.’


GROENINGA e BARBOSA (2003, cit.) conceituam a Mediação como ‘um método por meio do qual uma terceira pessoa neutra, especialmente treinada, colabora com as pessoas de modo a que elaborem as situações de mudança, e mesmo de conflito, a fim de que estabeleçam, ou reestabeleçam, a comunicação, podendo chegar a um melhor gerenciamento dos recursos’.


Ambos os conceitos se assemelham e se aproximam, justamente porque tratam da importância do diálogo e do entendimento para compreensão das necessidades e dificuldades, sendo que esse diálogo é facilitado por um terceiro neutro e especialmente treinado para perceber os meandros emocionais causadores dos conflitos entre as partes, através de uma escuta seletiva e atenta. Outros aspectos importantes da postura e atuação do mediador serão vistos adiante.


GROENINGA e BARBOSA (2003, cit.) destacam o aspecto do sigilo, para que os mediandos sintam-se seguros para poder explorar os interesses particulares e desenvolver a capacidade de empatia. Os procedimentos da mediação, portanto, requerem privacidade e segurança para que aquilo que for falado não seja utilizado pelo mediador para outros fins que não o entendimento.


NAZARETH (1999) apresenta os seguintes objetivos da Mediação, in verbis:


– há um resultado terapêutico, sem que a Mediação seja uma terapia;


– o tratamento do problema se dá por meio do diálogo, em vez de se dar pela oposição;


– a linguagem dos recursos substitui a linguagem do ‘déficit’;


– há uma verdadeira transformação da relação.


Então, do mesmo modo que a Mediação não é um recurso para se chegar obrigatoriamente a um acordo, também não é um método de resolução de conflitos. A Psicanálise, que sempre preconizou que o conflito é inerente à dinâmica do desenvolvimento humano, fundamenta que os conflitos devem ser transformados e elaborados para possibilitar que o ser humano encontre formas mais satisfatórias de interagir com o mundo.


Para CEZAR-FERREIRA (2007), a mediação é um processo que prima pela informalidade (e, nesse sentido, conjuga-se com a Lei n.º 9.099/95, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) e pela interação que propicia a formação de vínculos mais rapidamente. Mas a informalidade refere-se à relação em si, mantendo-se o respeito, bem como à facilidade em que as questões não precisem ser encaminhadas ao Judiciário, e não a uma familiaridade inexistente, de modo a prejudicar o estabelecimento de papeis entre mediador e mediandos.


Para a autora (2007, cit.), a mediação é menos dispendiosa e emocionalmente menos desgastante, porque nela as pessoas são levadas a agir cooperativamente, diante de opções realistas, e não a fazer acusações desmedidas ou exigências baseadas em posicionamento pessoal rígido. Além disso, favorece a flexibilidade e a criatividade.


Para VEZZULLA (1995, citado por SANGALLI, 1999, p.370) a mediação divide-se em algumas etapas:


– a primeira é destinada a conhecer as partes, estabelecer um contrato, explicitar a forma de trabalho, organização de regras como: respeitabilidade mútua e igualdade de oportunidades;


– a segunda fase compreende a escuta do conflito observando também a linguagem para-verbal;


– na terceira fase, configura-se o problema, possibilitando assim o resumo do conflito emergente e sua ordenação;


– a quarta fase, talvez a mais difícil, na opinião de SANGALLI (1999), busca descobrir os problemas ainda ocultos, que estão latentes, os pertinentes ao conflito, e clarificá-los;


– a quinta fase dedica-se à geração de ideias de uma forma lúdica, possibilitando às partes levantar qualquer hipótese em rumo à resolução;


– a sexta e última fase, engloba a elaboração de um acordo, ou a formalização do que foi feito na fase anterior. O acordo deve conter, em linguagem simples, todos os aspectos acordados mutuamente e a forma de execução, sendo sumariamente assinados pelas partes e pelo mediador.


Mesmo diante do conflito há uma parte saudável dentro da conduta familiar, que SANGALLI (1999, cit.) atribui ao sentimento de preservação da espécie afetiva. Desta forma, segundo a autora, a mediação pode ser aplicada como forma eficaz na resolução dos conflitos. Para ela (1999, p.371, cit.), a separação é um ato que sensibiliza pessoas independentemente do gênero ou idade, ela é conflituosa desde a mais tenra infância e, muitas vezes, é norteada mais pelas fantasias de abandono que pela própria realidade, pois é neste momento que há um confronto “do eu para o eu”. Devido a este repensar um pouco mais subjetivo e até para mudar as condições atuais, é que a depressão atinge a todos. Alguns negam a dor fazendo uma formação maníaca, imprimindo uma falsa roupagem de bem estar, que é temporária (SANGALLI, 1999, p.371, cit.).


2. Delimitação ética da Mediação


A ausência de legislação específica em vigor para regulamentar o processo de Mediação e a atuação do mediador tornam-se os maiores entraves à sua implantação e estruturação adequada. É imprescindível, portanto uma participação mais ativa das entidades representativas profissionais, em especial o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia (como os 39 encontros regionais e o I Encontro Nacional de Psicologia – Mediação e Conciliação, ocorrido em Brasília, em dezembro/2006) e a Ordem dos Advogados do Brasil, para que auxiliassem o Congresso Nacional e os legisladores a formular os dispositivos legais que efetivamente contribuíssem para a aplicação eficaz da Mediação (especialmente, como se verá adiante, no caso dos conflitos familiares levados ao Judiciário, que trazem tanto sofrimento e desgaste físico, emocional e financeiro às partes envolvidas, e as maiores vítimas são os filhos – sofrimento esse que poderia ser reduzido se a Mediação se consolidasse como prática corrente no Brasil).


Segundo BATTAGLIA (2009, p.129-130), a empatia – que se traduz a partir da escuta ativa, não julgamento, respeito, consideração, compreensão, não direcionamento, confiança, interesse genuíno e valoração do outro -, permeia as mais diversas propostas de modelo de Mediação. Como fundamento de suas afirmações, a autora menciona os trabalhos de Carl R. ROGERS (1961), que afirma que quando o mediador e as partes envolvidas utilizam a compreensão no lugar do julgamento, para entender o ponto de vista do outro, e quando se reduz a influência das emoções envolvidas, a comunicação se estabelece no sentido do entendimento. E ainda de acordo com o pensamento de ROGERS, nesse tipo de relações, o poder se torna relativamente igualitário, o que facilita a atuação do mediador, e cada parte pode proporcionar condições de mudança.


Para CAPPANARI, CRONENBERG, BERNARDES e YAZBEK (1999, p.335), a sociedade constroi-se sobre um modelo de relações hierárquicas e dualistas, nas quais os escalões mais elevados são ocupados por profissionais “especialistas” que detêm o conhecimento e tomam decisões no lugar dos “não-especialistas” (as pessoas comuns), exercendo portanto um poder social de definir, determinar e deliberar pelo outro. Segundo os autores, nesse modelo é comum que as famílias recorram ao Judiciário – modelo adversarial de resolução de conflitos – na expectativa de que o juiz seja um terceiro neutro e investido de poder, que encontre uma solução. Esta expectativa costuma aumentar nos membros da família seus sentimentos de incapacidade, fracasso e impotência diante de suas próprias vidas, impossibilitando-os, muitas vezes, de seguirem as sentenças, vivenciadas como acordos impostos. Porém, os autores afirmam que esta postura tradicional vem sendo questionada e desconstruída pelo pensamento “pós-moderno”, no qual o profissional e o cliente compartilham saberes, conhecimentos e responsabilidades, na medida em que o profissional convida o cliente a ser um colaborador do processo, havendo, portanto, uma redefinição de posturas e “poderes” (p.335).


Segundo ARSÊNIO (2007), em muitos casos observa-se que aquilo que ocasionou o conflito é a impossibilidade de conversar ou a errônea interpretação do que foi dito; por isso, a tarefa do mediador é fazer com que as partes restabeleçam a comunicação, isto é, fazer aparecer o real interesse das partes, ajudando-as a entender que uma deve “escutar” a outra. Para a autora, a comunicação envolvida não é apenas a verbal, mas também a não-verbal (olhares, expressões faciais, gestos, posturas, enfim, linguagem inconsciente que expressa as verdadeiras intenções). Por isso, ao opinar ou mesmo sugerir uma solução, o mediador precisa estar atento à sua colocação, sabendo que ela pode ser auto-sugestiva, contrariando os princípios da imparcialidade e neutralidade.


3. A MEDIAÇÃO Familiar:


Segundo BRAGANHOLO (2005), independentemente da estrutura familiar (convencional ou não), o que se observa é a predominância de uniões baseadas nos compromissos afetivos. Enquanto a família permanece unida elo afeto, os conflitos podem ser entendidos e solucionados longe da esfera jurídica. Mas, uma vez rompidos os laços de algum dos envolvidos – pai e mãe –, há consequências legais e afetivas para eles mesmos e seus filhos. Ocorre que, na maioria das vezes, as pessoas, por vergonha, medo ou outro sentimento, relutam em buscar auxílio psicológico ou psiquiátrico, “preferindo” que o Judiciário “solucione”, e esse Judiciário deve ser capaz de atender à demanda de acesso rápido e eficiente de reconciliação ou, no mínimo, de estabelecimento de respeito mútuo entre os ex-cônjuge sem uma circunstância crucial de rompimento – e todo rompimento provoca cicatrizes.


Para a referida autora (2005, cit.), em conflitos envolvendo ex-cônjuges, é importante preservar um mínimo de respeito, para que ambos expressem seus sentimentos, emoções, raivas e angústias. Isso facilita a comunicação e os leva a pensar nas diferentes opções possíveis para resolver o conflito.


A referida autora (2005, cit.) prossegue esclarecendo que:


O processo de mediação pode ser uma maneira de aproximar as partes para discutir questões de interesse mútuo ou não, observando e mediando pontos de vista convergentes e divergentes. Dessa forma, é possível iniciar uma batalha contra os conflitos em questão, e então, discutir as razões e motivos que interferem nas decisões dos envolvidos.


As partes do conflito precisam resolver questões complexas instauradas muito além do aspecto unicamente legal. E a mediação é uma forma de possibilitar momentos de comunicação entre o casal resolvendo questões emocionais que possibilitem uma separação ou divórcio baseado no bom senso, e não na vingança pessoal.


Antes de tudo, a mediação dos conflitos familiares é uma oportunidade para o crescimento e a transformação dos indivíduos. E o mais importante: um crescimento que pressupõe desenvolvimento da capacidade, como pessoa humana, para expressar e fortalecer a capacidade de uma preocupação pelos outros. Essa situação é muito difícil de ocorrer, num processo de rompimento conjugal de união estável, separação ou divórcio, no atual sistema jurídico brasileiro, que não respeita a complexidade existente em relacionamentos que envolvem vínculos afetivos.”


A referida autora (2005, cit.) esclarece também que, muitas vezes, os processos judiciais se arrastam porque as partes utilizam o pretexto de discutir questões patrimoniais (ex.: pensão alimentícia, divisão de bens, horários de visitas dos filhos), que ocultam as questões afetivas, mas que o ex-casal não pretende discutir diretamente, e o Judiciário não possui instrumentos apropriados para isto. Assim, no lugar das verdadeiras razões, conscientes ou inconscientes, acaba-se utilizando ações que discutem questões patrimoniais para trazer à tona vinganças, mágoa, dor, ódio etc., existentes no momento do rompimento das relações afetivas.


Para SCHABBEL (2005), em geral, as crianças envolvidas nas separações dos pais acabam passando por dois sentimentos: o medo, consciente ou inconsciente, de que o outro pai também vá embora, e a percepção de que os adultos não são confiáveis e nem honestos. Para a autora, tanto o casal que se separa quanto seus filhos passam por momentos delicados e difíceis na tentativa de resolver questões práticas, como guarda e visita, ou emocionais, como lidar com a interrupção de certas tradições familiares, a perda da convivência diária com um dos pais e a sensação de desamor, rejeição e abandono.


Partindo da premissa de que apenas 30% dos pais divorciados conseguem separar as funções conjugais das funções de criação dos filhos (KASLOW e SCHWARTZ, 1995), SCHABBEL (1995, cit.) apresenta pesquisas americanas que apontam que ocorrem problemas mais significativos de ajustamento em crianças e adolescentes, quando há conflitos de longo prazo vividos pelos pais durante o período de pré-separação do que quando os conflitos ocorrem no período de divórcio propriamente dito; por sua vez, os conflitos de longa duração entre os cônjuges provocam problemas de ajustamento tanto em crianças como em adolescentes, destacando-se: agressividade, isolamento, ansiedade generalizada e depressão. De qualquer forma, estudos revelam que crianças menores têm menos dificuldade em se ajustar às regras familiares estabelecidas pós-divórcio, enquanto que filhos adolescentes e jovens adultos vivem conflitos envolvendo lealdade e raiva em relação ao genitor, principalmente o pai, mesmo que este não tenha sido responsável pelo início da separação.


Além disso, deve-se considerar que, mesmo com a dissolução conjugal decretada por sentença, os casais não conseguem se separar emocionalmente, porque essa nova situação provoca mudanças subjetivas e objetivas nas pessoas. Para CEZAR-FERREIRA (2007, cit.), mesmo quando convencido da decisão tomada, o casal vive momentos de emoções contraditórias: o convívio com a dor da separação acaba prolongando-se, já que podem ocorrer reencontros involuntários ou voluntários e reconciliações temporárias. Mesmo quando o cenário para o divórcio se define, fantasias de re-união ainda sobrevivem à realidade, dificultando a redefinição da identidade e a reestruturação de papeis. A mediação, ao abordar a confusão de papeis, permite que a posição e os interesses de cada um sejam esclarecidos, possibilitando aos pais assumir uma postura saudável diante dos filhos, dos demais familiares e da sociedade. Nos conflitos de poder entre o casal, não é raro os filhos servirem de “corda” no jogo de cabo de guerra da relação (CEZAR-FERREIRA, 2007, cit.). Para SCHABBEL (2005, p.17, cit.), os conflitos são gerados a partir de ocasiões em que um dos cônjuges não consegue aceitar a existência de um novo relacionamento, ou mesmo admitir a possibilidade de uma Guarda Compartilhada[1], por exemplo. É profundamente difícil promover uma negociação flexível na regulamentação de visitas para aquele que não é o guardião dos filhos ou, ainda, concordar com o valor sugerido para a pensão alimentícia.


Os conflitos externos podem ser resolvidos quando os conflitos internos são compreendidos, uma vez que o caminho da busca por si mesmo leva à compreensão dos mecanismos geradores de conflitos. Desse modo, as pessoas precisam aprender a identificar e resolver os conflitos internos, para que possam aprender a alterar seu comportamento e lidar com as disputas de forma mais amadurecida e responsável.


E o grande problema está na lógica binária-adversarial do Judiciário: “inocente X culpado”, “autor X réu”, que se torna moroso e ineficiente para lidar com as questões subjetivas. A Mediação Familiar deve ser capaz de ajudar os envolvidos a superar as naturais dificuldades emocionais, e (re)aprender a usar a empatia, a sensibilidade, e a compreensão restabelecer o diálogo e apresentar soluções que sejam satistatórias para ambos. SCHABBEL (2005, p.17, cit.) acrescenta que a Mediação, ao reconhecer e atuar nos aspectos emocionais da crise de separação vivida pelo casal, reconhece que as emoções são tanto parte do problema quanto de sua solução e, uma vez endereçados, clareados e resolvidos, facilitam a negociação das opções mais adequadas para reorganizar as funções, papeis e obrigações da família.


Para BRAGANHOLO (2005, cit.), também é de fundamental importância oferecer oportunidade, mediante técnicas, jogos, entrevistas, e outros, de interagir num ambiente onde cada um dos envolvidos tenha possibilidade de se expressar, demonstrar seus sentimentos de outras formas além da verbalização. Desse modo, será possível verificar as reações, os impulsos, defesas, angústias, modos de reagir aos conflitos e inclinações interiores de cada um dos envolvidos.


Havendo dificuldades maiores por parte de um dos cônjuges em dar continuidade à mediação, o mediador pode sugerir uma interrupção durante um período, a fim de que o mediando busque orientação e retorne à mediação com as questões pessoais melhor elaboradas (SCHABBEL, 2005, p.18, cit.).


Segundo a autora (2005, cit.), a Mediação visa reaproximar as partes para que estas encontrem seus reais conflitos e seus verdadeiros interesses, proporcionando-lhes, de forma consciente ou inconsciente, a percepção de diversos ângulos da mesma questão, dificilmente observados ao assumirem suas posições no litígio, devendo, para tanto, englobar a busca pela resolução dos problemas e, também, o relacionamento entre as partes. Visa, enfim, auxiliá-las a encontrar um acordo que atenda aos seus interesses, reconhecendo que não existe melhor sentença do que a vontade comum. Porém, em conflitos de ex-cônjuges, um cuidado que se deve ter é o de preservar um mínimo de respeito, para que ambos expressem seus sentimentos, emoções, raivas e angústias, facilitando a comunicação e levando-os a pensar nas diferentes opções possíveis de resolução do conflito. Nesse sentido, NAZARETH (2005, p.23) afirma que é aconselhável que o mediador familiar tenha passado por processo psicoterapêutico, a fim de que tenha bem identificados seus próprios conflitos, para não “misturar” e não se identificar[2] com as partes e não perder a objetividade. A primeira autora (2005, p.23-24), afirma que, como o mediador familiar atua sob o paradigma do diálogo (e não do litígio, como faz o Judiciário), enfrenta dificuldades ao tentar conversar com pessoas magoadas, ressentidas, e que se sentem muitas vezes fracassadas por não terem conseguido satisfazer não só as próprias idealizações[3], quanto as da família extensa e as do meio social.


Para GUEDES-PINTO (2005, p.36), a Mediação familiar é mais flexível, pois os conflitos podem ser conduzidos e trabalhados conforme as especificidades de cada caso, e permite soluções criativas, a partir dos próprios envolvidos, e não segue modelos regrados, pré-determinados ou conhecidos. Além disso, a Mediação Familiar é um processo de construção e de maturidade, cujo resultado será mais eficiente na medida em que se consolidam as habilidades sociais de ver, entender e enfrentar conflitos; pois isso, ela favorece o processo de amadurecimento, e não possui caráter imediatista.


Assim, segundo SCHABBEL (2005, p.16, cit.), a proposta da mediação voltada para o lado da cooperação, em vez de privilegiar o lado adversarial comum ao Direito, permite despertar nas pessoas que desfazem um vínculo conjugal o desejo real de assumir suas próprias vidas. A mediação fortalece a capacidade de diálogo a fim de se chegar a uma solução mais amena dos conflitos, e possui as seguintes características, a saber:


a) do ponto de vista externo: trata-se de um processo privado, auto compositivo e transdisciplinar, definido a partir de critérios de bem-estar social, no qual atuam profissionais com elevado conhecimento técnico para orientarem as questões necessárias, buscando possibilidades de soluções para o conflito, limitadas apenas pela Ética e pelo Direito, uma vez que os acordos firmados em mediação referentes à guarda, visitas e pensão alimentícia deverão sempre ser homologados pelo Judiciário.


b) do ponto de vista interno: a mediação procura, através da depuração dos consensos e dissensos, um intercâmbio de posições e opiniões, apontar a interferência de conflitos intrapessoais na dinâmica interpessoal dos cônjuges, e objetiva a composição de um acordo pautado na colaboração, preservando a autonomia da vontade das partes.


Para VILELA (2007, p.23), a Mediação Familiar “é um procedimento estruturado de gestão de conflitos pelo qual a intervenção confidencial e imparcial de um profissional qualificado, o mediador, visa restabelecer a comunicação e o diálogo entre as partes. Seu papel é o de levá-las a elaborar, por elas próprias, acordos duráveis que levem em conta as necessidades de cada um e em particular das crianças em um espírito de co-responsabilidade parental”. Para a autora, o objetivo da mediação é a responsabilização dos protagonistas, para que sejam capazes, por si mesmos, de formular acordos duráveis. Por isso, a Mediação não pode/deve ser vista como uma forma de meramente “desafogar o Judiciário”, e sim como um modo eficaz de solução de conflitos, principalmente conflitos familiares, realizada preferencialmente por psicólogos. Nesse sentido, a autora critica o Projeto de Lei da Mediação que, ao contrário de várias legislações brasileiras, coloca como obrigatoriedade que o mediador seja advogado, quando deveria incluir uma co-mediação, com a participação de psicólogos em litígios familiares.


A Mediação Familiar deve observar e compreender os paradoxos que caracterizam os seres humanos, bem como a origem do sofrimento. O Mediador deve entender a estrutura e a dinâmica do contexto familiar e os papeis (reais e simbólicos) que cada membro ocupa nesse contexto, sobretudo a criança. Assim, deve-se observar que a criança não é a projeção dos pais, mas sim um interlocutor que pressiona no sentido de impulsionar os membros da família a se desenvolverem (GROENINGA, 2004, p.77).


Quando o casal alega que está “defendendo os interesses da criança”, mas cada um toma atitudes opostas, estará justamente praticando o contrário do que afirma. Cada um acredita ser o melhor conforme a sua óptica, mas a situação expõe as fragilidades e dificuldades dos adultos, e impõe-se a lógica da força sobre a lógica da razão, e os verdadeiros interesses da criança ficam relegados a último plano (se eventualmente forem considerados!). Nessa situação, são os adultos que manifestam suas necessidades de serem ouvidos e compreendidos, falando em nome da criança devido à dificuldade de falarem em nome próprio (GROENINGA, 2004, p.79, cit.).


A Mediação Familiar deve buscar a conscientização da paternidade como um dos componentes do desenvolvimento da criança, mas também dos próprios pais como adultos que exercem os papeis de pai e mãe. É importante que considerem seus papeis parentais e se preocupem com o bem-estar dos filhos, mas devem também ter a oportunidade de lidar com seus afetos, reorganizar suas identidades de forma mais abrangente, e elaborar o luto da separação mantendo o par parental (GROENINGA, 2004, p.79, cit.).


Considerando-se que a família é um sistema integrado de relações psicoafetivas, da qual depende o desenvolvimento de cada um dos membros, formando uma unidade que é “mais do que a soma dos elementos” (BERTALANFFY, 1977), e que eventos, grandes ou pequenos, previsíveis ou não, afetam o padrão de interação familiar, é preciso que haja criatividade e flexibilidade para se buscar novas formas de relacionamento intrafamiliar, sob risco de que surjam conflitos não elaborados que atrapalhem o diálogo e impeçam a comunicação. Se a pessoa considera que a realidade é uma construção sua, terá a capacidade de assumir a responsabilidade por seus atos, palavras e omissões e não poderá “culpar” terceiros pelos acontecimentos, e acreditará que a realidade do outro também seja uma construção (CEZAR-FERREIRA, 2007, cit.).


O mediador familiar deve estar atento a essas questões, para auxiliar os pais (ex-casal) a restabelecer o diálogo, reestruturar os projetos de vida e reorganizar a forma de condução da criação dos filhos. É importante considerar que, da mesma forma que uma sentença judicial impositiva, um acordo advindo de uma Mediação que não respeite seus princípios básicos e não considere a “escuta” psicoafetiva daquela família, acarretará o retorno de questões não resolvidas, através de novas demandas judiciais (CEZAR-FERREIRA, 2007, cit.).


Para BRAGANHOLO (2005, p.73, cit.):


“(…) o meio mais eficiente de intervir no entendimento entre as partes ou auxiliar nele é permitir a verbalização do sentimento da parte que está comprometida. Promove-se, então, compreensão que ultrapassa uma visão pessimista e de auto-piedade pela situação que se apresenta. Quem tem uma visão negativa do desentendimento jamais aceitará a intervenção se o mediador iniciar a mediação colocando aspectos positivos do conflito. A parte precisa sentir como o outro compreende, também, sua posição. Dessa forma, seria forma adequada de propiciar o entendimento entre as partes levar homem e mulher a compreenderem ou perceberem algumas razões da outra parte, sem que para isso sejam necessárias definições jurídicas do que é de direito ou não.”


A referida autora (2005, cit.) prossegue, afirmando que no âmbito da Mediação de Família, todas as relações se constituem e se transformam na medida em que são processadas, porque se restarem questões “escondidas”, que não foram comunicadas, não serão trazidas à discussão e, portanto, poderão prejudicar o processo de Mediação.


4. A Síndrome de Alienação Parental (SAP) e seus efeitos na destruição do convívio paterno-filial


A definição do psiquiatra norte-americano Gardner, Richard A. (1998) para a SAP é a seguinte[4]:


“A síndrome de alienação parental (SAP) é uma disfunção que surge primeiro no contexto das disputas de guarda. Sua primeira manifestação é a campanha que se faz para denegrir um dos pais, uma campanha sem nenhuma justificativa. É resultante da combinação de doutrinações programadas de um dos pais (lavagem cerebral) e as próprias contribuições da criança para a vilificação do pai alvo.”


Nos processos judiciais de separação ou divórcio envolvendo questões de guarda de filhos, ou modificações de guarda, ou ainda de regulamentação de visitas, é comum que o genitor não-guardião (geralmente o pai) se queixe de que o genitor guardião (em geral a mãe) dificulte ou impeça as visitas dele aos filhos, sob as mais variadas alegações, na maioria das vezes infundadas e absurdas. Quando isso acontece, instaura-se um fenômeno cujo nome é novo, mas a situação é mais comum do que se possa pensar: a Síndrome de Alienação Parental (SAP).


A Síndrome de Alienação Parental (SAP) recebe críticas por parte de especialistas de diversas áreas, alegando-se o mau uso que se faz desse termo nos casos de violência de gênero, sustentado por uma ideologia “pedófila e sexista” e afirma que termos como a “síndrome de alienação parental” podem ser usados para culpar as mulheres de seus medos ou angústias motivadas das crianças contra seu pai violento, sendo um instrumento de fraude pseudo-científica, gerando situações de risco para as crianças e provocando a regressão dos direitos humanos das crianças e de suas mães.


Tradicionalmente, ocorrem debates entre profissionais clínicos e legais em relação ao conceito de SAP, estabelecendo-se uma discussão científica em torno ao termo de Síndrome de Alienação Parental, nos tópicos de se constitui ou não uma síndrome, de sua não inclusão no DSM-IV[5]. Para ACEREDA [s.d.], dito debate resulta vão e vazio de conteúdo. Quantas “síndromes” de Münchhaunsen, de Adaptação Paradóxica à Violência, De Estocolmo, Pré-menstrual, tampouco se encontram relacionados no DSM-IV e nenhum profissional da Medicina e da Psicologia clínica duvida de sua existência e de que respondem a realidades humanas, concretas, que requerem ser descritas, estudadas, avaliadas e no caso da SAP, tidas em conta na tomada de decisões em relação com os estudos sobre guarda/visita de filhos menores?


Ocorre que a Síndrome de Alienação Parental existe, pode ser evidenciada em inúmeros casos em que a criança passa a rejeitar o pai sem motivo plausível, e para isso cria, distorce ou exagera situações cotidianas para tentar “justificar” a necessidade de afastamento do pai, inclusive reproduzindo falas de outras pessoas. A pessoa que induz a criança a rejeitar imotivadamente o outro pai, inclusive mediante relatos inverídicos de molestação sexual, apresenta um distúrbio psicopático gravíssimo, uma sociopatia crônica, porque não tem nenhum sentimento de respeito e consideração pelo outro, importando-se apenas com seus próprios interesses egoísticos e narcísicos. Acusam o outro pai de agressão à criança, mas quando manipulam emocionalmente a criança para verbalizar acusações infundadas, tornam-se eles sim os verdadeiros agressores das crianças, não se conscientizando de que os vínculos parentais são essenciais para o equilíbrio psíquico da criança enquanto ser em formação.


Mas, voltando ao que realmente interessa, o conceito de SAP: segundo o psiquiatra norte-americano Richard Gardner (1998), a alienação parental é um processo que consiste em programar uma criança para que odeie um de seus genitores (o genitor não-guardião) sem justificativa, por influência do outro genitor (o genitor guardião), com quem a criança mantém um vínculo de dependência afetiva e estabelece um pacto de lealdade inconsciente. Quando essa síndrome se instala, o vínculo da criança com o genitor alienado (não-guardião) torna-se irremediavelmente destruído. Porém, para que se configure efetivamente esse quadro, é preciso estar seguro de que o genitor alienado não mereça, de forma alguma, ser rejeitado e odiado pela criança, através de comportamentos tão depreciáveis.


É preciso diferenciar entre a Alienação Parental e a Síndrome de Alienação Parental:


– A Alienação Parental (AP) caracteriza o ato de induzir a criança a rejeitar o pai/mãe-alvo (com esquivas, mensagens difamatórias, até o ódio ou acusações de abuso sexual).


– A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é o conjunto de sintomas que a criança pode vir ou não a apresentar, decorrente dos atos de Alienação Parental.


Geralmente a SAP eclode após a separação, quando há disputa de guarda, regulamentação de visitas, em que o pai/mãe-alvo reivindica aumento de convívio com os filhos. Mas, pode surgir também durante a convivência marital, através de atitudes e palavras de um dos pais para desqualificar e desautorizar o outro na frente dos filhos. Embora a denominação Síndrome de Alienação Parental seja recente (data de 1998), o fenômeno é frequente nas separações, no tocante às visitas, pensão alimentícia e guarda dos filhos.


O genitor alienado, que a criança aprende a odiar por influência do genitor alienador, passa a ser um estranho para ela; enquanto isso, configura-se como modelo o genitor alienador, patológico, mal-adaptado e possuidor de disfunção. A partir daí, a criança tende a reproduzir a mesma patologia psicológica que o genitor alienador, e dá sua própria contribuição para a destruição do vínculo.


O genitor alienador é, muitas vezes, uma figura superprotetora. Pode ficar cego de raiva ou animar-se por um espírito de vingança provocado pela inveja ou pela cólera. Geralmente coloca-se como vítima de um tratamento injusto e cruel por parte do outro genitor, e do qual tenta vingar-se fazendo crer aos filhos que aquele não é merecedor de nenhum afeto. Em certas circunstâncias, pode tomar atitudes dissimuladas de “fazer esforço” para que haja contato entre os filhos e o genitor alienado, ou “surpreender-se” pela atitude destes quando manifestam oposição ao genitor ausente.


O genitor alienador possui uma dificuldade muito grande em individualizar, isto é, de reconhecer em seus filhos seres humanos separados de si. O resultado disso é que seu objetivo consiste em deter o controle total sobre eles, e destruir a relação deles com o genitor ausente.


Os efeitos nas crianças vítimas da síndrome de alienação parental podem ser: depressão crônica, incapacidade de se adaptar aos ambientes sociais, transtornos de identidade e de imagem, desespero, tendência ao isolamento, comportamento hostil, falta de organização, consumo de álcool e/ou drogas e algumas vezes suicídios ou outros transtornos psiquiátricos. Podem ocorrer também sentimentos incontroláveis de culpa quando a criança, quando adulta, constata que foi cúmplice inconsciente de uma grande injustiça ao genitor alienado.


Nas famílias que apresentam graves disfunções, a síndrome pode perpetuar-se por várias gerações. O genitor alienador é apoiado por seus familiares, o que reforça o sentimento de estar com a verdade; por outro lado, os familiares do genitor alienador se sentem constrangidos em se opor aos seus objetivos e atitudes, com medo de uma possível represália, e serem eles também alvos de sua raiva. Em contrapartida, o comportamento hostil da criança em relação ao genitor alienado também pode ser extensivo aos familiares e amigos deste. Em geral, a mensagem dirigida aos filhos é a de que o genitor alienado não pertence à família, está relegado a uma situação deplorável, e é desagradável ir vê-lo. O objetivo é excluí-lo da vida dos filhos, colocando-se erroneamente como protetor destes, e violando o princípio de que cada genitor deve contribuir positivamente para o desenvolvimento da relação.


Denegrir a imagem moral do genitor alienado perante os filhos é uma forma de abuso psicológico – sutil, subjetivo e difícil de mensurar objetivamente -, mas que poderá trazer sérias consequências psicológicas e provocar problemas psiquiátricos pelo resto da vida. Em contrapartida, a principal acusação formulada contra o genitor alienado é a de abuso sexual, especialmente se os filhos são pequenos e facilmente manipuláveis. As acusações de outras formas de abuso (as que deixam marcas, como a física) são menos frequentes.


O genitor alienador confidencia ao filho, com riqueza de detalhes, seus sentimentos negativos e as más experiências vividas com o genitor alienado, e o filho absorve essa negatividade do genitor, sentindo-se no “dever” de protegê-lo. Com isso, estabelece um pacto de lealdade com o genitor alienador, em função da dependência emocional e material, demonstrando inclusive um medo em desagradar ou opor-se a ele. Se o filho desobedece a essa diretiva, especialmente expressando aprovação ao genitor ausente, pode sofrer ameaças, por parte do genitor alienador, de abandoná-lo ou de mandá-lo viver com o genitor alienado. O filho é, então, constrangido a ter que escolher entre seus genitores, o que está em total oposição ao desenvolvimento harmonioso de seu bem-estar emocional.


A crença irracional dos adultos, de que a criança fará um julgamento moral do comportamento do adulto, é que leva o adulto da descontar (despejar) na criança as injúrias que tem sofrido do(a) ex-companheiro(a). Acontece que a criança absolutamente não tem capacidade de elaborar e estabelecer um juízo de “certo e errado”, ainda mais de um dos genitores. Pedir para uma criança escolher um genitor como “certo” ou “melhor que o outro”, o “único possível”, é perverso e é a raiz da alienação parental.


Para sobreviver, o filho aprende a manipular, tornando-se prematuramente esperto para decifrar o ambiente emocional, para falar apenas uma parte da verdade e, por fim, para enredar-se em mentiras, discursos e comportamentos repetitivos, e exprimir emoções falsas.


Por exemplo, torna-se enganoso acreditarmos que a criança envolvida na SAP terá problemas escolares, comuns em crianças que estejam atravessando a conturbada situação de divórcio dos pais. Geralmente as crianças sofrem com a separação dos pais e com o afastamento do pai (na situação padrão, em que os filhos ficam com a mãe e o pai é quem sai de casa…), e isso se expressa em queda de rendimento escolar, perda da concentração, diminuição da motivação para outras tarefas, excessiva preocupação com as mudanças de rotina e com o padrão de vida, culpa ou raiva pelo afastamento do pai, medo do abandono e de que “nuca mais” vai ver o pai afastado, diminuição da autoestima da criança, medo de ser ridicularizado(a) ou estigmatizado(a) como “filho(a) de pais separados” etc. Situações como essas normalmente atrairiam a atenção dos professores e diretora, para o sofrimento que a criança estaria atravessando. Porém, quando a criança está se envolvendo na SAP (em graus leve e moderado), os sentimentos positivos e negativos se misturam, formando ambivalências que também são fontes de sofrimento para a criança. Mas, em grau profundo de envolvimento na SAP, esses conflitos “desaparecem”: a criança estrutura uma “personagem” de que “tudo está bem”, que “não precisa do pai” e “não sente falta do pai”, para que os professores e diretores não percebam que, no fundo, está sofrendo sim com a falta do pai alienado (afastado) e para que a escola não tome nenhuma providência para reaproximá-lo ou conscientizar a mãe (alienadora) de que esta situação está causando sofrimento na criança, o que seria terrível para o(a) alienador(a)…


A raiz do sofrimento da criança, na alienação parental, reside exatamente no temor de que aconteça com ela o que aconteceu com o outro genitor – ou seja, o afastamento sem volta, ou de qualquer cura dos ressentimentos, a “morte” emocional do outro. Não podemos esquecer que a criança vive a intersubejtividade do casal também. Daí a incapacidade da criança de confrontar o adulto alienador, pois qualquer imposição gerará briga e possível afastamento, rejeição sem cura dela também, isto na fantasia infantil.


Deve-se iniciar um tratamento psicológico intensivo, capaz de neutralizar os efeitos da síndrome de alienação parental. Em geral, o trabalho deve ser realizado por um profissional que conheça profundamente a síndrome, suas origens e consequências, e o modo como combatê-la, e intervir o mais rapidamente possível para que seus efeitos não sejam irreversíveis. É possível recorrer-se à mediação familiar, se o psicólogo constatar, através de avaliação individual, que nenhum dos genitores representa perigo para os filhos; porém, se houver alguma ameaça de risco, ou se qualquer dos genitores (especialmente o alienador) oferecer alguma resistência, devem-se adotar medidas mais rígidas (multas, ameaça da perda da guarda ou encarceramento) e recorrer ao sistema judicial.


Gardner (1998, cit.) declara que a SAP é mais que uma lavagem cerebral ou uma programação, porque a criança tem que, efetivamente, participar na depreciação do pai que é alienado. Isso é feito seguindo-se os cinco passos:


1) A criança denigre o pai alienado com linguajar impróprio e severo comportamento opositor, muitas vezes utilizando-se de argumentos do(a) genitor(a) alienador(a) e não dela própria; para isso, dá motivos fracos, absurdos ou frívolos para sua raiva.


2) Declara que ela mesma teve a ideia de denegrir o pai alienado. O fenômeno do “pensador independente” acontece quando a criança garante que ninguém disse aquilo a ela.


3) O filho apoia e sente a necessidade de proteger o pai alienante. Com isso, estabelece um pacto de lealdade com o genitor alienador em função da dependência emocional e material, demonstrando medo em desagradar ou opor-se a ele.


4) Menciona locais onde nunca esteve, que não esteve na data em que é relatado um acontecimento de suposta agressão física/sexual ou descreve situações vividamente que nunca poderia ter experimentado – implantação de “falsas memórias”.


5) A animosidade é espalhada para também incluir amigos e/ou outros membros da família do pai alienado (voltar-se contra avós paternos, primos, tios, companheira).


Em casos severos de alienação parental, a criança recebe uma lavagem cerebral intensa sobre o pai alienado. O alienador pode dizer com segurança à criança que não deseja passar nenhum momento com o outro pai, mesmo que tenha dito à criança que ele tem que fazê-lo, é uma ordem judicial, etc. O alienador tipicamente responde: “Não há nada que eu possa fazer a respeito. Eu não digo à criança que ela não pode vê-lo.”


A SAP é um excelente exemplo de uma desordem na qual a saúde mental e os profissionais jurídicos têm de colaborar porque estas crianças precisam ser ajudadas. Nem uma nem outra disciplina podem ajudar isoladamente as crianças sem a participação significativa mútua. Os profissionais da saúde mental precisam do poder do tribunal para colocar em prática as suas recomendações e o tribunal precisa dos profissionais de saúde mental para conduzir a terapia apropriada.


Acerca da questão de misturar o debate da alienação parental com a questão da pensão, existem situações concretas que “matam” de saída um dos argumentos recorrentes – embora frágil – para desqualificar as teorias que reconhecem a SAP, no sentido de que representariam mera argumentação oportunista com objetivos digamos menos nobres. Se reconhecermos como abuso psicológico a manipulação da criança – em abstrato – para interferir em questões financeiras, afastamos claramente essa crítica.


Embora o terreno seja complicado (a mistura das questões “pensão” e “alienação parental” nos coloca em um debate que exige cautela), é necessário enfrentá-lo e apontar abuso sempre que tal ocorrer (seja mera desqualificação de um dos genitores para a criança ou falsa acusação de abuso). Em sentido contrário, poderíamos estar a “morder uma isca” de quem quer, de fato, desqualificar o debate, propondo a imagem subliminar distorcida de que só combatemos a alienação parental quando nos traz benefício.


5. O VETO PRESIDENCIAL À MEDIAÇÃO NA LEI nº 12.318/2010:


Em 26/08/2010 foi sancionada pelo então Presidente da República Sr. Luis Inácio “Lula” Da Silva, a Lei nº 12.318/2010 (publicada no DOU de 27/08/2010, em pleno Dia do Psicólogo!), que trata da Alienação Parental (originalmente, Projeto de Lei nº 4.053/2008, e posteriormente Projeto de Lei da Câmara nº 20/2010). A referida Lei dispõe que:


LEI nº 12.318, DE 26 DE AGOSTO DE 2010


Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. (…)


Art. 2º. Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.


Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:


I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;


II – dificultar o exercício da autoridade parental;


III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;


IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;


V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;


VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;


VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.


Art. 3º. A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.”


XAXÁ (2008), em seu Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “A Síndrome de Alienação Parental e o Poder Judiciário” afirma que é importantíssimo que a SAP seja reconhecida como agente de efeitos danosos às crianças e adolescentes em formação. A criança está em fase de reconhecimento de autoridade e afeto, e as manobras de afastamento de qualquer um dos pais são suficientes para prejudicar essa estruturação. As legislações constitucional e infraconstitucional devem proteger a criança contra todas as formas de abuso, mas a ausência de previsão legal para o infrator que comete a SAP – enquanto abuso psicológico – bem como de elementos de convicção judicial de sua ocorrência, faz com que o entendimento do juiz fique adstrito a documentos completamente viciados (laudos sociais e/ou psicológicos que não atestam a ocorrência de SAP), prejudicando não somente a criança como todo o contexto familiar.


Conforme afirma Dr.a Alexandra Ullmann[6], psicóloga e advogada:


“É importante detectar a Alienação Parental para a reestruturação do vínculo familiar entre criança vítima e o ente alienado. Esta reconstrução do vínculo se dará de forma lenta e, por vezes, dolorosa para o filho. A desconstrução de uma verdade anteriormente inquestionável pode trazer sofrimento, mas também trará grande alegria e alívio para a criança. Ela não sentirá mais medo ou culpa, de gostar e de conviver com o outro genitor, que jamais deveria ter sido emocional e fisicamente extirpado de sua vida e de sua rotina. O aparente medo da criança ao ente alienado nada mais é do que a óbvia constatação da projeção do genitor alienador de seus medos, receios e desejos de vingança. O Judiciário não pode se quedar inerte ante a constatação da existência da “tortura psicológica” imposta pelo ente alienador ao menor. O ECA determina que o menor não pode ser submetido a qualquer tipo de tortura, seja física ou psicológica, por quem quer que seja, mormente por aqueles que tem o dever de protegê-lo.”


Aliás, é especificamente esta a mais perigosa triangulação patológica na Síndrome de Alienação Parental: aquela que ocorre entre a criança e o(a) genitor(a) alienador no primeiro vértice, o(a) genitor(a) alienado no segundo vértice, e o Judiciário no terceiro vértice, este usado como mero instrumento para legitimar as intenções do(a) alienador(a) em afastar o(a) outro(a) do convívio com a criança – inclusive perdendo o bem senso ao lançar mão das alegações de molestação sexual (nem sempre procedentes) para isto. A partir dos ensinamentos de VAINER (1999, p.160), os membros da família com graves disfunções de Síndrome de Alienação Parental precisam aliar-se entre si (genitor alienador + criança) para que possam lidar com os conflitos de relação, e precisam de um terceiro elemento (o Judiciário) para formar uma triangulação contra o genitor alienado, a quem consideram um inimigo externo, no qual são projetados os conteúdos negativos e persecutórios que possibilitam a união dos dois vértices, em função da dinâmica do conflito, para poder manter um equilíbrio dinâmico do sistema, mesmo que de forma enrijecida e disfuncional. Assim, o Judiciário acaba perdendo a sua função de aplicar a lei, mas serve de mero instrumento da manipulação do genitor alienador para atingir seus objetivos de destruir os vínculos da criança com o outro genitor.


No Brasil, o veto presidencial ao artigo da Lei nº 12.318/2010 (Lei da Alienação Parental) que possibilitasse a realização da Mediação extrajudicial foi um dos maiores EQUÍVOCOS cometidos, inaceitáveis para um Presidente da República que se diga “democrático” e para uma equipe que se diga “competente”. Pelo contrário, esperava-se que houvesse a obrigatoriedade da co-mediação em casos de família, com a presença de psiquiatra, psicólogo ou assistente social nos conflitos judiciais. O então presidente Luis Inácio Lula da Silva alegou que a apreciação do direito indisponível da criança/adolescente à convivência familiar, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal por recursos extrajudiciais seria “inconstitucional” (sic), restando apenas a mediação judicial para dirimir tais casos. Ora, não há nada de “inconstitucional” (sic) em se possibilitar que os próprios pais daquele(s) filho(s) menor(es) discutam autonomamente, facilitados por um mediador, as questões relevantes a esse(s) filho(s). Inconstitucional é a interferência excessiva do Estado, através do Judiciário, que já extrapola os limites do tolerável se pensarmos somente nos litígios judiciais, que se dirá em relação à exclusividade da mediação judicial como única forma de dirimir os conflitos.


Haja vista o absurdo do artigo 5º caput e parágrafo único do Projeto de Lei do Senado nº 230/2010, que prevê a obrigatoriedade da presença de advogados às sessões dos Juizados Especiais de Família[7]. Considerando-se que a proposta inicial de tais Juizados e formular conciliações e não Mediação, a presença obrigatória de advogados tende à formação de contenciosos, e não propriamente diálogos, como ocorreriam na Mediação. Resultado: “forçam-se” acordos, não espontâneos, impostos pelo conciliador, cujos assuntos poderão ser rediscutidos interminavelmente em ações judiciais posteriores, atulhando cada vez mais o Judiciário com documentação desnecessária, aumentando a burocracia e a morosidade…


Ocorre que o Judiciário brasileiro já é visto com intenção de conflitos, as pessoas não costumam recorrer a ele para debater a solução de uma situação, chegam com elevadas doses de animosidade, e querem que o Judiciário “resolva”, sendo que a Mediação propicia a resolução interna, na medida em que lida com os conflitos inconscientes e promove o diálogo entre as partes.


Assim, conforme enfatiza ROSA (2010):


“O certo é que o Poder Executivo perdeu uma boa oportunidade para a disseminação dessa prática na sociedade brasileira e o consequente estabelecimento de uma nova cultura que inclua opções cooperativas e pacíficas para o tratamento dos conflitos existentes no seio familiar.”


A Mediação Interdisciplinar (intercâmbio entre a Psicologia e o Direito), no Judiciário, poderá se tornar um propício espaço para a utilização de recursos de ajuda psicológica, através de práticas sistêmicas conduzidas por uma visão sistêmico-construtivista, para ajudar o ex-casal a reduzir sua rigidez relacional (que pode ser agravada pelo próprio Judiciário e pelo processo judicial!) para dialogar e conversar com mais flexibilidade, melhorando os padrões de comportamento de todos, especialmente em benefício dos filhos (CEZAR-FERREIRA, 2007, p.76, cit.).


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS:


Para GRUNSPUN [s.d.], em entrevista à PaiLegal, a Mediação Familiar torna-se um instrumento importantíssimo para a estruturação da Guarda Compartilhada, pois da parte dos pais facilita a comunicação entre eles acerca da educação e futuro dos filhos, dirimindo os ressentimentos, os conflitos, as dificuldades de diálogo e, especialmente os posicionamentos de “perdedor” e “vencedor”, porque nessas contendas judiciais essas posições são ilusórias, só há perdedores, e os maiores prejudicados são os filhos; da parte dos filhos, como não há envolvimento emocional em ‘tomar partido’ de um dos pais em detrimento do outro, não há culpas conscientes ou inconscientes que possam ser reprimidos pelo recalque para se transformarem em sintomas (inclusive somáticos).


Algumas pessoas e profissionais (de Psicologia e de Direito) que mantêm a postura equivocada e retrógrada da guarda monoparental, alegam que basta a presença de um dos genitores, e o outro será visto como “visitante”. O grande equívoco reside no fato de que apenas um dos genitores (em geral, a mãe), não pode assumir o lugar do outro, porque o acúmulo de deveres e responsabilidades fará com que a eficiência na realização de tarefas diminua, além do que não há uma predisposição natural feminina para o exercício dos cuidados com os filhos – além de alimentar um sentimento de onipotência narcísica que caminha para a doença, e não traz benefícios nem para si nem para as crianças. Acrescente-se a isso o fato de que a descontinuidade do convívio com o genitor não guardião reforçará na criança a ideia de que ele não é importante, podendo ser dispensável – dando ao(à) genitor(a) guardião(ã) uma falsa sensação de onipotência narcísica, uma felicidade construída sobre a destruição, e essa mensagem será passada à criança quando se tornar adulta: o “outro” na relação é um ser totalmente dispensável, o que é uma imensa mentira.


Nos tempos atuais, a configuração de família se transformou consideravelmente e, hoje não se contempla somente aquele modelo tradicional: pai, mãe e filhos. Como a própria legislação ampliou o conceito de família, a sociedade e as leis devem também ampliar as ideias acerca das relações e vínculos familiares. A complexidade das relações pode permitir uma variabilidade maior de relacionamentos da criança com os atuais e novos membros da família, o que pode lhe proporcionar uma ampla gama de experiências. Por isso, não se concebe mais a exclusão e o isolamento das crianças em relação às famílias de origem, a pretexto de estarem em novas relações familiares: quanto mais vivências as crianças puderem experimentar, mantendo as suas raízes, tanto mais amadurecida estará para enfrentar as situações cotidianas; se estiver isolada, não saberá lidar com as transformações e permanências (SILVA, 2007, p.20).


Por tudo isso, cabe também uma palavra importante acerca da Guarda Compartilhada, como forma de preservação dos vínculos familiares: exige amadurecimento e diálogo por parte dos pais, bem como recursos internos para prover as necessidades afetivas das crianças após a separação. Mas é possível observar que, nos casos em que seja aplicável, o desenvolvimento psicológico das crianças é muito maior do que aquelas que crescem tendo contatos esporádicos com o outro pai, e ainda mais se comparado àquelas que perderam definitivamente o contato com o outro pai após a separação. A criança que convive sob a égide da Guarda Compartilhada apresenta maior capacidade de estruturação de vínculos, porque se sente segura com a permanência, o que lhe estrutura uma base importantíssima para o desenvolvimento psicológico futuro. É fundamental pensarmos nisso (SILVA, 2007, p.20, cit.).


A lógica é simples: se, durante o casamento (ou união conjugal), ambos os pais eram responsáveis pelos cuidados com os filhos (considerando-se suas particularidades e diferenças), a Guarda Compartilhada assegurará esta situação, mantendo os vínculos e laços afetivos essenciais para o desenvolvimento de todos, em especial das crianças.


É importante também que sejam implementados programas para orientação, esclarecimento e acompanhamento de famílias em que os conflitos emocionais estejam seriamente comprometidos. Se nada for feito, haverá uma geração de crianças que se tornarão adultas acreditando que “ninguém precisa de ninguém”, o “outro” é totalmente dispensável. Reproduzem uma psicopatologia gravíssima, a Síndrome de Alienação Parental – SAP (já descrita anteriormente), que prejudica as emoções, as expressões afetivas, o estabelecimento de vínculos – porque aprenderam com seus pais e mães que o “outro” é dispensável! -. Em uma palavra: novas gerações de indivíduos doentes. O distanciamento entre os indivíduos acaba sendo um imenso entrave ao desenvolvimento afetivo. Ainda mais que, nos casos dessa psicopatologia grave, formam-se redes de mentiras, dissimulações, manipulações emocionais, embotamento afetivo, pretextos para não lidar com os problemas e situações… Para DOLTO (1989), não se trata de que a criança seja “feliz”, mas que possa dar continuidade a sua dinâmica estrutural, o que se constroi, com muita frequência, com os conflitos assumidos (p. 136). Mesmo porque, uma felicidade alicerçada em mentiras, dificuldades emocionais e isolamento é completamente falsa.


Nossa responsabilidade para tomar atitudes no sentido de transformar este quadro aterrador é imensa, e não pode esperar para “amanhã”. Nesse sentido, a Mediação e a Guarda Compartilhada expressam uma crescente necessidade no contexto das famílias e na amplitude da sociedade. A Mediação traz importantes contribuições para, além de descentralizar do Judiciário as contendas de família (que tanto atravancam o andamento processual como prejudicam ainda mais os conflitos litigantes entre as pessoas), como auxilia as pessoas a conversar melhor, pensar melhor, discutir melhor os assuntos que são realmente importantes, e sem perder o foco no desenvolvimento saudável do(s) filho(s) – além de ser um importante caminho que pode conduzir à Guarda Compartilhada.


A Guarda Compartilhada, por sua vez, se torna o sistema parental por excelência, que melhor atende às necessidades da criança após a separação dos pais, pelo aspecto fundamental da estruturação dos vínculos parentais e do convívio saudável e equilibrado com ambos, não há perdas de referências, não há dificuldades de relacionamentos, todas as questões importantes são resolvidas com a maturidade emocional necessária – e essa maturidade dos pais são exemplos para os filhos!


É claro que nem a Mediação nem a Guarda Compartilhada podem ser vistas como uma solução “mágica”, que irá resolver definitivamente todos os conflitos e litígios familiares, especialmente aqueles que versam acerca da guarda de filhos, de uma única vez. Existem limitações para ambas as práticas, e não são aplicáveis a todos os casos. Nesse sentido, há alguns pontos importantes que devem ser considerados:


1. No caso da Mediação, é preciso pensar que ainda não há uma regulamentação legal para sua prática, ficando restrita a algumas iniciativas das instituições judiciárias, entidades de assistência judiciária ou de particulares. Quando houver uma previsão legal e normas regulamentadoras da aplicabilidade da Mediação de da qualificação técnica e ética dos mediadores, aos poucos ocorrerão os ajustes necessários ao aprimoramento da qualidade do serviço a ser prestado à comunidade, de modo a corresponder com mais exatidão a suas reais demandas sociais.


2. A Guarda Compartilhada é aplicável tanto quando há um nível de amadurecimento e estabilidade emocional dos pais para administrar as questões relevantes aos filhos, sem transformá-las em objeto de “guerrilhas”, desaforos, contendas sem sentido como quando há divergências entre os pais, como uma forma de conseguir que sejam mais próximos e participativos na vida dos filhos do que talvez fossem antes da separação do casal (RAMOS, 2005). Por isso, é necessário que a aplicabilidade da Lei n.º 11.698/08 que institui e regulamenta a Guarda Compartilhada seja analisada caso a caso, considerando-se as peculiaridades de cada contexto familiar e ao mesmo tempo as necessidades de convívio e vinculação da criança com ambas as figuras parentais – imprescindíveis ao seu pleno desenvolvimento psíquico; e de outro lado, a implantação de projetos de políticas públicas que possam acolher essas famílias, orientar os pais, auxiliá-los em suas dificuldades afetivas e sociais, para que busquem o desenvolvimento pessoal necessário a encarar as situações com maior equilíbrio. Os profissionais de Saúde Mental que acreditam na ideia de que a Guarda Compartilhada é a modalidade que melhor atende às necessidades da criança e aos interesses dos pais (especialmente os homens) que se interessam pelo acompanhamento dos filhos, estão convidados a discutir a operacionalização desses serviços de apoio às famílias. Assim, poderemos pensar concretamente na implantação da Guarda Compartilhada como prática costumeira nos tribunais e no próprio âmbito familiar, e não como uma medida excepcional, como infelizmente ainda ocorre nos dias atuais.


Então, mesmo naquelas situações em que nem a Mediação nem a Guarda Compartilhada são aplicáveis aos casos concretos, será necessária a indicação de psicoterapia familiar aos membros; mas isso não pode ser argumento, especialmente para os profissionais “psi”, para excluir essas famílias dos benefícios dessas práticas no futuro, ‘condenando-os’ às estigmatizações marginalizadas da destruição de relacionamentos e vínculos, como se fosse uma ‘sentença de morte’. O objetivo das ciências voltadas para a Saúde Mental é o desenvolvimento do ser humano, para sua inclusão social, e não como um instrumento de rotulação, exclusão, isolamento. Os profissionais sérios e éticos que se dedicam a isso devem aplicar recursos e técnicas (ou encaminhá-los a quem possua competência técnica para tal) para compreender a dinâmica familiar, auxiliar na elaboração dos conflitos, ajudar os indivíduos a se conscientizarem das dificuldades e modos de lidar com elas, orientá-los no que for preciso, enfim buscar o pleno desenvolvimento psíquico do ser humano – inclusive em nome do exercício da cidadania, obrigação de todos nós!


As mudanças estão aí, conclamando todos nós pais, filhos, profissionais, juristas, legisladores, instituições publicas e privadas a modificamos nossa postura, nossa mentalidade e nossas atitudes. Da mesma forma como a sociedade passou da arcaica estrutura patriarcal a um contexto mais participativo e igualitário, as políticas públicas, os projetos privados e as iniciativas (remuneradas ou não) terão que corresponder a essas novas demandas sociais. São importantes desafios, mas o resultado será a formação de novas gerações de crianças/adolescentes saudáveis, amadurecidos, compreensivos, tolerantes, íntegros, com vínculos afetivos e sociais fortalecidos! Pode-se desejar um lucro maior do que este?


 


Você sabe o que significa a palavra Família em inglês?

‘FAMILY’ = (F)ATHER (A)ND (M)OTHER (I) (L)OVE (Y)OU:

Pai e Mãe Eu Amo Vocês,


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Notas:

[1] A Lei nº 11.698/2008, que altera os artigos 1583 e 1584 do Código Civil de 2002, assim conceitua a Guarda Compartilhada:

LEI Nº 11.698, DE 13 DE JUNHO DE 2008

Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada.

Art. 1º Os arts. 1.583 e 1.584 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1º Compreende-se (…), por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

Para BRITO (2003), a Guarda Compartilhada refere-se ao entendimento de que devem-se respeitar as diferenças e individualidades do casal, como duas pessoas distintas, com histórias, pensamentos, sentimentos e ideias próprios. Portanto, não cabe mais o conceito de que a igualdade seja interpretada como ausência de diferenças, como alegam os defensores da necessidade de único referencial na vida da criança.

[2] Processo psicológico descrito por LAPLANCHE e PONTALIS (2001, p.226), no qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro.

[3] Processo psicológico descrito por LAPLANCHE e PONTALIS (2001, p.224, cit.), no qual o indivíduo eleva as qualidades e valor de um objeto à perfeição.

[4] Extraído de: Gardner, R.A. (1998). The Parental Alienação Syndrome (=A Síndrome de Alienação Parental), Segunda Edição, Cresskill, NJ: Creative Therapeutics, Inc. Disponível em <http://www.rgardner.com>)

Nota: Para conhecer outros conceitos, baseados em pesquisas de outros países e opiniões de eminentes profissionais, consulte o site da ONG SOS-Papai e Mamãe! União Nacional – site: <http://www.sos-papai.org>, bem como: PaiLegal – site: <http://www.pailegal.net> e APASE – site: <http://www.apase.org.br>, entre muitas outras associações de pais separados, que lutam pela equiparação parental responsável.

[5] A Síndrome de Alienação Parental está sendo recomendada para sua inclusão na próxima edição do DSM-V, sob o nome de Parental Alienation Disorder. Maiores informações podem ser encontradas no site:

<http://www.dsm5.org/ProposedRevisions/Pages/ConditionsProposedbyOutsideSources.aspx>.

[6] Texto extraído do documentário “A Morte Inventada” da Caraminhola Produções Ltda.  Site: <http://www.amorteinventada.com.br/>. Citado por XAXÁ, I.N. A Síndrome de Alienação Parental e o Poder Judiciário. 2008, 77 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Paulista (UNIP), 2008. Disponível em: <http://www.alienacaoparental.com.br>. Acesso em 2009.

[7] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 230, de 2010. Institui os Juizados Especiais de Família (em trâmite). Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em ago. 2010.

Informações Sobre o Autor

Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica – SP, Psicopedagoga, Espec. Educação Especial e LIBRAS, Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana (UNIFESP), Autora de livros e artigos de Psicologia Jurídica de Família


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Equipe Âmbito Jurídico

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