Este artigo busca traçar um esboço analítico acerca da viabilidade jurídica do contrato preliminar de doação, em razão dos fundamentos que orientam seus elementos jurídicos estruturais.
1. INTRODUÇÃO
A Ciência Jurídica desponta como uma das mais vastas áreas do conhecimento humano. Sua dinâmica, especialmente em tempos hodiernos é de uma intensidade tal, que os conceitos básicos que delineiam a infinidade de institutos e figuras que a compõe, constantemente se associam, se mesclam, se dissociam e se modificam, para formar novos institutos e novas figuras. Reputa-se necessário uma constante análise de tais fenômenos, no intuito de preservar a atualização do elenco conceitual e científico dos eventos jurídicos.
O exame alvitrado neste artigo converge-se para a investigação da validade ou eficácia jurídica da promessa de doação a partir do desmembramento abstrato do objeto central da indagação em elementos que possibilitem o fornecimento de estímulos responsivos.
Para tanto, propõe-se uma incursão pelas searas conceituais do princípio da exigibilidade contratual, do contrato preliminar ou promessa, do contrato de doação como fonte de obrigação principal, e, do animus donandi como elemento subjetivo deste último.
Com alicerce em tais conceitos, pretende-se formular uma série de questionamentos relativos ao cotejo dos elementos abordados, buscando-se, em seguida, no instrumental doutrinário e jurisprudencial, as opiniões formadas em relação ao objeto investigativo, de forma a possibilitar, como acabamento, a formação de um juízo de valor sobre o tema.
2. O PRINCÍPIO DA EXIGIBILIDADE CONTRATUAL
A teoria geral dos contratos é permeada por uma série de preceitos de ordem genérica, que atuam como norteadores fundamentais dos pactos, de maneira a promover um disciplinamento orgânico dos contratos quando corporificados em suas formas tipificadas. Dentre eles, destaca-se para a investigação ora proposta, o chamado Principio da Exigibilidade ou Princípio da Obrigatoriedade das Convenções. Trata-se de regra estrutural prevendo que em todos os contratos, as disposições estipuladas de comum acordo pela partes e tidas como aceitas por elas geram obrigação de cumprimento. Via de conseqüência, tais disposições devem ser satisfeitas, gerando um liame normativo de natureza privativa entre os contratantes; e, facultando à parte lesada pelo inadimplemento da outra, valer-se dos instrumentos judiciais para se ver reparada das conseqüências produzidas pelo descumprimento. É o princípio pacta sunt servanda.
A doutrina cuida de sua conceituação:
O princípio da força vinculante das convenções consagra a idéia de que o contrato, uma vez obedecidos os requisitos legais, torna-se obrigatório entre as partes, que dele não podem desligar senão por outra avença, em tal sentido. Isto é, o contrato vai constituir uma espécie de lei privada entre as partes, adquirindo força vinculante igual à do preceito legislativo, pois vem munido de uma sanção que decorre da norma legal, representada pela possibilidade de execução patrimonial do devedor. Pacta sunt servanda! (1)
O princípio justifica-se pela necessidade de segurança dos negócios jurídicos. Se fosse dada a qualquer das partes contratantes a liberdade de se desvincular unilateralmente de suas obrigações, sem qualquer conseqüência, ter-se-ia por óbvio, a sombra caótica da desordem jurídica projetada sobre toda a estrutura do Direito das Obrigações. O preceito complementa um outro princípio contratual: o da autonomia da vontade, segundo o qual ninguém é obrigado a contratar ou deixar de fazê-lo. Por dedução do cotejo de ambos os princípios, se alguém, tendo a liberdade de contratar em função da autonomia da vontade, resolve fazê-lo, fica obrigado a cumprir o que foi estipulado em razão do princípio da exigibilidade. É assim a reflexão do jurista:
A ordem jurídica oferece a cada um a possibilidade de contratar, e dá-lhe a liberdade de escolher os termos da avença, segundo as suas preferências. Concluída a convenção, recebe da ordem jurídica o condão de sujeitar, em definitivo, os agentes. Uma vez celebrado o contrato, com observância dos requisitos de validade, tem plena eficácia, no sentido de que se impõe a cada um dos participantes, que não têm mais a liberdade de se forrarem às suas conseqüências, a não ser com a cooperação anuente do outro.(2)
Nos dias atuais, mormente frente à tendência ideológica que embalou a Carta Constitucional de 1988 e que fez refletir seus valores dogmáticos na legislação ordinária posteriormente editada, inclusive no novo Código Civil, a orientação social procurou atenuar o caráter fortemente liberal que revestia esse princípio, dando lugar à teoria da imprevisão, simbolizada pela cláusula rebus sic standibus e pela ratificação das exceções do caso fortuito e da força maior. O abrandamento não teve, contudo, o condão de nulificar o princípio da exigibilidade contratual. Ele subsiste de forma incontestável pela lógica já apontada da preservação dos negócios jurídicos.
3. CONTRATO PRELIMINAR
A doutrina lança mão de vários termos para designar o contrato preliminar: compromisso, pré-contrato, antecontrato, contrato preparatório, promessa, dentre outros. A figura congrega o elenco classificatório dos contratos para estremá-lo do contrato definitivo, no tangente ao objeto do pacto. Neste, as partes assumem obrigações de forma peremptória e concludente, que vinculam seus contraentes ao cumprimento direto do que foi ajustado. Diferentemente, na promessa, a convenção ocorre em um plano prévio e preparatório em relação ao acordo definitivo. Portanto, o objeto da promessa é a celebração futura de um contrato definitivo previamente delineado pelos contratantes, denominados nesta modalidade de promitente e promissário. O prof. Caio Mário define a figura:
Daí poder-se conceituar o contrato preliminar como aquele por via do qual ambas as partes ou uma delas se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que será contrato principal.
Diferencia-se o contrato preliminar do principal pelo objeto, que no preliminar é a obrigação de concluir o outro contrato, enquanto que o do definitivo é uma prestação substancial.(3)
Atualmente é inquestionável a validade e possibilidade da celebração de promessa de contrato. Desde que contenha agentes, objeto e forma respaldados no mandamento legislativo, não existe qualquer obstáculo a que as partes interessadas optem pela celebração de uma convenção preparatória em lugar de ajustar um contrato definitivo. No direito pátrio, a questão pacificou-se por completo frente às disposições dos arts. 462 a 466 do Código Civil, que prevêem expressamente sua possibilidade.
O contrato preliminar tem hoje crucial importância prática nos negócios jurídicos. Seu uso é consagrado especialmente nas negociações imobiliárias, quando as partes, por qualquer motivo, encontram-se impossibilitadas de celebrar o contrato definitivo de imediato e lançam mão dos corriqueiros compromissos de compra e venda. Silvio Rodrigues aborda o assunto:
O motivo de sua enorme difusão na vida moderna se encontra na considerável utilidade prática que oferece, pois, não raro, convém às partes, a quem interessa um contrato, adiar sua efetivação, sem risco de perdê-lo. Ora, lançando mão do contrato preliminar, asseguram os contratantes a possibilidade de ultimar o negócio almejado, pois o ordenamento jurídico prestigia a convenção provisória, impondo o cumprimento da obrigação assumida. E, naturalmente, sanciona o inadimplemento desse ajuste.(4)
Característica peculiar da promessa de contrato é a possibilidade dada ao credor de promover sua execução direta. Essa peculiaridade, nos compromissos de compra e venda se consubstancia através do pedido de adjudicação compulsória, formulado pelo promissário comprador, que tendo cumprido sua obrigação no contrato preliminar, não obtêm do promitente vendedor a outorga do instrumento contratual definitivo de compra e venda. Por via dessa medida judicial é possível ao promissário comprador lesado obter declaração judicial substitutiva à declaração de vontade do pré-contratante que deixou de celebrar o contratou com o qual se comprometeu. O autor já referido trata da matéria:
Todavia, entre as obrigações de fazer, uma existe que é suscetível de execução direta, por não envolver qualquer violência à pessoa do devedor. É a obrigação de prestar declaração de vontade, ora em análise. O contraente que subscreve um contrato preliminar se compromete a, oportunamente, prestar uma declaração da vontade, por ocasião do contrato definitivo. E sua recusa em cumprir o prometido pode ser contornada pela declaração judicial, sem que isso implique qualquer constrangimento físico à sua liberdade individual.
Com efeito, a recusa do promitente vendedor, por exemplo, em outorgar a escritura definitiva de venda e compra do prédio prometido pode ser removida por sentença judicial que reconheça a obrigação de prestar tal declaração da vontade. E, se a lei assim o determinar, a decisão valerá como substitutivo da declaração faltante da vontade do devedor, para todas as conseqüências legais.
Aliás, essa solução se encontra na lei. Se o contrato preliminar tiver as condições de validade do definitivo, o juiz condenará o devedor a emitir a declaração da vontade, entendo-se que esta foi emitida desde que a sentença declaratória transite em julgado. Tal solução, que já se encontrava no Código de Processo Civil de 1939 (art. 1.006), hoje se encontra nos arts. 639 e 641 do Código de 1973.(5)
As disposições da legislação adjetiva mencionadas no fragmento doutrinário acima apontado encontram reflexo atualmente na lei substantiva, tendo em vista que o Código Civil em seus arts. 463 e 464 estabelece que o comprometimento de prestar declaração de vontade, expressado em sede de contrato de preliminar pode ser suprido por sentença judicial em caso de recusa de celebração do contrato definitivo.
4. CONTRATO DE DOAÇÃO
Muito já se debateu acerca do caráter contratual da doação. A influência romana se fez presente em diversas legislações civis, que a encaram como forma de aquisição da propriedade e não como contrato. Tal é a orientação do Código Civil Francês, dentre outros. Isso se deve principalmente à característica de unilateralidade impressa ao ato de doação, fazendo que algumas correntes do pensamento jurídico afastem dela a natureza contratual. Entretanto, o requisito da aceitação por parte do donatário, insere nessa modalidade de negócio jurídico o cunho de bilateralidade, içando-o ao elenco das convenções, sem contudo desfigurar sua feição de contrato unilateral. Esse é hoje o entendimento legislativo majoritário.
O Código Civil Brasileiro, seguindo a orientação dominante nas legislações alienígenas e repetindo a fórmula de seu antecessor, posicionou a doação no rol dos contratos em espécie. A conceituação do instituto se fez presente, inclusive, no art. 538: Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere de seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. De tal asserção, é possível extrair os caracteres jurídicos que, em regra, informam o conteúdo ontológico da doação: a-) É contrato gratuito, posto que gera benefício somente ao donatário que experimenta um acréscimo patrimonial, em detrimento do doador que sofre um decréscimo na mesma razão. b-) É contrato unilateral, uma vez que emana obrigações somente para o doador, objetivadas pela transferência de bens ou vantagens para o patrimônio do donatário, sem que ocorra uma contraprestação por parte deste. c-) É contrato formal, pois a lei determina forma escrita como regra para sua formalização, conforme se infere do art. 541 do Código Civil. d-) É contrato inter vivos, porque sua celebração se dá em vida dos contratantes, de forma distinta do testamento, que é negócio jurídico unilateral e só opera seus efeitos por ato causa mortis.
Fixado o conceitos e as características do contrato de doação, necessário se faz aludir a seus elementos constitutivos. A doação encerra um elemento subjetivo, caracterizado pelo animus donandi, que se consolida no ato de liberalidade, cujos contornos, dada a sua importância para a compreensão deste artigo serão minudenciados alhures. Simultaneamente, o contrato de doação traz ínsito em seu âmago um elemento objetivo, que se perfaz com o evento da diminuição patrimonial suportada pelo doador. Para seu delineamento, é importante salientar que na doação, deve haver o enriquecimento do donatário, na mesma medida em que ocorra o empobrecimento do doador, que se configura pela mutação patrimonial, ou seja, a transferência dos bens ou vantagens de um para outro patrimônio. Essa caracterização é de interesse crucial para firmar a tipologia conceitual da doação, apartando-a dos demais contratos, especialmente os de características gratuitas.
Diversas são as espécies de doação, valendo para a abordagem ora proposta, a menção das três mais comuns. A boa doutrina de Carlos Roberto Gonçalves cuida das definições, fornecendo ilustrações:
a) Pura e simples ou típica (vera et absoluta) – Quando o doador não impõe nenhuma restrição ou encargo ao beneficiário, nem subordina a sua eficácia a qualquer condição. O ato constitui uma liberalidade plena.
b) Onerosa, modal, com encargo ou gravada (donatione sub modo) – Aquela em que o doador impõe ao donatário uma incumbência ou dever. Assim, há doação onerosa, por exemplo, quando o autor da liberalidade sujeita o município donatário a construir uma creche ou escola na área urbana doada. O encargo (representado, em geral, pela locução com a obrigação de) não suspende a aquisição nem o exercício do direito (CC, art. 136), diferentemente da condição suspensiva (identificada pela partícula se), que subordina o efeito da liberalidade a evento futuro e incerto (art. 121). Enquanto este se não verificar, o donatário não adquirirá o direito. (…)
c) Remuneratória – É feita em retribuição a serviços prestados, cujo pagamento não pode ser exigido pelo donatário. É o caso, por exemplo, do cliente que paga serviços prestados por seu médico, mas quando a ação de cobrança já estava prescrita; e, ainda, do que faz uma doação a quem lhe salvou a vida ou lhe deu apoio em momento de dificuldade. Se a dívida era exigível, a retribuição chama-se pagamento, ou dação em pagamento se ocorrer a substituição da coisa devida por outra; se não era, denomina-se doação remuneratória.(6)
Cumpre ressaltar que tanto a doação modal, quanto a remuneratória não perdem o caráter de liberalidade essencial ao contrato em foco, pois o propósito liberal do doador não é maculado pela imposição com encargo ou pelo seu desejo de recompensar o donatário. Silvio Rodrigues elucida a situação:
A lei declara que tanto a doação remuneratória como a gravada não perdem o caráter de liberalidade, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou do encargo imposto (CC, art. 540). De modo que se a doação foi remuneratória, mas o valor do benefício excedeu ao do serviço prestado, é ela negócio oneroso até o montante do valor do serviço, e liberalidade no excedente. Se a doação for com encargo, será negócio oneroso até o valor do encargo, e liberalidade no que exceder.(7)
Nesse ponto, há mister em esclarecer que, como sugere o título do artigo, a análise da eficácia ou ineficácia do contrato preliminar de doação será enfocada com maior ênfase em relação à sua modalidade pura e simples, visto que as outras espécies de doação inserem elementos (encargo, condição ou remuneração) em sua tipificação castiça, que, apesar de não se constituírem uma contra-prestação em seu sentido técnico, acabam por carrear ao donatário alguma espécie de ônus ou gratificá-lo de alguma forma. Tais fatos acabam por macular a característica de unilateralidade inata a essa espécie de contrato. O fato, inclusive, é mencionado pelos doutrinadores, conforme será constatado mais à frente.
5. ANIMUS DONANDI
Conforme já foi aludido, a caracterização do contrato de doação tem como pressuposto a ocorrência do animus donandi, ou seja, o caráter de liberalidade provindo da índole de generosidade que emana da vontade do doador no momento do ato de doação. Tal propósito, como dito, configura o elemento subjetivo da doação e deve estar despido de qualquer preocupação por parte do autor da liberalidade, em ver seu patrimônio reintegrado através de uma contra-prestação por parte do donatário. É importante reiterar que mesmo nas doações onerosas, encontra-se presente o caráter de liberalidade, pois o encargo imposto representa um modus, que não se presta a recompor o patrimônio do doador, não se confundindo, portanto com uma contra-prestação.
Os juristas promovem interessante enfoque sobre a ocorrência do animus donandi:
A liberalidade ou animus donandi é elemento essencial para a configuração da doação, tendo o significado de ação desinteressada de dar a outrem, sem estar obrigado, parte do próprio patrimônio. No direito italiano alude-se a “espírito de liberalidade”, o qual não se aperfeiçoa apenas com a atribuição patrimonial sem contraprestação, mas com a existência, no agente, da intenção de doar pela consciência de conferir a outrem uma vantagem patrimonial sem ser obrigado (liberalitas nullo iure cogente in accipientem facta).(8)
O selo que distingue a doação de qualquer outro contrato, consiste no ato de liberalidade praticado pelo doador. É o animus donandi, elemento subjetivo da doação, ao lado da aceitação pelo donatário. O seu propósito é o de beneficiar o donatário. Não significa, todavia, que no recôndito da consciência o doador aja com desprendimento. O fundamental é que a vontade declarada seja reveladora da intenção de transferir parte do patrimônio para o acervo de bens do beneficiário. O ato há de ser espontâneo, desprovido de obrigatoriedade. O desejo de compensar o beneficiário por fatos pretéritos não exclui o animus donandi, nem desnatura a doação. Fundamental é não se confundir as motivações psicológicas com a declaração consciente de vontade. Esta é que define o animus donandi. Embora haja outros tipos contratuais gratuitos, somente na doação a liberalidade se faz presente, como enfatiza Clóvis Beviláqua: “O que caracteriza a doação é o animus donandi: Há outros contratos, como ela, gratuitos, mas em nenhum outro se observa a intenção de praticar um ato de liberalidade, ou gratificação espontânea.”(9)
Completa-se com o elemento subjetivo: o animus donandi. Indispensável à caracterização da doação é, com efeito, a intenção de praticar um ato de liberalidade. O doador deve ter a vontade de enriquecer o donatário, a expensas próprias. Se lhe falta esse propósito, o contrato não será de doação. É o animus donandi que o caracteriza. Não basta a gratuidade. Traço decisivo da doação é a liberalidade, a vontade desinteressada de fazer benefício a alguém, empobrecendo-se ao proporcionar à outra parte uma aquisição lucrativa causa. A intenção liberal concretiza-se, em suma, no intuito de enriquecer o beneficiário.(10)
É de se denotar, portanto, a nuclear essencialidade que representa o animus donandi para a caracterização do contrato de doação. A transferência de bens ou vantagens do patrimônio do doador para o do donatário deve estar emaçada pela disposição resoluta por parte do doador em praticar um ato de liberalidade, desprovido de teor coercitivo, provindo de sua livre deliberação.
6. QUESTIONAMENTOS ACERCA DA EFICÁCIA JURÍDICA DA PROMESSA DE DOAÇÃO
Foram enfocados em apertada síntese, os contornos conceituais do princípio da exigibilidade, da promessa ou contrato preliminar e do contrato de doação, destacando-se seu elemento subjetivo: o animus donandi. Coligindo tais conceitos, emerge o questionamento que orienta o escopo da presente investigação: A promessa ou contrato preliminar de doação tem eficácia jurídica?
Em análise apriorística, infere-se que não há óbice na sua viabilidade, posto que nada impede uma pessoa, na qualidade de promitente doador, celebrar com outra, na posição de promissário donatário uma promessa (contrato preliminar), no qual as partes se comprometam a estipular, no futuro, um contrato de doação (contrato principal).
O argumento esbarra, no entanto, na peculiaridade emanada pela intenção de praticar a liberalidade (animus donandi) requisitada do doador para a configuração inequívoca do contrato de doação. No momento da celebração do contrato preliminar de doação, o doador estará, por óbvio, imbuído da intenção de efetivar uma doação futura. Porém, surge a indagação: e se ao tempo da celebração do contrato principal de doação, não houver mais por parte do doador, a livre determinação de efetivar o ato de liberalidade?
Reportando-se ao princípio da exigibilidade que disciplina o universo contratual, ficou claro que os contratos possuem força vinculante, gerando uma espécie de norma privada entre as partes. O Estado dá respaldo às convenções, garantindo à parte lesada pelo descumprimento das disposições contratuais, o exercício judicial de seus direitos; ou, nas palavras de Caio Mário:
Toda convenção é modernamente dotada de força vinculante e mune o credor de ação para perseguir em juízo a prestação em espécie ou em equivalente.(11)
Na mesma linha é o magistério de Silvio Rodrigues, ao aludir que as convenções privadas criam reflexos no contexto social, vez que o contrato é, por excelência, instrumento de circulação de riquezas e objeto de segurança econômica, sendo seu cumprimento, por via de conseqüência, tutelado pelo Estado:
Aquele que, por livre manifestação da vontade, promete dar, fazer ou não fazer qualquer coisa, cria uma expectativa no meio social, que a ordem jurídica deve garantir. O propósito de se obrigar, envolvendo uma espontânea restrição da liberalidade individual, provoca conseqüências que afetam o equilíbrio da sociedade. Por conseguinte, a ordenação jurídica, na defesa da harmonia das relações inter-humanas, cria elementos compulsórios do adimplemento.(12)
O que ocorre então quando essa força coercitiva provinda do princípio da exigibilidade contratual é confrontada com a espontaneidade decorrente do animus donandi, que é imprescindível à formação do contrato de doação? Aquele que, por meio de uma promessa de doação se compromete a doar futuramente, ficará obrigado a implementar o ato de liberalidade mesmo que sua vontade futura se modifique? É possível coagir alguém a dispor de parte de seu patrimônio contra sua vontade, com base em uma promessa pretérita de realizar de um ato de liberalidade?
Tais reflexões promoveram profundas e interessantes dissensões entre os doutrinadores, cujas opiniões serão vistas na seqüência.
7. POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO
A divergência é a tônica quando se trata da percepção doutrinária no tocante à eficácia do contrato preliminar de doação, frente aos questionamentos acima levantados. A discrepância de opiniões manifesta-se justamente em razão da disparidade de orientações hermenêuticas aplicadas pelos juristas, na concepção dos elementos aqui arrolados. Venosa chama a atenção para a diversidade de posições, apontando suas teses:
Persiste a polêmica acerca da possibilidade da promessa de doação. Dividem-se a doutrina e a jurisprudência. Pela promessa de doar, o doador compromete-se a praticar uma liberalidade em benefício do compromissário donatário ou de terceiro. Admitida sua validade e eficácia, dentro dos princípios gerais dos contratos preliminares, investe-se o beneficiário no direito de exigir o cumprimento do prometido.
A dúvida maior reside na possibilidade de alguém comprometer sua vontade para uma liberalidade. Para os que defendem sua impossibilidade, não há como se admitir uma doação coativa, porque, na impossibilidade da execução em espécie, de acordo com a regra geral, a obrigação será substituída por perdas e danos, o que não se amolda à gratuidade inerente à doação. Entre nossos doutrinadores, despontam como contrários à promessa de doar, Caio Mário da Silva Pereira e Miguel de Serpa Lopes. Forte corrente jurisprudencial os secunda.
No entanto, existem também argumentos ponderáveis em sentido contrário. Com o peso de sua autoridade, Pontes de Miranda, admite que, se houve pacto “de donando”, e não doação, o outorgante não doa, isto é, não conclui o contrato de doação, contrato unilateral, tem o outorgado a pretensão ao cumprimento. Para exercê-lo judicialmente, ou propõe ação condenatória, ou ação de preceito cominatório. Caso torne impossível a entrega da coisa, por culpa do promitente doador, o outorgado tem ação de indenização por inadimplemento. Destarte, admitida a teoria do pré-contrato no ordenamento para os pactos em geral, não existe, em tese, obstáculo para a promessa de doar. Não é suficientemente convincente o argumento em contrário, afirmando que, se o doador pretende fazer liberalidade, que o faça logo e não em momento posterior.(13)
O mesmo autor, na seqüência, assenta seu posicionamento, justificando que a validade da doação já nasce no momento da promessa:
Não admitir exigibilidade nessa promessa é criar entrave embaraçoso para os outorgados e para terceiros. Em suma, a promessa de contratar doação, a nosso entender, deve ser admitida quando emanar de vontade límpida e sem vícios e seu desfecho não ofender qualquer princípio jurídico.(14)
Washington de Barros Monteiro partilha do entendimento, defendendo a validade e eficácia da promessa de doação, recorrendo, inclusive, a dispositivo do direito civil alemão:
Inexiste, porém, razão para excluir tal promessa, cuja possibilidade jurídica é expressamente admitida pelo direito alemão (BGB, art. 2.301). Ela não contraria qualquer princípio de ordem pública e dispositivo algum a proíbe.(15)
A retrocessão da manifestação da vontade do doador ao tempo da promessa é também o fundamento doutrinário de Paulo Nader ao defender a possibilidade do contrato preliminar de doação. O autor argumenta que a doação manifesta-se como conseqüência jurídica do compromisso anteriormente firmado, pouco importando se o ânimo volitivo do doador se modificou à época da celebração do contrato principal. O jurista se socorre também do Direito Comparado:
Penso que a espontaneidade deve estar presente no pactum de contrahendo, qualquer que seja a modalidade contratual. É naquele momento que as partes se vinculam jurídica e moralmente. O contrato definitivo é mera decorrência do ajuste anterior e não importa se a declaração de vontade não coincida com a razão íntima das partes no momento e seja uma conseqüência da pressão do contrato anterior. (…) Destaque-se que o Código Civil alemão, por disposições expressas, admite o contrato preliminar de doação, ex vi dos artigos 518, 523 e 2.301.(16)
Na contra-mão desses entendimentos, existe a corrente que defende a ineficácia do contrato preliminar de doação. Seus fundamentos repousam essencialmente em dois pontos: na característica particular que envolve o animus donandi, ou seja, a deliberação que grassa do espírito do doador, e que deve ser manifestada no momento em que pratica a liberalidade; e ainda, na inviabilidade de se imprimir vigor coercitivo em um ajuste que envolve a manifestação futura desse mesmo animus donandi.
Orlando Gomes, após referir-se à promessa de doação homologada em juízo, cujos contornos ainda serão mencionados, conclui pela impossibilidade da convenção, visto que sempre restará ao doador a possibilidade de arrependimento:
Fora, porém, desses casos em que a promessa de doação se insere como cláusula de negócio jurídico bilateral homologado em juízo, a regra prevalece sendo a de que tal promessa configura “ato de liberalidade que não comporta execução forçada”, tornando sempre possível “o arrependimento ou revogação do ato”.(17)
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o prof. Sílvio Rodrigues ataca a eficácia da promessa de doação, ressaltando que o aspecto temporal do ânimo é imprescindível para caracterizar o contrato de doação. Segundo o autor, que se estriba no magistério do grande Agostinho Alvim, a atualidade na manifestação do animus donandi, é conditio sine qua non à caracterização de um contrato com tal tipificação:
Acima afirmei que todo contrato pode ser precedido de um contrato preliminar, que vincula os contratantes a, tempestivamente, firmarem um contrato definitivo. Ora, embora a doação, entre nós, seja capitulada como um contrato, tal asserção não é verdadeira em relação a ela, pois a promessa de doação, quando pura, não é vinculativa, uma vez que até a formalização é lícito o arrependimento do promitente doador. Ou, como diz Agostinho Alvim, “A natureza do negócio de doação é incompatível com seu aperfeiçoamento sem o animo donandi atual.
Em igual sentido se encontram as opiniões dos escritores, e para ficar só com a prata da casa lembro os nomes conspícuos de Serpa Lopes e Caio Mário da Silva Pereira, afirmando este último, que a doação pura não pode ser objeto de contrato preliminar.(18)
O mestre Caio Mário da Silva Pereira encara frontalmente o tema, e, em elocução cristalina justifica seu posicionamento contrário à validade da promessa de doação, por carecer o contrato da exigibilidade que tolda qualquer vínculo contratual:
Tem a doutrina debatido se a doação pode ser objeto de contrato preliminar, pactum de donando. E a solução doutrinária tem sido infeliz, por falta de uma distinção essencial entre doação pura e a doação gravada de encargo. Partindo da primeira, especifica-se a pergunta: Pode alguém obrigar-se a realizar uma doação pura? Formalmente, sim, porque, tendo o contrato preliminar por objeto um outro contrato, futuro e definitivo, este novo contrahere poderia ser a doação, como qualquer outra espécie. Atendendo a este aspecto apenas, não falta bom apoio à resposta afirmativa, quer dos Códigos, quer dos doutores. Acontece que se não pode deixar de encarar o problema sob o aspecto ontológico, e, assim considerado, a solução negativa impõe-se. É da própria essência da promessa de contratar a criação de compromisso dotado de exigibilidade. O promitente obriga-se. O promissário adquire a faculdade de reclamar-lhe a execução. Sendo assim, o mecanismo natural dos efeitos do pré-contrato levaria a esta conclusão: se o promitente-doador recusasse a prestação, o promitente donatário teria ação para exigi-la, e, então, ter-se-ia uma doação coativa, doação por determinação da Justiça, liberalidade por imposição do juiz e ao arrepio da vontade do doador. No caso da prestação em espécie já não ser possível haveria a sua conversão em perdas e danos, e o beneficiado lograria reparação judicial, por não ter o benfeitor querido efetivar o benefício. Nada disto se coaduna com a essência da doação, e, conseguintemente, a doação pura não pode ser objeto de contrato preliminar.(19)
Em exploração sobre o tema, Serpa Lopes opina igualmente pela impossibilidade do contrato preparatório de doação, trazendo à baila opiniões de juristas estrangeiros:
É questão discutível a da possibilidade de doação poder ser objeto de um contrato preliminar, isto é, a promessa de doação. Já vimos o que representa estruturalmente um contrato preliminar. Trata-se de um contrato cujo objetivo é um contrahere futuro. A doação, porém, conforme vimos, é um contrato de natureza gratuita o que torna inadmissível poder constituir-se em objeto de uma promessa de contrato. Na verdade, se alguém se comprometesse a doar, a outorgar uma escritura de doação, e no momento da exigibilidade não a quisesse realizar. Qual a conseqüência jurídica desse inadimplemento? Poder-se-ia pedir a execução coativa dessa obrigação a título gratuito ou uma indenização por perdas e danos? Entendemos impossível qualquer das duas soluções já que, nos atos a título gratuito, só por dolo responde aquele a quem o contrato não favoreceu (Cód. Civ. art. 1.057). Foi o que decidiu a Quarta Câmara do Trib. de Justiça do D. Federal (Ac. de 11.12.1952 in Diário da Justiça, de 15.4.52, pág. 1.933). Tal igualmente é a orientação seguida pela doutrina. DANTE CAPORIALI sustenta essa impossibilidade, atente ser a doação um ato espontâneo, em razão do que se torna incompatível com qualquer medida compulsória tendente a uma execução in natura. Além disso, acentua CAPORALI, mesmo que a promessa de doação se revestisse de todos os requisitos formais da doação, ainda assim não poderia ter qualquer eficiência, já que lhe faltaria a atualidade do destaque da coisa do patrimônio do promitente-doador, o que, entretanto, não impede que se possa assumir a obrigação de pagar um débito. Incisiva igualmente é a lição de GABBA, ao sustentar que a doação é o único contrato unilateral consensual insuscetível de constituir objeto de uma promessa bilateral de contratar, o que, acrescenta, não encontra contradição nem mesmo no direito romano, pois que a promissio dotis se apresenta naquele direito como uma verdadeira constituição de dote, do mesmo modo que a prestação da coisa prometida em dote não passa de uma execução da doação dotal já perfeita.(20)
Cunha Gonçalves vai mais longe, asseverando que em sede de qualquer contrato gratuito, não é exigível o cumprimento de pré-contrato, porque tal modalidade é ente reservado aos contratos onerosos, onde há ocorrência de prestações bilaterais:
Não é possível, ou não tem valor algum, portanto, uma promessa de doar. A doação, ou existe, ou não existe. Sendo um favor, ela não pode ser exigida, sob pena de indenização de perdas e danos: teríamos, assim, uma doação forçada; e um benefício não se impõe. Faltaria à doação o seu caráter de espontaneidade, nullo jure cogente. O doador, não fazendo a doação prometida, poderá causar decepção ao pretenso donatário; mas não comete acto ilícito. As promessas só são exigíveis nos contratos a título oneroso, que são negócios jurídicos, com prestações recíprocas.(21)
Autores estrangeiros discorrem também sobre a matéria. Na Alemanha, impera a pacificidade sobre a matéria, pois, como já foi relatado anteriormente, a legislação civil daquele país admite expressamente a celebração do contrato de promessa de doação, imputando ao mesmo, por conseguinte a força de exigibilidade. Na doutrina italiana, Cosimo Sasso, refere-se às posições contrárias à sua validade:
Il contratto preliminare di donazione era considerato inammissible sotto l’impero del codice abrogato, giacché esso veniva a togliere il carattere di liberalità “spontanea” della donazione, cui faceva espresso riferimento l’art. 1050 C.C. Anche attualmente buona parte della dottrina sostiene che um contratto preliminare di donazione costituirebbe um attentato alla spontaneità e alla liberalità della donazzione, mentre la volontá del donante verrebbe coatta prima che egli effettivamente doni.(22)
Conforme já foi salientado, o foco deste artigo se prende à análise da promessa de doação pura, uma vez que parece haver unanimidade com relação à eficácia do contrato preliminar, quando a doação envolve intuito remuneratório ou se ache atrelada a algum vínculo de natureza modal. A intenção remuneratória ou o encargo, apesar de não constituírem, como visto, uma contra-prestação por parte do donatário, no sentido contratual do termo, acaba por munir o doador de mecanismos para constranger o donatário ao seu cumprimento. O bom senso jurídico, nestes casos, conduz à conclusão de reciprocidade. Nessa particularidade, a doutrina é pacífica:
A mesma argumentação improcede no que tange à doação modal porque o encargo imposto ao donatário estabelece um dever exigível do doador, legitimando aquele a reclamar o cumprimento da liberalidade que o causou, e, portanto, neste campo restrito, é jurídica e moralmente defensável e promessa de doar.(23)
Vali-me da transcrição de Caio Mário porque na frase citada ele adstringe sua afirmação às doações puras. É claro que se a doação é remuneratória, ela paga um serviço ou um favor, e nesse caso o caráter de liberalidade não se caracteriza.(24)
Outra situação peculiar em que se observa o consenso doutrinário envolve a promessa de doação formulada e homologada em juízo, especialmente em processos de separação judicial e divórcio, em que o casal se compromete a efetivar a doação de parte do patrimônio aos filhos. Tais estipulações são muito comuns na prática e a doutrina faz menção a elas, deduzindo, de maneira uniforme, pela exigibilidade da celebração do contrato definitivo, estando a jurisprudência em sintonia com a noção doutrinária:
Esta corrente admite promessa de doação entre cônjuges, celebrada em separação judicial consensual, e em favor de filhos do casal, cujo cumprimento, em caso de inadimplemento, pode ser exigido com base no art. 639 do Código de Processo Civil.(25)
Pode ela ser formulada, por exemplo, pelos cônjuges, em processo de separação consensual, em benefício dos filhos do casal, executando-se posteriormente a relação jurídica, em caso de inadimplemento, em conformidade com o art. 639 do novo Código de Processo Civil.(26)
A jurisprudência tem atribuído eficácia, no entanto, à promessa de doação efetivada por cônjuges no acordo de separação judicial ou divórcio em favor dos filhos. Nestes casos tem sido admitida a adjudicação compulsória dos bens objeto de promessa de doação aos filhos, mesmo que o cônjuge proprietário dos bens se recuse a concretizá-la.(27)
No entanto, quando se trata de promessa de doação, feita em acordo de separação judicial em favor dos filhos do casal, há várias decisões que reconhecem sua validade. O próprio STF já decidiu, a propósito do tema, que “promessa de doação aos filhos do casal, inserida em acordo de separação judicial, já ratificada, não pode ser unilateralmente retratada por um dos cônjuges” (RE 109.097-9/RS Rel. Min. Octávio Gallotti, ac. de 09.09.86. in Rev. Amagis, 11/490). Outros tribunais também têm proclamado que “é válida, e plenamente exigível, a promessa de doação de bens imóveis em favor dos filhos, acordada pelos progenitores quando da separação consensual” (TJRS, Ap. 584.032.99-9, Rel. Des. Athos Gusmão Carneiro, ac. de 06.08.85, in RF, 301/171). No mesmo sentido: TJMG, Ap. 72.631, Rel. Des. Lincoln Rocha, ac. de 29.09.87, DJMG, 18.12.87.(28)
8. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL
No tangente à promessa de doação pura enfocada neste artigo, a tendência jurisprudencial não tem revelado grandes dissensos. O entendimento dominante navega no sentido de não admitir a validade jurídica deste tipo de ajuste. Alguns arrimos jurisprudenciais dão conta desta tendência:
Doação – Promessa de doação – Discussão do tema, predominante na doutrina brasileira a da inexistência da promessa de doação, acolhida na jurisprudência da Corte. Precedentes. Recurso Extraordinário conhecido e provido. (STF, RE 105.862-5/PE, Rel. Min. Oscar Corrêa, ac. de 30.8.85, in RT, 602/269)
Desapropriação indireta. Ação de indenização. Promessa de doação – Imóvel expropriado indiretamente pela administração pública. Carência da ação indenizatória decretada pelo Acórdão recorrido com fundamento em anterior promessa de doação ajustada em documento particular. Orientação que contradiz o dogma fundamental, em matéria de doação, acolhido num dos acórdãos indicados como paradigma: a persistência do animus donandi, sendo sempre possível o arrependimento ou a revogação da promessa. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF, RE 94.278/SP, Rel. Min. Soares Muñoz, ac. de 19.5.81, in RTJ 103/327)
Doação – Promessa – Requisito – Atualidade da vontade de doar – Possibilidade de revogação do ato a qualquer tempo desde que antes de sua consumação – Natureza jurídica de liberalidade, não cabendo qualquer enquadramento como obrigação de fazer – Promessa contratual, ademais, que é exigível somente nos contratos a título oneroso – Decisão mantida – Embargos rejeitados (TJSP – 4.2.93 – Rel. Soares Muñoz)
Doação – Promessa – Ato de liberalidade que não comporta execução forçada diante do arrependimento da revogação – Encargos rejeitados – Voto vencido – Não tem valor algum uma promessa de doar. A doação, ou existe, ou não existe. Sendo um favor, ela não pode ser exigida, sob pena de indenização de perdas e danos: teríamos, assim, uma doação forçada; e um benefício não se impõe. Faltaria à doação o seu caráter de espontaneidade, nullo jure cogente. (TJSP – Embargos Infringentes 165.298-1 – Rel. Soares Muñoz – 4.2.93)
Doação – Promessa – Inexigibilidade – A promessa de doação não é suscetível de ser exigida, uma vez que ninguém pode ser compelido a doar, o que retiraria do ato o seu caráter de espontaneidade. (2º TACSP – Apelação Cível c/ Ver. 19.265 – 1ª Câmara – Rel. Juiz Renato Sartorelli – 7.11.94)
Contrato – Promessa de doação – Impossibilidade da doação ser objeto de contrato preliminar por ter natureza gratuita – Hipótese em que o inadimplemento, fruto de uma eventual recusa, descabe pedir-lhe a execução coativa – Incompatibilidade, ademais, de qualquer medida compulsória tendente a uma execução in natura, por ser a doação um ato espontâneo – Recurso desprovido (1º TACSP – Ap. 0922695-1, 25.3.2003, 7ª Câmara – Rel. Ariovaldo Santini Teodoro)
Obrigação de fazer – Promessa de doação – Ausência de obrigatoriedade – Embora a lei civil brasileira seja omissa, tem-se por inadmissível a promessa de doação pura, pois retiraria o caráter de espontaneidade que esta espécie de contrato exige – Uma declaração prometendo doar deve ser tida como convite para a liberalidade, sem força cogente para seu signatário. (TAMG – Ap. Cív. 276.620-1 – Rel. Juiz Caetano Levi Lopes – j. 13.4.99 – publ. DJ 2/6/99)
CONCLUSÃO
Conforme já ficou registrado, este artigo tem o como móvel a análise da eficácia do contrato preliminar de doação em sua modalidade pura. Não existe qualquer sombra de presunção em firmar uma opinião incontroversa sobre o tema, posto que os próprios doutrinadores não formaram um consenso a respeito da matéria. A análise proposta está, na realidade, mais ligada ao deleite investigativo que instiga a índole de seu autor do que propriamente a qualquer ambição concludente. No entanto, a guisa de inferência despretensiosa, arrisca-se, no ensejo deste remate, a estratificar o modesto entendimento sobre o que foi examinado.
A presente composição promoveu a separação das peças componentes do alvo da investigação, qual seja, o contrato preliminar ou promessa de doação. Foram analisados os caracteres principais de cada um desses elementos constitutivos: o princípio da exigibilidade, o contrato preliminar, o contrato de doação e o animus donandi. No entanto, ao tentar se promover a “remontagem” do aparato jurídico, a percepção que se tem é de que as peças não se “encaixam”. O exercício de abstração leva, forçosamente a essa conclusão.
A doação, cuja existência se perde na noite dos tempos e que, segundo alguns autores é o mais antigo dos contratos, possui características que apartam sua realidade de qualquer outro tipo de convenção. A doação é ato de benemerência, de amparo ao próximo, sendo geralmente estabelecida entre pessoas ligadas por algum vínculo afetivo. Justamente em razão disso, sua caracterização deve estar impregnada de espontaneidade, possibilitando que a deliberação de doar derive da livre intenção de conceder, sem que haja coação de direito: Donari videtur quod nullo jure cogente concedittur. Destila-se daí, o já repisado conceito do animus donandi.
Com efeito, conforme já foi narrado, para que haja doação é preciso que a determinação de efetivar o ato de liberalidade seja expressada pelo doador como uma atitude sincera, de determinação livre, mesmo que por detrás dela se escondam sentimentos de vaidade ou promoção pessoal. Destarte, a falta do propósito constituído pelo animus donandi inviabiliza a caracterização da doação. Decorre daí, que é estritamente necessária a atualidade de tal expressão, pois do contrário estar-se-ia frente a uma manifestação de vontade viciada. Se não há espontaneidade no ato de doar no momento da celebração do contrato definitivo, não pode ocorrer tal contrato. A existência pretérita de um contrato preliminar de doação é despicienda, quando o doador no momento do ajuste definitivo já não possui mais a disposição resoluta de doar que possuía quando da celebração do contrato preparatório. Insista-se: o aspecto temporal envolvendo a atualidade e efetividade do animus donandi no ensejo do trato definitivo de doação é de valor basilar para evidenciar sua existência.
Outrossim, é verdadeira a afirmação de que o princípio da exigibilidade é incompatível com o compromisso de doação. É impossível harmonizar obrigatoriedade com espontaneidade. O arrimo doutrinário de Caio Mário da Silva Pereira que foi transcrito acima, informa, com excepcional coerência, a decorrência lógica de um eventual acatamento de validade da promessa de doação: a recusa do promitente doador em celebrar o contrato definitivo de doação municiaria o promissário donatário com uma série de medidas judiciais contra promitente doador. Neste caso, o promitente doador arrependido poderia ser demandado em juízo para cumprir a obrigação de doar, ou ainda, responder por perdas e danos, caso não mais tivesse condições de implementar a obrigação. Estaria então configurada uma doação compulsória, o que, além de absurda a qualquer senso crítico, é totalmente desarmônica com o âmago conceitual do contrato de doação e de seu elemento subjetivo. É inconcebível submeter alguém a uma medida compulsória ou impor-lhe uma modalidade de pena civil porque prometeu doar e depois se arrependeu.
Deriva desse raciocínio que o princípio da exigibilidade, que supre os contratos de uma maneira geral, de força vinculante e induz obrigação de cumprimento não coaduna com o caráter de liberalidade que chancela o contrato de doação. Logo, toda promessa de doação pura padece de defeito congênito de inexigibilidade; e, um contrato despido de exigibilidade não gera obrigação; e, não gerando obrigação, não é contrato!
Conclui-se, portanto, pela ineficácia da promessa ou contrato preliminar de doação, quando ajustada em sua modalidade pura, por absoluta escassez de exigibilidade; ressalvados, no entanto, os casos em que o ato de liberalidade prometido tenha como liame um impulso remuneratório ou imposição de gravame modal, ou ainda, quando derive de acordo homologado em juízo.
Bacharel em Direito pela FADIVA.
Especialista em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.
Tabelião do Serviço Notarial do 1º Ofício da Comarca de Machado-MG.
Professor de Direito Civil do Curso de Graduação em Direito do IMES-FUMESC.
Professor Orientador do Curso de Especialização em Direito Registral Imobiliário da PUC MINAS.
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