Atualmente, tem-se observado no meio jurídico diversos artigos e debates quanto à constitucionalidade e, consequentemente, à validade da Lei n.º 10.833/03, a qual, oriunda da Medida Provisória n.º 135, de 30 de outubro de 2003, deu novos contornos à Cofins, sob o pretexto de extinguir a cumulatividade da referida contribuição social, mas, contudo, em determinados casos, aumentou a alíquota de 3,0% para 7,6%.
Ao analisar minuciosamente a Lei n.º 10.833/03, que se revela como um minipacote ou, podemos até mesmo dizer, ensaio de reforma tributária pretendida pelo Governo Federal, verifica-se, de plano, flagrante ofensa ao princípio da isonomia, assim como a outros princípios constitucionais, razão pela qual a referida Lei merece severas críticas.
A Cofins – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – tem sua origem em 1982 com o denominado Finsocial, sendo posteriormente instituída por meio da Lei Complementar n.º 70, de 30.12.1991, com o escopo de compensar o déficit da Previdência Social.
Modernamente, como se observa da Carta Magna, a arrecadação da contribuição tem a função de cobrir os custos de manutenção dos serviços relacionados à previdência, à saúde e à assistência social dos brasileiros. Todavia, o aumento desproporcional da alíquota do referido tributo o transforma em fonte de receita para os cofres públicos, superando o próprio nível da arrecadação, sem grande esforços.[1]
Não obstante o acima exposto, faz-se oportuno discorrer acerca do princípio da isonomia, a fim de melhor abordar a questão e aprofundá-la.
O princípio da isonomia pode ser conceituado como aquele que determina que todos devem receber o mesmo tratamento por parte da lei, sendo proibidas as discriminações carentes de bom senso e arbitrárias.
Com muita propriedade, o renomado tributarista Hugo de Brito Machado assim ensina: “a isonomia, ou igualdade de todos na lei e perante a lei, é um princípio universal de justiça. Na verdade, um estudo profundo do assunto nos levará certamente à conclusão de que o isonômico é o justo.”[2]
Cumpre salientar que, na seara tributária, o princípio constitucional da isonomia está inserido no inciso II do artigo 150 da Constituição da República, como forma de limitar o poder de tributar do Estado. O princípio da isonomia é o reflexo, no mundo tributário, do princípio geral da igualdade.
Aristóteles, citado por José Afonso da Silva, já consignava que “toda democracia se funda no direito de igualdade, e tanto mais pronunciada será a democracia quanto mais se avança na igualdade”[3]
Nesta esteira, podemos dizer que ocorre a inconstitucionalidade quando o legislador não atende aos limites formais e/ou materiais determinados pelo constituinte, sendo que as normas que ultrapassam tais limites são reputadas “nulas, inaplicáveis, sem validade, inconsistentes com a ordem jurídica estabelecida”[4], razão pela qual nos é permitido afirmar que aquilo que fere um princípio constitucional, como o da isonomia, é uma norma inválida.
No que se refere especificamente à Cofins propriamente dita, embora o enfoque deste trabalho não seja este, vale esclarecer que a Lei n.º 10.833/03, em sua condição de lei ordinária, invade competência reservada à lei complementar, conforme disposto no artigo 146, inciso II, da Constituição Federal, sendo que não podemos deixar de observar que a referida contribuição foi criada por lei complementar, o que, via de conseqüência, já vicia a existência da lei ora estudada.
Ademais, minuciosa análise do artigo 10 da Lei n.º 10.833/03 revela clara e direta ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que resta evidente o tratamento diferenciado para contribuintes que integram um mesmo segmento da economia.
Assim consigna o artigo 10, inciso II, da Lei em questão:
“Art. 10. Permanecem sujeitas às normas da legislação da COFINS, vigentes anteriormente a esta Lei, não se lhes aplicando as disposições dos arts. 1º a 8º:
II – as pessoas jurídicas tributadas pelo imposto de renda com base no lucro presumido ou arbitrado;”
O que se pretende com o dispositivo acima é estabelecer a discriminação sob o manto do regime de pagamento do Imposto de Renda, o que, data venia, não pode prosperar, sob pena de desestabilizar a economia e ampliar as sufocantes desigualdades já existentes em nossa sociedade.
Está claro que a nova lei subordina a carga tributária menor, com base na legislação anterior e mediante alíquota de 3,0%, às empresas que optarem pelo pagamento do Imposto de Renda pelo lucro presumido e com carga tributária muito maior, com alíquota de 7,6%, às empresas com declaração do referido imposto (IR) com base no lucro real.
Há de se dizer que tal discriminação é de natureza teratológica, eis que nem todas as empresas de um mesmo segmento podem adotar o regime do lucro presumido, uma vez que este é avaliado em decorrência da receita bruta.
O contexto antiisonômico da Lei n.º 10.833/03 é a todo modo evidente, e, pior, compromete a livre concorrência, posto que empresas de um mesmo setor estarão em situações completamente diversas, valendo ressaltar novamente que nem todas as empresas podem adotar o regime de Imposto de Renda pelo lucro presumido e, conseqüentemente, a alíquota de 3,0% da Confins.
Resta dizer, ainda, que a não-cumulatividade da nova Cofins, que a princípio parece ser uma decisão acertada, na realidade não é, isso porque para evitar perda na arrecadação, elevou-se a alíquota para 7,6%, sendo devida logo no início da cadeia de produção. Com isso, os setores da economia que possuem uma cadeia produtiva menos extensa serão duramente afetados pela alíquota da Cofins, pois não poderão compensá-la em operações posteriores, ao passo que os setores que possuem cadeia produtiva mais extensa, serão menos afetados.
Além do grande impacto nos setores econômicos de cadeia produtiva menor, serão também duramente apenados com a Lei n.º 10.833/03 aqueles que utilizam mão-de-obra intensiva, tais como atividades ligadas à construção civil, ao transporte rodoviário e outros, assim como os prestadores de serviços.[5]
Por derradeiro, mediante tudo o que foi acima argumentado, dúvida não há que a Lei n.º 10.833/03 viola frontalmente o princípio da isonomia e, com sua nova alíquota de 7,6% para alguns setores, beira as raias do confisco, afetando a livre concorrência e causando impacto tamanho sobre os preços dos produtos e de serviços em geral, sendo que o maior prejudicado será o povo brasileiro, que poderá amargar, ainda, o aumento nos níveis de desemprego, causado pela desestabilização da frágil economia brasileira, em função desta equivocada decisão do Governo Federal.
Advogado
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