O problema da judicialização da política e da politização do Judiciário no sistema brasileiro

Realizar concretamente direitos fundamentais é a grande finalidade do direito constitucional brasileiro. Entretanto, aplicar um direito fundamental significa eleger um meio de efetivação concreta deste respectivo direito, ou seja, implica em uma opção política que tende a levar em consideração a relevância, o interesse, a conveniência e a oportunidade de uma determinada medida. Esta espécie de opção sempre é determinada por uma ideologia política, cujo produto assume a forma de política pública. Se as políticas públicas são fruto de opções ideológicas tomadas por representantes da comunidade, no âmbito de um Parlamento, o seu produto é executado, no âmbito imparcial, legal e burocrático pela Administração. Este contexto, levado ao Judiciário, leva a uma judicialização da política no sistema brasileiro.

A alocação dos recursos orçamentários, em sua natureza, sempre foi efetuada direta ou indiretamente pelos representantes do povo, ou seja, a partir de uma forma que respeitasse os corolários da democracia: diretamente, pela eleição de meios, pela alocação de recursos orçamentários e criação das políticas públicas concretas pelo Parlamento; indiretamente, pela execução legal e imparcial destas medidas pela Administração. O papel do Judiciário sempre foi o de atuar de forma mais predominante no cumprimento dos direitos de liberdade, por meio de sua atuação negativa, isto é, após a violação de um direito, operando, por meio da coerção, o seu efetivo cumprimento.

Sucede que, nos últimos anos, com a constante transferência dessas competências para os magistrados, estes passaram a conhecer matérias que outrora eram vistas como essencialmente políticas, de tal maneira que questões fundamentais do país passam hoje a transitar pelo Judiciário. No entanto, quando o Judiciário passa a julgar acerca destas matérias, que, via de regra, dizem respeito à efetivação de direitos fundamentais, particularmente, de direito sociais, em casos individuais, sem atentar para que, ao proteger os respectivos bens jurídicos, não passe a substituir totalmente a competência do poder que possui a competência originária para isto, caracteriza o chamado fenômeno da judicialização da política.

Ocorre que a grande maioria dos magistrados brasileiros, quando são chamados a julgarem essas situações estão ignorando a existência do acesso a esses direitos mediante as vias administrativas, passando a não mais exercer subsidiariamente a função de fiscalizadores das decisões dos outros poderes, mas sim, em realidade, estão passando a exercê-las de forma plena, ou até prioritária, o que vem a ser uma distorção no exercício de suas atribuições, dado que os mesmos carecem de qualquer tipo de legitimidade para efetuarem este tipo de juízo.

Na verdade, um magistrado só apresenta uma legitimidade legal e burocrática, não possuindo qualquer legitimidade política, para impor ao caso concreto sua opção político-ideológica particular na eleição de um meio de efetivação de um direito fundamental. Sucede que, em nosso sistema, os magistrados não são eleitos, mas sua acessibilidade ao cargo dá-se por meio de concursos públicos, o que lhes priva de qualquer representatividade política para efetuar juízos desta magnitude. Ademais, por sua própria formação técnica e atuação no foro, é evidente que os magistrados são incapazes de conhecerem as peculiariedades concretas que envolvem a execução de políticas públicas que visam a realizar concretamente direitos fundamentais pela Administração Pública.

Dessa forma, efetua-se uma “politização” do Judiciário, uma vez que os magistrados passam a efetuar, fundados na distorcida prerrogativa do chamado “controle difuso”, inadequado à países de sistema romano-germânico, juízos eminentemente políticos. Surge o chamado “juiz político”, que concretiza políticas públicas de forma descomprometida, uma vez que não é responsabilizado pelo cumprimento da alocação de recursos efetuada pelos orçamentos e planos plurianuais, nem goza de qualquer espécie de representatividade política, ou mesmo compromisso político-patidário e/ou com algum programa de governo específico.

Portanto, a implementação do Estado Social pelo Judiciário determina a chamada judicialização da política, cuja prática deliberada ocasiona a politização do próprio Judiciário. Isto implica em um abandono à prática democrática, pois a alocação dos recursos estatais destinados à formulação e à execução de políticas públicas criadas para efetivar os direitos fundamentais para toda comunidade, acaba sendo efetuada por técnicos, os magistrados, que não possuem qualquer legitimidade política, para somente alguns indivíduos, que são partes no processo, além de gerar, por outro lado, o esvaziamento das funções precípuas do Parlamento.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Faustino da Rosa Júnior

 

Advogado, Consultor, Sanitarista, Professor, Coordenador e Pesquisador. Possui Doutorado em Direito, Especialização em Direito do Estado, Láurea em Ciências Jurídicas e Sociais, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Bacharelado em Saúde Coletiva. É Professor Titular em diversas instituições, em Cursos de Pós-Graduação Lato e Stricto Sensu. Possui mais de uma centena de artigos publicados no Brasil e no Exterior. É consultor jurídico internacional em Direito Educacional e em Direito Médico. É coordenador de diversos cursos de pós-graduação. É pesquisador em produtividade em Direito Constitucional e em Direito Sanitário

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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