Introdução
Tramita perante o Superior Tribunal de Justiça o Resp. 1201993, sendo Recorrente a Fazenda do Estado de São Paulo e Recorrida Casa do Sol e Decorações Ltda, tendo como enfoque o prazo para redirecionamento do executivo fiscal aos sócios-gerentes, mormente no caso de dissolução irregular da empresa. Discute-se nesses autos se, a partir da citação da sociedade, o ente público teria o prazo de 5 (cinco) anos para pleitear a responsabilização dos administradores ou se tal prazo começaria a contar quando da ciência da dissolução irregular do empreendimento, tese essa defendida pela Fazenda paulista. Em face da multiplicidade de processos abordando idêntico tema, a demanda foi recebida sob a égide do art. 543-C do CPC (Recurso representativo de Controvérsia)[1].
Efeitos processuais
A relevância do tema é patente, pois consabido que os efeitos processuais das decisões sob o manto do artigo supra, ganham ares de imutabilidade. Nesse particular, precisa a lição de Humberto Theodoro Júnior[2]:
“O julgamento da questão comum pela Seção ou pela Corte Especial do STJ, uma vez publicada, produzirá os seguintes efeitos sobre os recursos especiais sobrestados na origem (art. 543-C, § 7º): I – se o acordão recorrido coincidir com a orientação traçada pelo julgamento do STJ, caberá à instância de origem negar seguimento ao recurso até então suspenso; II – em caso de divergência entre o acórdão recorrido e a orientação do STJ, haverá reexame da causa pelo órgão julgador local, podendo ocorrer, ou não, retratação. Não se dará, portanto, a imediata apreciação do recurso no juízo de admissibilidade. Os autos voltarão ao órgão colegiado prolator do acórdão, para realizar uma reapreciação do tema, cuja solução se revelou divergente do entendimento assentado pelo STJ. O juízo de revisão será obrigatório, embora o órgão julgador local não esteja vinculado a decidir pela modificação do acórdão recorrido. Poderá, no reexame, alterar ou manter o julgado anterior. Verificada a retratação, o recurso especial ficará prejudicado. Ocorrendo, entretanto, a manutenção do decisório local no juízo de admissibilidade a manutenção do decisório local no juízo de reexame, proceder-se-á ao exame de admissibilidade do especial pelo presidente do tribunal de origem, segundo as regras próprias desse juízo preliminar. É de se notar, porém, que fatalmente haverá o especial de ser admitido, porque o acórdão estará fundado em tese já definida pelo STJ, em sentido contrário àquele observado pelo Tribunal de segundo grau. Nesses termos, chegando ao STJ, o recurso será liminarmente provido, por decisão singular do relator, na forma do art. 557,§ 1º – A, do CPC, uma vez que o acórdão terá sido proferido contra decisão representativa do entendimento dominante firmado pelo STJ, por meio da Corte Especial ou de Seção especializada. Pode acontecer de o Presidente do Tribunal de origem negar seguimento ao especial, ao pretexto de ter o acórdão padrão do STJ adotado tese ao aresto recorrido, quando, na verdade, não ocorreria tal identidade. Para fazer chegar o recurso ao STJ, terá o recorrente de lançar mão de agravo de instrumento previsto no art. 544 do CPC, no qual procurará demonstrar a diferença entre situação jurídica enfrentada pelo acórdão recorrido e aquela decidida pelo STJ no julgado paradigma.”
Assim, de forma resumida, tendo em conta que aquilo que restar decidido na demanda citada terá efeito em todos os redirecionamentos já efetuados e aos futuros, impende declinar os efeitos materiais que eventual improcedência do pedido pode ocasionar na arrecadação de tributos. Contudo para melhor compreensão do tema, necessário tecer considerações acerca do instituto da prescrição, haja vista ser este o enfoque principal.
Apontamentos acerca da prescrição
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho[3] “Com o lançamento eficaz, quer dizer, adequadamente notificado ao sujeito passivo, abre-se à Fazenda Pública o prazo de cinco anos para que ingresse em juízo com a ação de cobrança (ação de execução). Fluindo esse período de tempo sem que o titular do direito subjetivo deduza a sua pretensão pelo instrumento processual próprio, dar-se-á o fato jurídico da prescrição”.
Sendo assim, o instituto da prescrição tem como fundamentos a fluência de determinado prazo aliada à inércia do credor. O brocardo latino dormientibus non seccurrit jus é emblemático: o direito não socorre a quem permanece inerte. Assim, o elemento inércia/inação é intrínseco à noção de perda de direito ou de pretensão pelo decurso de tempo. Nesse sentido, a lição de LUCIANO AMARO[4] para quem “certeza e a segurança do direito não se compadecem com a permanência, no tempo, da possibilidade de litígios instauráveis pelo suposto titular de um direito que tardiamente venha a reclamá-lo. (…) Por isso, esgotado certo prazo, assinalado pela lei, prestigia-se a certeza e a segurança, e sacrifica-se o eventual direito daquele que se manteve inativo no que respeita à atuação ou defesa desse direito”.
A posição dos entes públicos
Considerando a extensão dos efeitos da decisão o Estado do Rio Grande do Sul participa da demanda na qualidade de amicus curiae[5], cuja manifestação, firmada pelo Procurador do Estado, Guilherme Valle Brum, aborda com clareza o tema, verbis[6]:
“Há, inegavelmente, uma tendência pretoriana – que vem ganhando corpo no âmbito desse Superior Tribunal de Justiça – de considerar a data da citação da sociedade comercial como termo inicial do lustro prescricional para que a Fazenda Pública promova o redirecionamento da execução contra o patrimônio dos gestores. Ou seja, uma vez citada a empresa, o Poder Público, para essa corrente jurisprudencial, tem o prazo de cinco anos, a contar do dia da citação, para localizar – e citar – os sócios-gerentes. É claro que esse redirecionamento pressupõe a insuficiência patrimonial da sociedade. O principal motivo para ter-se a data da citação da empresa como marco inicial do lapso prescricional da pretensão de redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente estaria na necessidade de segurança jurídica, que supostamente restaria abalada caso se mantivesse indefinidamente em aberto a possibilidade de redirecionamento, e, assim, imprescritível a dívida fiscal. Com a devida vênia, essa linha de raciocínio não resiste a uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. E, como bem diz o Ministro Eros Grau, em frase que já se tornou célebre em âmbito acadêmico-doutrinário: não se interpreta o Direito em tiras! No caso em análise, o artigo de lei que deve reger a espécie é, sim, o 174 do CTN, entretanto complementado – e aqui o detalhe – pelo artigo 189 do Código Civil, regra geral sobre a prescrição, de aplicação subsidiária naquilo que não conflitar com as disposições específicas. Assim, tendo em vista que o artigo 174 do Código Tributário não trata especificamente da prescrição da pretensão de redirecionamento da execução contra os representantes legais da empresa, responsáveis tributários elencados no artigo 135 do CTN, é imperioso que o julgador se valha do texto do Diploma Civil citado. Ei-lo: Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206. Esse artigo incorporou ao Direito posto a conhecida teoria da actio nata, segundo a qual a pretensão nasce quando violado o direito subjetivo. Desse modo, uma vez não havendo lei específica tratando da pretensão de redirecionamento da execução fiscal, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico impõe que se lance mão dessa teoria – inserta em artigo de lei e, pois, de necessária observância – para que se possa encontrar, sem ruptura do sistema, o termo a quo de seu nascimento (da pretensão). Para tanto, deve-se buscar o marco no qual se tem por violado o direito possibilitador do ato de voltar-se a pretensão executória contra os sócios. E é aí que entra em cena a jurisprudência, a qual se encarregou de fixar o sentido do artigo 135 do Código Tributário, dispositivo esse que trata da responsabilização dos gerentes pelo adimplemento do tributo devido pela pessoa jurídica que administram.”
De forma sintética, o entendimento do Fisco caminha na linha de que, somente com a dissolução irregular da empresa é que resta autorizado o redirecionamento, tudo em nome da teoria da actio nata, pois ali nasce a pretensão contra quem ainda não compõe o polo passivo da demanda. Entender de forma diferente é autorizar o início de prazo prescricional sem que os entes públicos possam exercer qualquer pretensão.
Repise-se: é ínsita à ideia de prescrição a noção de transcurso de prazo conjugado com a inércia do titular em exercitar a pretensão. Assim, em tese não haveria que se falar em prescrição quando somente o elemento tempo estivesse presente. Contudo, tal não tem sido o entendimento dos tribunais, em especial do Superior Tribunal de Justiça.
Ainda, a construção jurisprudencial que admite que a prescrição intercorrente transcorra concomitantemente tanto em relação ao contribuinte quanto em relação ao responsável tributário peca contra a Lei de Execução Fiscal, em particular com o disposto no seu art. 40, caput, e §§ 2º e 4º. Ouçamos o legítimo legislador:
“Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. (…) § 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos. (…) § 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato”. (sem grifos no original).
De uma leitura superficial resta patente que alguns requisitos deverão ser cumpridos a anteceder a declaração da prescrição intercorrente. O texto legal exige, dentre outros, que o executado (estando incluído o redirecionado) não tenha sido localizado e inexistam bens a serem constritos. Como ato procedimental, a lei determina que o feito tenha sido arquivado e, somente se transcorrido o prazo prescricional (pressupondo a desídia do exequente), poderá o juiz decretar prescrita a ação.
Assim, inexistindo inércia por parte do credor, não há possibilidade de ser reconhecida a prescrição intercorrente, consoante escorreito entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, verbis:
“EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INERCIA. EXTINÇÃO. A demora na tramitação da execução, por si só, não leva à prescrição intercorrente, salvo no caso de arquivamento por mais de cinco anos ou paralisação da execução por desídia do credor. Hipótese em que (I) a execução ficou paralisada por mais de cinco anos, sem a promoção de impulsos úteis do credor tendentes à localização de bens do devedor, e (II) não há prova das diligências requeridas na execução que tramitou em apenso. Negado seguimento ao recurso.” (Apelação Cível Nº 70043382092, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 29/06/2011).
A prática processual mostra que, no mais das vezes, as Fazendas Públicas diligenciam de forma incessante na localização de bens e do devedor para a satisfação do seu crédito, não sendo razoável que a prescrição aproveite aqueles que se furtam de cumprir as normas jurídicas, escondendo a si e ao seu patrimônio.
Nas palavras de Luiz da Câmara Leal[7], existem quatro elementares da prescrição, quais sejam:
Existência de uma ação exercitável: neste caso, na hipótese de a empresa possuir bens, não terá o ente público como exercitar a sua ação de redirecionamento, tendo em conta a necessidade de prévia expropriação do patrimônio da sociedade, para só então investir sobre aquele pertencente ao quadro societário. Não obstante a isso, no entendimento ora questionado sem que houvesse ação exercitável. Suplantado o entendimento, seria possível que o ente público, a fim de evitar a prescrição intercorrente, demandasse contra os sócios-gerentes, mesmo que a empresa possuísse bens? Parece-nos que não, pois é preciso ser respeitado o benefício de ordem. Chega-se assim a um paradoxo: se a responsabilidade dos sócios-gerentes é subsidiária como pretender que o prazo prescricional em relação ao responsável tributário possa fluir mesmo antes do exaurimento patrimonial da empresa ou, em outras palavras, antes do nascimento da ação do credor em face do do responsável tributário?
Inércia do titular da ação pelo seu não exercício: Na espécie, considerando que sequer há o direito em relação ao responsável tributário, não há que se falar em inércia do titular em pretender redirecionar a demanda executiva. O certo é que está impedido o exequente de exercer sua pretensão, pondo-se à calva, a vingar o atual entendimento do STJ, que o ente público teria contra si prazo prescricional sem que pudesse exercer a sua pretensão, um verdadeiro açoite ao bom senso.
Continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo: tirante o aspecto criticável, há casos em que deverá ser declarada a prescrição, frente ao qual, de fato, o ente público não pode se insurgir, pois deu azo à sua incidência. A ilustrar, citam-se casos em que o credor tem ciência de que a empresa encontra-se dissolvida (certidão do Oficial de Justiça) sem qualquer patrimônio ou patrimônio insuficiente, inclusive com baixa na Junta Comercial e no Sistema de Registro da Fazenda Pública, e mesmo assim não postula o redirecionamento da execução. Logicamente que a prescrição deverá ser declarada se acaso transcorrido o prazo prescricional estipulado. Outro caso corriqueiro: estando redirecionada a demanda, com citação de apenas alguns dos sócios-gerentes, sem que sejam ultimados atos de ciência dos demais, assinala-se pelo acerto da declaração prescricional em relação àqueles não citados. E a medida judicial, sem qualquer objeção, deve ser enérgica, tudo para desestimular a omissão dos titulares no seu exercício. Contudo, tais casos são excepcionais, não havendo paralelo com demandas conduzidas de forma apropriada.
Ausência de algum fato ou ato, a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional: aqui se apresenta o argumento mais poderoso e que, de certa forma, resume o que se deseja apontar. Não se tratando a hipótese do art. 135, III, do Código Tributário Nacional de responsabilidade solidária entre empresa e seus sócios-gerentes, logicamente não se pode excutir bens dos redirecionados sem antes esgotadas as diligências prévias frente ao patrimônio da pessoa jurídica, sendo indisfarçável o desalinhamento da atual jurisprudência, pois há fato impeditivo, o que obstrui o ente público de exercer sua pretensão.
Aqui surge a grande incongruência, já que a mesma jurisprudência que entende que o prazo prescricional, uma vez interrompido pela citação do contribuinte, deve retomar sua marcha em face dele e também dos responsáveis tributários, sustenta que a responsabilidade tributária, nestes casos, não é solidária, mas subsidiária. Ora, como sustentar que a responsabilidade seja subsidiária e, ao mesmo tempo, pretender que o prazo prescricional em relação ao responsável tributário flua mesmo antes do nascimento da ação do credor em face deste novo sujeito passivo?
Dizer que a responsabilidade é subsidiária é dizer que ou ainda não há direito de ação ou, se já nascido, seu exercício encontra-se condicionado à verificação de certo acontecimento externo, que no caso em exame é a dissolução irregular e/ou o esgotamento do patrimônio do contribuinte. Em ambas as hipóteses, o certo é que está impedido o exequente de exercer sua pretensão. Em casos tais, como justificar o transcurso do prazo prescricional, que pressupõe inércia no exercício do direito de ação, se este ainda não nasceu ou, se já nascido, ainda não pode ser exercitado?
De mais a mais, o entendimento que se alinha tende a não analisar as causas interruptivas e suspensivas do crédito tributário, a despeito do que acontece com a moratória, parcelamento, eventual concessão de medida liminar e outros. Considerando a hipótese da empresa já dissolvida ser citada, efetuando-se o parcelamento em 120 (cento e vinte vezes). Havendo o pagamento de metade do que foi afiançado esta descumpre o pactuado. Haveria a possiblidade de efetuar o redirecionamento da demanda? Nos parece que não, pois teria havido prescrição frente aos sócios-gerentes. Tal situação se mostra absurda e despida de qualquer lógica.
A necessidade de dinamismo das Fazendas Públicas
Logicamente que a prática processual exige uma visão mais dinâmica por parte dos entes exequentes. Dogmas, até então imutáveis, começam a ser relativizados, especialmente no que diz respeito à indisponibilidade dos créditos tributários. Nesse diapasão, reconhecendo que as demandas executivas não podem se eternizar, busca-se a racionalização. A título exemplificativo o Estado do Rio Grande do Sul editou a Lei Estadual 13.591[8], de 28 de dezembro de 2010, autorizando os Procuradores do Estado a desistirem de ações de execução, mormente nos casos mais corriqueiros, a saber:
Processos movidos contra massas falidas em que não foram encontrados bens para serem arrecadados, ou em que os bens arrecadados tenham sido insuficientes para as despesas do processo ou para o pagamento dos créditos preferenciais, desde que não mais seja possível o direcionamento eficaz contra os responsáveis tributários. De regra mostram-se estéreis as demandas contra as massas falidas, não sendo racional movimentar a máquina judiciária. De mais a mais, os redirecionamentos nesses casos se mostram limitados às hipóteses de prática de crime falimentar. Sendo a falência forma regular de encerramento das atividades da sociedade, o esgotamento do patrimônio da massa sem o pagamento do crédito tributário não é causa a responsabilização de terceiros, da mesma forma de requerimento de autofalência.
Processos movidos contra pessoas jurídicas dissolvidas, em que não encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora ou arresto, desde que a responsabilização pessoal dos respectivos sócios e/ou administradores seja juridicamente inviável ou tenha se revelado ineficaz, por não terem sido encontrados bens penhoráveis. Aqui, a situação que mais comumentemente se verifica e que, se bem utilizada, pode contribuir – e muito – para a diminuição dos litígios. Reconheceu o ente público que a razão de ser da demanda executiva está na sua eficácia[9]. Ineficaz a execução, não há razão para sua manutenção e a consequente sobrecarga dos recursos e materiais da Advocacia de Estado e do Poder Judiciário. Louve-se aqui a proclamação de que a indisponibilidade dos créditos fiscais não deve ser vista de forma estanque. De nada serve observar tal princípio, se, concomitantemente macula-se a racionalização dos recursos já existentes. Em outros termos, não é crível que as despesas para auferir o valor devido seja maior do que a benesse a ser alcançada.
Processos movidos contra pessoa física ou jurídica, que tramitem há mais de cinco anos sem que tenha havido causa suspensiva ou interruptiva da prescrição no período e nos quais não tenham sido encontrados bens passíveis de penhora ou arresto. Nesse caso reforçou-se a autonomia do ente público em pleitear a extinção da demanda, restando claro que a análise das causas suspensivas ou interruptivas fica a seu cargo, não podendo o Poder Judicante subtraí-las ou dar interpretação distorcida, como a que se corre o risco de ver-se consumada no Resp. 1201993.
Processos de execução de multa penal, após dois anos, sem que tenham sido localizados bens passíveis de penhora, esgotadas as buscas pelos meios administrativos e judiciais, sendo a autorização extensiva à dispensa de eventual recurso em relação à decisão judicial que tenha declarado a prescrição do crédito tributário. Aqui o senso de realidade avoluma-se, pois a prática forense mostra que as execuções de multa penal, de regra, são infecundas. A uma porque o réu, no mais das vezes está enclausurado, dificultando qualquer ato executivo; a dois porque outros órgãos serão onerados, em especial a Defensoria Pública, que deverá atuar como curadora especial da parte executada; a três porque os valores levados à cobrança normalmente não são significativos, não compensando os custos da demanda.
Tendência Jurisprudencial
Em recente artigo publicado[10] (O renascimento da Execução Fiscal a partir do Recurso Especial Representativo de Controvérsia 1.141.990/PR) abordamos o efeitos materiais que a decisão tomada junto ao STJ traria às demandas executivas, consignando que:
“A arte de fraudar a execução sofreu um duro golpe. Doutro modo, a sofrível execução fiscal, com alcance abrangente, mas com eficácia diminuta, recebeu um alento. O afago veio do Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.141.990/PR da relatoria do Eminente Ministro Luiz Fux. Tal julgado traz, a nosso sentir, o verdadeiro espírito que o legislador quis imprimir ao art. 185, caput, do CTN, seja na redação primeira, seja na redação atual: extirpar ou dificultar a fraude à execução dentro do executivo fiscal.”
Nos apontamentos feitos, ressaltamos as benesses do entendimento firmado, restando afiançado que o registro de penhora, em feitos executivos, não é requisito para declarar-se a fraude à execução. Contudo, a mão que afaga é a mesma que apedreja, tendo o Superior Tribunal Justiça tendência de não abrigar a tese estatal aqui analisada[11]. Sendo assim, frente ao iminente desacerto, declinam-se os efeitos que tal julgado pode gerar.
Efeitos materiais da decisão
A celebre frase de Quincas Borba “ao vencedor, as batatas"[12]tende a ser aplicada, se levarmos em conta os recentes julgados do STJ acerca da prescrição quinquenal para o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes. Outrora, conforme assinalado, havia entendimento consolidado que o termo inicial da fluência do referido prazo, em respeito ao princípio da Actio Nata, correspondia ao momento em que se constatada a dissolução irregular da empresa contribuinte, devidamente atestada pelo oficial de justiça. Esse fato, do qual se extrai a responsabilidade tributária de terceiro que não o contribuinte, é verificado, no mais das vezes, após o ajuizamento da ação executiva. A título exemplificativo, segue aresto:
“EXECUÇÃO FISCAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA – MARCO INICIAL DA PRESCRIÇÃO – "ACTIO NATA". 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que o termo inicial da prescrição é o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagração do princípio universal da actio nata. 2. In casu, não ocorreu a prescrição, porquanto o redirecionamento só se tornou possível a partir da dissolução irregular da empresa executada. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1100907/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe 18/09/2009)
Com fundamento nessa orientação, segundo a qual o direito de orientar a execução em face de quem não praticou a conduta descrita como necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária, prestava-se homenagem ao art. 135, III, do CTN, visto que a responsabilidade dos administradores somente nasce com a dissolução irregular da empresa. Contudo, o caminho que está sendo traçado leva a um resultado fatídico: A “tribo” perdedora já está pré-estipulada, qual seja, a sociedade em geral. Doutro lado (servindo-se da prática de atos desabonatórios), saboreando as batatas conquistadas (tributos apropriados de forma ilegal), estará a “tribo” vencedora (empresa) na pessoa daqueles que a constituíram.
Tal achaque consta, de forma exemplificativa, na seguinte ementa, representativa da atual orientação do Superior Tribunal de Justiça:
“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. CITAÇÃO DA EMPRESA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO EM RELAÇÃO AOS SÓCIOS. PRAZO SUPERIOR A CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA. Firmou-se na Primeira Seção desta Corte entendimento no sentido de que, ainda que a citação válida da pessoa jurídica interrompa a prescrição em relação aos responsáveis solidários, no caso de redirecionamento da execução fiscal, há prescrição se decorridos mais de cinco anos entre a citação da empresa e a citação dos sócios, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 88.249/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/05/2012, DJe 15/05/2012).
A construção jurisprudencial, que concebida, dentre outros motivos, para desafogar o Judiciário, certamente não faz justiça nos casos concretos. Ao revés, cria, dentre outras coisas, um manual para eximir da responsabilidade os sócios-gerentes, bastando para tal antecipar, evitar ou delongar as citações. De forma mais sofisticada, antecipar a citação da empresa e postergar a dos sócios-gerentes, por meio de pura e simpes ocultação, sendo desnecessário o dom da vidência para antever algumas situações que certamente serão verificadas.
Suponhamos que a empresa tenha sido citada em 01/01/2000 (redirecionamento deveria acontecer até 31/12/2004), abrindo-se aí a contagem para a citação do sócio-gerente (veja-se, nasce aqui uma falsa pretensão, pois não há direito a ser exercido). Munido da intenção de nada pagar, a empresa nomeia, por exemplo, as famosas debêntures da Eletrobrás. De regra, o ente público não as aceitará, dentre outros motivos, por falta de cotação na Bolsa de Valores. Indeferido o pedido de nomeação, a parte agravará de instrumento objetivando impor a sua garantia.
A decisão de Segunda Instância, denegando o pedido, abrirá a oportunidade para a parte oferecer Recurso Especial, cuja negativa de seguimento oportunizará novo agravo, este agora objetivando o conhecimento de sua irresignação, assim como demais medidas processuais essencialmente protelatórias. De toda sorte, retomada a marcha processual e assentada a impossibilidade da indicação das malfadadas debêntures, o executado poderá nomear, por exemplo, um bem imóvel localizado em outro estado da Federação. Suponha-se que o ente público aceite a indicação, postulando a expedição de carta precatória de atos executórios. Um sem número de questões processuais poderão ser arguidas, retardando ainda mais a lenta marcha do processo. Até o bem ser finalmente praceado, passar-se-ão longos anos, muito além do prazo estipulado pela jurisprudência.
Afora esses atos, abrir-se-á à empresa valer-se de inúmeros outros expedientes para fazer transcorrer o prazo de 5 (cinco) anos que o Julgador/Legislador tende a impor. Assim, poderá nomear bens que não é de sua propriedade, indicar precatórios, cujo crédito deve ser exigido de outro ente público, mudar rotineiramente de sede, especialmente para lugares cujos atos devam ser cumpridos por cartas precatórias. Enfim, uma infinidade de atos para embaralhar o feito executivo fiscal.
Restando provado que a empresa encontra-se dissolvida, tem início novo martírio: a citação dos redirecionados. Nesse caso, renovam-se as manobras protelatórias. Podem, a título exemplificativo, informar endereços falsos aos órgãos públicos, mudar-se para outras comarcas, ou ainda, como é mais corriqueiro, efetuarem mudanças rotineiras de domicílio, induzindo a erro o exequente. Até que o ente público consiga fundamentar o pedido de citação por edital (comprovação fática de todas as diligências ao seu alcance), certamente ter-se-á transcorrido o prazo de 5 (cinco) anos. Em suma, o prazo imposto facilmente transcorrerá sem que nada tenha sido expropriado, frustrando a satisfação do crédito fiscal e, por consequência, das políticas públicas.
Outrossim, a ecatombe maior tende a ser extraprocessual no que atine aos sócios-gerentes, pois o entendimento criará uma cultura de inadimplemento, aqui batizada de “planejamento tributário superveniente”. Nesse caso basta a empresa proceder-se com alguns atos, dentre os quais os acima ilustrados que os seus constituidores restarão com seu patrimônio a salvo. A penalizada final é a Sociedade, que suporta indiretamente a carga tributária, sem auferir os benefícios que seriam de se esperar.
Morosidade judiciária e os motivos que justificam o posicionamento
Não obstante o narrado, a parte executada conta com uma aliada poderosa, qual seja, a morosidade judiciária, que a muitos atormenta na mesma proporção que a muitos afaga. De uma análise perfunctória dos processos fiscais constata-se que estes, por curto período, aguardam providências a cargo da parte exequente. No mais das vezes, encontram-se ancorados no Poder Judiciário, aguardando a determinação ou cumprimento de determinados atos. Não obstante as mazelas, o prazo prescricional flui de forma contínua e inexorável, desconsiderando essa mora, em total descompasso com o contido na Súmula n.º 106 do próprio Superior Tribunal de Justiça[13].
Ademais, sem meias palavras, o objetivo primeiro do entendimento que se avizinha é diminuir o número de processos em trâmite, relegando a justiça a segundo plano, penalizando as Fazendas Públicas, em típico ato de “terceirização de culpa”. Postulando-se tutela antecipada pela pobreza do exemplo, rememora-se aqui a famosa citação de Homer J. Simpson[14], personagem de clássica série televisiva americana, perfeitamente cabível à espécie: “A culpa é minha e eu coloco ela em quem eu quiser”. Parece ser esta a medida aqui aplicada. Possuímos um Poder Judiciário incapaz de solucionar seus problemas internos, optando, de regra, em “terceirizar a culpa”.
Com a devida vênia pela desastrada comparação, o Judiciário tem se transmutado em uma entidade desajeitada, a exemplo do mencionado personagem. Se este trabalha na Usina Nuclear de Springfield aquela labuta, guardadas as devidas proporções, em um ambiente prestes a implodir, necessitando medidas urgentes. Outrossim, apesar de o tema central da presente resenha ser o entendimento equivocado (dotado de certa dose de arbitrariedade[15]) que tende a se consolidar, gerando graves prejuízos às Fazendas Públicas, a bancarrota do mundo da toga tem relação umbilical com o entendimento a ser firmado.
Conclusão
Conclui-se assim que, restando consolidado o entendimento supra, solucionam-se, em parte, os problemas do Poder Judiciário, aqui representados pelo excesso de demandas em tramitação. Contudo, criam-se efeitos nefastos às Fazendas Públicas, estimulando ainda mais a já latente cultura do inadimplemento por parte dos contribuintes, sem sombra de dúvida uma das causas da excessiva carga tributária nacional. De mais a mais, a lógica jurídica do instituto da prescrição fica inarredavelmente maculada, pois a corrente jurisprudencial que vem se formando reconhece a possibilidade de decurso de prazo prescricional sem que o titular do direito, neste caso o ente público, possa exercer qualquer pretensão relativamente à satisfação de seu crédito em face dos responsáveis tributários.
Assessor Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul – Regional Caxias do Sul e Advogado Tributarista
Assessor Jurídico junto à Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul
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