A responsabilidade civil do Estado por omissão

A responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano causado a outrem na esfera patrimonial ou moral.


Para se configurar a responsabilidade civil há necessidade de três pressupostos: Fato Administrativo (qualquer conduta comissiva ou omissiva de agente público); dano; e nexo de causalidade entre o fato administrativo e o dano[1].


O Código Civil de 1916 consagrou a responsabilidade civil subjetiva, que tem sua fonte na conduta voluntária causadora de um dano[2], expressa no art. 159: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.  A redação é clara no sentido de se exigir a comprovação de culpa para a responsabilidade civil do Estado. Dessa forma, além dos três pressupostos acima, havia, no Código revogado, necessidade do elemento culpa.


Em se tratando de responsabilidade civil do Estado, a regra é a responsabilidade civil objetiva, assim considerada a que não necessita de comprovação de culpa. A Constituição de 1988 seguiu a orientação das Constituições anteriores, desde a Constituição de 1946, com a adoção da responsabilidade civil objetiva, na modalidade de risco administrativo, conforme determina o art. 37, § 6º, da CF, com a seguinte redação:


 “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.


O código Civil de 2002, com a tendência em aumentar as hipóteses de responsabilidade civil objetiva, seguiu a mesma linha, no art. 43:


 “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.


No entanto, isso não significa que esteja abolida do direito brasileiro a responsabilidade civil da Administração Pública na vertente subjetiva. Há situações que ensejam a verificação da culpa para se configurar a responsabilidade civil.


A responsabilidade civil por omissão de atos da Administração Pública é subjetiva, situação na qual se erige a culpa como pressuposto da responsabilidade.  Nesse caso, não se aplica a regra do art. 37, § 6º, da CF. Nas palavras de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:


“(…) É que, em princípio, cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia sempre argüir que o ‘serviço não funcionou”. A admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o Estado estaria erigido em segurador universal! Razoável que responda pela lesão patrimonial da vítima de um assalto se agentes policiais relapsos assistiram à ocorrência inertes e desinteressados ou se, alertados a tempo de evitá-lo, omitiram-se na adoção de providências cautelares. Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo de água. Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou culpa tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública[3]”.


Quando se fala em danos da Administração Pública por omissão é imperioso se distinguir a omissão específica da omissão genérica. A omissão é específica quando o Estado tem a obrigação de evitar o dano. Isso ocorre nos caos de bueiros destampados que ensejam a queda de uma pessoa, causando-lhe danos. No entanto, há situações que não há possibilidade de o Estado impedir, através de seus agentes, danos eventuais aos seus administrados. O exemplo típico é o de lesões sofridas por atos de vandalismo de terceiros, em estádios de futebol.


Assim sendo, quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF. Entretanto, em se tratando de omissões genéricas, a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, com necessidade de se aferir a culpa.


Ademais, quando não se puder identificar o agente que causou o dano, há exigência de que a vítima comprove que não houve serviço, o serviço funcionou mal ou foi ineficiente. É o que se denomina responsabilidade civil por culpa anônima do serviço, modalidade de responsabilidade subjetiva da Administração Pública.


Assim sendo, em se tratando de omissão genérica do serviço, ou, quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado é subjetiva, sendo equivocado se invocar a teoria objetiva do risco administrativo.


Nesse sentido, as palavras do ilustre Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, SÉRGIO CAVALIERI FILHO:


“Já ficou registrado que a Constituição responsabiliza o Estado objetivamente apenas pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros. Logo, não o responsabiliza por atos predatórios de terceiros, como saques em estabelecimentos comerciais, assaltos em via pública etc., nem por danos decorrentes de fenômenos da Natureza, como enchentes ocasionadas por chuvas torrenciais, inundações, deslizamento de encostas, deslizamentos de encostas, desabamentos etc., simplesmente porque tais eventos não são causados por agentes do Estado. A chuva, o vento, a tempestade, não são agentes do Estado; nem o assaltante e o saqueador o são. Trata-se de fatos estranhos à atividade administrativa, em relação aos quais não guarda nenhum nexo de causalidade, razão pela qual não lhes é aplicável o princípio constitucional que consagra a responsabilidade objetiva do Estado. Lembre-se que a nossa Constituição não adotou a teoria do risco integral.


A Administração Pública só poderá vir a ser responsabilizada por esses danos se ficar provado que, por sua omissão ou atuação deficiente, concorreu decisivamente para o evento, deixando de realizar obras que razoavelmente lhe seriam exigíveis. Nesse caso, todavia, a responsabilidade estatal será determinada pela teoria da culpa anônima ou falta do serviço, e não pela objetiva, como corretamente assentado pela maioria da doutrina e da jurisprudência. Essa é a precisa lição de Hely Lopes Meirelles: “Daí por que a jurisprudência, mui acertadamente tem exigido a prova da culpa  da Administração nos casos de depredação por multidões e de enchentes e vendavais que, superando os serviços existentes, causam danos aos particulares. Nessas hipóteses, a indenização pela Fazenda Pública só é devida se se comprovar a culpa da Administração” (ob. cit., 28ª ed., p.p. 628-629)[4]”.


A jurisprudência do Colendo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro segue o mesmo entendimento. Nesse sentido, as seguintes ementas de julgados recentes:


“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. DANO CAUSADO POR ATO DE DELINQÜÊNCIA. FATO DE TERCEIRO. 1. O § 6º do art. 37 da CF adotou a teoria do risco administrativo, que não se confunde com o risco integral, não podendo o Estado ser responsabilizado por todo e qualquer dano causado aos particulares por ato que lhe incumbia, genericamente, evitar. 2. A responsabilidade objetiva da Administração Pública, nos termos do dispositivo constitucional mencionado, tem por pressuposto o nexo causal entre um ato de agente público, nessa qualidade, e o dano suportado pelo particular. Os danos sofridos por particular em razão de ato de delinqüência só responsabilizam a Administração caso comprovada sua culpa, consistente em não agir conforme determina a lei, diante de determinado fato – a chamada teoria do faute du service publique, que diferencia o ato omissivo do ato comissivo estatal. 4. a falta do dever genérico de garantir a segurança dos cidadãos não configura o ato omissivo do estado, sob pena de se lhe exigir que seja um segurador universal ou um Ser Onipotente, capaz de evitar a ocorrência de qualquer ação criminosa, em todo tempo e espaço[5]”.


“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SUPOSTO DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE AGIR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, DECORRENTE DA ALEGADA OMISSÃO EM NÃO REALIZAR A MANUTENÇÃO DE CAMPO DE FUTEBOL. A RESPONSABILIDADE CIVIL, SE EXISTENTE, DECORRE DA OMISSÃO GENÉRICA DO DEVER LEGAL DE MANTER ÁREAS DE LAZER EM CONDIÇÕES SEGURAS PARA O USUÁRIO. CULPA ANÔNIMA OU FALTA DO SERVIÇO, DE NATUREZA SUBJETIVA, VERIFICADA ONDE HÁ AUSÊNCIA DO SERVIÇO DEVIDO OU QUANDO SEU FUNCIONAMENTO É DEFEITUOSO, O QUE DEPENDE DE DILARGADA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA DO CDC. IMPROVIMENTO DO RECURSO[6]”.


 


Notas:

[1] Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2008. P.P. 502/503.

[2] Tepedino, Gustavo. A Evolução da Responsabilidade Civil  no Direito Brasileiro e suas Controvérsias na Atividade Estatal in Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar. 4ª edição, 2008. P.P.206/207.

[3] Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores. 2007. P.979.

[4] Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros Editores. 2006. P. 275.

[5] Desembargador Relator Marcos Alcino A Torres, Julgado em 26/02/2008, Décima Sexta Câmara. Decisão extraída do site  www.tj.rj.gov.br; acesso em 24/10/2008.

[6] Desembargador Relator Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 01/04/2008, Quinta Câmara. Decisão extraída do site www.tj.rj.gov.br; acesso em 24/10/2008.

Informações Sobre o Autor

Simone de Sá Portella

Procuradora do Município de Campos dos Goytacazes/RJ; Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU/FDC); Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU/FDC); Membro do IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública; Professora de Direito Constitucional; Autora do Livro “As Imunidades Tributárias na Jurisprudência do STF”, Editora Baraúna; Colunista da Revista Jurídica NETLEGIS


Equipe Âmbito Jurídico

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