A análise jurisprudencial quanto a possibilidade da reparação de danos morais em favor do consumidor pelo tempo gasto para a resolução de algum problema causado pelo prestador ou pelo fornecedor dos serviços em decorrência da aplicação da teoria do tempo perdido ou teoria do desvio produtivo do consumidor

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Alessandro Pereira de Azevedo – Advogado e professor universitário. Graduado em Direito pela Universidade Brás Cubas – UBC, Especialista em Direito Público pela Universidade Salesiana de São Paulo – UNISAL e Mestre em direito pela Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES.

Resumo: O STJ em decorrência da aplicação da teoria do tempo perdido ou teoria do desvio produtivo do consumidor, já reconheceu o direito a indenização por danos morais em decorrência da responsabilidade civil por conta do tempo livre desperdiçado pelo consumidor para resolução de problemas que não deu causa, contudo, a jurisprudência ainda é vacilante neste sentido. Desta forma, pretendemos demonstrar quais parâmetros a jurisprudência tem utilizado para fixação da indenização por danos morais em razão do desperdício injustificado do tempo livre utilizado pelo consumidor e como a fixação da indenização por essa causa pode gerar a pacificação social.

Palavras-chave:Responsabilidade civil. Indenização. Dano moral. Tempo perdido. Resolução de problema.

 

Abstract: The STJ, due to the application of the theory of lost time or the theory of consumer deviation, has already recognized the right to compensation for moral damages due to civil liability due to the free time wasted by the consumer to solve problems that did not cause, however, jurisprudence is still faltering in this regard. In this way, we intend to demonstrate which parameters the jurisprudence has used to set the indemnity for moral damages due to the unjustified waste of free time used by the consumer and how the fixing of the indemnity for this cause can generate social pacification.

Keywords: Civil responsability. Indemnity. Moral damage. Lost time. Troubleshooting.

 

Sumário: Introdução. 1. A responsabilidade civil e sua abordagem em relação a teoria do tempo perdido ou teoria do desvio produtivo do consumidor. 2. O posicionamento do poder judiciário quanto a possibilidade de reparação de danos morais em favor do consumidor pelo tempo gasto para a resolução de algum problema causado pelo prestador ou pelo fornecedor dos serviços em decorrência da aplicação da teoria do tempo perdido ou teoria do desvio produtivo do consumidor. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O instituto do dano moral está expressamente previsto na Constituição Federal, no seu art. 5º, incisos V e X, sendo que havendo ofensa a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, será assegurado o direito a indenização tanto pelo dano material quanto pelo moral decorrente de sua violação, portanto, é natural que as vítimas de danos busquem o judiciário para obter a reparação dos seus prejuízos.

Analisando o tema do presente trabalho que é reparação pelos danos morais decorrente do tempo desperdiçado pela pessoa humana para solucionar um problema que não deu causa, temos a ausência de regulamentação jurídica para isso, contudo, os julgados que aplicam a referida teoria e entendem pela existência de danos morais, fundamentam a decisão tanto no Código Civil de 2002 como no Código de Defesa do Consumidor, dando assim uma alinhamento das leis infraconstitucionais ao fundamento da Constituição Federal, especialmente o previsto no art. 1º, inciso III, que é a dignidade da pessoa humana.

Sobre essa perspectiva, tanto o Código Civil de 2002 e no Código de Defesa do Consumidor são normas que tutelam a pessoa humana e sua dignidade, inclusive fixando indenizações em decorrência da violação deste direito que é fundamento da Constituição Federal, ou seja, da violação da dignidade da pessoa humana.

Aliás, abordaremos a questão da reparação dos danos morais em favor do consumidor pelo tempo gasto para a resolução de algum problema causado pelo prestador ou pelo fornecedor dos serviços em decorrência da aplicação da teoria do tempo perdido ou teoria desvio produtivo do consumidor e como a jurisprudência tem resolvido essas questões.

Isso porque, o tempo é cada dia mais valorado no mundo capitalista e dinâmico em que vivemos e a perda deste tempo injustamente afeta a felicidade, o convívio social, o convívio familiar e até a capacidade produtiva da pessoa humana.

E aí surge a seguinte pergunta, o desperdício de tempo é passível de ser indenizado quando for causado de forma injusta e totalmente fora da razoabilidade?

Por isso o presente trabalho tem importância para o mundo acadêmico uma vez que o tema apesar de já debatido é um tema razoavelmente novo, ou seja, ainda com mundo campo de discussão e enfrentamento pelo judiciário.

Inclusive, como já mencionado, a jurisprudência ainda é bem vacilante neste tema, sendo assim, é relevante o tema economicamente, pois a pacificação social, muitas das vezes só se é alcançada com a sanção pecuniária que neste caso é pela fixação de indenização por danos morais.

Por outro lado, com a pacificação da indenização em decorrência da correta aplicação da teoria do tempo perdido ou teoria do desvio produtivo do consumidor, entendemos que a saúde da pessoa humana será atingida, pois com o temor causado pela possibilidade de haver uma indenização por ato ilícito por parte das empresas e das prestadoras de serviços, certamente haverá melhoria na qualidade dos serviços prestador e nos produtos fornecidos, o que seguramente trará menos estresse a pessoa humana e uma melhor qualidade de vida, possibilitando por via reflexa um bom meio ambiente social.

 

  1. A RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA ABORDAGEM EM RELAÇÃO A TEORIA DO TEMPO PERDIDO OU TEORIA DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR

Antes de adentramos no tema responsabilidade civil, é importante estudarmos o termo “responsabilidade” e neste ponto Carlos Roberto Gonçalves assevera que: “A palavra responsabilidade civil tem sua origem na raiz latina spondeo, pela qual se vincula o devedor, solenemente, nos contratos verbais do direito romano. Dentre as várias acepções existentes, algumas fundadas na doutrina do livre-arbítrio, outras em motivações psicológicas, destaca-se a noção de responsabilidade com aspecto da realidade social. Toda atividade que acarrete prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade”. (GONÇALVES, 2010).

Portanto, percebe-se que a responsabilidade é gerada em decorrência de uma atividade que acarrete prejuízo e tenha alguma repercussão social de forma a trazer uma forma de compensação pelo prejuízo sofrido pela parte prejudicada.

Sendo a responsabilidade civil um tema de suma importância para o cenário jurídico atual, agindo de forma a proporcionar um equilíbrio moral e até patrimonial a parte prejudicada, pois com a prática de um ato ilícito haverá a possibilidade de se buscar a compensação de ilícito por meio de indenização de ordem moral ou material.

Por isso “… a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiro em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal”(DINIZ, 2009).

Assim, considerando a legislação civil de 2002 a responsabilidade civil aquiliana que é a responsabilidade que decorre da inobservância de norma jurídica, está prevista nos artigos 186, 187 e 188.

A propósito, referidos artigos assim preveem:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”.

Também há previsão no art. 927 e seu parágrafo único do Código Civil, vejamos:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

E considerando o Código de Defesa do Consumidor – CDC, a responsabilidade civil está prevista no art. 6º, inciso VI, art. 14, art. 14, § 4º, que assim preveem:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

        VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

  • 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

E quando por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, alguém viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, gera então o dever de indenizar.

E aqui não analisaremos a questão da responsabilidade objetiva ou subjetiva em decorrência do estudo literário da legislação civil ou mesmo consumerista, mas, sim, faremos uma abordagem jurisprudencial em relação a teoria do tempo perdido ou teoria desvio produtivo do consumidor.

Todavia é importante destacar que os pressupostos de responsabilidade civil são: 1 – a conduta culposa, 2 – dano e o 3 – nexo causal, (salvo nos casos de responsabilidade objetiva em que o pressuposto culpa não é analisado).

Portanto, “Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Esse três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art. 186 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto, a saber:…”. (FILHO, 2007).

Contudo, tais pressupostos sofreram uma certa transformação com o passar dos tempos, de forma a trazer uma adequação a evolução social, pois houve a facilitação da prova com a responsabilidade objetiva em face da teoria do risco e a fixação de indenização por danos morais buscando a reparação do dano e também trazer um caráter preventivo e pedagógico da indenização para o infrator.

A responsabilidade na relação de consumo é objetiva, prescindindo de culpa (NETTO, 2013).

Com isso, dentre outras, houve o surgimento da teoria abordada neste trabalho, pois o fator tempo passou a ter uma importância digna de proteção pelo ordenamento jurídico e infelizmente o tempo ainda não é tratado em lei como direito subjetivo.

Tal proteção deveria ser regulamentada no ordenamento jurídico, uma vez que atualmente as pessoas têm a necessidade de otimizar seu tempo para conseguir fazer todas as tarefas do dia a dia.

Essa análise é simples, basta observar os dias atuais e os tempos mais remotos, atualmente, a pessoa para se manter em sociedade necessita trabalhar em 2 ou mais empregos, estudar, cuidar da família, estar em eventos sociais, enfim, uma infinidade de coisas que não existiam ao menos com tanta intensidade no passado.

Por isso é que o judiciário ainda de forma acanhada tem reconhecendo o direito a indenização em decorrência da perda de tempo útil do consumidor quando este não dá causa, por exemplo, a um problema que tem que resolver e para resolvê-lo perde horas e dias e, ainda, muitas vezes sem qualquer solução.

 

  1. O POSICIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO QUANTO A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS EM FAVOR DO CONSUMIDOR PELO TEMPO GASTO PARA A RESOLUÇÃO DE ALGUM PROBLEMA CAUSADO PELO PRESTADOR OU PELO FORNECEDOR DOS SERVIÇOS EM DECORRÊNCIA DA APLICAÇÃO DA TEORIA DO TEMPO PERDIDO OU TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR

O cerne da problemática a ser enfrentada conforme o tema deste trabalho, é como o judiciário têm se posicionado em relação a reparação de danos morais em favor do consumidor pelo tempo gasto para a resolução de algum problema causado pelo prestador ou pelo fornecedor dos serviços em decorrência da aplicação da teoria do tempo perdido ou teoria do desvio produtivo do consumidor.

Ou seja, se o tempo desperdiçado pelo consumidor para resolver algum problema é passível de gerar uma indenização por danos morais na visão jurisprudencial?

Por exemplo, se um consumidor perder horas ou dias ligando para uma operadora de celular, pois houve o lançamento em sua fatura de valores decorrente de ligações que efetivamente não fez e o valor da conta torna impossível o seu pagamento ante a capacidade financeira do consumidor, havendo o efetivo risco de bloqueio da linha caso não pague a conta. O consumidor liga incansavelmente a operadora, juntando inúmeros protocolos de atendimentos, inclusive, prejudicando seu trabalho, convívio social, horário junto com a família etc., sem qualquer êxito na solução do problema que não deu causa. Neste caso, isso é um mero aborrecimento do dia a dia ou é algo que merece reparação por danos morais pelo tempo dispendido, pela sensação de impotência do consumidor, por todo o desgaste sofrido neste trajeto da relação jurídica supostamente existente?

Por isso, o judiciário começou a enfrentar demanda que discutiam a aplicação em casos como a acima narrado da teoria do tempo perdido ou teoria do desvio produtivo do consumidor.

A propósito, em relação ao tema a 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no Recurso Especial de nº 1.647.452 – RO (2017⁄0004605-8), de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 26 de fevereiro de 2019, em recente julgado entendeu pela inexistência de danos morais em casos análogos, vejamos:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. LIMITE DE TEMPO DE ESPERA EM FILA DE BANCO ESTABELECIDO POR LEI LOCAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. EXSURGIMENTO. CONSTATAÇÃO DE DANO. NECESSIDADE. SENTIDO VULGAR E SENTIDO JURÍDICO. CONFUSÃO. DESCABIMENTO. FATO CONTRA LEGEM OU CONTRA JUS. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO DECISIVAS. USO DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL COM O FITO DE PUNIÇÃO E/OU MELHORIA DO SERVIÇO. ILEGALIDADE. DANO MORAL. LESÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE. ABORRECIMENTO, CONTRATEMPO E MÁGOA. CONSEQUÊNCIA, E NÃO CAUSA. IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO. AÇÃO GOVERNAMENTAL. 1. Os arts. 186 e 927 do CC estabelecem que aquele que, por ação ou omissão, causar efetivamente dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, ficará obrigado a repará-lo. Para caracterização da obrigação de indenizar o consumidor não é decisiva a questão da ilicitude da conduta ou de o serviço prestado ser ou não de qualidade, mas sim a constatação efetiva do dano a bem jurídico tutelado, não sendo suficiente tão somente a prática de um fato contra legem ou contra jus ou que contrarie o padrão jurídico das condutas. 2. Como bem adverte a doutrina especializada, constitui equívoco tomar o dano moral em seu sentido natural, e não no jurídico, associando-o a qualquer prejuízo economicamente incalculável, como figura receptora de todos os anseios, dotada de uma vastidão tecnicamente insustentável, e mais comumente correlacionando-o à dor, ao sofrimento e à frustração. Essas circunstâncias não correspondem ao seu sentido jurídico, a par de essa configuração ter o nefasto efeito de torná-lo sujeito a amplo subjetivismo do magistrado. 3. Com efeito, não é adequado ao sentido técnico-jurídico de dano a sua associação a qualquer prejuízo economicamente incalculável, como caráter de mera punição, ou com o fito de imposição de melhoria de qualidade do serviço oferecido pelo suposto ofensor, visto que o art. 944 do CC proclama que a indenização mede-se pela extensão do dano efetivamente verificado. 4. O art. 12 do CC estabelece que se pode reclamar perdas e danos por ameaça ou lesão a direito da personalidade, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Dessarte, o direito à reparação de dano moral exsurge de condutas que ofendam direitos da personalidade, bens tutelados que não têm, per se, conteúdo patrimonial, mas extrema relevância conferida pelo ordenamento jurídico. 5. A espera em fila de banco, supermercado, farmácia, e em repartições públicas, dentre outros setores, em regra, é mero desconforto que não tem o condão de afetar direito da personalidade, isto é, interferir intensamente no equilíbrio psicológico do consumidor do serviço (saúde mental). 6. O art. 4º, II, do CDC estabelece que a Política Nacional das Relações de Consumo implica ação governamental para proteção ao consumidor, sendo que, presumivelmente, as normas municipais que estabelecem tempo máximo de espera em fila têm efeito de coerção, prevendo a respectiva sanção (multa), que caberá ser aplicada pelo órgão de proteção ao consumidor competente, à luz de critérios do regime jurídico de Direito Administrativo. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, 2019)”. (grifamos).

Pela análise do julgado acima, percebe-se que a 4ª Turma do STJ entendeu que esse desperdício de tempo do consumidor em espera em fila de banco, supermercado, farmácia, e em repartições públicas, dentre outros setores, em regra, é mero desconforto que não tem o condão de afetar direito da personalidade, isto é, interferir intensamente no equilíbrio psicológico do consumidor do serviço (saúde mental) e, portanto, não é passível de indenização por danos morais.

Todavia, em outro recente julgado da 3ª turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no Recurso Especial – REsp: 1737412 SE 2017/0067071-8, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgado em 05 de fevereiro de 2019, houve o entendimento pela existência de danos morais em decorrência da aplicação da teoria do desvio produtivo do consumidor, vejamos:

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. TEMPO DE ATENDIMENTO PRESENCIAL EM AGÊNCIAS BANCÁRIAS. DEVER DE QUALIDADE, SEGURANÇA, DURABILIDADE E DESEMPENHO. ART. 4º, II, D, DO CDC. FUNÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE PRODUTIVA. MÁXIMO APROVEITAMENTO DOS RECURSOS PRODUTIVOS. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL COLETIVO. OFENSA INJUSTA E INTOLERÁVEL. VALORES ESSENCIAIS DA SOCIEDADE. FUNÇÕES. PUNITIVA, REPRESSIVA E REDISTRIBUTIVA. 1. Cuida-se de coletiva de consumo, por meio da qual a recorrente requereu a condenação do recorrido ao cumprimento das regras de atendimento presencial em suas agências bancárias relacionadas ao tempo máximo de espera em filas, à disponibilização de sanitários e ao oferecimento de assentos a pessoas com dificuldades de locomoção, além da compensação dos danos morais coletivos causados pelo não cumprimento de referidas obrigações. 2. Recurso especial interposto em: 23/03/2016; conclusos ao gabinete em: 11/04/2017; julgamento: CPC/73. 3. O propósito recursal é determinar se o descumprimento de normas municipais e federais que estabelecem parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias é capaz de configurar dano moral de natureza coletiva. 4. O dano moral coletivo é espécie autônoma de dano que está relacionada à integridade psico-física da coletividade, bem de natureza estritamente transindividual e que, portanto, não se identifica com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), amparados pelos danos morais individuais. 5. O dano moral coletivo não se confunde com o somatório das lesões extrapatrimoniais singulares, por isso não se submete ao princípio da reparação integral (art. 944, caput, do CC/02), cumprindo, ademais, funções específicas. 6. No dano moral coletivo, a função punitiva – sancionamento exemplar ao ofensor – é, aliada ao caráter preventivo – de inibição da reiteração da prática ilícita – e ao princípio da vedação do enriquecimento ilícito do agente, a fim de que o eventual proveito patrimonial obtido com a prática do ato irregular seja revertido em favor da sociedade. 7. O dever de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho que é atribuído aos fornecedores de produtos e serviços pelo art. 4º, II, d, do CDC, tem um conteúdo coletivo implícito, uma função social, relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade, entre eles, o tempo. 8. O desrespeito voluntário das garantias legais, com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço, revela ofensa aos deveres anexos ao princípio boa-fé objetiva e configura lesão injusta e intolerável à função social da atividade produtiva e à proteção do tempo útil do consumidor. 9. Na hipótese concreta, a instituição financeira recorrida optou por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos em lei municipal e federal, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, o que é suficiente para a configuração do dano moral coletivo. 10. Recurso especial provido. (STJ, 2019). (grifamos).

Neste Recurso especial julgado pela 3ª Turma do STJ, ao enfrentar a possibilidade de fixação de danos morais em decorrência da teoria do tempo perdido ou teoria do desvio produtivo do consumidor, essa turma entendeu que seria possível a reparação civil pela fixação de danos morais pelo tempo perdido ou desperdiçado pelo consumidor, pois a espera em fila de banco, supermercado, farmácia, e em repartições públicas, dentre outros setores, não seria mero desconforto ou dissabor corriqueiro do dia a dia.

E essa divergência doutrinária que ocorre no Superior Tribunal de Justiça – STJ, também ocorre nos Tribunais dos Estados, pois nestes órgãos colegiados também existem divergências acerca da possibilidade de fixação de danos morais pelo tempo perdido ou desperdiçado pelo consumidor.

Portando, a pacificação da matéria somente será possível com a decisão proferida em sede de recurso repetitivo.

A propósito, vejamos alguns recentes julgado dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, nesta sequência, sobre o tema estudado:

“CONSUMIDOR. DEMANDA DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA C/C CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C/C COMPENSATÓRIA POR DANOS MATERIAL E MORAL. IMPUTAÇÃO DE DÍVIDA À PARTE AUTORA MEDIANTE COBRANÇA EM SEU CARTÃO DE CRÉDITO. PARTE AUTORA QUE NEGA A CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO COM O RÉU REVENDEDOR. PROCEDÊNCIA. APELO DO RÉU REVENDEDOR BUSCANDO A REFORMA INTEGRAL DO JULGADO. LEGITIMIDADE PASSIVA INEQUÍVOCA. TRATANDO-SE DE FATO DO SERVIÇO, CABERIA AOS RÉUS A PRODUÇÃO DE PROVA DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO AUTORAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA IMPOSTA LEGALMENTE (ARTIGO 14, § 3º, DO CDC). AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO, MESMO EM JUÍZO, DO DOCUMENTO QUE MATERIALIZASSE A DÍVIDA IMPUTADA À PARTE AUTORA. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DA DÍVIDA QUE SE IMPÕE. DANO MORAL CARACTERIZADO PELA AFLIÇÃO E SOBRESSALTO SOFRIDOS PELA PARTE AUTORA, ALÉM DO TEMPO ÚTIL PERDIDO. INCIDÊNCIA DA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO. VALOR COMPENSATÓRIO FIXADO EM R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS) QUE SE REVELA PROPORCIONAL, RAZOÁVEL E EQUILIBRADO. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO. Na espécie, os réus imputaram à parte autora dívida oriunda de compra e venda supostamente realizada num estabelecimento da ré RN Comércio, mediante o uso de cartão de crédito da ré Via Varejo administrado pelo réu Banco Bradescard. A parte autora, por sua vez, nega a celebração do negócio jurídico com o réu revendedor. A legitimidade passiva do réu revendedor (RN Comércio) é inequívoca por integrar a cadeia de consumo. Com efeito, tratando-se de fato do serviço, cujo ônus da prova é legalmente imposto ao prestador do serviço (artigo 14, § 3º, do CDC), caberia aos réus, in casu, a produção de prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral (artigo 373, II, do NCPC), o que seria facilmente cumprido com a juntada do comprovante da transação supostamente celebrada pela parte autora. Contudo, os réus não produziram qualquer prova da existência da dívida que imputam à parte autora. Neste cenário processual, onde não comprovada a dívida atribuída à parte autora, impõe-se a declaração de sua inexistência e a condenação dos réus ao ressarcimento do dano material e à compensação pecuniária por dano moral. Neste particular, a postura ilegal adotada pelos réus (imputação de dívida sem lastro) atentou contra a dignidade da parte autora, que, acreditando-se ameaçada de negativação, se viu obrigada a efetuar tentativas, infrutíferas, de resolução amigável da pecha que lhe foi injustamente atribuída, desperdiçando tempo útil de sua vida. Incidência da teoria do desvio produtivo do consumidor, recentemente aplicada pelo E. STJ. Fixação do valor compensatório em R$ 2.000,00 (dois mil reais) que se revela equilibrado, proporcional e razoável, estando em consonância com precedentes desta Corte de Justiça. Desprovimento. Majoração da verba honorária advocatícia sucumbencial em sede recursal. (TJ-RJ, 2019).

E “INÉPCIA RECURSAL – Inocorrência – Recurso da parte requerente que impugnou os fundamentos da decisão recorrida, apresentando seus requisitos de admissibilidade (art. 1.010, II e III, do NCPC) – Preliminar rejeitada. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – Demanda julgada improcedente – Pretensão da apelante de ver o apelado condenado no pagamento de indenização por dano moral – Descabimento – Abalo emocional não caracterizado – Recebimento de cobrança via telefone que configura mero dissabor, até porque não houve a inclusão do nome da requerente em cadastros de proteção ao crédito – Hipótese de não incidência da teoria do desvio produtivo do consumidor, posto que a autora não demonstrou que tivesse perdido muito de seu tempo na solução da questão posta em juízo (art. 373, inciso I, do NCPC)- Ausência de lesão aos direitos da personalidade – Precedentes desta corte e do STJ – Recurso desprovido, com majoração dos honorários advocatícios de 15% para 20% sobre o valor da causa, atualizado, cuja exigibilidade fica suspensa (arts. 85, § 11, e 98, § 3º, do NCPC). (TJ-SP, 2020). grifamos.

Pelos julgados analisados, percebe-se como já mencionado que ainda é muito vacilante a jurisprudência sobre a aplicação da teoria do tempo perdido ou teoria do desvio produtivo do consumidor, posto que há entendimentos divergentes sobre o tema, contudo, o que se consegue em princípio precisar é que para que haja direito a indenização por danos morais fundados nesta teoria, será necessário a demonstração de que a perda de tempo foi efetiva, e que houve por parte do consumidor um desperdiço efetivo e grande do seu tempo para resolver um problema que não deu causa.

 

CONCLUSÃO

Após uma profunda análise na jurisprudencial atual, considerando o propósito do presente trabalho que é a análise jurisprudencial quanto a possibilidade da reparação de danos morais em favor do consumidor pelo tempo gasto para a resolução de algum problema causado pelo prestador ou pelo fornecedor dos serviços em decorrência da aplicação da teoria do tempo perdido ou teoria do desvio produtivo do consumidor, percebemos que a jurisprudencial sobre a aplicação desta teoria é totalmente divergente, inclusive no Superior Tribunal de Justiça – STJ.

Percebemos ainda que o instituto da responsabilidade civil vem sendo observado sob uma nova perspectiva, pois além dos pressupostos basilares, também se está analisando o tempo desperdiçado pelo consumidor, demonstrando, assim, uma adequação decorrente da própria evolução social para qual o direito tem que se adequar.

Portanto, entendemos que no capitalismo e consumismo acelerado dos dias atuais, o tempo perdido pelo consumidor para resolver problemas pelos quais não deu causa, passa do mero dissabor cotidiano, sendo possível a indenização por danos morais em decorrência da responsabilidade civil pela aplicação da teoria tempo perdido ou teoria do desvio produtivo do consumidor, desde que fique demonstrado que empresa ou o prestador do serviços não propôs meios hábeis para a solução do problema e fique demonstrado além dos pressupostos basilares da responsabilidade civil, também o tempo desperdiçado pelo consumidor

Por isso há necessidade de se demonstrar além dos requisitos tradicionais da responsabilidade civil, também deve haver prova de abuso do fornecedor ou prestador de serviços e do tempo efetivamente gasto pelo consumidor para que haja direito a indenização por danos morais.

 

REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil, 7ª ed, p. 17. São Paulo: Atlas, 2007.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

 

NETTO, Felipe Peixoto Braga. Manual de direito do consumidor à luz do STJ. 8ª ed., rev., amp., atual. Bahia: Editora JusPODIVM, 2013.

 

STJ. (26 de 02 de 2019). RECURSO ESPECIAL: REsp: 1647452 RO 2017/0004605-8, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, DJ: 26/02/2019, T4 – Quarta Turma. Fonte: JusBrasil. https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/859535428/recurso-especial-resp-1647452-ro-2017-0004605-8/inteiro-teor-859535430?ref=serp. Acesso em: 15 de julh. de 2020.

 

STJ. (05 de 02 de 2019). RECURSO ESPECIAL: REsp: 1737412 SE 2017/0067071-8, Relator: Ministra Nancy Andrighi,, DJ: 05/02/2019, T3 – Terceira Turma. Fonte: JusBrasil.: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/673844404/recurso-especial-resp-1737412-se-2017-0067071-8/certidao-de-julgamento-673844451?ref=serp. Acesso em: 15 de julh. de 2020.

 

TJ/RJ. (11 de 12 de 2019). APELAÇÃO CÍVEL – APL: 00691524020178190001, Relator: Des(a). Cleber Ghelfenstein, DJ: 11/12/2019, DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL. Fonte: JusBrasil.: https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/793510228/apelacao-apl-691524020178190001?ref=serp. Acesso em: 15 de julh. de 2020.

 

TJ/SP- (23 de 03 de 2020). APELAÇÃO CÍVEL – AC: 10007845120198260597 SP 1000784-51.2019.8.26.0597, Relator: Mendes Pereira, DJ: 24/03/2020, 15ª Câmara de Direito Privado. Fonte: JusBrasil.: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/825192928/apelacao-civel-ac-10007845120198260597-sp-1000784-5120198260597?ref=serp. Acesso em: 15 de julh. de 2020.

 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 14 de julho de 2020.

 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 14 de julho de 2020.

 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em 14 de julho de 2020.

 

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