Aplicação do código de defesa do consumidor nas relações locatícias residenciais

Resumo: Este artigo aborda a possibilidade da aplicação do CDC no contrato de locação residencial, sob a égide da jurisprudência e doutrina, e as conseqüências dessa interpretação.

Palavras-chave: CDC, contrato de locação, contrato de adesão, cláusula abusiva, lei do inquilinato, Lei 8.078/90 e Lei 8.245/91.

1.  CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Considerando a dignidade humana  princípio fundamental da Constituição Federal Brasileira vigente e a ideologia do “século americano” (estilo de vida calcado na hegemonia da língua e cultura americana, com a unificação dos países pela rede de informação, centralização da vida na publicidade, apelos hedonistas e euforia do consumo), na atual economia de mercado e de democracia, é relevante que o ordenamento jurídico esteja bem constituído, para o sistema de mercado funcionar a contento, também com outro fundamento constitucional: a proteção do consumidor – arts. 1o., inciso III, 5o,, inciso XXXII e 170 da CF/88.

Assim, na realidade deste novo século é questionado se a relação jurídica locatícia de imóvel, a princípio civil, conforme tradicional doutrina e ensino, pode ser interpretado como relação de consumo.

Destaca-se o fato de estarmos entrando no primeiro século urbano da História, nunca houve tanta gente morando em áreas urbanas em nenhum outro momento histórico. O crescimento das cidades é inevitável e irreversível, a população urbana mundial era de 2,4 bilhões de pessoas em 1990, será de 3,2 bilhões no próximo ano e de 5,5 bilhões dentro de uma geração, ou seja, 95% do crescimento demográfico mundial para a próxima década se dará em áreas urbanas.

Em 1950, Nova York era a única cidade do mundo com mais de 10 milhões de habitantes em 1975, outras quatro se juntaram a ela: Tóquio, Xangai, Cidade do México e São Paulo. No Brasil a população urbana também em 1950 era de 36%, um país rural, em 1990,  76% da população já vivia em áreas urbanas, sendo  uma das maiores taxas de urbanização, porém, com enorme déficit habitacional, com  desequilíbrio na oferta e procura de imóveis.

Nesse contexto, procuramos analisar se o microssistema do Código de Defesa do Consumidor, com regramento específico para si, pode ser aplicado ao mercado imobiliário, especificadamente ao contrato de locação residencial, pois são vários os contratos imobiliários, v.g., compra e venda, incorporação imobiliária, administração de imóveis etc., e quais as conseqüências dessa interpretação.

Por outro lado, considerando a amplitude e diversidade do conteúdo dos contratos de locação imobiliária, inclusive, a permissão da forma verbal para o vínculo locatício, e não se esquecendo do prescrito na lei do inquilinato, é patente a dificuldade e até a impossibilidade de se analisar o contrato de locação imobiliário que possa ser considerado único.

Para solucionar esse impasse a escolha recaiu no que o próprio sistema jurídico determina para formalizar juridicamente a vontade das partes com segurança, autenticidade, publicidade e eficácia dos atos jurídicos, com os contratos de locação dos Serviços Notariais e/ou de Registro, que são similares aos contratos de locação vendidos em papelaria.

Entretanto, a quantidade também desses órgãos fez-se necessário delimitar a sua abrangência, partindo a escolha pelos Serviços Notarias e/ou de Registro existentes no Município de São Paulo, pesquisou-se os 10 (dez) Serviços Notarias e/ou de Registro do Município de São Paulo.

2. NOÇÕES PRÉVIAS

Antes de adentrar ao objeto do estudo, se faz necessário algumas noções gerais dos microssistemas, com definições básicas, esclarecendo ao leitor que não é propósito dessa pesquisa o aprofundamento e debate das definições.

2.1  Conceito de relação de consumo

A relação de consumo[1] não é definida em lei, do microssistema do Direito do Consumidor devem ser trazidos os seguintes conceitos para caracterizar as relações de consumo.

Ao lado desses elementos despontam três correntes doutrinárias para justificar a aplicação do CDC no âmbito das atividades econômicas: a teoria finalista, que preconiza a vulnerabilidade do consumidor, a teoria maximalista que considera-o como diretriz da relação contratual, seja ou não de consumo, face ao artigo 29º do CDC, e a teoria mista que assevera a consideração fática da proteção da lei ao consumidor, intuito do CDC, mesmo não havendo a hipossuficiência do consumidor no caso concreto.

É necessário, portanto, antes de falar na aplicação do Código de Defesa do Consumidor  em alguma situação prática ou a um instituto, mostrar a quem se aplica, ou seja, seus sujeitos necessários; e em especifico sobre o contrato de locação imobiliária termos a definição de serviço.

2.2  Conceito de consumidor

De acordo com o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Artigo 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

É um elemento caracterizador a destinação final do produto ou serviço no conceito de consumidor, indicando o ponto terminal do processo de intercâmbio de mercadorias, sendo que os bens são adquiridos para satisfação de necessidades materiais e espirituais, e não para a recolocação no mercado.

Isoladamente não é completo, é necessário ainda acrescentar a vulnerabilidade social e econômica, que Fábio Konder Comparato[2] trata como submissão ao poder de controle do titular dos bens de produção; e, a exposição devido a grande massa de contratos de adesão que move a sociedade de consumo.

O Código de Defesa do Consumidor traz ainda a figura do consumidor equiparado, de acordo com o artigo 29, in verbis:

Artigo 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

É um canal de oxigenação que permite a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a quem não é consumidor, mas que se encontra exposto às práticas nele elevadas, aumentando a tutela protetiva.

Temos, também, a equiparação do consumidor no artigo 17 do CDC, in verbis:

Artigo 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

Esta equiparação faz referência aos casos de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço nas relações de consumo que eivadas produziram danos, com a responsabilidade objetiva do fornecedor.

2.3  Conceito de fornecedor

Conceitua o Código de Defesa do Consumidor no artigo 3º , caput, o fornecedor, in verbis:

Artigo 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização  produtos ou prestação de serviços.

A profissionalidade no exercício da atividade[3] é ponto central do conceito de fornecedor, mas a isso deve se acrescer que na composição da relação de consumo é necessário trazer de volta o caráter de que o produto ou o serviço fornecidos seja de destinação final, não serem utilizados para o desenvolvimento da atividade empresarial do fornecedor.

O fornecedor, no desempenho de suas atividades com profissionalidade é quem de algum modo contribui para circulação de produtos e de serviços, seja ele ente público ou privado, até mesmo sem personalidade jurídica.

Há, portanto, um par conceitual para as relações de consumo: destinação final e profissionalidade que deve ser observada desde a oferta do produto ou serviço até a total execução do contrato de consumo.

2.4  Conceito de serviço

Serviço é definido de acordo com o parágrafo 2º do artigo 3º, in verbis:

§ 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

2.5  Conceito de locação

Na locação de coisas, o locador é toda pessoa física ou jurídica que cede o uso, gozo de um bem, móvel ou imóvel, ao locatário, pessoa física ou jurídica que recebe e serve-se do bem, mediante retribuição, com tempo determinado, artigo 1.188 do Código Civil e 22, I e II da Lei nº. 8.245/91.

3. CONTRATO DE ADESÃO

O contrato como forma de composição de interesses sempre esteve presente no convívio social, desde os tempos remotos, como se verifica no Direito Romano, os contratos de venda, locação, etc. Era visto, na clássica noção, como uma relação de iguais, com partes contratantes livres, compondo os seus interesses na mesma posição de igualdade.

O contrato de adesão surge da evolução social, histórica, principalmente tecnológica, e econômica da humanidade que com a revolução industrial, calcado no conhecido “modelo fordista” (sistema industrial de produção em massa inaugurado no início do século 20 pela Ford), teve propulsão da economia, em escala, e consequentemente o consumo em massa.

Nesse novo contexto as normas jurídicas que existiam não mais atendiam as novas exigências contratuais do cidadão, e, mais, ainda das empresas, necessitando-as de um instrumento jurídico ágil, que racionalizasse os negócios e a organização empresarial com baixo custo. Esse novo instrumento, contrato de adesão, impossibilitou o ajuste individual e a discussão quanto aos pormenores do produto pelo consumidor.

A realidade social e econômica à época do Código Civil Brasileiro, publicado em 1916, retrata o país, Brasil, conservador, patriarcal, rural e de relações contratuais individualistas centralizadas na propriedade imobiliária. Vale lembrar que o modelo contratual aplicado era pautado pelo Código Civil Brasileiro, elaborado em realidade totalmente diversa da atual, com os princípios da autonomia da vontade, da força obrigatória do contrato e da boa-fé, limitados apenas pelas normas de ordem pública e os bons costumes.

O regramento jurídico não mais servia as velozes mudanças sociais com o impacto cada vez maior das descobertas e invenções tecnológicas na economia  —  quem imaginaria há quarenta anos atrás o computador pessoal, a Internet, a biotecnologia ?

Tornou-se necessário uma norma jurídica que atendesse essa realidade, inclusive, pela necessidade do próprio Estado ter os investimentos financeiros estrangeiros, o que só seria possível com regras conhecidas e estabelecidas, com mínimo de segurança jurídica e econômica, dado as despesas das demandas judiciais na produção dos bens que não passa desapercebida pelo mercado numa instabilidade política.

Essa modificação legislativa veio, principalmente, através da Lei Maior, de 1988, com novos princípios na ordem econômica: a livre iniciativa ajustada à função social da propriedade dos bens de produção e a dignidade da pessoa humana (respeito ao consumidor, artigo 170º, V e artigo 1º e  5º, XXIII, da CF/88).

Mas não foi suficiente. Era necessária a alteração da legislação infraconstitucional.

A técnica de reformas legislativas com elaboração de novos códigos, civis, penais, trabalhistas, tributários, deram lugar às conhecidas mini reformas, com feitura e adoção de leis específicas para cada matéria, resultando um complexo e emaranhado sistema  jurídico com  vários microssistemas, além da legislação infraconstitucional recepcionada.

No campo jurídico contratual  a intervenção estatal veio com a promulgação da específica Lei nº. 8.078/90, divulgada como Código de Defesa do Consumidor, passando a disciplinar as novas relações contratuais, de consumo, com os contratos de adesão, como um verdadeiro microssistema multidisciplinar.[4]

3.1  Conceito de contrato de adesão

Portanto, a nova instrumentalização dos negócios ditada pela produção e consumo em série foi regrado pelo modelo contratual de adesão, conceituado no artigo 54 da Lei nº. 8078/90, in verbis:

Artigo 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Destaca-se que a doutrina já tratava do tema, tendo a expressão “contrato de adesão” surgido com análise do Código Civil Alemão por Raymond Saleilles, na obra De la Declaration de Volonté, Librairie General de Droit et Jurisprudence, Paris, 1929, e na nossa doutrina pátria com os estudos de Orlando Gomes.[5]

O contrato de adesão apresenta as características de:

1) simplificação no modo de produzir-se o consentimento, com expressa aceitação em bloco das condições pré-redigidas; 2) desigualdade entre as partes, favorecendo a que dita as condições, o que não raro conduz ao abuso e à arbitrariedade; 3) oferta pública firme e irrevogável; 4) intervenção do Estado nos contratos, numa frenagem aos abusos a que a condição de privilegio fatalmente descamba[6] .

Essas características seguem os princípios[7]:

1) princípio da unidade e invariabilidade do conteúdo (cláusulas padronizadas);

2) princípio da complexidade ou tecnicismo;

3) princípio da generalidade (indeterminação dos destinatários) ou permanência da oferta;

4)  princípio da superioridade ou prepotência econômica(ausência de negociação prévia);

5) princípio do estado de necessidade (aceitação compulsória do destinatário, “take it or leave it”);

6) princípio da preservação do contrato (nulidade parcial);

Com a Constituição Federal de 1988, a doutrina moderna considera os contratos de consumo como interesses coletivos ou difusos.

O CDC atua não só no momento da contratação, adesão, mas, também na fase pré-contratual, disciplinando a publicidade, depois na pós-contratação e por derradeiro na execução do contrato, arts. 37, 49 e 51, estabelecendo as chamadas cláusulas abusivas.

4. CLÁUSULAS ABUSIVAS

Nos artigos 51 a 53 do CDC o legislador listou as possíveis situações tidas como abusivas, elecando exemplificativamente, conforme caput do artigo 51, deixando em aberto a definição de abusividade contratual para o intérprete dada a impossibilidade de se exaurir todas as circunstâncias da vida real.

Utiliza-se também de outras regras, cláusulas gerais, que permitam proibir as situações leoninas, vexatórias, onerosas ou lesivas aos consumidores, para conceituar a abusividade, sendo um sistema aberto.

Os elementos para caracterizar  a cláusula abusiva são:

a) predisposição unilateral;

b) inserção em condições gerais;

c) atribuição de onerosidade e desvantagens excessivas ao aderente;

d) incompatibilidade com as hipóteses da lista legal, artigo 51, ou com a boa-fé  e a equidade.

A constatação da abusividade nas cláusulas contratuais predispostas unilateralmente deve se submeter à análise geral, total do contrato, pois tendo o equilíbrio como escopo das relações contratuais de consumo é mister a análise do objeto contratual para que se verifique a desvantagem do consumidor.

Assim, a liberdade contratual somente é concedida para que seja alcançada a sua função social: alcançar o que é justo e útil socialmente.

Importante, frisar que cláusula abusiva não é cláusula ilícita, (CC, artigo 145, II) o conceito de abusividade é maior, depende da extensão das obrigações na análise global do contrato, não sendo proibida legalmente, as cláusulas ilícitas, ao contrário, tem o objeto ilícito, embora, os efeitos destas duas cláusulas sejam o mesmo: a nulidade de pleno direito.

Os princípios e direitos básicos do Direito do Consumidor, Lei nº 8.078/90, norteiam a abusividade contratual, são eles:

1) o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, artigo 4º;

2) a ação governamental no sentido de proteger o consumidor, pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança e desempenho, artigo 4º;

3) a informação adequada, clara e precisa, sobre os diferentes produtos e serviços, com a especificação correta sobre as suas características, qualidades, e sobre os riscos que apresentam, artigos 6º, 31, e 50;

4) proteção contra o produto ou serviço que possa acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, artigos 8º, 9º e 10º;

5) proteção contra produtos e serviços com vícios de qualidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo  a que se destinam ou lhe diminuam o valor, assim, como por aqueles decorrentes da disparidade de indicações constantes da oferta, embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, independentemente de culpa, artigos 12, 18, 20, 21, 23, 24 e 25;

6) proteção contra qualquer modalidade de publicidade, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidades ou propriedades sobre produtos e serviços, artigos 37, 66 e 67;

7) a inversão do ônus da prova, artigo 6º, VIII;

8) o direito de arrependimento, artigo 49;

9) a interpretação contra stipulatorem, artigo 47;

10) o dever de garantia, artigo 50.

Estas regras harmonizam-se com o sistema de proteção ao consumidor, eis que o próprio sistema impõe a nulidade da cláusula, além de sanção administrativa, arts. 51, § 2º e 56 da Lei nº 8.078/90, com controle prévio administrativo e a possibilidade do controle interno, ou seja, o exame do contrato pelo próprio consumidor.

O controle externo[8] pode ser realizado também por autoridades administrativas e pelo Poder Judiciário que normalmente exerce a fiscalização cogente das cláusulas abusivas.

Defende Nelson Nery Junior[9] que a cláusula abusiva por ser uma nulidade absoluta[10] efeito “ex tunc”, e matéria de ordem pública não está sujeita a preclusão temporal, podendo o Poder Judiciário se manifestar ex officio, sendo imprescritível a ação judicial.

E no campo processual a defesa do consumidor é ampla, irrestrita, conforme artigo 83 do CDC, in verbis:

Artigo 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

5. CONFLITO TEMPORAL DAS LEIS

O conflito das leis se deve em razão da diretriz do artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro[11], com a promulgação da lei ordinária do inquilinato, Lei nº 8.245 de 18 de outubro de 1991, e a vigência do CDC, também lei ordinária, em 11 de março de 1991, respeitado o vacatio legis.

O choque decorre do fato da Lei nº. 8.245/91 dispor expressamente seu âmbito de aplicação às locações imobiliárias urbanas, porquanto com regramento próprio para esses contratos, e o CDC, também dispor  regras contratuais.

Existe dois entendimentos: a corrente doutrinária que aplica o CDC nos contratos de locação e a corrente contrária que afasta-o.

Os doutrinadores contrários à aplicação do CDC argumentam, no campo infraconstitucional, a resolução em favor da lei mais moderna, no conflito entre leis especiais ou gerais. Alegam, outrossim, a disposição expressa da Lei nº. 8.245/91, artigo 79, que determina a aplicação supletiva do Código Civil e do Código de Processo Civil nos casos omissos.

Com entendimento contrário, com aplicação do CDC nas relações locatícias, a defesa decorre da efetividade constitucional do CDC, art.5º, XXXII, inclusive, como cláusula pétrea, e art. 48 no ADCT da Constituição Federal de 1988, como verdadeiro instrumento complementar[12], pois a valorização do consumidor diante do lucro, vantagem econômica contratual, do mercado imobiliário, é o entendimento coerente, pois a dignidade humana, com o respeito ao consumidor, deve ser ponderada[13] frente ao valor constitucional da livre iniciativa.

Defendem o CDC como norma geral dos contratos de consumo e não de um contrato de consumo específico, e a compatibilidade com leis especial posteriores não é proibida, desde que a matéria seja compatível.

A regra da compatibilidade das leis é seguida por Claudia Lima Marques, ipsis litteris:

“Vale lembrar que as normas do CDC são gerais e não revogam expressamente a lei especial existente e nem são revogados por leis especiais posteriores. Como ensina Oscar Tenório, pode haver a coexistência da nova lei em face da anterior lei, desde que compatíveis. A lei especial mais nova não afeta a vigência da lei geral anterior, no que não forem incompatíveis, sendo necessário examinar a finalidade da duas leis. É a regra da compatibilidade da leis. O CDC não trata de nenhum contrato em especial, mas se aplica a todos, a todos os tipos de contratos, se contratos de consumo. Neste caso não revogará as normas especiais referentes a estes contratos, que nem sempre são de consumo, mas afastará a aplicação das normas previstas nas leis especiais anteriores que forem incompatíveis com o novo espírito tutelar e de equidade do CDC.

Se a lei é posterior, como no caso da Lei 8.245/91, é de se examinar a compatibilidade do CDC com a lei mais nova. No caso, o CDC e a nova Lei de Locações são perfeitamente compatíveis, tratam de aspectos diferentes da mesma relação contratual e serão usadas conjuntamente quando tratar-se de locações urbanas não-comerciais”[14].

Necessário esclarecer que a jurista adota a teoria finalista, considerando apenas o contrato de locação residencial, sob a ótica dos artigos 2º e 3º do CDC, como relação de consumo.

Consideram, ainda, a obrigatoriedade da convergência do direito constitucional de moradia e da função social da propriedade[15], normas de ordem pública que ensejam a intervenção estatal, o CDC, nos contratos de locação imobiliária, art.6 da CF/88.

Contudo, a Lei do Inquilinato é também de ordem pública em matéria de locações urbanas, de inegável relevância social, originando-se a intervenção estatal para proteção dos locatários, conforme prescreve o artigo 45 da Lei nº. 8.245/91, in verbis:

Artigo 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente Lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no artigo 47, ou que afastem o direito à renovação,  na hipótese do artigo 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.

6. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

A política habitacional desde o extinto Banco Nacional de Habitação, do Sistema Habitacional Financeiro, não saldou o déficit de moradia para a grande massa de pessoas de baixa renda, que  foram empurradas para as periferias das cidades, zonas de mananciais e que culminou em cidades como São Paulo na existência do Movimento dos Sem Teto, copiando o Movimento dos Sem Terra, com ocupação clandestina de prédios públicos e privados abandonados no centro da cidade.

A política urbana é de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com previsão constitucional de programas de construção, melhoria das condições habitacionais e saneamento básico ( artigo 23, IX ), além  da função social da propriedade urbana diante do Estatuto da Cidade.

A crise habitacional traz os reflexos, como a busca de soluções variadas pelo legislador, desde o incremento nas locações de imóveis até uma política de financiamento de imóveis que trazem figuras conhecidas e amplamente difundidas pelo meio empresarial para aquisição de bens imóveis, sejam elas a alienação fiduciária em garantia, leasing imobiliário, até a busca de fundos no mercado mobiliário, com o lançamento de títulos como o certificado de recebíveis imobiliários, afora as garantias pelos caucionamentos. Merece realce a nota aposta por Francisco Carlos Rocha de Barros[16], ipsis litteris :

Não fossem tão profundos os desníveis sociais, se os cidadãos estivessem situados em planos econômicos razoavelmente próximos, não haveria necessidade de tanto legislação extraordinária. As normas quase centenárias do Código Civil, que respeitam a propriedade e proclamam a liberdade de contratar, seriam suficientes.

(…) Importa anotar, inicialmente, que para enfrentar questões de locação predial urbana não se deve perder de vista a falta de moradias decorrente da miséria que castiga milhões de brasileiros, desafiando a inteligência e a sensibilidade  do legislador. De um lado, a preocupação com a dignidade da pessoa humana,  reclamando a proteção de um teto para cada família e forçado a edição de  leis protetoras do inquilino; de outro, a restrição aos direitos do proprietário, desestimulando o investimento na construção de  imóveis e fazendo diminuir a oferta e aumentar a demanda. Atormentado por tais pressões o legislador brasileiro vem-se esforçado ao longo dos anos para apresentar  normas reguladoras de locação que sejam justas e equilibradas

6.1  As posições doutrinárias.

A doutrina que defende a aplicação do CDC nos contratos de locação imobiliária aduz que se trata de contrato de consumo, aliada ao intuito da paz social, com  a previsão constitucional de proteção à moradia, e a função social da propriedade.

O entendimento contrário justifica a inaplicabilidade do CDC por não existir relação de consumo.

A corrente favorável procede à análise dinâmica do sistema jurídico, com os conceitos estabelecidos pelo artigo 1.188 do Código Civil, consistindo a locação na cessão temporária do uso e gozo do imóvel, mediante certa retribuição, com os conceitos estabelecidos no CDC de consumidor e fornecedor.

Por esse raciocínio estão presentes as figuras do fornecedor e do consumidor, a que alude o CDC: o locador faz a entrega do imóvel, ou seja, fornece o imóvel (artigo 3º e § 1º), enquanto o locatário está na posição de consumidor desse produto (artigo 2º), porque o recebe para locação não comercial, ou seja, sem as características específicas da locação comercial e industrial, submetendo-se a tutela do CDC.

Esse é o magistério de Claudia Lima Marques[17]; o locatário como destinatário final do produto, permite a aplicação do CDC, pois está sob a égide do conceito de consumidor, que utilizando o imóvel, casa, apartamento, para moradia é destinatário final.

Argumenta a seu favor a caracterização do imóvel como produto, objeto de consumo, diante da necessidade de habitação, artigos 2º e 3º do CDC, afirmando ser este o entendimento da jurisprudência, coligindo julgado do TARS, ipsis litteris:

Ação Civil Pública. Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação visando a proteção do consumidor. A relação de intermediação de imóveis para locação submete-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor. Cláusulas de contrato de adesão cuja nulidade se reconhece. Inaplicabilidade da Lei 8.078, de 11.9.90, aos contratos firmados anteriormente à sua vigência.Recurso parcialmente provido.’ [18]

Reforçando esse entendimento, aduzem, também, que o contrato de locação imobiliário tem outorga de crédito, outro objeto de consumo, eis que o valor locatício, aluguel, será pago posteriormente ao uso e gozo do imóvel.

Nessa linha de argumentação,  da aplicação do Código de Defesa do Consumidor[19]  segue o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa[20], ipsis litteris :

O CDC cria um microssistema legal que se insere e se harmoniza com as relações jurídicas regidas pelas leis civis, mercantis, administrativas. Dúvidas inexistem que as constantes leis do inquilinato de nossa história, afora o caráter emergencial de anteriores leis revogadas, sempre se mostraram como leis especiais, destinadas unicamente a reger a relação ex locato, com evidente intuito protetivo do inquilino.

Sob esse aspecto há patente ponto de contato entre o CDC e a Lei do Inquilinato : ambos os diplomas buscam proteger o contratante em tese juridicamente mais fraco, contra aquele que se apresenta na relação negocial, sempre em tese como economicamente mais forte : locador e locatário; consumidor e fornecedor ( estes conceituados respectivamente nos arts. 2º e 3º do CDC).

No entanto , o CDC é norma abrangente de toda a relação de consumo, enquanto a lei do inquilinato se particulariza na relação da locação imobiliária.

(…)

Desse modo, tanto numa como noutra legislação, ambas de caráter eminentemente protetivo do juridicamente mais fraco, cabe ao julgador no caso concreto concluir se a cláusula contratual contraria o espírito do diploma legal.

Por isso, a posição do intérprete, ao examinar relação locatícia, é partir da premissa primeira do cunho da lei do inquilinato; a seguir seu raciocínio demandará os princípios de defesa do consumidor  e o exame de sua aplicação. Não se esqueça ademais dos princípios do Código Civil. Esta se nos afigura como sendo a postura correta na aplicação de ambas.

(…)

Tanto a lei de defesa do consumidor como a lei do inquilinato vieram a lume para corrigir distorções de relações negociais. Cabe ao intérprete impedir que se materialize uma distorção dentro da outra. Não foi essa evidentemente a intenção do legislador, sob pena de ser tolhida a livre iniciativa, elevada a categoria de garantia individual ( artigo 5º, XIII da CF), e com ela empedernir-se o fluir da economia. Ainda porque a ordem econômica constitucional deve ser assegurada entre outros, pelos princípios de livre concorrência, no mesmo plano da defesa do consumidor ( artigo 170, incs. IV e V da CF, respectivamente. Ou tem termos mais práticos, distantes dos postulados teóricos : há bons e mais fornecedores, assim com há bons e maus consumidores. Em termos axiológicos, a apreciação do intérprete, do juiz deve levar em conta os voltes em jogo porque o ordenamento pátrio hoje lhe dá o instrumental necessário.

(…)

Nesse ponto, por conseqüência, se harmoniza o conceito de coletividade e interesses difusos com  a redação do parágrafo único do artigo 2º do CDC, o qual após definir consumidor individual estatui : ‘Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis,  que haja intervindo nas relações de consumo’.

Ora , levando-se em conta esses dispositivos não é custosos concluir que basta a conceituação de consumidor na relação jurídica para a aplicação da norma, independentemente de se buscar a tipificação do outro sujeito da relação, como fornecedor ou não. Sob tal aspecto será trazida à proteção do inquilino, portanto, todos o microssistema do consumidor, inclusive, é evidente, as infrações penais  e as normas processuais que permitem a defesa coletiva de interesses ( artigo 81 e ss.).

(…)

Ainda que de aparente perplexidade, o âmbito procurado pela lei de defesa do consumidor permite e conduz a essa conclusão. Quer nos parecer, portanto, que essa será a orientação da jurisprudência que tomará corpo.

(…)

Portanto, que se enquadre o locatário na definição genérica de consumidor do artigo 2º, quer na definição de incidência mais específica do artigo 29 do CDC, não há de se negar que o inquilino ao contratar a locação imobiliária se expõe perante a relação de consumo e nela se insere, independentemente da figura que se apresenta como locador.

(…)

O conceito de consumidor é emoldurado pela idéia de vulnerabilidade. Assim também o inquilino. Protege-se o inquilino na atual Lei do Inquilinato, em menor extensão é verdade do que na lei anterior, porque em tese é a parte vulnerável na relação jurídica. Eventual abuso de direito, que no caso concreto subverta ou faça desaparecer essa vulnerabilidade, encontrará, por certo, a correta interpretação justa e eqüitativa dos tribunais, como, de foram mais digressiva, expusemos nesta reflexão. De qualquer modo, como explanado, em momento algum se anula a aplicação integral da Lei do Inquilinato, sob a premissa de que a proteção do locatário deve ser sistemática.

 (…)

O ordenamento consumerista será aplicado naquilo que completar e se harmonizar com o espírito não só da lei inquilinária como de tantos outros diplomas legais.” 

Em sentido contrário, a doutrina que sustenta a inaplicabilidade do CDC às relações locatícias, considera que não existe relação de consumo entre locador e locatário, não podendo ser comparados a consumidor e fornecedor.Acompanha  essa posição o Professor Hugo Nigro Mazzili e o Prof. Newton de Lucca,[21] este diferenciando o seu entendimento, somente, quando a figura do locador pratica atividade profissional.

Nesse aspecto, há coerência com o estágio atual da sociedade moderna, a realidade do “homos aeconomicus”, pois o risco de se adotar a teoria maximalista do Direito do Consumidor nos contratos, com aplicação generalizada do CDC, poderia elevá-lo a uma verdadeira Constituição.

6.2  A posição da jurisprudência.

No Supremo Tribunal Federal não foi encontrada nenhuma decisão judicial a respeito da matéria.

O Superior Tribunal de Justiça, ao contrário, possui várias decisões, sendo a maioria esmagadora contrária a aplicação do CDC ao contrato de locação imobiliária, não adotando-o como relação de consumo, seguindo, até o momento, os entendimentos esposados nos Recursos Especiais, dos Ministros  Luiz Vicente Cernicchiaro e Edison Vidigal, como segue, in verbis:

“LOCAÇÃO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – MULTA -A Lei de Locação não se confunde com o Código de Defesa do Consumidor. Em sendo assim, a multa pode ser diferente.(STJ – 6ª T.; Rec. Esp. nº 131.851-SP; Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro; j.23.09.1997; v.u.).

ACÓRDÃO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros VICENTE LEAL, FERNANDO GONÇALVES e ANSELMO SANTIAGO. Ausente,ocasionalmente, o Sr. Ministro WILLIAM PATTERSON.

Brasília, 23 de setembro de 1997 (data do julgamento).

RELATÓRIO.

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (RELATOR): Recurso Especial interposto por …, com apoio no artigo 105, III, “a” da CF, contra acórdão unânime da 11ª Câmara do 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, que entendeu ser inviável a redução da multa contratual de 20% sobre os débitos para 10% em face da inaplicabilidade do Código do Consumidor e da Lei de Usura à Locação.

Alega o recorrente ofensa ao artigo 9º do Decreto nº 22.626/33, além do artigo 52, § 1º da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

Contra-razões às fls. 80/87.

Despacho de admissão às fls. 89/90.

É o relatório.

MINISTRO LUIZ VICENTE CERCCHIARO.

VOTO.

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (RELATOR): Sr. Presidente,trata-se de matéria relativa a contrato de locação em que foram pactuados 20% sobre os débitos, caso não efetuado o pagamento do aluguel.

A contraparte afirmou que o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Usura impedem esse percentual, devendo ser reduzido para 10%.

O Tribunal afirmou serem diplomas distintos.

Creio que há inaplicação do Código de Defesa do Consumidor à locação. O contrato fixou multa de 20%. Aliás, há precedentes, conforme se mencionou às fls. 89/90,da Sexta Turma e, também, da Quinta Turma.

Não conheço do recurso especial.”

Segue a decisão do Ministro Edison Vidigal, da 5ª Turma, em 09.11.94, in verbis:

“RECURSO ESPECIAL Nº 38247-2 – SP (REG. 93.0024254-7).

RELATOR: O EXMO SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL.

RECORRENTE: ARMANDO LIVICHI SAITO.

RECORRIDO: ANTONIO MATIAS PENA.

VOTO.

O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Senhor Presidente, a alegada ofensa à Lei 8.070/90 – Código do Consumidor – é impertinente à hipótese aqui tratada, razão pela qual o Acórdão recorrido acertadamente afastou sua incidência, por não ter a mesma aplicação em questões oriundas de vínculo locatício, anotando que “a lei inquilinária regulou toda a matéria de que trata, de sorte que a disposição do código especializado na defesa do consumidor, para modifica-la, haveria de a ela referir-se, especificamente. Mas tal não ocorreu. (fl. 77).

Ao invocar a proteção da Lei 8.070/90, o recorrente pretende nula a cláusula 5ª do contrato locatício, que diz, foi ‘assinado por coação’ (fl. 82).

O julgado hostilizado, ao confirmar a sentença que afastara o direito de retenção por benfeitorias consignou que ‘não é nula a cláusula pela qual o locatário renunciou ao direito de retenção ou indenização por benfeitorias realizadas no imóvel, como acontece no presente caso (Cláusula 5ª, fls. 5)’ (Fl. 76).

Com efeito, o pretenso direito a retenção por benfeitorias, inserido em cláusula contratual que o exclui, apresenta-se incabível em sede de recurso especial, consoante o teor da súmula 5, STJ.

A propósito, a lição de Arnoldo Medeiros:

‘Ninguém pretende que o direito de retenção seja de ordem pública ou de interesse geral, pelo que não pode haver dúvida sobre a validade do pacto que o exclua’.

A instâncias ordinárias, ademais, soberanas no exame das questões fáticas e probatórias dos autos, consideram lícita a cláusula contratual que afasta o direito à indenização e retenção por benfeitorias e, doutrina e jurisprudência afinam-se no sentido de que o direito de retenção por benfeitorias necessárias ou úteis – Lei 6.649/79 – Artigo 26 (sob o império da qual foi celebrado o contato), não é de ordem pública, sendo, pois, suscetível de ter sua incidência afastada pela vontade das partes.

Assim os precedentes desta Corte, dentre eles – Resp 10.336 – SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro:

‘LOCAÇÃO – BENFEITORIAS.

Licito convencionarem as partes não ser devida indenização por benfeitorias, ainda que necessárias’.

Assinalo, outrossim, que a locação é hoje regulada pela Lei 8.245/91, que revogou a Lei 6.649/79 – é lei especial que trata especificamente das locações prediais urbanas e não pela lei 8.078/90, que dispensa proteção ao consumidor, em hipóteses não abrangidas por leis especiais. (Resp. 38.639-0 – SP, 5ª Turma).

Em suma, o pedido reconvencional que objetivou a retenção por benfeitorias, não foi acolhido em face de ter, a locatária, de forma expressa e antecipadamente renunciado ao direito de exigi-la, considerando, também, irrelevante a prova sobre benfeitorias, pois, o direito de retenção ou indenização estava inserido em cláusula contratual que o exclui. Não se trata de “negativa de valorização jurídica das provas e da tese’ (fl. 81, como quer o recorrente, mas de interpretação de cláusula contratual, pelo que inócua seria a feitura da perícia, que apenas acarretaria a morosidade desnecessária do provimento jurisdicional, em prejuízo dos princípios processuais de celeridade e economia. Resp. 2903-MA, Rel. Min. Athos Carneiro.

Assim, não conheço do recurso.

É o voto”.

A única exceção ocorre na  6ª Turma deste E. Tribunal, tão, somente, a respeito de benfeitoria, com entendimento favorável a aplicação do CDC, in verbis:

“EMENTA: – RESP. CIVIL. LOCAÇÃO. BENFEITORIA NECESSÁRIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A benfeitoria necessária é indenizável. O Código de Defesa do Consumidor veio amparar a parte mais fraca nas relações jurídicas. Nenhuma decisão judicial pode amparar o enriquecimento sem justa causa. Toda decisão há de ser justa.” – Resp.n.90.366 – MG (96.0016186-0) – DJ, 02.06.1997)”.

Verificamos no âmbito da jurisprudência estadual, Tribunais de Justiça e Alçada,  entendimentos diversos e conflitantes pela incidência, ou não, do Código de Defesa do Consumidor.

Merece registro a divergência apurada nos próprios Tribunais, conforme o objeto da demanda judicial, aplicando-se, ou não, o CDC nos contratos de locação.

Diante da divergência foi realizada a pesquisa nos tribunais brasileiros, com a ressalva que ficaram de lado questões processuais, ou seja,  a investigação teve, apenas, o direito material do consumidor e a lei do inquilinato, rejeitando-se decisões de cunho processualista.

Necessário esclarecer que não foram consultados os seguintes tribunais estaduais, em razão de não estarem devidamente informatizados, como segue:

a. Tribunal de Justiça do Acre – www.tj.ac.org.br;

b. Tribunal de Justiça de Alagoas – www.tj.al.org.br;

c. Tribunald e Justiça do Amazonas – www.tj.am.org.br;

d. Tribunal de Justiça do Amapá – www.tj.ap.org.br;

e. Tribunal de Justiça do Ceará – www.tj.ce.org.br;

f. Tribunal de Justiça de Goiás – www.tj.go.org.br;

g. Tribunal de Justiça do Maranhão – www.tj.ma.org.br;

h. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul – www.tj.ms.org.br, não é possível ler a página;

i. Tribunal de Justiça de Pernambuco – www.tj.pe.org.br;

j. Tribunal de Justiça do Piauí – www.tj.pi.org.br;

k. Tribunal de Justiça de Roraima – www.tj.rr.org.br;

Por derradeiro, se constata a posição dominante dos Tribunais pela não aplicação do CDC, apenas, o tribunal da região sul é favorável ao CDC, destacando-se o Estado do Rio Grande do Sul com a maioria das decisões afirmativas, e o Estado de São Paulo dividido no tema, como se verá adiante, com exceção dos tribunais acima.

6.3 GRÁFICOS RESUMOS.

Aqui foi elaborado gráficos, com resumo do resultado da pesquisa,  condensando-se o posicionamento dos tribunais nacionais diante das questões levantadas (multas contratuais, benfeitorias, fiança, multas de despesas condominiais, descontos ou abono de pontualidade, prêmios de bonificação, seguro-fiança, relação com a administradora, restituição em dobro, induzimento a erro, inscrição do nome do SPC-SERASA), trazendo e demonstrando a posição atual da jurisprudência, no intuito de facilitar o entendimento do leitor, eis que não caberia nesse espaço a exposição da metodologia utilizada.

Comentário: a jurisprudência brasileira não adota a aplicação do CDC nos contratos locatícios, a proporção (11%), não autoriza a afirmação que os tribunais nacionais protegem o locatário, aceitando-o como consumidor.

Comentário: embora a questão seja de despesa condominial, a importância surge principalmente nos centros urbanos, onde a maioria dos imóveis alugados são unidades condominiais, apartamentos, refletindo na locação, sendo despesa obrigatória do locatário, conforme determina a legislação do inquilinato, artigo 23, I e XII.

Com menor participação da jurisprudência nessa matéria, os tribunais seguem o mesmo entendimento de não adotar a relação locatícia como relação de consumo.

Comentário: repete-se nessa matéria a quantidade e proporção dos julgados das multas contratuais, gráfico 1, afastando a aplicação do CDC nos contratos de locação imobiliários.

Comentário:  pela média dos julgados, constata-se que a fiança é o tema mais debatido nos tribunais, talvez por envolver terceiro e não propriamente o locatário. Contudo, mesmo, assim, a jurisprudência dos tribunais pesquisados não permite a rejeição da lei do inquilinato.

Comentário: necessária a observação que o resultado não reflete a posição nacional em razão da impossibilidade da pesquisa em todos os tribunais, conforme nota do capítulo, apenas com os julgados obtidos pode-se concluir o posicionamento regional do tema, mas, constata-se novamente a posição dominante da jurisprudência da inaplicabilidade do CDC.

Comentário:  repete-se a observação feita no gráfico 5, que o resultado não reflete a posição nacional, entretanto, nesse tema os julgados admite a aplicação do CDC, observando-se a pequena quantidade de julgados.

Comentário:  repete-se a observação feita no gráfico 5, que o resultado não reflete a posição nacional, entretanto, nesse tema os julgados admitem a aplicação do CDC,  por trata-se de prestação de serviço das administradores e não o vínculo entre locador e locatário,  sendo incontroverso a relação de consumo entre a administradora e o inquilino.

Comentário: repete-se a observação feita no gráfico 5, que o resultado não reflete a posição nacional, e a ínfima quantidade de julgados.

Comentário: repete-se a observação feita no gráfico 5, que o resultado não reflete a posição nacional, bem como é abordagem da relação das administradoras imobiliárias com o locatário, prestação de serviço, e não a relação de locação.

Comentário: repete-se a observação feita no gráfico 5, que o resultado não reflete a posição nacional, e a ínfima quantidade de julgados.

Comentário: repete-se a observação feita no gráfico 5, que o resultado não reflete a posição nacional, e a ínfima quantidade de julgados.

Comentário: repete-se a observação feita no gráfico 5, que o resultado não reflete a posição nacional, e a ínfima quantidade de julgados.

Comentário: repete-se a observação feita no gráfico 5, que o resultado não reflete a posição nacional, e a ínfima quantidade de julgados.

A conclusão dessa pesquisa  permite afirmar que a jurisprudência dos tribunais brasileiros não admite a aplicação do CDC  nos contratos de locação imobiliária, independendo do objeto, matéria tratada, separando-se a posição dos tribunais referente as administradoras, e seus temas, em virtude de ser relação de consumo, face a prestação de serviços na intermediação da locação.

Portanto, equivocada  a posição de Claudia Lima Marques em sua obra, Contratos no Código de Defesa do Consumidor[22],  onde assevera que a jurisprudência adota o entendimento da relação locatária como relação de consumo, para reforçar, assim,  sua interpretação dos contratos locatícios residenciais, adotando a teoria finalista, como de consumo.

Embora, conforme levantamento efetuado, vide tabelas e gráficos, a posição do Estado do Rio Grande do Sul seja predominante favorável a aplicação do CDC em todos os temas suscitados, essa posição isolada não permite a afirmação que a jurisprudência aceita o CDC, ao contrário, não aplica o CDC, como demonstrado no presente trabalho.

7.  CLÁUSULAS ABUSIVAS LOCATÍCIAS

Embora o posicionamento da jurisprudência seja negativo no uso do CDC, temos em particular o ponto de contato da lei locatícia com o intuito do CDC no artigo 45, com prescrição da nulidade de cláusulas locatícias que elidam seus objetivos, equiparando-se com o artigo 51 do CDC que elenca a abusividade das cláusulas contratuais em geral, in verbis:

Artigo 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente Lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no artigo 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do artigo 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.

No âmbito das relações locatícias a lei é específica, explícita ao tutelar a parte mais fraca contratual: o locatário.

No campo extrajudicial,  em pesquisa realizada perante o PROCON,  apontou-se também prática abusiva das imobiliárias/locadores antes da contratação, são elas:

1)       não entrega do contrato;

2)       não cumprimento do contrato/proposta;

3)       cobrança de taxa indevida, elaboração de contrato, aferição de idoneidade;

4)       não devolução de caução;

5)       reajuste (aluguel);

6)       contrato – cláusula abusiva;

7)       cobrança de honorários advocatícios extrajudicial.

A jurisprudência afasta essas práticas pré-contratuais, in verbis:

“Ementa’ Caracteriza-se como fraude a existência de acordo para desocupação do imóvel antes do término do contrato de locação, assinado concomitantemente com este último. Tal conduta viola disposições do Código de Defesa do Consumidor e os princípios éticos que regem o Direito, devendo ser coibida pelo Judiciário’- Ac. da 12ª Câm. – Ap. s/Ver. 446.977-00/7 – rel. Juiz Luis de Carvalho – j. 29.02.1996 –v.u.- 2º TACivSP.”

Portanto, podemos afirmar que mesmo que não seja adotado o entendimento da aplicação do CDC nos contratos de locação, temos a prática abusiva e as cláusulas abusivas de locação, conforme aduzido no início do trabalho, como veremos adiante.

 7.1 Análise dos contratos de locação.

Seguindo com os estudos podemos apontar como cláusulas abusivas locatícias dos contratos de adesão dos Serviços Notariais e/ou de Registro do Município de São Paulo as que se seguem:

A) O  1º  –  3º  -5º – 6º – 8º   SERVIÇO NOTARIAL E/OU DE REGISTRO.

A investigação em conjunto dos contratos desses Serviços Notariais e/ou de Registro decorreu do fato de serem exatamente iguais, aliás, não é supressa, por serem justamente contratos de adesão. Assim, temos as seguintes cláusulas, ipsis litteris:

“Cláusula Quarta. – Excetuadas as obras ou reparações que sejam necessárias `a segurança do imóvel, obriga-se o locatário pelas demais, devendo manter o imóvel locado e seus pertences, que ora recebe, em perfeito estado de funcionamento, conservação e limpeza, notadamente as instalações sanitárias e elétricas, vidros e pinturas, fato que é comprovado pelo locatário e seu fiador”.

ABUSIVA: no caso de condomínio, prédio, as taxas condominiais extraordinárias são de responsabilidade do locador, artigo 22, X da Lei nº. 8.245/91, a redação permite a dubiedade da responsabilidade, artigo 51 do CDC.

“Cláusula Quinta. Todas as benfeitorias que forem feitas, excluídas naturalmente as instalações de natureza profissional e móveis, ficarão integradas ao imóvel, sem que, por elas, tenha o locatário direito a qualquer indenização ou pagamento. A introdução de tais benfeitorias dependerá de autorização por escrito do locador”.

ABUSIVA: a exoneração do dever de indenizar atenta o artigo 964 do CC e artigo 51, VI do CDC, não podendo amparar o enriquecimento sem justa causa.

“Cláusula Nona. Fica o locador, por si ou por seus prepostos, autorizado a vistoriar o imóvel sempre que julgar conveniente.”

ABUSIVA: o livre arbítrio de vistoria constitui turbação à posse do inquilino, a vistoria é permitida pela legislação do inquilinato é permitida mediante prévio aviso de dia e hora, artigo 23, IX da Lei nº. 8.245/91 e artigo 51 do CDC.

“Cláusula Décima-Terceira. Tudo o que for devido em razão deste contrato, será cobrado em Processo Executivo ou em ação apropriada, no foro da situação do imóvel, com renúncia de qualquer outro, por mais privilegiado que seja, correndo por conta da parte vencida, além do principal e da multa estipulada na Cláusula Décima-Quarta, todas as despesas judiciais e extrajudiciais, mais 20% de honorários advocatícios”.

ABUSIVA: o artigo 62 da Lei nº. 8.245/91 prevê o percentual de 10% a título de honorários advocatícios, considerando a tutela do Poder Público, com normas de ordem pública e a posição da jurisprudência, in verbis:

“A fixação dos honorários advocatícios pelo juiz ao vencido regula-se pelos critérios fixados pelo Código de Processo Civil, não estando adstrito ao percentual convencionado pelas partes no contrato” (Ap.Cível. n. 197.214.265, TARS, 9ºCâmara Civil, Rel. Juíza Maria Isabel de Azevedo Souza, Jurisprudência Informatizada Saraiva, n.16).

E artigo 51 do CDC.

“Cláusula Décima-Quarta. Fica estipulada a multa de 3 (três) aluguéis vigentes à época da infração, na qual incorrerá a parte que infringir qualquer uma das cláusulas deste contrato, ressalvada à parte inocente o direito de poder considerar simultaneamente rescindida a locação, independentemente de qualquer outra formalidade judicial ou extrajudicial. A multa será sempre paga integralmente, seja qual for o prazo decorrido do presente contrato, ficando claro que o pagamento dessa multa não exime o pagamento dos aluguéis atrasados, além das despesas inerentes ao caso.”

ABUSIVA: a multa é proporcional ao tempo decorrido do contrato, violando e contrariando o artigo 4º da Lei nº 8.245/91, artigos 115 e 924 do CC e artigo 51 do CDC. Mais. Conforme entendimento jurisprudencial não pode haver concomitância, “bis idem”, da multa moratória com a multa compensatória.

“Cláusula Décima-Quinta. Parágrafo único. Fica desde já expressamente convencionado que, em qualquer hipótese a responsabilidade do(s) fiador(es) permanecerá integral, sem solução de continuidade e sem limitação de tempo, sempre e até a real e efetiva entrega do imóvel em igualdade de condições com o afiançado, também na hipótese de vir a prorrogar-se a presente locação, abrindo mão, desde já o fiador da faculdade de exoneração prevista no artigo 1.500 do Código Civil Brasileiro.”

ABUSIVA: a renúncia de direitos, bem como manter “ad eternum” o fiador, obrigando-o às obrigações das quais não consentiu, é  potestativa, abusiva, artigo 51 do CDC.

4º SERVIÇO NOTARIAL E/OU  DE REGISTRO.

“Cláusula 1ª  – O Locatário, exceto as obras que importem na segurança do prédio, obriga-se por todas as demais, devendo trazer o imóvel locado em boas condições higiene e limpeza, com todos os equipamentos e acessórios em perfeito estado de conservação e funcionamento, salvo as deteriorações decorrentes do uso normal, para assim os restituir, quando findo ou rescindido este contrato, sem direito à retenção ou indenização, por benfeitorias, ainda que necessárias, as quais ficarão desde logo incorporadas ao prédio, podendo as benfeitorias voluptuárias entretanto, ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel”.

ABUSIVA: a exoneração do dever de indenizar atenta o artigo 964 do CC e artigo 51, VI do CDC, não podendo amparar o enriquecimento sem justa causa.

Cláusula 6. – Nenhuma intimação dos serviços públicos, estaduais, ou municipais, será motivo para o locatário abandonar o prédio ou pedir rescisão deste contrato, salvo previa vistoria judicial, que confirme estar o imóvel inabitável.”

ABUSIVA: a cláusula é potestativa, portanto nula, artigo 45 da Lei nº. 8.245/91 e artigos 115, 153 e 145 do CC e artigo 51 do CDC, sobrepondo-se até ao Poder Público.

“Cláusula 12 – Os fiadores e principais pagadores, identificados no preâmbulo renunciam ao benefício de ordem, sucessão e divisão, e respondem solidariamente com o locatário por todas as obrigações do presente contrato na qualidade de principais pagadores até a entrega real e efetiva do imóvel”.

ABUSIVA: a renúncia de direitos, bem como manter “ad eternum” o fiador, obrigando-o às obrigações das quais não consentiu ,mormente na prorrogação do contrato, é potestativa, abusiva, artigo 51 do CDC.

“Cláusula 14ª – Findo o prazo da presente locação e não havendo acordo para sua renovação o locatário deverá devolver o imóvel locado livre e desocupado e em perfeito estado de conservação. Se o locatário permanecer no imóvel sem acordo de renovação de contrato deverá pagar novo aluguel estipulado de acordo com o valor de mercado, sem prejuízo do pagamento da multa contratual prevista na cláusula 9º pelo descumprimento do prazo do contrato, exigível  pela via executiva”.

ABUSIVA: o pagamento do aluguel na prorrogação conforme valor de mercado é abusivo e ilegal, em virtude da legislação específica permitir a revisão somente após três anos, artigos 19, 45 da Lei nº. 8.245/91 e artigo 51 do CDC.

10º SERVIÇO NOTARIAL E/OU DE REGISTRO.

“Cláusula 3ª) – O Locatário, salvo  as obras que importem na segurança do imóvel, obriga-se por todas as demais, devendo trazer o imóvel locado em boas condições higiene e limpeza, com os aparelhos sanitário e de iluminação, fogão, papéis, pinturas, telhados, vidraças, mármores, fechos, torneiras, pias, banheiros, ralos e demais acessórios em  perfeito estado de conservação e funcionamento, para  assim, restitui-los, quando ou rescindido este contrato, sem direito à retenção ou indenização, por quaisquer benfeitorias, ainda que necessárias, as quais ficarão desde logo incorporadas ao imóvel;”

ABUSIVA: no caso de condomínio, prédio, as taxas condominiais extraordinárias são de responsabilidade do locador, artigo 22,X da Lei nº. 8.245/91,  a redação permite a dubiedade da responsabilidade; e a exoneração do dever de indenizar atenta o artigo 964 do CC. e artigo 51, VI do CDC, não podendo amparar o enriquecimento sem justa causa.

“Cláusula 5ª) O locatário desde já faculta ao locador examinar ou vistoriar o imóvel locado quando entender  conveniente;”

ABUSIVA:  o livre arbítrio de vistoria constitui turbação à posse do inquilino, a vistoria é permitida pela legislação do inquilinato é permitida mediante prévio aviso de dia e hora, artigo 23, IX  da Lei nº 8.245/91 e artigo 51 do CDC..

“Cláusula 8o) Nenhuma intimação do Serviço Sanitário será motivo para o locatário abandonar o imóvel ou pedir a rescisão deste contrato, salvo procedendo vistoria judicial, que apure estar a construção ameaçando ruína.”

ABUSIVA: a cláusula é potestativa, portanto nula, artigo 45 da Lei nº. 8.245/91, artigo 115 do CC e artigo 51 do CDC,  sobrepondo-se até a ordem do Poder Público.

“Cláusula 13ª) Assina também o presente, solidariamente com o locatário por todas as obrigações acima exaradas, o Sr. ……………………………………, qualificação………………, C.G.C.(C.P.F.)…………………………., e sua esposa ………………..,qualificação……………,cuja responsabilidade, entretanto, perdurára até a entrega, real e efetiva das chaves do imóvel locado;” 

ABUSIVA: A renúncia de direitos, bem como manter “ad eternum” o fiador, obrigando-o às obrigações das quais não consentiu, principalmente na prorrogação do contrato,  é  potestativa, abusiva, artigo 51 do CDC.

Notas:

a)Os contratos de locação do  2º, 7º, e 9º Serviços Notariais e/ou de Registro da Capital/SP., não foram analisados em virtude da informação dada pelos atendentes: “ não vale a pena gastar dinheiro  com contratos que as pessoas levam e não trazem para registro” (palavras textuais), motivo pelo qual, ousamos afirmar que as ilações desse estudo pode-se aplicar à todos os contratos de locação de adesão, principalmente, os vendidos em papelaria.

b) O contrato de locação do 6º Serviço Notarial e/ou de Registro não tem a mesma redação da cláusula décima-terceira dos demais Serviços Notariais e/ou de Registro, motivo  pelo qual não é considerada abusiva no respectivo contrato.

Necessário, esclarecer que nas relações de consumo a regra é a nulidade parcial, somente quando houver ônus desmesurado a qualquer uma das partes é totalmente extinto o contrato, portanto, a existência de cláusulas abusivas na locação não rescinde, extingue o contrato.

Exemplo, recente, ocorreu com a desvalorização da moeda nacional “real” pelo Governo Federal Brasileiro, em 1999, com o dólar norte-americano, sendo os contratos de adesão bancários-financeiros submetidos a interpretação judicial para apreciação e decisão de possível nulidade de cláusulas contratuais, sob a égide do artigo 6º do CDC.

A doutrina (Cláudia Lima Marques, Arruda Alvim) é unânime nesta inovação do CDC, que se distingue do Código Civil, de posição individualista do contrato para sua função social, mediante intervenção estatal, adotando a teoria da quebra da equivalência contratual[23] .

Adverte, ainda, o jurista Luiz Antonio Rizzato Nunes, in verbis:

“Mais que isso: o CDC declara nulas as cláusulas contratuais que prejudiquem o consumidor, mesmo que ele tenha assinado o contrato consciente delas” ( 1º TACIVIL, 10ª Câm.; Ag.de Instr. n. 853.548-8 – Tapira – SP; Rel. Juiz Antônio de Pádua Ferraz Nogueira; j.18.05.1999; maioria de votos).

Frisa-se, ainda que as nulidades impostas às estas cláusulas não invalidam o CONTRATO, apenas e tão somente determinam a ineficácia da cláusula abusiva para o consumidor, pois não se deve esquecer que o contrato de adesão insere-se no contexto social e econômico da sociedade de consumo, e simplesmente tornar nulo o negócio jurídico por inteiro seria o caos, ensejando total insegurança.

O intuito é justamente exigir que o fornecedor se paute pelo caminho da lealdade, fazendo com que os contratos, antes de servirem de meio de enriquecimento para o contratante mais forte, prestem-se como veículo de harmonização dos interesses de ambos contratantes, observando-se o contrato com o princípio da conservação.

Aliás, não é outro sentido senão a harmonização desse microssistema, CDC, com a Lei Maior, em razão do artigo 51, §2º prescrever que, somente, em casos extremos a nulidade contratual será considerada não só apenas para o consumidor, mas, também para o empresário, visto que o parágrafo 2º prescreve: “decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”. O empresário, fornecedor  é também  protegido.

Destaca-se o fato da necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico da ordem econômica do País, sempre com base na boa-fé, equidade e equilíbrio nas relações de consumo.

As máximas como a boa-fé objetiva, a revisão do pactuado quando presentes prestações desproporcionais, ou a fenômeno da imprevisão, as cláusulas abusivas por sua vez, são os princípios norteadores que devem ser seguidos, mesmo quando celebrados entre pessoas equiparadas substancialmente, como determina o Novo Código Civil em seu artigo 423.

Aliás, não é outro intuito a determinação da função social do contrato elencado nos artigos 421 e seguintes do Novo Código Civil, que prescreve textualmente a   boa-fé  e a função social.

Nesse sentido, também, dispõe o artigo 5º da Lei de Introdução do Código Civil, in verbis:

Artigo 5º. Na aplicação da Lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum.

Apontamos, ainda, que para solução a respeito da aplicação ou não do CDC nas relações locatícias, o emprego da  teoria da lógica da razoabilidade.

Empregando essa teoria o operador do Direito pode  solucionar o desequilíbrio contratual, as cláusulas abusivas, com uso de normas mais consentâneas ao microssistema civil, com a própria Lei nº. 8.245/91, artigo 45, e as regras e princípios do Direito Civil, v.g., 115, 924, 964 do CC e art .5º da LICC.

Como, exemplo, temos a possibilidade da redução da multa locatícia padrão de 20% para 2%, (até a entrada em vigor do Novo Código Civil), conforme preconiza o artigo 52 do CDC, mas utilizando-se da  teoria da lógica da razoabilidade, face a compatibilidade dessa providência (redução do percentual) com a situação atual da economia do País, com a estabilidade monetária.

CONCLUSÃO 

Diante da explanação, podemos inferir que:

·  o CDC  é regra geral para os contratos de consumo, não excluindo ou incluindo quaisquer contratos, azo pelo qual lei posterior é compatível, desde que preenchido os elementos da relação de consumo; inobstante o argumento da efetividade constitucional do CDC, o mesmo argumento implicaria em aceitar toda lei ordinária como norma constitucional, pois toda lei ordinária complementa os objetivos elencados na Constituição Federal, inclusive os princípios de direito não dependem de lei ordinária, devendo as leis infraconstitucionais serem compatíveis; mais, consentâneo é o entendimento constitucional da necessidade de moradia, da função social da propriedade e da função social do contrato,  que não se afasta das leis de mercado, dado a ineficiência do Estado em possibilitar  a aquisição da propriedade privada imobiliária;

· a teoria finalista deve prevalecer, desde que estejam  presente os elementos da relação de consumo: o locador com atividade de comercialização; o imóvel  como  produto é incontroverso; a locação, como direito de utilização do imóvel, e o locatário como consumidor/destinatário final, como acontece na locação residencial;

·  assim, correta a interpretação dinâmica do sistema jurídico, pela doutrina e jurisprudência que o adota, interagindo e ponderando estes microssistemas pela tutela do locatário, equiparando-o ao consumidor, considerando, ainda, a espécie de contrato de adesão, prestigiando a DIGNIDADE HUMANA.

·  corrobora o entendimento a escolha do modelo de contratação em massa, de adesão, na locação, cujos princípios, conceitos  e direitos básicos de relação de consumo estão insertos no CDC e no Novo Código Civil, embora a jurisprudência não acompanhe o entendimento da doutrina que aplica o CDC,  sendo contrária à interpretação da relação locatária como relação de consumo;

· a livre iniciativa, também mandamento constitucional,  não pode ser esquecida,  infere-se a intervenção estatal somente  para afastar  o desequilíbrio contratual entre locador e locatário, com a ressalva de se verificar em cada caso concreto a existência da desproporção, com a hipossuficiência real do locatário/consumidor;

· a ilação se que flui, portanto, é que se pode, com certa ousadia, afirmar a existência no contrato de adesão imobiliário de locação, desde que residencial, de cláusulas abusivas locatícias, conforme apontadas no presente trabalho, e de todas outras porventura contrárias ao estudo, corroborado pelo Novo Código Civil, que as adotou expressamente, nos artigos 421 e seguinte;

·  outrossim, a simples presença de cláusulas abusivas não anula o contrato de locação imobiliária, conforme o princípio da preservação, permanecendo  a locação do imóvel,  com exceção, apenas, destas cláusulas;

·  ressalva-se a possibilidade da aplicação da teoria da razoabilidade, para resolução nos limites do microssistema do Direito Civil, afastando a aplicação do CDC na locação imobiliária residencial até o decurso do vacatio legis do  Novo Código Civil.

 

Bibliografia
Jurisprudência dos Tribunais de Alçada de São Paulo. São Paulo, Lex Editora S. A., vols. 125 a 183, 1990 a 2000.
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Federais. São Paulo, Lex Editora S. A., vols. 5 a 130, 1990 a 2000.
Jurisprudência do Superior Tribunal Federal. São Paulo, Lex Editora S. A., vols. 133 a 263, 1990 a 2000.
Revista do Direito do Consumidor. São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, vols. 01 a 39, 1991 a 2000.
Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, vols. 30 a 48, jun./dez. 1992 a jan./jul. 2000.
Revista de Direito Privado. São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, vols. 01 a 02, jan./mar. 2000 a abril/jun. 2000.
Revista Forense. São Paulo, Companhia ed. Forense, vols. 309 a 351, 1990 a 2000.
Revista de Julgados do Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Belo Horizonte, Livraria Del Rey Editora Ltda., vols. 41 a 77, 1990 a 2000.
Revista Jurídica. Porto Alegre, Revista Jurídica Editora Ltda., vols. 147 a 267, 1990 a 2000.
Revista do Superior Tribunal de Justiça. Brasília, ed. Consulex, vos. 18 a 135, 1991 a 2000.
Revista dos Tribunais. São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, vols. 639 a 781, 1990 a 2000.
Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados. São Paulo, Ed. Jurídica Vellenich Ltda., vols. 72 a 176, 1990 a 2000.
Notas:
[1] Algumas teorias procuram definir relação de consumo: “todos os bens e serviços de que se utiliza o empresário devem ser considerados insumos, pois todos eles se incorporariam (seja material,sejaeconomicamente) ao produto final fornecido ao mercado. Esse critério é preconizado peloProf. Geraldo de Camargo Vidigal. No magistério de Luiz Antonio Nunes, o que deve ser levado em consideração é o caráter massificado ou não dos produtos oferecidos no  mercado. Para um terceiro critério, proposto pelo Prof. Fábio Ulhoa Coelho, o critério mais  ajustado seria o que ele denomina de estrita indispensabilidade do bem por parte do empresário.
“(…)relação de consumo, poderíamos responder, é aquela que se estabelece, necessariamente,  entre fornecedor e consumidor, tendo por objeto a aquisição ou utilização de produtos ou serviços  por parte deste último.”Newton de Lucca, Contratos Imobiliários no Âmbito do Direito do  Consumidor, p.99 ss.
[2]Proteção do consumidor no contrato de compra e venda, p. 104.
[3] “O ato, como sabemos, consiste numa ação isolada praticada por alguém. Trata-se de algo episódico ou ocasional. Na atividade, ao contrário, há uma sucessão repetida de atos, praticados demaneira organizada, de molde a caracterizar-se numa constante oferta de bens ou de serviços à coletividade. Fácil perceber, portanto, que no primeiro caso, não há falar-se em atividade empresarial –posto que o ato isolado não é praticado de forma organizada e sistemática – enquanto que, no segundo, a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e de serviços é, por excelência, o traço característico do empresário”. Newton de Lucca, op.cit., p. 98.
[4]“Código do Consumidor, na verdade, foi mais além; não apenas criou uma sobre-estrutura  jurídicamultidisciplinar aplicável às relações de consumo, como também abrange outras  relações jurídicascontratuais não qualificadas como relações de consumo, sempre que houver  incidência em práticas abusivas e anti-sociais por parte de um dos contratantes, a teoria do  disposto no artigo 29 da Lei 8.078/90”. Alvaro Couri A Souza, A Influência do Código de Defesa do Consumidor nas Locações, p. 330.
[5]Paulo Heerdt, OS CONTRATOS DE ADESÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, p.78.
[6]J. M.Othon Sidou, Proteção ao Consumidor, p.64 ss.
[7]“Ibid., mesma página”.
[8]“ Centralizado o controle das cláusulas abusivas na tutela judicial, procurou o legislador criar condições especialmente favoráveis ao consumidor:
a) instituiu a inversão do ônus da prova, quando verossímeis as alegações do consumidor, ou sendo ele hipossuficiente;
b) incentivou a instalação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas e de varas especializadas, para o processo e julgamento desses conflitos;
c)garantiu assistência judiciária gratuita ao consumidor carente;
d) permitiu a desconsideração da pessoa jurídica, com o afastamento da regra da separação dos patrimônios da pessoa jurídica e de seus sócios, para alcançar a efetiva reparação do dano causado ao consumidor;
e) autorizou a defesa coletiva, nos casos de interesses difusos, interesses coletivos e direitos individuais homogêneos, legitimando concorrentemente entidades e órgãos públicos;
f) estendeu os efeitos da coisa julgada. “ – Ruy Rosado de AguiarJr., Cláusulas abusivas no Código do Consumidor, p. 24.
[9]Princípios Gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p.64.
[10]“Portanto, a ‘nulidade de pleno direito’ a que se refere o artigo 51 do CDC é a ‘nulidade’ do osso Código Civil. Como tal, pode ser decretada de ofício pelo juiz e alegada em ação ou defesa por qualquer interessado, sendo a sanção jurídica prevista para a violação de preceito estabele cido em lei de ordem pública e interesse social (artigo1º).“Ruy Rosado de Aguiar Jr., op.cit.,p.27
[11] in verbis: Artigo 2º . Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra amodifique ou revogue.
[12] “A questão constitucional permite outro enfoque. Enfatiza-se a afirmação de VICENTE RÁO, já referida supra, de que as leis que complementam a Constituição, embora ordinárias, aderem a ela e nela se integram. Em outras palavras, a complementariedade, por trazer sua eficácia de norma constitucional e dar a esta a efetividade pretendida pela Constituição, passa a Ter a mesma natureza jurídica que a norma constitucional tem. Materialmente, existem a norma constitucional e a lei que, a complementando, lhe dá eficácia. Substancialmente, a garantia constitucional é única. Preenchida pela complementação, é a norma constitucional que está em vigor.” Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, CDC eo CONTRATO DE LOCAÇÃO, p. 83.
[13] “A ponderação de bens no caso concreto é um método de desenvolvimento do Direito, pois que  serve para solucionar colisões de normas –para as quais falta uma regra expressa na lei – para  delimitar umas das outras as esferas de aplicação das normas que se entre cruzam e, com isso,  concretizar os direitos cujo âmbito, como o do direito geral de personalidade ficou em aberto.”  Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, p. 501.
[14] Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p.169.
[15] “ (…)não se pode compreender a locação sem a visão social da propriedade: se a propriedade é  legal (pois se trata do poder de utilização da coisa, protegido pelas regras jurídicas) só se  legitima pelo fato de poder o proprietário exercer socialmente as faculdades de uso e gozo   da coisa.
Não se é proprietário simplesmente para usar e gozar a coisa, mas para que se possa, no  uso e gozo, satisfazer os interesses individuais de modo que não se choquem com os  interesses sociais; exceder tais limites é incorrer no abuso do direito”. Álvaro Couri A Souza,  op.cit.,p.329.
[16]Comentários à lei do inquilinato, p.23.
[17] Contratos no Código de Defesa do Consumidor,op.cit. ,p.167.
[18] “Ibid.”, mesma página.
[19]ver no mesmo sentido a obra deCarlyle Popp,A NOVA VISÃO CONTRATUAL: O CÓDIGO  DEDEFESA DO CONSUMIDOR E A LEI DO INQUILINATO, RT, São Paulo.
[20] Reflexões sobre a lei do inquilinato e o código de defesa do consumidor, p.18 ss.
[21] Contratos Imobiliários no Âmbito do Direito do Consumidor, op.cit., p. 98.
[22] p. 166.
[23] “Não se baseia a revisão dos contratos de consumo na chamada teoria da imprevisão mas,sim, na chamada teoria da quebra do contrato. Aquela prende-se à visão voluntarística que carrega de forma iminente; esta, mais abrangente, prende-se ao aspecto objetivo, isto é, à quebra da base do negócio jurídico. Esta a concepção adotada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso V, onde, pelas simples leitura do dispositivo, constata-se ser absolutamente despiciendo, para o exercício do direito à revisão contratual, aimprevisibilidade das circunstâncias supervenientes. Aqui o importante é a destruição dareação de equivalência entre as prestações”. (1º TACIVIL –10º Câm.; Ag. de Instr. nº 853.548-8-Itapira- SP; Rel. JuizAntônio de Pádua Ferraz Nogueira; j. 18.05.1999; maioria de votos).

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Zilda Tavares

 

Advogada, professora universitária, Mestre em Direito do Consumidor

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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