Tramita perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 4.548/98, que propõe a modificação da redação do art. 32 da Lei dos Crimes Ambientais, o qual considera criminosas as ações de ferir, mutilar, praticar abuso e maus-tratos contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.
Pretende-se, com essa propositura, suprimir parte do texto do aludido dispositivo legal, de molde a excluir da proteção penal os animais domésticos ou domesticados.
Ao se levar adiante tal Proposta Legislativa, será reputada ilícita apenas a prática de crueldade contra animais silvestres, nativos ou exóticos. Com isso teremos a abominável situação: torturar uma espécie da fauna, como um macaco, será considerado um ato criminoso reprovável, ao passo que jogar ácido ou torturar um cão ou gato será um irrelevante penal.
Por que proporcionar tratamento díspar a situações assemelhadas? A reprovabilidade da conduta do autor não é a mesma em ambas as formas de crueldade praticadas, isto é, não estaríamos diante do mesmo desvalor da ação, o que conduziria a idêntica punição?
Segundo a justificativa do Projeto, a criminalização desses atos colocaria em riscos tradições existentes em nosso território, como festividades envolvendo animais domésticos e domesticados, entranhadas na cultura popular, e que se revestiriam de inegável relevância econômica. Além disso, o art. 64 da Lei das Contravenções Penais já puniria tais ações
Ora, deixar de considerar crime toda forma de crueldade contra animais domésticos ou domesticados, a pretexto de que o art. 32 da Lei impede uma atividade cultural e econômica específica, como a vaquejada, rodeios, etc. é um gritante contra-senso.
Argumentos econômicos não podem servir de alegação para justificar atos de crueldade. Se a Constituição Federal, no inciso VII do §1º do art. 223, determina a punição de atos de crueldade contra animais[1], não cabe ao legislador ordinário restringir a proteção legal.
Nem se propugne que o art. 64 da Lei das Contravenções Penais[2], que também tipificava a crueldade contra animais, serviria de “soldado de reserva”, na medida em que, com o advento do art. 32 da Lei n. 9.605/98, aludida contravenção acabou sendo revogada pelo mencionado Diploma, cuja tutela é específica e mais abrangente, com imposição de penas mais severas.
Portanto, o art. 64 da LCP não mais existe no mundo jurídico, de forma que, caso o art. 32 da Lei n. 9.605/98 tenha a sua redação suprimida, os animais domésticos e domesticados, que forem vítimas de crueldade, deixarão de ser objeto de qualquer proteção penal, estimulando os maus-tratos contra eles. Diante desse “vazio legal”, como ficarão os inúmeros relatos de comércio ilegal, agressões, mutilação, tortura em rinhas, extermínio, aprisionamento, abate ilegal, morte por estricnina ou meios cruéis etc?
Interessante alertar que estudos desenvolvidos pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) têm convencido a comunidade no sentido de que os atos de crueldade contra animais podem ser os primeiros sinais de uma violenta patologia que pode incluir vítimas humanas. Assim, os chamados serial killers, muitas vezes, iniciam o processo matando ou torturando animais quando crianças[3].
Por força disso, o Estado não pode compactuar com qualquer forma de crueldade, inclusive, contra animais, pois também é uma forma de violência manifestada pelo homem que pode se convolar em atos mais graves e reprováveis contra a própria sociedade.
Note-se que, por se tratar de grave questão, tem surgido um forte momento social no sentido de compelir os Poderes Públicos a adotarem medidas protetivas mais contundentes, a fim de evitar tais ações reprováveis contra os animais domésticos ou domesticados.
Que a comunidade, portanto, se mobilize pela proteção de todos os animais, silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, sem qualquer discriminação, pois a repressão de qualquer forma de crueldade, tortura, maus-tratos constitui acima de tudo um postulado ético-social do Estado Democrático de Direito.
Procurador de Justiça licenciado e Deputado Estadual. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Autor de várias obras jurídicas
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