A necessidade da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União

Resumo: O artigo abordará sobre a necessidade de conferir a autonomia funcional, administrativa e financeira à Defensoria Pública da União. Versará, sobre pontos considerados importantes para o alcance da autonomia e ainda, questões essenciais que carecem de melhor abordagem e efetividade do sistema. Destaca a importância do acesso à justiça para os menos favorecidos, devendo ser garantida a sua aplicabilidade. Os direitos referentes à dignidade humana são garantia a todos e indispensável ao ser humano, tendo que assegurar a assistência judiciária ao necessitado. A intenção do legislador é construir uma sociedade mais livre, justa e solidária e é isso que a justiça proporciona. Procurou-se estudar as leis e novas Emendas que tratavam sobre o tema, compreendendo as mudanças ocorridas ao longo dos anos através de livros, artigos e no próprio ordenamento. Conclui-se que o alcance de autonomia, foi fator substancial para obter o pleno exercício das suas funções, indispensável para o fortalecimento da instituição que tanto faz pela sociedade. A Defensoria Pública como um todo, deve ser reconhecida como a mãe de todas as lutas, é primordial para a função jurisdicional do Estado como um todo; possui, por sua própria natureza, habilidade democrática e tem como finalidade oferecer a assistência judiciária.[1]

Palavras-chave: Acesso à Justiça; Autonomia; Defensoria Pública; Emenda Constitucional 74/2013 e 80/2014.

Abstract: The article will approach the need for a confer functional, administrative and financial autonomy of the Public Defender of the Union. It will address issues considered important for the achievement of autonomy, as well as essential issues that require a better approach and effectiveness of the system. Emphasizes the importance of access to justice for the less fortunate, and their applicability must be guaranteed. The rights relating to human dignity are guaranteed to all and indispensable to the human being, having to ensure legal assistance to the needy assisted. The intention of the legislator is to build a society that is more free, fair and supportive and that is what justice provides. It was studied the laws and new Amendments that dealt with the subject, understanding the changes that have occurred over the years through books, articles and in the proper ordering. It is concluded that the scope of autonomy of the Public Defensory was a substantial factor to obtain the full exercise of its functions, an indispensable point for the strengthening of the institution that does so much for society. Public Defensory of the Union or State, it must be recognized as the mother of all struggles, it is paramount for the jurisdictional function of the State as a whole; it has, by its very nature, democratic ability and aims to offer legal aid.

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Keywords: Access to Justice; Autonomy; Public Defensory, Constitutional Amendment 74/2013 e 80/2014.Sumário: Introdução; 1. O Princípio do Acesso à Justiça como Garantia Constitucional; 2. A Defensoria Pública como Mecanismo de Democratização do Acesso à Justiça; 3. Da Autonomia Funcional, Administrativa e Financeira; 3.1 A autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública do Estado pela Emenda Constitucional de nº 45/2004; 3.2 A necessidade de extensão da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Este trabalho trata sobre a imprescindibilidade da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União. A princípio, busca demonstrar conceitos sobre justiça e aborda breve histórico até a conquista da obtenção de seu pleno acesso.

No Brasil, somente na Constituição Federal de 1988 que o Estado passou a garantir a assistência jurídica integral e gratuita aos menos favorecidos. Esse acesso à justiça, que é direito indubitável a todos indistintamente, passou a se tornar realmente efetivo com a criação das Defensorias Públicas, que atuam em função de assegurar os direitos dos mais necessitados, sendo uma instituição indispensável para o Estado Democrático de Direito.

Evidencia-se a responsabilidade da Defensoria Pública frente à sociedade, nos seus constantes desafios em tornar os direitos previstos constitucionalmente, realmente efetivos e de forma célere.

Aludindo precisamente os princípios e objetivos prestados pela instituição, dando ênfase aos problemas que a Defensoria Pública enfrenta decorrente da sua desvalorização, falta de verbas, más estruturas, e ainda, pequeno números de Defensores para o atendimento nas comarcas para a população.

Explanou-se que ao longo do tempo, ocorreram mudanças que conferiram força às Defensorias Públicas. As grandes responsáveis por isso são especificamente as Emendas Constitucionais de nº 45/04, 75/13, 80/14, também abordadas no referido trabalho, que possibilitam a autonomia funcional, administrativa e financeira da instituição, a tornando-a independente de Poderes Estatais, fazendo por meio disso, que a sua eficácia e força sejam ainda maiores.

Justifica-se, por ser inegável a sua importância perante a sociedade, por possuir função essencial de acessibilidade de justiça aos necessitados, focando também, nas necessidades de funcionamento para que se tenha plena efetividade e concretização na aplicabilidade dos direitos, que são fundamentais para a dignidade de todo e qualquer ser humano. Sustentando a ideia de ser o acesso à justiça o garantidor dos demais direitos, por ser a base fundamental do ordenamento jurídico.

Nesse sentido, um dos focos principais, é demonstrar a necessidade que a instituição tem em obter total autonomia em exercer o seu funcionamento, a sua administração e ainda, poder elaborar a sua própria proposta orçamentária.

Portanto, perante esses motivos, pretende-se demonstrar com clareza a necessidade de observar a Defensoria Pública como instituição fundamental, conferindo a ela a valorização devida, da necessidade da sua autonomia e ainda, defendendo os direitos dos hipossuficientes, levando em consideração a igualdade no meio social.

1. O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL

O acesso à justiça é um direito constitucional garantido a todos indistintamente, visando avaliar o que é correto, direito e justo nos casos que são postos em análise. Compreende-se essencialmente em alcançar a paridade de garantia aos menos favorecidos quando estes buscarem a efetividade do seu direito, tendo como intenção real garantir o seu cumprimento.

O conceito de justiça e do seu próprio acesso pode ser apreciado além do seu significado em caminhar na diretriz correta. Deve observar a sua percepção diante da sociedade. Essa percepção está ligada a reparar o que se faz e sofrer as devidas consequências quanto a isso.

Por vezes, existe a interligação entre igualdade e justiça, porém, a sociedade passa a enxergar distinções entre elas, quando na ocorrência de escolha de uma, sentem-se prejudicados, entendendo que tratar em igualdade não significa conceder oportunidades idênticas. Conferir o direito seria o ponto de igualdade, mas oportunizar não.

Nesse sentido, seria como observar três meninos assistindo a um jogo por trás de um muro, obtendo cada um deles estatura diferente. O primeiro consegue assistir sem esforço algum. O segundo, falta poucos centímetros para conseguir enxergar, enquanto o terceiro está longe de conseguir ver o jogo. Dar a cada um deles um banquinho seria a aplicação da igualdade, porém, o menor ainda continuaria sem enxergar o jogo, ou seja, a igualdade não daria a oportunidade dos três alcançarem o objetivo, porém, a justiça sim.

A apreciação da doutrina diante do caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 é pacífica. Reconhecem que a igualdade formal está explícita, de modo que o correto é tratar a todos da mesma forma, independente de qualquer situação em que haja a desigualdade de fato.

Enquanto na relação de justiça, existe a proposta de conceder tratamento desigual a pessoas que estão em desigualdade, simplesmente com o intuito de garantir a existência da igualdade. Compreendendo então, que a justiça busca equilibrar as relações de fato, levando em consideração as pessoas envolvidas.

O que se pode afirmar, portanto, é que nem sempre agir com igualdade irá promover a aplicação do justo. Chegando ao entendimento que para promover a igualdade basta usar o mesmo critério para todos, enquanto para ser justo, é necessário muito além, deve-se olhar o mundo na perspectiva do mais fraco.

Os primeiros conceitos de justiça que apareceram na Constituição Brasileira foi em 1934, que previa o seguinte:

“Art. 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: […]

32) A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos”. (BRASIL, 1934, página única)

Porém, essa assistência judiciária aos necessitados concedida na Constituição de 1934, foi revogada, passando a ser tratada novamente apenas na Carta Magna de 1946 que determinava o que se segue:

“Art. 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: […]

§ 35 – O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados”. (BRASIL, 1946, página única)

Todavia, somente com a Constituição Federal de 1988 é que o acesso a justiça passou realmente a ser garantido a todos pelo Estado, vindo de forma mais ampla, contemplando no seu novo texto assegurar de forma integral o direito dos menos favorecidos, sendo o acesso à justiça incluído como um dos princípios constitucionais de garantia, previsto no artigo 5º da Constituição, tratando especificamente sobre o tema no inciso LXXIV:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]

LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. (BRASIL, 1988, página única)

Os autores Mauro Cappelletti e Bryant Garth, defendem em sua obra “Acesso a Justiça” a ampliação da seguridade dos direitos que garantem aos indivíduos menos favorecidos a possibilidade da assistência jurídica, afirmando o seguinte:

“O progresso na obtenção de reformas da assistência jurídica e da busca de mecanismos para a representação de interesses “públicos” é essencial para proporcionar um significativo acesso à justiça. Essas reformas serão bem sucedidas – e, em parte, já o foram – no objetivo de alcançar proteção judicial para interesses que por muito tempo foram deixados ao desabrigo. Os programas de assistência judiciária estão finalmente tornando disponíveis advogados para muitos dos que não podem custear seus serviços e estão cada vez mais tornando as pessoas conscientes dos seus direitos. Tem havido progressos no sentido da reivindicação dos direitos, tanto tradicionais quanto novos, dos menos privilegiados”. (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 67)

Afirmam ainda, que o acesso a todos não empobrece a justiça, mas pelo contrário, a enriquece, por estar expandindo o seu alcance, se tornando legítima tanto para aquele que é considerado rico, quanto para o menos favorecido.

“A finalidade não é fazer uma justiça “mais pobre”, mas torná-la acessível a todos, inclusive aos pobres. E, se é verdade que a igualdade de todos perante a lei, igualdade efetiva — não apenas formal — é o ideal básico de nossa época, o enfoque de acesso à justiça só poderá conduzir a um produto jurídico de muito maior “beleza” — ou melhor qualidade — do que aquele de que dispomos atualmente”. (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 59)

É, portanto o acesso à justiça uma garantia constitucional e direito fundamental, sendo que por meio dele existe a chance em concreto de alcançar as demais regalias, pois ele é quem dará a abertura para conquistar a amplitude do direito. Sem a conquista do acesso à justiça, os demais direitos não poderiam ser garantidos, portanto é ele quem efetiva de fato os princípios constitucionais.

Segundo Aluísio Iunes Monti Ruggeri Ré:

“O direito de acesso à justiça é o direito primeiro, é o direito garantidor dos demais direitos, é o direito sem o qual todos os demais direitos são apenas ideais que não se concretizam. A assistência jurídica voltada para os hipossuficientes é, pois, o móvel indispensável para a realização dos direitos e, em consequência, da igualdade.” (RÉ, 2013, p.38)

Porém, para abarcar situações em geral, percebeu-se que a orientação jurídica deveria ser integral, atendendo os necessitados, tanto para orientar juridicamente, quanto para prestar serviços extrajudiciais, em que necessitam de apoio maior.

Essa assistência é dita como garantia constitucional que tem como fim, assegurar os direitos essenciais previstos constitucionalmente. Os direitos constitucionais podem se distinguir das garantias constitucionais, porém, ressalta-se, que ambos são os alicerces da estrutura do ordenamento jurídico. É o ponto mais importante do nosso direito, devendo proteger os valores do cidadão.

A assistência judiciária é regulada pela Lei 1.060/50, que nasceu com a finalidade de estabelecer normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. Seu artigo 1º, compreende para fins legais como necessitado, todo aquele, cuja situação econômica não lhe permita pagar às custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

No sentido literal da palavra “necessitado”, o significado remete como sendo algo ou quem não disponha nem mesmo do mínimo necessário para sobreviver, se tornando por tais motivos, um indigente, pobre e miserável. Alguém que precisa de ajuda.

Esse necessitado, que têm o direito disponível, poderá exercê-lo através da Defensoria Pública, instituição criada pela Constituição Federal de 1988 para defender gratuitamente estes que há muitos, viviam na precariedade do acesso à justiça, carecendo de recursos para contratação de bons advogados para buscarem os seus direitos diante de diversas situações.

No entanto, o papel da Defensoria Pública não se restringe à propositura de ações ou defesa judiciais em favor dos necessitados. Compreende algo muito maior, que é o alcance da cidadania pelos grupos vulneráveis, seja pela orientação jurídica extrajudicial para solução dos conflitos e efetivação de direitos, ou pela difusão dos direitos que pertencem, contribuindo por uma ordem jurídica justa e igualitária. Nesse sentido, Paulo Osório se manifesta afirmando que:

“[…] a atuação da Defensoria Pública, na defesa dos grupos vulneráveis, não se limita a intervenções judiciais. Pelo contrário, a orientação extrajudicial aos necessitados reflete, definitivamente, um essencial escopo do sistema normativo constitucional, pois possibilita a prevenção de litígios, além de educar estes grupos vulneráveis na consolidação de seus direitos e garantias fundamentais”. (ROCHA, 2009, p. 228, apud ARAÚJO, 2013, p. 18)

Destarte, pode ser observado que o intuito do legislador é inserir na sociedade um sistema onde as desigualdades sociais, econômicas, ou dentre tantas outras, sejam aniquiladas.

Salienta-se, que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelece em seu artigo 3º que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; […].” (BRASIL, 1988, grifou-se).

A ideia de justiça abrange valores inerentes ao ser humano, quais sejam: a dignidade, igualdade, liberdade, moralidade, honestidade, segurança, enfim, engloba direitos transcendentais que são mínimos para qualquer pessoa.

Mas, ainda que a justiça seja o equilíbrio das relações no meio social nessa sociedade moderna, acabou se tornando algo tardio, o que gera automaticamente violência aos direitos humanos, afetando diretamente a dignidade da pessoa, que deveria ser um dos princípios defendidos. Um dos motivos é a própria lentidão do sistema. Ou seja, a ineficácia que por vezes é sentida, não é da proposta do significado de justiça e das lutas que ela possibilita, mas sim, pelo demorado sistema de aplicabilidade.

Diante disso, a justiça é um direito que sofre constantes modificações, tendo em vista que os valores por ela defendidos são abertos, ou seja, são todos aqueles guarnecidos desde os primórdios, e que tanto se fala no direito natural. O direito, portanto, na busca incansável da justiça, está caminhando sempre em sentido a evolução.

Assim sendo, pode se afirmar que a finalidade do direito é a consumação da justiça, e que por consequência, a finalidade da justiça é a realização da transformação social. Alcançando então, a construção da sociedade justa, livre e solidária, sem preconceitos e desigualdades sociais. Petrunko da Silva descreve o seguinte:

“Desta forma, o direito da acessibilidade, não significa somente o ingresso no Judiciário, mas também o acesso a uma prestação jurisdicional completa. A Constituição Federal, bem como diversas leis ordinárias, trazem sempre em destaque princípios e garantias (individuais e coletivas), que unidos, constituem o caminho da ordem jurídica justa. O acesso à justiça está como ideia central neste caminho, para transformar essas garantias concretamente em direitos efetivados.” (SILVA, 2013, p. 13)

Por fim, Cappelletti defende que “o acesso à justiça pode, ser encarado como o requisito fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.” (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 11 e 12). Ou seja, é o responsável em garantir que os demais direitos sofram a aplicabilidade devida.

Portanto, ter a possibilidade de acesso à justiça, já é um passo largo para aqueles que durante anos sofriam com a não assistência jurídica, e que por tantas vezes, deixaram de lado o seu direito, por não possuir condições financeiras, ou por sequer ter o conhecimento da existência do seu direito.

A Constituição Federal garante então o acesso, tornando a justiça, direito igualitário, quebrando as barreiras do rico e pobre na possibilidade de garantir seus direitos. Devendo este, ser buscando através da instituição da Defensoria Pública, que busca insaciavelmente, em promover a proteção e preservação dos direitos fundamentais inerentes do ser humano.

2. A DEFENSORIA PÚBLICA COMO MECANISMO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

Sempre existiu na sociedade, a necessidade de se amparar os mais necessitados, pois estes não tinham acesso à prestação jurisdicional, simplesmente pela exorbitante custa processual. Seus problemas eram encaminhados a diversos setores, sem ocorrer de fato à eficiente presteza em suas resoluções, ocorrendo até mesmo, por diversas vezes, a desistência do cidadão em buscar o seu direito.

No Brasil, a origem da Defensoria Pública ocorreu com as Ordenações Filipinas de 1603, onde “o princípio da gratuidade dos serviços advocatícios, nas causas cíveis e criminais, veio a garantir a igualdade de condições dos pobres em juízo.” (WEINTRAUB, 2000). Era previsto que tinha direito a defesa pública e gratuita, aquele que comprovasse ser pobre, através de uma certidão de pobreza emitida por autoridade policial, sendo que tal legislação perdurou até 1916.

Em 1870, criou-se pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, um Conselho com o objetivo de oferecer aos pobres, assistência judiciária gratuita. Porém, pouco alcançava a todos que necessitavam, por existir um vasto número de pessoas para serem atendidas.

Já em 1934, passou a ser exigido aos Estados que concedessem aos necessitados a assistência judiciária gratuita, no entanto, somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, é que ocorreu a ampliação dos direitos de acesso à justiça, em que a Defensoria Pública foi criada como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, juntamente com o Ministério Público e a Advocacia Pública, passando a ser garantido à figura do Defensor Público para defender a todos os hipossuficientes.

Com o advento do art. 134, da Constituição Federal de 1988, nasceu então a Defensoria Pública:

“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.”  (BRASIL, 1988, página única)

A Defensoria Pública é defendida em corrente majoritária, como sendo o elo fundamental da sociedade e o Estado, garantindo a proteção, levando a democratização e impondo um sistema justo no meio social. Foi criada especialmente para tornar tangível e vivo o dever estatal.

“Não por mero acaso. Defensoria Pública é a instituição Democrática mais próxima da sociedade e aberta/sensível às suas transformações, principalmente dos seus setores mais vulneráveis, que estão inseridos em contextos sociais, econômicos e jurídicos de contradições e demagogias.” (BURGER; KETTERMANN; LIMA, 2017 p. 20)

O que se pode afirmar, é que o Brasil anterior a isso, jamais havia encarado os direitos humanos com a real necessidade em que ele deve ser considerado, não o levando como uma seriedade necessária e primordial. Após essa implementação, a Constituição Federal ao menos escolheu quem o fará: a Defensoria Pública.  Ela possui notoriedade para possibilitar o acesso à justiça, mas acima disso, têm vocação, podendo ser denominada como “a mãe de todas as lutas”, sendo por meio dela, possível auferir os demais direitos fundamentais.

Apesar de prevista constitucionalmente desde 1988, somente com a Lei Complementar nº 80 do ano de 1994, denominada Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LONDEP), é que a instituição foi regulamentada. A lei estabelece em seu artigo 1º alguns deveres que a Defensoria Pública deve ter perante a sociedade:

“Art. 1º  A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.” (BRASIL, Lei Complementar, 1994, página única, grifou-se)

Os deveres são obrigações naturais que nasceram juntamente com a sua criação, passando a existir pontualmente com o propósito de ser cooperadora da sociedade menos favorecida. Isto posto, o artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição estabelece que o “Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

A Lei nº 1.060/50 que trata sobre a assistência judiciária, criada para estabelecer normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, versa no mesmo sentido do artigo constitucional citado acima. Compreende-se que para ser um assistido da Defensoria Pública, basta não ter condições suficientes para arcar com às custas processuais, ou seja, ser hipossuficiente, que significa dizer, ter poucos recursos econômicos.

Em regra, aquele que se torna beneficiário do serviço público é quem tem a incumbência de comprovar não possuir recursos financeiros, portanto, “deve a instituição assegurar o acesso à justiça a todas aquelas pessoas que se encontram em grau de necessidade.” (SILVA, 2013, p. 30).

Não só atualmente, mas desde sua criação, a Defensoria Pública é compreendida como o escape essencial daquele que necessita da assistência, porém não tem condições de tê-la.

“É a Defensoria Pública quem goza de maior legitimidade jurídica e condições reais para promover tal tutela. Aliás, já dissemos outrora que a realidade tem demonstrado que ela terá atuação de destaque na defesa dos direitos sociais (moradia, saúde e educação), enquanto que o Ministério Público se preocupará, em preponderância, com a defesa do patrimônio público e do meio ambiente. Essa concentração irá, inevitavelmente, ocorrer em razão de dois importantes fatores. Enquanto que a primeira faz, diariamente, um atendimento ao público com carga, quantitativa e qualitativamente, densa, o segundo legitimado tem se detido com a atuação dos administradores públicos, especialmente no trato do orçamento, e com as grandes empresas potencialmente poluidoras e degradantes do ambiente. Ou seja, é a Defensoria Pública que tem demonstrado forte diálogo com a sociedade civil, enquanto o Ministério Público tem se preocupado com os instrumentos de combate à improbidade administrativa e o inquérito civil investigativo”. (BURGER; KETTERMANN; LIMA, 2015, p. 32)

A expressão que define propriamente a instituição da Defensoria Pública é justamente a “justiça gratuita”, pois quer dizer que existe a concessão da gratuidade das custas e honorários advocatícios nas demandas judiciais pleiteados por hipossuficientes, ainda que sua defesa seja feita por advogados privados ao invés de advogado público, simplesmente em razão da não existência de instalações da Defensoria Pública em determinado local.

A Defensoria Pública é organizada em três abrangências, existindo a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, prescrevendo ainda, normas gerais para sua organização nos Estados. A instituição tem alguns princípios que devem ser seguidos e assegurados, sendo à base da sua estruturação, são eles: a unidade, a indivisibilidade, e a independência funcional.

Tratando-se sobre o princípio da unidade afirma-se que os atos do Defensor Público, são na verdade, os atos da Defensoria Pública, ficando relacionados como um todo na instituição. Ou seja, a parte hipossuficiente beneficiada, não é representada por um Defensor em específico, mas sim pela instituição Defensoria. Conforme palavras de Nelson Nery:

“O princípio da unidade significa que os atos dos defensores públicos são atos da própria instituição, de modo que não são estes servidores públicos especiais que atuam pessoalmente nas demandas judiciais e administrativas, mas a Defensoria como um todo”. (NERY, 2010, p. 43)

Nesse caso, há a possibilidade de ocorrer substituições entre os Defensores Públicos, sem que haja problemas no processo pleiteado. Isso tudo, por ser um único organismo, no qual se opera em um todo, não existindo divisões na atuação, fundamentos ou finalidades.

Como o próprio nome já diz, o princípio da indivisibilidade é algo que não pode ser dividido, não havendo possibilidade de ocorrer fragmentações, doando o entendimento, de ser algo que pertence a todos. Ainda, estando o Defensor Público em períodos de férias, licenças ou remoções, a assistência jurídica que é garantida, deve ocorrer até finalizar o processo, isso porque, a lei prevê a possibilidade da substituição. É, portanto, esse princípio continuidade do anterior. Estão correlacionados, nas palavras de Moraes:

“[…] a unidade e a indivisibilidade permitem aos membros da Defensoria Pública substituírem-se uns aos outros, obedecidas às regras legalmente estabelecidas, sem qualquer prejuízo para a atuação da Instituição, ou para a validade do processo. E isto porque cada um deles é parte de um todo, sob a mesma direção, atuando pelos mesmos fundamentos e com as mesmas finalidades.” (MORAES, 2009, p. 118)

Já o princípio da independência funcional, implica dizer que é um dos mais valiosos para a instituição da Defensoria Pública, visto que possibilita total liberdade aos seus membros, não estando ligados a nenhuma hierarquia, se não, a administrativa, que é a da pessoa do Defensor Público Geral. Paulo César Ribeiro reitera:

“A independência funcional assegura a plena liberdade de ação do defensor público perante todos os órgãos da administração pública, especialmente o judiciário. O princípio em destaque elimina qualquer possibilidade de hierarquia em relação aos demais agentes políticos do Estado, incluindo os magistrados, promotores de justiça, parlamentares, secretários de estado e delegados de polícia.” (GALLIEZ, 2010, p. 53)

Assim, a Defensoria tem plena autonomia, sem estar submetida às coordenadas de qualquer outro organismo estatal. A própria instituição é quem funcionalmente se organiza, estabelecendo atribuições e competência para si, e também para a administração de seus membros, tanto os Defensores Públicos, como o pessoal de apoio.

A Lei Complementar nº 80/94 foi alterada em 2009 justamente para constar que é ela expressão e instrumento do regime democrático. Tem por objetivo a primazia da dignidade da pessoa humana, a afirmação do Estado Democrático e a prevalência e efetividade dos direitos humanos. Assim determina o artigo 3º-A da referida Lei:

“Art. 3º-A.  São objetivos da Defensoria Pública:

I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais;

II – a afirmação do Estado Democrático de Direito;

III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e

IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório”. (BRASIL, Lei Complementar, 1994, página única)

Esses objetivos, também abarcados como metas, alvos e propósitos, devem ser entendidos de forma ampla, sendo que dia após dias, esses objetivos têm se tornado desafios, os quais devem ser enfrentados pela instituição. A Defensoria Pública busca incansavelmente reduzir as tantas desigualdades existentes na sociedade, as quais se tornam preconceitos e atingem em massa aos que estão à margem da sociedade, tornando-os ainda mais vulneráveis

Ainda que seja inegável a importância da Defensoria Pública para a aplicação do justo, tal instituição vive em estado crítico, por não ser valorizada como deveria e não receber os investimentos necessários.

O Brasil é um país democrático, onde tanto o pobre como o rico, possui a liberdade de se expressarem e se associarem a todo e qualquer assunto. A busca por essa democracia, também é uma das tantas lutas da Defensoria Pública, pois, um dos seus objetivos explícitos na lei, é a afirmação do Estado Democrático de Direito, onde independente de opiniões, e da bandeira que o próximo levante, o que deve prevalecer no meio da sociedade é o respeito.

“De fato, qualquer instituição que se disponha a assumir a responsabilidade de ser democrática deve conhecer e compreender, em profundidade e necessariamente, a pessoa, o seu fim maior e ente mais nobre, sob pena de incorrer em demagogias e discursos meramente retóricos. Destarte, a pessoa ostenta uma individualidade única, produto de sua própria existência, seus sentimentos, sua história, sua família, suas angústias, seus medos e suas expectativas. Ela é digna de um tratamento não degradante, humilhante ou constrangedor, mas tolerante e adequado às suas condições e riscos conscientemente assumidos. Digna de cuidado e assistência. Porém, antes de tudo e de qualquer ação ou serviço, ela precisa ser muito bem entendida e compreendida no seu lugar e espaço, que alternam, evoluem, retrocedem”.   (RÉ, 2013, p. 31)

A efetividade dos direitos humanos é reconhecida como um dos objetivos da Defensoria Pública, “pois de acordo com a doutrina majoritária, é ela quem está mais perto da real situação, acompanhando a realidade social e vivenciando as violações a tais direitos.” (STURMER, 2015, p. 37). A missão constitucional da Defensoria Pública implica em dar acesso à justiça, o que possibilita exercer a dignidade garantida à todo ser humano:

“Por serem todos iguais em dignidade, a atuação da Defensoria Pública deve garantir respeito recíproco de cada pessoa à dignidade alheia, além de assegurar o respeito e a proteção da dignidade humana pelo Poder Público e pela sociedade em geral. Nesse âmbito de proteção fundamental da pessoa humana se inclui a tutela do mínimo existencial, que identifica o conjunto de bens o conjunto de bens e utilidades básicas necessária à subsistência digna e indispensável ao desfrute dos direitos em geral”. (ROGER, 2014, p. 280)

É importante falar ainda, sobre a figura do Defensor Público, que é aquele considerado também essencial para que se tenha o privilégio alcançado, “são os profissionais que prestam a assistência jurídica aos necessitados. São, pois, os membros das Defensorias Públicas.” (SILVA, 2013, p. 24). Defende Petrunko da Silva:

“Muitas vezes os Defensores Públicos sacrificam seus finais de semana e feriados, isso sem falar que habitualmente o horário de saída é extrapolado em muito, posto a grande demanda de atendimentos e o pequeno número de defensores. Sendo assim, o expediente normal é absolutamente insuficiente para a conclusão dos trabalhos”. (SILVA, 2013, p. 31)

O número de Defensores Públicos existentes, é praticamente insignificante frente à demanda que se tem nas instituições, sobrecarregando trabalho e impossibilitando inúmeros necessitados de serem atendidos como realmente deveriam. A sua própria figura é vista como reducionista, classificado banalmente como advogado de hipossuficiente, enquanto a sua real visibilidade deveria ser de distribuidor de cidadania.

Os Defensores Públicos e os demais membros dessa instituição possuem funções que devem ser prestadas a sociedade, podendo ser compreendidas como atribuições ou encargos a serem cumpridos. É através dessas funções que a Defensoria Pública poderá também alcançar de forma efetiva os seus objetivos.

Compreende-se que não é necessário criar novas leis para assegurar a garantia dos direitos aos necessitados, pois não é essa a conquista que o assistido espera alcançar, mas sim, que seja assegurado e exercido os direitos  já existentes no ordenamento.

Existe, portanto, uma abrangência na atuação da Defensoria Pública, pois não havendo contentamento em prestar o acesso à justiça, ainda busca contribuir na emancipação social.

O que a tem tornado a mais significativa e eficiente legitimada na proteção dos direitos é a sua própria relação com o necessitado. Ela possui por natureza a habilidade democrática, e, têm como missão ofertar a assistência judiciária, que é feita de modo único e especialmente próprio.

Por fim, somente com uma Defensoria Pública estruturadamente forte, conseguirá dar eficácia e tornar efetivo o direito do acesso à justiça. Por isso, busca-se tanto, que o Poder Público mude sua visão quanto as Defensorias Públicas, dando maior atenção a essa instituição que é indispensável em nosso Estado Democrático de Direito.

3. DA AUTONOMIA FUNCIONAL, ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA

Existem algumas características mínimas de prerrogativas conferidas à Defensoria Pública, que são: autonomia funcional, administrativa e financeira. A autonomia funcional é uma prerrogativa da instituição e não do ocupante do cargo dentro da instituição. É a virtude das funções exercidas pelo próprio servidor público, o que se executa para ter maior eficácia nas suas funções.

Já a autonomia administrativa, quer dizer que a própria instituição possui aptidão para dirigir a própria organização interna de seus membros, e que tais, por si só, exercem a prática administrativa.

Com relação à autonomia financeira ou orçamentária, Dejalma Campos traz o seguinte entendimento:

“O orçamento público é conceituado de acordo com três pontos de vista: político, econômico e jurídico. Do ponto de vista político, ele supõe a adoção de decisões de grande transcendência no andamento do Estado; no aspecto econômico representa um plano da atividade financeira e, portanto, uma ordenação das necessidades públicas segundo suas prioridades; e, por fim, do ponto de vista jurídico é um ato pelo qual o Poder Legislativo autoriza o Poder Executivo, por período determinado, a realizar as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros objetivos adotados pela política econômica e geral do país e arrecadar as receitas criadas em lei”. (CAMPOS, 2001, p. 71)

3.1 A autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública do Estado pela Emenda Constitucional de nº 45/2004

Após muitos anos de tramitação pela Câmara, a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de Dezembro de 2004 foi aprovada. Com ela veio significativas mudanças e novidades no Poder Judiciário, surgindo com a finalidade de tornar ainda mais efetiva a norma que garante o acesso à justiça.

É nomeada como sendo “a reforma do judiciário”, justamente por envolver tantas mudanças na lei. Dentre tantas modificações advindas, uma delas foi à inclusão do § 2º no artigo 134 da Constituição Federal, que prevê o seguinte:

“Art. 134 […]

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”. (BRASIL, 1988, página única)

Com isso, foi conferida à Defensoria Pública do Estado, além da prerrogativa funcional e a autonomia no comando administrativo, a permissão em ter a própria política de seus orçamentos podendo ainda auferir o capital equivalente às dotações orçamentárias, incluindo os créditos suplementares especiais, até o dia 20 de cada mês, em duodécimo, no mesmo padrão dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, e ainda, do Ministério Público, que já fruíam dessa prerrogativa como meio de independência funcional.

Dessa forma, a Defensoria Pública do Estado passou a se desenvolver por si só, sem necessitar ser prescindida pelo Poder Executivo, sendo outorgado a ela recursos suficientes para a sua atuação.

“A autonomia administrativa e a iniciativa para elaboração de sua proposta orçamentária, portanto, confere à DPE instrumentos necessários à essencialidade de sua atuação, tais como, abrir concurso público e prover os cargos de suas Carreiras e dos serviços auxiliares; organizar esses serviços; praticar atos próprios de gestão; compor os seus órgãos de administração superior e de atuação; elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos; praticar atos e decidir sobre situação funcional e administrativa do pessoal ativo e inativo da Carreira e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios; dentre outras competências decorrentes de sua autonomia”. (ARAÚJO, 2013, p. 37)

3.2 A necessidade de extensão da autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública da União

Em 2013, foi criada a Emenda Constitucional nº 74 que trouxe a inclusão da Defensoria Pública da União nas prerrogativas do artigo 134 da Constituição Federal. Ou seja, a autonomia atribuída as Defensorias Estaduais, passou a ser também das Defensorias Públicas da União.

Sua autonomia financeira e administrativa foi alcançada após anos de existência da instituição, servindo para reparar uma falha e descuido legislativo que ocorreu com a Emenda Constitucional nº 45/2004, que conferiu as Defensorias Públicas Estaduais à autonomia, mas, excluiu a Defensoria Pública da União de forma inconstitucional.

Pode ser dito que a instituição atingiu a sua maioridade civil, podendo a partir de então, ter a permissão de expor a proposta orçamentária diretamente ao Congresso Nacional, o que torna a sua atuação mais intensificada e potencializada diante dos hipossuficientes.

O texto da emenda passou a demonstrar autonomia quanto ao aspecto funcional e administrativo, não contendo registro explícito relacionado à autonomia financeira. “Tal fato, porém, não exclui essa autonomia financeira, por uma razão muito simples: as prerrogativas em que se desdobra a autonomia financeira foram expressamente conferidas à DPU.” (SARMENTO, 2015, p. 34). A autonomia financeira é fator primordial para o alcance de independência do governo, se concretiza nos dois possíveis aspectos de abordagem, que é com relação à proposta orçamentária e ainda, do direito de receber recursos do Estado.

Para tornar viável a autonomia e independência da Defensoria Pública da União foi necessário que enquadrasse à ela as mesmas prerrogativas conferidas as Defensorias Estaduais. Pois já não fazia sentido, essa instituição depender de órgãos executivos, e do próprio governo no geral para ter acesso a recursos necessários para a boa funcionalidade e efetividade de suas funções. Além de ser o governo, um dos litigantes que a Defensoria Pública frequentemente enfrenta.

Alguns doutrinadores entendem que mesmo não existindo um quarto Poder, existe um quarto complexo orgânico, como afirma Franklin Roger, que “embora não possa ser definido como um quarto Poder, recebeu a seu cargo o exercício de uma quarta função política, ao lado da função legislativa, da executiva e da jurisdicional: a função de provedoria de justiça” (ROGER, 2014). Nesse sentido, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADI 3.569/PE, in verbis:

“[…] a vinculação da Defensoria Pública a qualquer outra estrutura do Estado se revela inconstitucional, na medida em que impede o pleno exercício de suas funções institucionais, dentre as quais se inclui a possibilidade de, com vistas a garantir os direitos dos cidadãos, agir com liberdade contra o próprio Poder Público.” (STF – Pleno – ADI nº 3.569/PE – Rel. Min. Sepúlve Pertence, decisão: 02-04-2007)

O ordenamento brasileiro compreende sem transtornos a existência de instituições independentes em relação a qualquer dos poderes estatais. E após as Emendas nº 45/2004 e nº 74/2013, foi possível perceber um maior desfrute da independência da Defensoria Pública em relação aos outros poderes. A instituição possui funções que não correspondem a nenhum dos papeis dos poderes estatais já existentes, e a proteção quanto a esses poderes passou a ser garantida, sendo essa autonomia, fundamental para o real cumprimento da sua missão constitucional, não existindo ligação exclusiva a qualquer dos poderes.

Foi inserida pela Emenda Constitucional de nº 74 de 2013 a Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5.296, afirmando a existência de violação ao artigo 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea “c”, da Constituição Federal. Esse dispositivo prevê que é de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que tratem sobre servidores públicos da União e territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.

Segundo a ex presidente, no julgamento da ADI 2966, o STF concluiu que as matérias inseridas na lista de iniciativa privada do Executivo não podem ser reguladas por emendas decorrentes de propostas do Legislativo, afirmando que a orientação da Corte é inconstitucional, alegando ter vicio de iniciativa na Emenda nº 74/2013. Porém, como já defendido, a Defensoria Pública possui poderes totalmente desvinculados dos Poderes Governamentais, existindo caráter autônomo para tais instituições, no sentido de não haver nenhuma sujeição a qualquer dos três Poderes.

Não há, portanto, como se falar em afronta a princípio constitucional dos Poderes, e em específico o do Poder Executivo, justamente por levar em consideração todas as alterações e inclusões constitucionais que ocorreram durante esses anos, que têm dado efetividade na execução dos trabalhos dos Defensores Públicos.

Portanto, não pode ser aceita a alegação da ex Presidente da República de que teria vicio de iniciativa na propositura da emenda, justamente porque a Defensoria Pública não é integrante do Poder Executivo e nem de nenhum dos outros Poderes estatais, considerando por tais motivos, ser totalmente constitucional a Emenda de nº 74 de 2013.

Posteriormente, houve memorável aperfeiçoamento sobre este assunto, com a promulgação da Emenda nº 80, de 04 de junho de 2014, que com sua entrada em vigor, alterou determinados aspectos compreendidos na emenda anterior. Tal emenda, além de desligar a Defensoria Pública da advocacia, fortaleceu ainda mais a instituição, estendendo à Defensoria aos princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional.

Ademais, houve a inserção do artigo 98, que destaca o importante fator da proporcionalidade entre o número existente de Defensor e a população de cada local. O artigo 98º que veio como inclusão, determina o seguinte:

“Art. 98. O número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população.

§ 1º No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo.

§ 2º Durante o decurso do prazo previsto no § 1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional.” (BRASIL, Lei Complementar, 2014, página única)

Esse artigo nasceu com o intuito de assegurar ainda mais o direito do necessitado, tendo como objetivo garantir não apenas a existência da instituição em paredes, mas também, daquele que exerce função primordial para o seu funcionamento.

A prioridade maior é focar nas regiões que possuem maiores índices de concentração populacional, seguido de exclusão social. O artigo determina, então, que tenha um número proporcional de Defensores à população da cidade, pois assim, além de garantir maior efetividade, garante também celeridade no atendimento, que deve ser efetivo.

Com isso, percebe-se que a emenda trouxe um novo perfil constitucional para a Defensoria Pública. Tendo em vista que a busca agora, é suprir todas as jurisdições com Defensores Públicos de forma proporcional, onde anteriormente, inúmeros carentes não podiam sequer contar com a instituição, meramente por inexistência de servidores e insuficiência de recursos, o que estima ser mudado. Além, é claro, de tornar possível considerável ampliação da instituição.

Com a referida emenda, houve desligamento da Defensoria Pública com relação à advocacia. É mais que claro, que ambas não possuem o mesmo papel, pois a atividade dos Defensores Públicos não corresponde ao da advocacia, devendo evidenciar que a atuação de uma, abarca assuntos que não cabe a outra.

Porém, surgiu um ponto discutido em divergência, tratando da necessidade ou não de cancelar a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil após a posse do cargo de Defensor Público. É certo que a não inscrição na OAB, figuraria ameaça ao exercício laboral do profissional.

O dilema que para alguns não fazia sentido, é tornar a Defensoria Pública da União independente dos Poderes e deixá-la submetida a OAB e suas regências quanto a disciplinas dos advogados, prejudicando assim, sua autonomia há pouco conquistada.

Compreendendo que o concurso público pelo qual se aprova o Defensor, possui grau muitíssimo mais elevado que a prova da OAB, seria descabida a submissão ao órgão institucional e à OAB.

Dessa feita, Daniel Sarmento aponta que “por todas estas razões, pode-se concluir que os Defensores Públicos Federais exercem, em caráter definitivo, atividade incompatível com a advocacia, e que a sua inscrição deve ser por isso cancelada.” (SARMENTO, 2015, p. 22).

As emendas 74/2013 e 80/2014 permitem que os Defensores Federais exerçam a função de ombudsman. A expressão tem origem sueca e significa, “representante do cidadão” ou “provedor da justiça”.

Tal instituto possui várias características, “[…] com destaque para a base constitucional da sua atuação, e a independência política, administrativa, financeira e funcional de que desfruta no exercício de suas funções.” (SARMENTO, 2015, p. 16). Tomou em cada país, uma função significativa e diversificada.

Houve instituições latino-americanas, que tiveram as suas funções relacionadas ao Executivo, alcançando certa independência com relação àquele Poder. Essas instituições possuíram apoio da Unesco, que concedeu o reconhecimento como um fundamental intensificador da instrução de paz.

A instituição foi compreendida como pública, possuindo autonomia em seus atos e funções, tendo como objetivo assegurar os direitos dos cidadãos, diante da Administração Pública.

Com isso, está claro que a Defensoria Pública da União exerce função de ombudsman. Pois a função da Defensoria corresponde com a dela, abarcando promoção dos direitos humanos em todos os graus, de direitos não apenas individuais, mas também coletivos, e ainda, sendo exercido de forma integral e gratuita, àqueles que necessitam.

Diante das explanações, é inegável a contribuição das Defensorias Públicas na diminuição da exclusão social, dando efetividade ao direito constitucional de acesso à justiça, através das evoluções que ocorrem constantemente pela luta em garantir que se tenha uma instituição forte e eficaz, para produzir o atendimento da maneira mais célere possível, sobretudo, há de se destacar que grandes impulsionadores desse progresso, são as Emendas Constitucionais 45/2004, 74/2013 e 80/2014, pois elas vieram para de fato, garantir a independência desse órgão que obtém função essencial para a busca da justiça.

Assim, pode se afirmar que a Defensoria Pública tanto Estadual como da União, são instituições independentes, e que isso só é possível pela autonomia que a Constituição Federal e as Emendas Constitucionais vêem trazendo a ela.

Por fim, entende-se que a autonomia conferida, não é um interesse exclusivo da Defensoria e dos seus membros, pelo contrário, a finalidade intencional está relacionada há algo muito maior. A grande polêmica e busca, é na verdade, pela garantia de direitos dos necessitados; direitos estes, que são fundamentais e essenciais para uma vida digna. A proteção deles é, portanto, essencial, para que a Defensoria Pública atue de maneira eficiente e independente.

CONCLUSÃO

Conclui-se, que um dos basilares desse trabalho, foi demonstrar quão imprescindível a Defensoria Pública é para a efetiva democratização em nosso país. Não existindo possibilidade em assegurar direitos, sem antes, assegurar o primordial e essencial de todos, que é o acesso à justiça, sem o qual os demais não podem ser alcançados.

A assistência jurídica gratuita é, portanto, orientação jurídica, alcance de direitos, solução de conflitos, garantia de cidadania e dignidade plena, e ainda, ajuizamento de ações judiciais em favor dos necessitados. O trabalho é árduo e se estende amplamente a população, que necessita de maior atendimento.

Nesse sentido, a efetiva estruturação da Defensoria Pública é um desafio ainda existente, sendo necessária a atenção especial para a sua valorização e aprimoramento. De fato, mudanças benéficas têm ocorrido e já começaram através da reforma do judiciário e dentre tantas novas emendas criadas, para que seja cada dia, mais possível a democratização dos direitos e acesso igualitário, como já descrito no trabalho.

Foi possível observar, que a Defensoria Pública ainda que seja instituição independente, nasceu vinculada ao Poder Executivo, e que por tais motivos, dependia inteiramente dele para que houvesse aprimoramento de cargos, aprovasse orçamentos e estruturasse a instituição, porém, com a emenda 45/2004, o rumo passou a ir se modificando.

A autonomia foi se aproximando das Defensorias Públicas do Estado, e atualmente, atinge também as Defensorias Públicas da União, que tão quanto, merece para a sua efetiva aplicabilidade, funcionamento autônomo, para produção mais célere; o que só foi possível após a Emenda Constitucional de nº 74/2013.

Concluiu-se que a Defensoria Pública é uma instituição que se propõe a um papel de alta relevância e que o seu ofício não é meramente oportunizar o acesso à justiça, mas acima disso, dedicar-se para que a dignidade da pessoa humana seja plenamente garantida, alcançando assim, cidadania para o hipossuficiente que não tem condições de lutar pelos seus direitos simplesmente por não obter renda de alto nível.

Por fim, a concessão da autonomia funcional, administrativa e financeira, é medida imprescindível e indispensável para que haja expansão e ainda, o fortalecimento da instituição, sendo tal medida ainda tardia, em razão da sua tamanha importância e pouca valorização. A atuação da Defensoria Pública é, portanto, direito essencial do ser humano, para que se tenha real efetivação da cidadania.

 

Referências
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Notas
[1] Artigo orientado pelo Prof. Igor de Andrade, Defensor Público Federal do Tocantins, Mestre em direito econômico e desenvolvimento pelo programa de mestrado em Direito pela Universidade Candido Mendes – UCAM, professor e orientador do curso de Direito da Faculdade do Tocantins – UBEC.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Tainá Brasil Nunes

 

Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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