Resumo: O estudo aborda a prisão civil no ordenamento jurídico pátrio. O Brasil em 1992 tornou-se signatário do Pacto de San Jose da Costa Rica que versando sobre direitos humanos restringe o emprego da prisão civil ao devedor de obrigação alimentar. Por outro lado, a Constituição Federal admite duas hipóteses de prisão civil: a do depositário infiel e a do devedor de alimentos. No enfrentamento do tema trata-se do processo de execução – foro em que se operam as duas formas de coerção – investigando o seu conceito, evolução e formas de realização para depois abordar-se a questão nuclear que envolve a recepção da diretriz daquele tratado internacional no sistema jurídico brasileiro. A pesquisa bibliográfica e jurisprudencial aponta que não há consenso sobre a questão, despontando que a maioria dos doutrinadores pesquisados, e a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mostram-se favoráveis à prisão civil nas duas situações previstas na Constituição Federal, embora se acentue resistência à do depositário infiel.[1]
Palavras-chave: Prisão civil. Pacto internacional. Constituição Federal. Execução. Devedor de alimentos. Depositário infiel.
Sumário: Introdução. I. Da execução. 1. Conceito e Evolução Histórica. 1.1. Conceito. 1.2. Evolução histórica. 2. Meios de realização. 2.1. Meios de Coerção. 2.2. Meios de Sub-rogação. II. Da prisão civil. 1. Conceito. 2. Espécies. 2.1. Do devedor de prestação alimentícia. 2.2. Prisão do depositário infiel. 3. A Constituição e os tratados internacionais. 3.1. A aplicabilidade dos tratados Internacionais. 3.2. O confronto com o Pacto de San Jose da Costa Rica. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O processo de execução tem como fim provocar alterações no mundo natural para satisfazer o credor, e para tal atua por meios diversos, conforme o tipo de obrigação. O Código de Processo Civil denomina-os espécies de execução e devem ser aplicados em consonância com os dispositivos constitucionais.
A Constituição Federal de 1988 destaca-se por elencar extensivo rol de direitos humanos. Além disso, prevê no § 3º do art. 5º que os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos quando aprovados pelo Congresso Nacional terão força de emenda constitucional.
A questão é que o art. 5º, LXVII admite que haja prisão civil do responsável por inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel, enquanto que o Pacto de San Jose da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, somente a admite no caso do devedor de alimentos.
O conflito entre as normas é recente e acentua-se com a previsão recente no Código de Processo Civil no sentido de que a prisão civil do depositário infiel possa ser decretada nos próprios autos da execução, razão pela qual se investiga a discrepância entre as normas à luz da doutrina e da jurisprudência.
I. DA EXECUÇÃO
1. Conceito e Evolução Histórica
1.1. Conceito
O dicionário Aurélio conceitua execução como “Ato ou efeito de executar; A fase do processo judicial na qual se promove a efetivação das sanções civis ou criminais, constantes de sentenças condenatórias; Ajuizamento de dívida líquida e certa representada por documentos públicos ou particulares a que a lei atribui força executiva.”[2]
Na execução o que se busca é satisfazer o credor, a atividade jurisdicional atua modificando a realidade. “Daí a importância da execução. Sem ela, o titular de um direito estaria privado da possibilidade de satisfazer-se sem a colaboração do devedor.”[3]
Conceituando ato executivo, Araken de Assis salienta a característica peculiar de provocar alterações no mundo natural: “objetiva a execução, através de atos deste jaez, adequar o mundo físico ao projeto sentencial, empregando a força do Estado […]”.[4]
O Direito brasileiro prevê duas formas de execução: uma em que a atividade executiva depende de um processo cognitivo, o qual dá ao credor a legitimidade suficiente para a execução, ocorrendo de forma imediata junto ao processo de conhecimento; e outra autônoma, no caso de título executivo extrajudicial, enumerado na lei, e com força executiva para tal.
1.2. Evolução histórica
O meio pelo qual se faz com que o devedor cumpra com sua obrigação – coercitivamente – tem se modificado com o passar do tempo e difere de acordo com as diversas civilizações.
No Egito admitia-se a escravidão do devedor, mas, na maioria das vezes, a execução fazia-se sobre o patrimônio do devedor. O credor poderia também, se o devedor falecesse inadimplente, coagir moralmente os parentes e amigos do de cujos, tomando o cadáver como penhor – evitando as honras fúnebres, tão comuns na civilização egípcia – até o resgate mediante o pagamento do que lhe era devido.
Na Grécia, a liberdade do devedor era restringida até que saldasse sua dívida, como explica Bitencourt[5]:
“Deve-se acrescentar que a Grécia também conheceu a prisão como meio de reter os devedores até que pagassem as suas dívidas. Ficava assim o devedor à mercê do credor, como seu escravo, a fim de garantir seu crédito. Essa prática, inicialmente privada, foi posteriormente adotada como pública, mas ainda como medida coercitiva para forçar o devedor a pagar a sua dívida.”
A execução no direito romano primitivo realizava-se por meio de uma ordem judiciária privada. Só era realizada pela ação própria, a actio iudicati, precedente que reconhecia o direito do credor interferir no patrimônio do devedor. Além disso, em Roma assim como na Grécia existia a chamada prisão por dívidas, penalidade civil que se fazia efetiva até que o devedor saldasse, por si ou por outro, a dívida.
No direito romano, não existia uma estrutura estatal responsável pela jurisdição. Uma espécie de governador ou prefeito denominado praetor era o agente estatal com funções de administração e de prestar a justiça. No entanto, o praetor não julgava as causas, recorria a um particular chamado de iudex para resolver os litígios. Theodoro[6] salienta que:
“Mais tarde, já na era cristã, o Império Romano se afastou pouco a pouco da ordem judiciária privada e, sob a denominação de extraordinária cognitio, instituiu uma Justiça Pública, totalmente oficializada, tal como hoje se vê no Poder Judiciário dos povos civilizados.”
O praetor deteve a função jurisdicional plena, proferindo sentenças e realizando o direito fora da arbitrariedade privada já que agora esta função era pública. Neste estágio da história, no entanto, ainda persistiam as duas ações para a tutela executiva, fato este que perdurou até o final do Império Romano.
Com a queda do Império Romano e o domínio dos povos germânicos, o direito passou por uma fase completamente inversa à primeira. A execução era privada e realizada pelo próprio credor, cabendo ao devedor, discordando dos atos do credor, recorrer ao poder público. “A atividade cognitiva, portanto, era posterior à atividade executiva, a qual, por sua vez, não dependia do procedimento judicial para legitimar-se”, como aponta Theodoro[7].
Na Idade Média extinguiu-se a execução privada e, para o cumprimento de sentença, passou a ser admitida uma única ação em que o juízo, em ato do processo de cognição, determinava a execução. No entanto, no medievo, ainda resistiam os processos de execução de caráter pessoal, já que o corpo do devedor também respondia pela dívida. Além disso, as autoridades eclesiásticas tinham poderes jurisdicionais e aplicavam a chamada excomungnatio.
A era Moderna, todavia, fez ressurgir a actio iudicati romana. Este fato deu-se devido ao desenvolvimento comercial e conseqüente surgimento dos títulos de credito, para os quais se buscava um andamento mais rápido do que o do processo de conhecimento. Assim o documento portado pelo credor propiciava a inauguração de uma relação processual já na fase executiva.
Com a Revolução Francesa o Direito passou por algumas modificações. Em se tratando de execução, o liberalismo introduziu o princípio da intangibilidade corporal em razão de dívidas. O maior avanço da época neste sentido foi com Código Civil Francês, quando tratava das obrigações de fazer infungíveis e previa que a execução podia resolver-se no equivalente pecuniário, acrescido de indenização, porque intangível a pessoa do executado à força estatal.
No Direito brasileiro, o processo de execução está em constante evolução. Desde 1994 algumas reformas foram realizadas no sentido de diminuir as barreiras do processo de conhecimento e processo de execução, aumentando a tendência do processo unitário.
2. Meios de realização
O objetivo de toda execução é a satisfação do credor. E os seus meios ou espécies variarão conforme o tipo de obrigação que se busque realizar.
Os doutrinadores pátrios classificam de forma diversa os meios de execução. Utilizaremos aqui a classificação trazida por Araken de Assis[8] segundo o qual os meios executórios são “os atos executivos que se encadeiam e se articulam em grandes operações, […] constituem a reunião de atos endereçada, dentro do processo, à obtenção do bem pretendido pelo exeqüente”.
Pode-se, então, dividir os meios executórios em: sub-rogatórios e coercitivos. Estes visam forçar a vontade do executado e aqueles independem da participação do devedor. Para isto, o legislador faz uso de mecanismos de coerção, como a imposição de multa diária ou a prisão do devedor de prestação de alimentos, e de sub-rogação, como é o caso da penhora.
2.1. Meios de Coerção
A execução indireta ocorre por meios de coerção patrimonial e pessoal. Os meios de coerção serão de cunho patrimonial quando obrigarem o devedor a adimplir a obrigação por meio de multa. Esta multa, originária do astreinte do Direito Francês aplica-se no cumprimento de decisão, antecipatória ou definitiva.
Segundo o CPC a multa será aplicada ao devedor de obrigação de fazer ou entrega de coisa, normalmente com incidência diária, e numa de suas espécies, na obrigação de pagar quantia certa que, art. 475-J, quando intimado para efetuar o pagamento o devedor não o faça no prazo de 15 dias. Incidindo no percentual fixo de 10% sobre o montante da condenação.
A coerção pessoal decorre do ordenamento jurídico quando o descumprimento de obrigação alimentar e de entregar a coisa depositada ou seu equivalente em dinheiro autoriza a prisão civil. Esta providência constitui em restringir a liberdade do executado, constringindo-o a cumprir a obrigação.
2.2. Meios de Sub-rogação
Pela sub-rogação é o Estado que atuará tomando as medidas necessárias para a satisfação do crédito diante da omissão do devedor.
Quando a obrigação for de entregar coisa certa, poderá ser aplicado o meio do desapossamento em que o exeqüente receberá a coisa por atividade simples e imediata.
Por outro lado, quando a esfera patrimonial do executado é invadida para executar obrigações de fazer fungíveis ou direitos a ela equiparados se está diante de um meio de transformação.
O terceiro meio sub-rogatório é o da expropriação pela qual retira-se os bens da esfera do executado para convertê-los em favor do credor. Poderá ocorrer por desconto, alienação, adjudicação ou usufruto.
II. DA PRISÃO CIVIL
1. Conceito
A prisão civil, diferente da penal, não tem o caráter apenatório e é um meio de coerção utilizado na jurisdição civil como forma de forçar o devedor a cumprir a obrigação pecuniária
A Constituição Federal no art. 5º, LXVII diz que só haverá prisão civil por dívida a responsável por inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel.
2. Espécies
2.1. Do devedor de prestação alimentícia
Na obrigação de família baseia-se a prisão do devedor de alimentos fixados em atenção ao princípio da proporcionalidade que deve permear a relação jurídica mediante o equilíbrio entre a necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante. Sobre o tema, leciona Gagliano[9]:
“Nessa ordem de idéias, entendo que a prisão civil decorrente de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar, face à importância do interesse em tela (subsistência do alimentando), é medida das mais salutares, senão necessária, por se considerar que boa parte dos réus só cumpre a sua obrigação quando ameaçados pela ordem de prisão.”
Na execução de alimentos, o juiz mandará citar o devedor para, no prazo de 3 (três) dias, pagar, provar que já pagou ou justificar a impossibilidade de fazê-lo (art. 733 do CPC). No caso de manter-se inerte será decretada a prisão civil, respeitado o critério da Súmula 309 do STJ de que o débito refira-se aos três meses de obrigação que antecedem a propositura da ação e os que se vençam no seu curso.
A prisão civil do devedor de alimentos não é pena, mas sim um meio coercitivo indireto que compele o devedor a realizar a obrigação. Tanto é assim que o cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas, e paga a prestação alimentícia o juiz suspenderá o cumprimento da prisão (§1º e §2º do art. 733 do CPC). Antes de ser utilizada, no entanto, todos os meios coercitivos diretos devem ter se esgotado.
A respeito da utilização da prisão civil do responsável por inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já se manifestou cabível a decretação quando não demonstrado o pagamento. Neste sentido:
“agravo de instrumento. execução de alimentos pelo rito do artigo 733 do cpc. justificativa desacolhida. prisão civil decretada. Na ação de execução de alimentos já vencidos, pelo rito do art. 733 do CPC, não é aceitável a justificativa do inadimplemento por falta de condições econômico-financeira para o adimplemento. Como não demonstrado o pagamento integral do débito, perfeitamente cabível a prisão civil. é pacífico o entendimento jurisprudencial de que descabe questionar o binômio possibilidade/necessidade em sede de execução, pois o débito executado já existe, e os alimentos subseqüentes devem ser objetos de ação revisional. Recurso desprovido.” (Agravo de instrumento nº70023099351, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel ,Julgado em 23/04/2008)
2.2. Prisão do depositário infiel
O depositário é um auxiliar da justiça e será nomeado no auto de constrição de bem. No caso de penhora, o encargo pode ser recusado, como estabelece a Súmula 319 do STJ. O auxiliar tem como encargo guardar e conservar o bem evitando extravio ou deteriorações enquanto aguarda ato judicial que determine a sua entrega, normalmente ao que teve o direito sobre ele reconhecido em juízo, ao adjudicante ou arrematante na execução pecuniária, ou mesmo ao executado, se o depositário for terceiro.
O depositário judicial não se confunde com o depositário contratual que fica sujeito a ação de depósito que visa exigir a restituição da coisa depositada, disciplinada pelos arts. 901 a 905 do Código de Processo Civil que também prevê, sob o texto de 1973, a prisão civil, em preceito cuja recepção pela Constituição Federal de 1988 tornou-se controvertida.
O depositário judicial quando chamado a entregar a coisa depositada não o fizer estará sujeito à prisão civil determinada nos próprios autos como autoriza o § 3º do art. 666 do CPC inserido pela Lei 11.382/06.
A Súmula nº 619 do STF, anterior àquela lei, já admitia que “a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constitui o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito”[10]. A súmula eliminava resistência dos que entendiam não ser possível requerê-la nos próprios autos em que fora feito o depósito, exigindo a ação autônoma.
Para ser decretada a prisão civil do depositário infiel era necessário que tivesse assumido expressamente este encargo, por declaração de vontade, assinada pessoalmente ou por seu advogado. A prisão somente não seria decretada no caso do depositário provar caso fortuito ou força maior.
O Plenário do STF, no entanto, no dia 03 de dezembro de 2008 negou provimento ao recurso extraordinário nº 466343 que discutia prisão de alienante fiduciário infiel, interpretando a EC 45/04 aplicou o Pacto de San Jose, e revogou a Súmula nº 619 para somente admitir a prisão no caso de dívida alimentar.
3. A Constituição e os tratados internacionais
3.1. A aplicabilidade dos tratados Internacionais
A Constituição Federal de 1988[11] elenca todas as fontes possíveis de serem utilizadas quando se trata de direitos fundamentais. Destas, os tratados internacionais são as que geram polêmica em torno da sua aplicabilidade quando contrariam dispositivos constitucionais. Flávia Piovesan[12], citada por MOREIRA comenta que:
“a partir da declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e da concepção contemporânea de direitos humanos por ela introduzida, começa a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção dos direitos fundamentais.”
A Constituição Federal, no § 3º do art. 5º estabelece preceito de validade dos tratados dispondo:
“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”
Para alguns juristas, como Nelson Camatta Moreira[13], a inserção dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no ordenamento jurídico pátrio através do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, proporciona a aplicabilidade de seus enunciados de maneira imediata, combinando-o com o §1º que preceitua que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, garantindo tal característica às normas de direitos fundamentais.
No entanto, para terem força constitucional, é preciso que sejam preenchidos aqueles requisitos do §3º do art. 5º da Constituição Federal. No dizer de Capez[14] obedecidos tais pressupostos, o tratado terá índole constitucional, podendo revogar norma constitucional anterior, desde que em benefício dos direitos humanos, e tornar-se imune a supressões ou reduções futuras. Neste sentido, o art. 49, I da Constituição reza que é de competência do Congresso Nacional resolver sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Alexandre de Morais[15], salienta que a simples aprovação do ato ou tratado internacional por meio de decreto legislativo, devidamente promulgado pelo Presidente do Senado e publicado não assegura a incorporação da norma ao direito interno. Isto porque, após a aprovação realizada pelo Congresso Nacional, eguirá a promulgação do Chefe do Poder Executivo que garantirá a aplicação imediata da norma da legislação interna.
Depois de aprovadas pelo Poder Legislativo e promulgadas pelo Presidente da República, as normas previstas em pactos, convenções ou tratados internacionais que tratem sobre direitos humanos ingressam no ordenamento jurídico com equivalência de emenda constitucional.
Alexandre de Morais[16], analisando a constitucionalidade dos Pactos internacionais entende que não existe hierarquia entre as normas de direito interno e as decorrentes de atos ou tratados internacionais.
Quando, no entanto, quando houver conflito de normas entende que deve ser aplicado o critério cronológico, optando pela norma mais nova ou pelo princípio da especialidade. Por outro lado, diz que estes atos normativos são passíveis de controle difuso e concentrado de constitucionalidade, pois apesar de originários de instrumento internacional não guardarão nenhuma validade no ordenamento jurídico interno se afrontarem a Constituição Federal.
3.2. O confronto com o Pacto de San Jose da Costa Rica
A Convenção Americana de Direitos Humanos, ou Pacto de San Jose da Costa Rica, é um tratado internacional no qual os membros se comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que está sujeita à sua jurisdição, sem qualquer discriminação[17].
O Pacto que foi assinado pelo Brasil em 1992 repudia a prisão do depositário infiel, aceitando somente a prisão civil por débito alimentar. Este preceito, portanto, contraria o que está expresso na nossa Constituição.
Em relação à aplicabilidade do Pacto de San Jose da Costa Rica, Capez[18] posiciona-se dizendo que como o referido tratado não foi submetido a nenhum quórum qualificado em sua aprovação, sua posição é subalterna ao ordenamento jurídico, de modo que não pode prevalecer sobre norma constitucional expressa, permanecendo a possibilidade de prisão do depositário infiel.
No entanto, a nova posição do STF, revogando a Súmula nº 619, fortifica a prevalência dos tratados – embora não tenha pacificado a discussão – trazendo constrição, inclusive, à prisão civil do depositário judicial. Neste sentido, salienta-se um trecho do voto do Ministro Celso de Melo sobre a prisão civil:
“Nesse contexto, o tema da prisão civil por dívida, analisado na perspectiva dos documentos internacionais, especialmente na dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, assume significativa importância no plano jurídico, pois estimula reflexão a propósito de uma clara tendência que se vem registrando no sentido da abolição desse instrumento de coerção processual, que constitui resquício de uma prática extinta, já na Roma republicana, desde o advento, no século V A.C., da “Lex Poetelia Papiria”, saudada, então, enquanto marco divisor entre dois períodos históricos, como representando a “aurora dos novos tempos” […].
[…] Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de “habeas corpus”, para invalidar a ordem judicial de prisão civil decretada contra o ora paciente.” (HC nº 87585, Tribunal Pleno, STF, 03 de dez. de 2008).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para satisfazer o credor, o processo de execução atua modificando o meio físico, seja por instrumentos coercitivos ou sub-rogatórios, conforme o tipo de obrigação e espécie de execução. Entre aquelas está a prisão civil que a Constituição Federal admite no caso do devedor de alimentos e do depositário infiel, a teor do inciso LXVII do art. 5º.
No caso do devedor de alimentos o juiz o citará para que cumpra a obrigação, e se ele não demonstrar o porquê não adimpliu ou que já o fez, permanecendo inerte, será decretada a prisão nos autos do mesmo processo. O depositário que assume obrigação contratual para guardar determinado bem, quando chamado a restituir a coisa não o faz ou o seu equivalente em dinheiro, poderá ter sua prisão decretada em ação de depósito, nos termos do art. 904 do CPC, enquanto que o depositário judicial, em igual conduta, estará sujeito à prisão civil mediante determinação nos mesmos autos da execução, como prevê o § 3º do art. 666 do CPC, introduziudo pela lei 11.382/06.
Por outro lado, a proteção aos direitos humanos é uma preocupação da sociedade moderna, e são diversos os tratados internacionais que versam sobre o tema trazendo restrições à prisão civil por dívida de valores que não decorram de obrigação alimentar. A Constituição do Brasil, além de extensivo rol de direitos fundamentais permite que os tratados que versem sobre direitos humanos tenham força de emenda constitucional, como previsto nos §§ 1º, 2º e 3º do art. 5º.
O Pacto de San José da Costa Rica foi assinado pelo Brasil em 1992, e quanto à prisão civil conflita com a disposição expressa da Constituição do Brasil, pois somente a admite como meio de coerção ao devedor de alimentos, gerando controvérsia sobre qual o critério prevalente. O STF recentemente revogou a Súmula nº 619 entendendo que os tratados têm status supralegais.
No entanto, acompanha-se o entendimento de que para terem validade no ordenamento jurídico interno os tratados internacionais devem ser aprovados em cada Casa do Congresso, em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros, e logo após promulgados pelo Chefe do Poder Executivo. E este trâmite não ocorreu com o Pacto.
Por outro lado, entende-se que havendo conflito de normas deve ser aplicado o critério cronológico, prevalecendo o texto da Constituição Federal sobre o Pacto, pois apesar de originários de instrumento internacional os tratados não guardam nenhuma validade no ordenamento jurídico interno se afrontam a Constituição Federal.
Por fim, a nova orientação do STF baliza uma tendência mais recente daquele órgão, mas não significa posição hígida quanto à prisão civil do depositário judicial.
Acadêmica de Direito da FURG/RS
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