A inconstitucionalidade do artigo 456, §2º, da reforma do Código de Processo Penal ou a necessidade de uma interpretação conforme à Constituição Federal

Sumário:1. Introdução 2. Defensoria Pública. 2.1-Origem histórica. 2.2 – Princípios Constitucionais. 2.3 – Função Constitucional. 2.4 Atribuições constitucionais e legais. 2.5 – Atuação no Processo Penal. 3 Alterações no Código de Processo Penal. 3.1 – O princípio da ampla defesa. 3.2 – O princípio da separação dos poderes, a Defensoria Pública e o artigo 456, § 2º, CPP As atribuições constitucionais da Defensoria Pública. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO


O presente esboço, diante das recentes transformações do processo penal brasileiro, visa alertar aos leitores e operadores do direito para, juntos, refletirmos sobre o próprio trabalho do legislador infraconstituconal, na atualidade, e o confronto das novas legislações com a nossa Constituição Federal de 1988. Atendendo anseios de uma sociedade que busca, dentre outras, uma maior sensação de justiça e segurança, nossos representantes políticos, muita das vezes, atropelam ou não refletem melhor sobre os direitos e as garantias que a própria CF concede aos cidadãos.


Nestas breves linhas, procuraremos despertar os operadores do direito para a importância que nossa Lei Maior deve ter sobre as demais legislações, que dela retiram as condições de legalidade, em sentido amplo, para serem aplicadas aos cidadãos.


Seja por estar ferindo direitos fundamentais dos indivíduos, seja por estar ferindo prerrogativas e atribuições da instituição Defensoria Pública, ambos previstos e garantidos pela nossa Magna Carta.


2. DEFENSORIA PÚBLICA


2.1. Origem Histórica


Desde os primórdios da história do direito, desde o princípio das previsões legais instituídas com o objetivo de regular a vida em sociedade dando-lhe segurança em todas as relações, já se previa a necessidade de amparar aqueles que não possuem condições de arcar com profissional habilitado, qualificado e preparado para exercer a defesa dos seus direitos.


Desde o Código de Hamurabi já havia previsão para a proteção especial de certas pessoas que, pelo estado de fortuna, eram deixadas carentes de recursos e condições. Ou seja, por volta de 1600 anos a.C. os necessitados já eram amparados pela legislação.


Com o Cristianismo os direitos fundamentais ficaram mais latentes se difundindo para toda a humanidade e influenciando outros povos.


Silvana Cristina Bonifácio Souza informa que já em Atenas encontra-se “vestígios mais distantes da normatização da assistência judiciária aos necessitados. Vestígios esses respaldados no princípio de que ‘todo o direito ofendido deve encontrar defensor e meios de defesa’. Eram nomeados dez advogados que defendiam os pobres perante os tribunais” [1].


Mais adiante, em Roma, Constantino teve a iniciativa de incluir na legislação o que foi incluído por Justiniano que oferecia advogado a quem não possuísse condições de constituir um.


Mesmo com a influência do feudalismo na Idade Média, várias legislações previam este direito, sempre garantindo advogado aos pobres necessitados e, em algumas, até mesmo custeados pelo Estado.


Mas, como lembra a autora acima, a grande gênese da assistência judiciária erigida como dever do Estado e garantindo igualdade de todos perante a lei, foi a Declaração de Direitos do Estado da Virginia em 1776[2].


No que diz respeito ao Brasil, desde a Constituição de 1934, excetuando a Carta de 1937, previram a assistência judiciária aos necessitados como um dever do Estado, culminando, em nossa mais recente conquista, a Constituição de 1988, com a previsão de uma instituição pública com esta atribuição.   


Os primeiros passos que contribuíram para o surgimento da Defensoria Pública iniciaram-se no final do século XIX quando a Câmara Municipal da Corte do Rio de Janeiro criou o cargo de Advogado dos Pobres, mantido pelo Poder Público, que tinha como atribuição única a defesa dos réus carentes economicamente nos processo criminais[3].


Rio de Janeiro, o Estado pioneiro na assistência judiciária, no ano de 1954 criou no âmbito da Procuradoria Geral de Justiça os primeiros cargos de Defensor Público, implementando, através da Lei Federal 3.434, de 20 de julho de 1958, os serviços de assistência judiciária exercidos por Defensores Públicos ocupantes da classe inicial da carreira de Ministério Público Federal[4].


Em 1962, já como estado da federação, Rio de Janeiro instituiu o serviço de assistência judiciária. Em 1977, através da Lei Complementar 06, Lei Orgânica da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, separou-se, definitivamente, a Defensoria da Procuradoria sendo, desde então, chefiada por um Defensor Público Geral trazendo toda a sua organização[5].


E, com a nossa Constituição Federal de 1988, a Defensoria Pública passou a ser uma conquista do cidadão carente de recursos sendo obrigatória em todos os Estados da Federação para a prestação de assistência judiciária.


Infelizmente, ainda há Estados que não se dignaram a criar e instituir esta garantia do cidadão desobedecendo aos ditames de nossa Lei Maior. A despeito de, em suas posses, jurarem respeito à Constituição Federal, sequer leram seus artigos e, após as eleições, desprezam o cidadão e seus direitos e garantias.


Enquanto não estiver, devidamente, organizada, institucionalizada e estruturada a Defensoria Pública, o cidadão carente de recursos ainda estará longe do ideal de justiça igualitária, grande anseio da população brasileira.


2.2. PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS


Como citado, a nossa Constituição prevê no artigo 5º, inciso LXXIV a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem a insuficiência de recursos.


Antes de adentramos as considerações da assistência prestada pela Defensoria Pública, órgão que institucionaliza dando efetividade ao princípio constitucional, necessário se faz lembrar a diferença existente entre as expressões assistência jurídica e assistência judiciária.


Essa última diz respeito ao acesso à justiça abarcando aos economicamente pobres que não podem arcar com as custas e despesas processuais sem o prejuízo de seu sustento próprio e de sua família. Quer dizer que, aquele que provar não possuir recursos fica isento de pagar as custas e demais despesas processuais.


Esta garantia abrange tanto aos assistidos pela Defensoria Pública quanto aqueles que são defendidos por advogados privados. Não somente as custas do processo estão abrangidas como também as despesas com relação a obtenção de certidões, as petições dirigidas ao Poder Público para a defesa de direitos, o habeas corpus, habeas data, bem como a todos os demais atos necessários ao exercício da cidadania. [6]


O principal regulamento da assistência judiciária está na Lei Federal 1060/50.


Já o termo assistência jurídica, bem mais abrangente, inclui não somente a assistência judiciária, garantida aos que utilizam os serviços do Estado através da Defensoria Pública, mas também aos patrocinados por advogados particulares e que provarem a insuficiência de recursos, abarcando também a assistência extra-jurídica, extra judicial.


E, implementando esta Assistência Jurídica, aos necessitados, a nossa Constituição, no artigo 134, institui a Defensoria Pública como uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV. Trazendo em seus parágrafos as garantias e prerrogativas para o fiel cumprimento de sua atribuição constitucional.


Estes são, em breves palavras, os princípios constitucionais que não devem ser esquecidos, em momento algum, pelo nosso legislador infraconstitucional.


2.3 FUNÇÃO CONSTITUCIONAL


Diante dos princípios constitucionais explícitos, claramente vemos a função precípua da Defensoria Pública, qual seja, a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. É garantir ao cidadão que, segundo dados do IBGE, cerca de 80% da população brasileira se enquadra nos perfis de necessitados possuindo uma renda mensal inferior a cinco salários mínimos, um acesso à justiça.


Conhecemos o alto custo de um profissional inscrito nos quadros da OAB, em especial pela tabela de honorários divulgada pelas Seções da Ordem nos Estados e que deve ser respeitada pelos profissionais que, nem sempre, podem obedecê-la sob pena de não encontrar pessoas dispostas a pagar e com isso ficando sem trabalho. Conhece-se também a tabela de custas e despesas processuais dos tribunais e, dificilmente, um cidadão que possui família, paga aluguel e possui outras despesas fixas, pode ingressar com um processo judicial arcando com as despesas dele inerente.   


Para isto foi criada a Defensoria Pública e ela deve ser bem estruturada pelo Poder Público visando dar ao cidadão esta garantia e uma prestação digna.


2.4 ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS


Se, pois, a Defensoria Pública possui esta função constitucional, lhe são atribuídas tanto pela Constituição quanto pela legislação infraconstitucional, o dever de, acima de tudo, apurar o estado de necessidade dos assistidos.


A CF garante a autonomia administrativa, funcional e financeira cabendo à própria Instituição se prezar no sentido de cumprir sua função. Ingerências de outros poderes podem influir negativamente na prestação de assistência jurídica e no cumprimento de seu papel determinado pela Constituição.


E o dever de apurar o estado de carência dos assistidos é competência da própria Instituição. Malgrado, vemos alguns juízes exigirem a declaração de hipossuficiência dos assistidos pela Defensoria e duvidarem das investigações ou apurações realizadas pelos Defensores Públicos, já há varias decisões dos tribunais e inclusive superiores, no sentido de uma hipossuficiência presumida, aos assistidos pela Defensoria Pública, sob pena de estar sendo ferido estes preceitos constitucionais e legais.


A Lei Complementar Federal 80/94 traz em seus dispositivos…?


Neste sentido, vejamos algumas decisões;


“PROCESSUAL CIVIL. DEFENSORIA PÚBLICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PROCURAÇÃO. DESNECESSIDADE. LEI N. 1.060/50, ART. 16.I. A dispensa de mandato ao Defensor Público prevista no art. 16 da Lei n. 1.060/50 se estende, também, à própria declaração de hipossuficiência da parte. II. Ausência de prequestionamento das demais questões suscitadas nos autos. III. Recurso conhecido em parte e provido”. [7]


Aproveitando, trazemos parte do voto de Desembargador Marcelo Rodrigues, do TJMG, a respeito do tema:


“Conforme disposição constitucional a assistência jurídica ao necessitado é instituto de direito administrativo, constituindo-se um auxílio obrigatório que deve ser prestado pelo Estado aos desprovidos de recursos financeiros, quer em juízo ou fora dele. E quando o artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal, condiciona sua concessão à prévia demonstração da incapacidade do beneficiário, não revoga o disposto no art. 4º da Lei 1.060, de 02.05.50, posto que tais disposições não se contrapõem e nem se excluem, ao contrário, se completam, se ajustam, uma vez que aquela necessidade de prova de incapacidade deve-se fazer junto ao órgão administrativo encarregado de prestar a pretendida assistência jurídica, a Defensoria Pública, como facilmente se dessume do artigo 134 da Constituição Federal, o que não ocorre quando o beneficiário vem a ser assistido por advogado particular, indicado por força da assistência judiciária ou quando pretende a gratuidade de justiça, institutos de direito pré-processual, posto que necessita, para lhe ser reconhecido o benefício, apenas declarar sua eventual necessidade”[8].


Ainda, também do TJMG, o Desembargador Luciano Pinto, no Agravo de Instrumento 2.0000.00.482549-2, anotou: A Defensoria pode, ao seu livre alvedrio, classificar quem seja ou não carente para a obtenção de seus serviços, chegando a mencionar no citado acórdão a questão de separação de poderes, pois se tratava de destituição de defensor.


Com isto verificamos que devem ser respeitados os preceitos constitucionais inerentes a esta Instituição que garante a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.


2.5 ATUAÇÃO NO PROCESSO PENAL


A atuação de Defensor Público no Processo Penal é quase que um impositivo legal quando o acusado não constitui advogado para promover sua defesa. O artigo 263 do CPP determina que o juiz nomeará defensor àquele que não o indicar.


Claro, devemos aqui fazermos uma interpretação conforme a Constituição Federal sob pena de flagrante inconstitucionalidade do presente dispositivo.


Tendo em vista a criação da Defensoria Pública, instituição determinada na Constituição e em Lei, com funções, atribuições, garantias e prerrogativas explícitas, quando a nomeação cair para si, não caberá, em momento algum, a nomeação de Defensor Público em particular devendo a nomeação ser para a instituição. Aí, dentro de sua autonomia, a própria Defensoria Pública fará a designação do Defensor Público que irá atuar no feito e qualquer entendimento oposto acaba por ferir a própria separação de poderes.


Também aqui estaremos diante de um dilema, o que deixaremos para manifestar mais adiante tendo em vista o objetivo de nosso trabalho, exatamente, a necessidade de uma análise do perfil dos que, pela Constituição Federal, estão abarcados como assistidos pela Defensoria Pública. Somente aos que comprovarem a insuficiência de recursos o Estado prestará a assistência jurídica integral e gratuita.


Sem ainda contar que, o próprio CPP, no mesmo artigo 263, garante ao acusado, a qualquer tempo, nomear outro de sua confiança, claro, garantindo o direito de ampla defesa. Também deixaremos para melhor analisarmos esta questão mais adiante.


Portanto, em breves palavras, a atuação da Defensoria Pública no Processo Penal pode ser determinada pelo Juiz, mas, numa interpretação conforme, desde que não desrespeite nem as atribuições e nem as prerrogativas da instituição.    


3. ALTERAÇÕES DO CODIGO DE PROCESSO PENAL


Recentemente, fomos presenteados com uma alteração no nosso Código de Processo Penal que data de 1941. Claro que muitas mudanças em nosso sistema e na própria democracia, de lá para cá, mudaram, inclusive, agora como um Estado Democrático de Direito, a nossa Constituição Cidadã garantiu direitos até então inexistentes e instituições que seriam capazes de dar efetividade a estes direitos.


A exemplo disto temos a Defensoria Pública que foi, oficialmente criada, com a Constituição de 1988 e, atualmente, é que está sendo organizada e devidamente estruturada.


Mas, com uma legislação antiga como o CPP, muitas são as necessidades de mudança, até mesmo para, de uma forma mais explícita, adequá-lo ao nosso novo modelo de Estado Democrático de Direito.


A sociedade busca, desenfreadamente, a justiça, a segurança, a paz social, etc., só que, para encontrá-la, não basta o cidadão fazer sua parte é necessário que as outras pessoas também não infrinjam seus deveres garantindo, assim, uma convivência pacífica.


Ocorre que, pelas dificuldades e pelas mudanças ocorridas em nosso país de 1941 para cá, dentre elas o aumento da própria população e das demandas judiciais, uma melhor instrução do povo, o surgimento de recursos, a criação dos juizados especiais criminais, etc., os processos judiciais se arrastam por anos e anos na justiça e, em especial no criminal, a população não vê o acusado atrás das grades e pagando pelos seus erros, como forma de, pelo castigo, procurar se reintegrar à vida social.


Busca-se a efetividade do processo e, nas palavras do ilustre processualista José Roberto dos Santos Bedaque, “processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material” [9].  


Só que, o legislador atual e infraconstitucional, através das diversas alterações nas leis vigentes, vem tentando amenizar estas dificuldades do povo, tornando o processo mais célere, sem muitas delongas, dando uma resposta, às vezes, ferindo a Constituição Federal, mas mostrando que está trabalhando para alterar e adequar os institutos aos novos paradigmas sociais. Só que esses escopos sociais devem ser buscados dentro de uma técnica processual respeitando a Constituição e, nas palavras do mesmo autor, “não há efetividade sem o contraditório e a ampla defesa” e a “celeridade é apenas mais uma das garantias que compõem o devido processo legal, e não a única[10]. (g.n.).


As leis que alteraram o procedimento do júri e os demais procedimentos do processo penal, se por um lado veio agilizar o julgamento dos crimes e criar mecanismos de defesa contra arbitrariedades para os acusados, por outro lado vem suprimindo direitos e garantias constitucionais introduzidas pela Constituição Cidadã, o que não pode ocorrer, em especial se há as Comissões de Constituição e Justiça em nossas Casas Legislativas, é com este objetivo de analisar a conformidade do novo texto à Constituição.


Mesmo diante de tantos anseios da sociedade, critérios devem ser observados para não atropelar direitos e garantias dos cidadãos.      


3.1 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA


Como dito acima, e por ser objeto do nosso trabalho nos deteremos mais neste ponto, em especial analisando o artigo 263 do CPP e conjugando-o com o novo artigo 456, §2º, tentando demonstrar aqui uma flagrante inconstitucionalidade e o atropelo do legislador quanto às questões constitucionais.


O artigo 5º, inciso LV da CF traz: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes” mas o que entender por ampla defesa?


O artigo 261 do CPP garante que ninguém será julgado sem defesa técnica capaz de analisar as condições do processo e a análise das provas procurando fazer frente ao direito de ação da parte contrária. Reagir, portanto, é direito e, porque não, uma garantia de todos os acusados.


Neste direito compreende tanto a defesa técnica quanto a auto defesa. Essa exercida pelo próprio acusado, em especial, durante seu interrogatório. Aquela, exercida por profissional habilitado que, a priori, deve ser escolhido pelo acusado dentre os profissionais de sua confiança, possuindo condições de arcar com seus honorários. A escolha, é um corolário da ampla defesa, sendo assim, não se pode tirar dos cidadãos este direito e muito menos suprimi-lo.


E o que nosso legislador fez nesta reforma, simplesmente, visando acelerar os procedimentos de competência do júri, no novo artigo 456, §2º, determinou que havendo escusa ilegítima por parte do advogado do acusado será a Defensoria Pública intimada para o novo julgamento, observado o prazo mínimo de 10 dias!


Iniciemos a interpretação por partes.


Primeiramente, se observarmos o ‘caput’ do 456 veremos que o legislador observou e bem o direito dos acusados nos crimes dolosos contra a vida. Em afirmando que: “Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não for por este constituído, o fato será comunicado ap presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão”, (grifamos), ou seja, no ‘caput’ está garantido o direito de escolha por parte dos acusados em havendo escusa ilegítima do advogado.


Mas pergunta-se: em qual momento isso ocorrerá? Havendo a lacuna, cremos que tal fato deveria ocorrer na mesma sessão de julgamento em que foi ‘decidido’ pelo magistrado que a escusa não fora legítima, já, nesta oportunidade, dando ao réu o direito de escolher o profissional de sua confiança que substituirá aquele outro. Por uma questão até lógica, pois, caso deixe para momento posterior este questionamento, como, por exemplo, na data da nova sessão, o acusado poderia chegar, mesmo tendo sido intimada a Defensoria Pública e informado o nome do novo causídico escolhido. Aí, como ficaria o impasse, o juiz poderia simplesmente ignorar e seguir o julgamento com a Defensoria Pública ou marcaria nova data para que o advogado constituído tivesse vista dos autos e preparasse a defesa.


É lógico que o ideal seria o questionamento no dia em que foi adiado a sessão.


Mas, numa interpretação sistemática e, porque não constitucional, entendemos que não poderá ser deixado de questionar ao acusado sobre a escolha de outro advogado, de sua confiança, para promover sua defesa.


Sem ainda falar que o nosso legislador não explicitou quais são os casos de escusa legítima deixando nas mãos dos magistrados estas decisões ou ainda, em eventual mandado de segurança, a análise pelo tribunal que, nem sempre, é capaz de julgar, em sede de liminar, a necessidade ou não do julgamento.


Mas, atentos a nosso objetivo, e ainda em analisando a ampla defesa, em especial quando houver a necessidade de se adiar o julgamento e outro defensor exercer a defesa técnica no processo, outro impasse deve ser analisado: este prazo de dez (10) dias é suficiente para se elaborar uma defesa em processo onde se apura um crime doloso contra a vida?


Cremos que a resposta é muito relativa, claro dependerá do processo e do profissional que será escolhido ou designado para a defesa. Há processos sem muitas peculiaridades e sem muitas divergências, o que facilitaria, mas, não se pode esquecer que houve, por parte do advogado, todo um estudo e toda uma estratégia de defesa para a sessão plenária, e o novo advogado ou defensor pode ter uma visão diferente. Estaria, pois, respeitada a ampla defesa em simplesmente agilizando o julgamento?


Cremos que a resposta é delicada porque, uma simples testemunha que o novo defensor pode achar importante para uma de suas teses defensivas pode não ter sido relacionada e intimada para a sessão, e o que fazer?


Portanto, o tema não é tão simples e, como pode acontecer e já vimos isso ocorrer, o juiz pode marcar a nova data para o décimo primeiro dia seguinte e como solucionar todos estes impasses? Aguardar em grau de recurso a anulação da sessão com base no cerceamento de defesa? Cremos que não foi este o objetivo do legislador.


Por isso uma solução deve ser, imediatamente, pensada para fazermos valer a nossa Constituição, em especial na apuração e julgamento dos crimes dolosos contra a vida, que, como na decisão abaixo transcrita, sendo um crime dos mais graves, maiores oportunidades de defesa devem ser conferidas aos acusados:


“Defesa — Gravidade do crime. Quanto mais grave o crime, deve-se observar, com rigor, as franquias constitucionais e legais, viabilizando-se o direito de defesa em plenitude. Processo penal — Júri — Defesa. Constatado que a defesa do acusado não se mostrou efetiva, impõe-se a declaração de nulidade dos atos praticados no processo, proclamando-se insubsistente o veredicto dos jurados. Júri — Crimes conexos. Uma vez afastada a valia do júri realizado, a alcançar os crimes conexos, cumpre a realização de novo julgamento com a abrangência do primeiro.” [11] (grifo nosso).


3.2 O PRINCIPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, A DEFENSORIA PÚBLICA E O ARTIGO 456, §2º, CPP.


Uma outra inconstitucionalidade que verificamos, ou a necessidade de uma interpretação conforme a Constituição, é no que diz respeito a Defensoria Pública e sua atribuição constitucional, qual seja, prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem a insuficiência de recursos.


O dispositivo modificado não previu o respeito as prerrogativas da instituição e muito menos a possibilidade de o acusado não se enquadrar no perfil dos assistidos hipossuficientes.


Haveria inconstitucionalidade e, conseqüentemente, a anulação da sessão se o acusado não fosse pobre, na acepção jurídica do termo, e defendido pela Defensoria Pública   que estaria atuando fora de suas atribuições constitucionais? E o que ocorreria se, apurando o estado de carência do acusado, a Defensoria Pública, instituição autônoma, independente, se recusasse a exercer sua defesa em plenário?


Ainda não tivemos respostas concretas a estas indagações e outras que poderiam advir. Quanto a primeira, apesar de alguns entenderem que, nos feitos criminais, independente da condição do acusado, a atuação da Defensoria Pública seria devida sempre que não houvesse constituído advogado. Mas, mesmo aqui, esbarraríamos na impossibilidade de atuação dessa instituição quando há advogado constituído.


Recentemente, na decisão de um processo administrativo, a Corregedoria da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, como parecer do Defensor Denis A. Sampaio Junior, julgou pela impossibilidade de atuação da instituição nestes casos em que o advogado não foi destituído. Baseou-se ele numa análise rápida da própria inconstitucionalidade e de uma interpretação conforme destes dispositivos da reforma processual penal, não deixando de citar o artigo 8º, n. 2, alínea ‘d’ da Convenção Americana de Direitos Humanos, que garante ao acusado o direito de ser defendido por defensor de sua escolha.


A nomeação automática da Defensoria Pública para patrocinar defesas criminais violaria a liberdade de escolha do profissional adequado a defender seus interesses, o que representaria um menoscabo pelo princípio da autodefesa na vertente da liberdade de eleger a pessoa em que credita confiança para que atue em juízo em seu nome.


Quanto a segunda, esbarraremos nos mesmos princípios, ou melhor, na necessidade de observarmos os princípios constitucionais inerentes à Defensoria Pública que, além das prerrogativas, atribuições e funções esculpidas na Constituição Cidadã, possui leis complementares que a regulamenta e proíbe certos comportamentos por parte dos Defensores Públicos, seja explicitamente seja através de deliberações dos conselhos superiores, o que deixa a questão mais acirrada com necessidade de decisões urgentes para uma melhor unificação de procedimentos ou um melhor aclaramento por parte do legislador infraconstitucional, em especial, nas alterações que devem respeitar os Princípios Constitucionais.     


Mas, por ora, tem-se que a recusa pela Defensoria Pública em realizar a sessão de julgamento depende da análise de algumas circunstâncias, sendo a primeira delas a adequação do acusado com o perfil desta instituição sob pena de subverter as finalidades constitucionais pela qual o órgão é criado.


Ademais disso, a determinação de quando atuará ou não é realizada pelo próprio órgão e não por decisão judicial, vez que caso o acusado não se enquadre no perfil desta instituição não será o órgão judicial por imposição legislativa que desafiará o mister constitucional da Defensoria Pública sob pena de inconstitucionalidade do julgamento.


A recusa da Defensoria Pública, caso seja fundamentada, não autoriza qualquer tipo de sanção ou comunicado da casa correicional, mormente, quando se cuidar de advogado constituído, uma vez que há a preservação de prerrogativa institucional.


4. CONCLUSAO


Encerramos, assim, em breves palavras, nossos comentários sobre esta importante, mas lacunosa alteração do Código de Processo Penal esperando que os legitimados para as ações diretas questionem e tentem junto ao Guardião da Constituição uma solução breve e constitucional para o problema.


E, em especial, às Defensorias Públicas, pois, problemas desta natureza, como aconteceram no Rio de Janeiro e como deve estar acontecendo por todo o Brasil e além de prejudicar os defensores públicos em suas atuações pode também gerar punições em havendo interpretações divergentes nas outras corregedorias. E, sempre, deve ser resguardado as prerrogativas conferidas pela CF a esta importante instituição que procura defender os interesses de seus assistidos e sem isenção total, sem autonomia e sem a ingerência de outros poderes restará prejudicada sua função constitucional.


Sem esquecermos, é claro, dos acusados que, nestes crimes graves, não podem ver seus direitos e garantias constitucionais serem desrespeitados e sua dignidade ir por água abaixo.


Justiça e respeito à nossa Constituição Cidadã.  


 


Referências bibliográficas:

BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Efetividade do Processo e Técnica Processual. Editora Malheiros, 2ª edição. Malheiros: São Paulo. Ano 2006.

JUNKES, Sergio Luiz, Defensoria Pública e o Princípio da Justiça Social. Curitiba: Juruá. Ano 2006.

SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Assistência Jurídica Integral e Gratuita. São Paulo: Método, 2003.

 

Notas:

[1] SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Assistência Jurídica Integral e Gratuita. São Paulo: Método, 2003, p. 104.

[2] Ibid. Ibidem, p 105.

[3] JUNKES, Sergio Luiz, Defensoria Pública e o Princípio da Justiça Social. Curitiba: Juruá. Ano 2006, p 77

[4] Ibid. Ibidem, p 78.

[5] Ibid. Ibidem, p.79.

[6] BONIFACIO SOUZA, Silvana Cristina, Op. cit. p. 61.

[7] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 287688 / MG RECURSO ESPECIAL 2000/0118746-5 Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR.

[8] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Processo 1.0024.07.530730-6, Des Marcelo Rodrigues.

[9] BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Efetividade do Processo e Técnica Processual. Editora Malheiros, 2ª edição. Malheiros: São Paulo. Ano, p. 49.

[10] BEDAQUE, ob cit. p. 49.

[11] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 85.969, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 01/02/08.


Informações Sobre os Autores

Edson Vander da Assunção

Defensor Público Substituto em Minas Gerais. Pós-Graduando em Direito Processual Civil no LFG em parceria com o IBDP e a UNIDERP. Professor de Processo Penal da UNIFENAS – São Sebastião do Paraíso/MG.

Flavio Augusto Maretti Sgrilli Siqueira

Defensor Público Substituto em Minas Gerais, Especialista em Direito e Processo Penal pela UEL e Mestre em Direito Penal pela UEM. Professor de Direito Ambiental da UNIFENAS – São Sebastião do Paraíso/MG e de Direito Constitucional e do Consumidor nas Faculdades Integradas Libertas.


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