Foi no ano de 1814 na Itália, a partir da obra de ROMAGNOSI e da criação da cátedra denominada Alta legislação em referência à Administração pública, na cidade de Milão, que se constatou a primazia de uma obra específica de direito administrativo e o pioneirismo do seu ensino.
MEDAUAR aponta que a obra de ROMAGNOSI, segundo opinião de GIANNINI[1], foi redigida em pouquissimo tempo, com linguagem deliberadamente obscura e difícil para evitar a censura, além de tentar demonstrar o caráter puramente científico do próprio magistério na cátedra então criada. Nota ela também que a primazia cronológica do mesmo não conseguiu conferir à Itália, a condição de berço do direito administrativo.
Observação importante a ser feita é a de que, após a queda do Reino Itálico, a Austria aboliu, no ano de 1817, a cátedra que regia Romagnosi por considerá-la foco de liberalismo. O que ressalta MEDAUAR é a possível dedução do aspecto inovador apresentado pelo direito administrativo em seu início no concernente a concepções antigas de acordo com os fatos descritos. Segundo as suas próprias palavras:
“…parece possível deduzir o aspecto de inovação e mesmo de perigo do direito administrativo em seu início em relação a concepções antigas e provavelmente, também, da figura do pioneiro, que, se do ponto de vista de arranjo organizacional sofria influência da tradição absolutista, no tocante ao credo vinculava-se ao liberalismo.”[2]
Ao mesmo tempo que Romagnosi inicia-se na França a formação do direito administrativo. Diferentemente da Itália, contou o mesmo com grande força de expansão. MEDAUAR aponta ser costumeiro indicar bases de conjuntura que favoreceram o florescimento do direito administrativo francês. Tais bases seriam o reforço então ocorrido do poder público central, a existência de órgão central ( o Conselho do Rei) responsável pelo contencioso administrativo e abundante legislação tratando do funcionamento dos poderes e da sua estrutura organizacional.[3]
Foi publicada no ano de 1818 a obra de MACAREL intitulada “Les élements de jurisprudence administrative”. Nesta obra foram agrupadas por assuntos as decisões do novo Conselho de Estado. MEDAUAR aponta que o autor demonstrou como seria possível extrair daquela jurisprudência “…sólidos princípios científicos”[4].
Em 1819 foi criada a cátedra de direito público e administrativo, na cidade de Paris. O seu responsável era DE GERANDO . Este mestre foi responsável pela publicação, já em 1830, da obra intitulada “Institutes du droit administratif français” em cinco volumes nos quais foram ajuntados mais de 80.000 textos[5].
Em seguida, MEDAUAR expõe que o autor Cormenin foi responsável pela produção de duas outras obras. São elas “Questions de droit administratif”, no ano de 1822 e “Traité du droit administratif français”, obra de dois volumes em 1840.
No ano de 1823 foi abolida a cátedra do direito administrativo com o retorno da Monarquia francesa ao poder a partir de 1815. MEDAUAR questiona neste momento a possibilidade da manutenção do ensino do direito público e administrativo com a monarquia, mesmo sendo esta limitada. Cita então LEGENDRE que sugere como causa:
“uma antiga idéia contrária à difusão do direito público, considerado campo proibido porque referente a mistério reservado aos reis e seus ministros.”[6]
O grande desenvolvimento do direito administrativo francês teria se dado a partir da reinstalação da cátedra em Paris, no ano de 1828, e a sua transformação em matéria integrante do currículo de todas as Universidades em 1837. Neste momento de sua obra, MEDAUAR cita GIANNINI[7] que esclareceria as transformações das obras editadas até então predominantemente analíticas, descritivas e legalistas em obras sistemáticas.
Na Alemanha o acontecido foi diferente. Sem ter ocorrido nenhuma Revolução, como na França, o seu território e a sua Administração não se apresentavam unificados. Para tratar dos assuntos entre os seus cidadãos e o poder público, ressalta MEDAUAR, foi realizada a teoria do fisco. Pela mesma, o fisco era dotado de personalidade jurídica diferente da do Estado e do soberano, além da titularidade do patrimônio e direitos financeiros do Estado. Tais relações eram ditadas pelo direito civil.
Com o decorrer das primeiras décadas do Século XX, a Administração alemã foi sendo reformada e ganhando unidade e organização racional. Havia predominância da vontade do príncipe como fonte de normas, além da separação entre justiça e administração.
MEDAUAR aponta que a legislação que surgiu apontou para maior publicização dos assuntos administrativos até fazer surgir o próprio direito público da administração[8]. Cita FORSTHOFF e comenta também a respeito de Lorenz von Stein. Aponta a autora paulista que o primeiro descreve que no ano de 1829 Von Mohl propusera a separação sistemática das funções estatais e diferenciação dos direitos constitucional e administrativo utilizando-se da literatura francesa para apontar o âmbito de cada um. Comenta as diferenças da sociedade e Estado. Já o trabalho deste último autor aponta para a centralização do Estado de direito como garantidor de igualdade jurídica e ressalta a missão social do Estado, além da sua conciliação com os princípios do Estado de direito[9].
MEDAUAR ressalta o seguinte:
“…o direito da Administração era disciplina prática, um conjunto de preceitos de natureza pública e privada que informavam sua atividade; essa disciplina integrava o direito do Estado, o Staatsrecht. Giannini e Fioravanti mencionam a grande resistência oposta pelos juristas alemães à emancipação do direito administrativo do Staatsrecht e a constante reivindicação de campos, por parte dos autores do direito do Estado, em relação aos temas do direito administrativo.”[10]
Outra importante fase de sistematização do direito administrativo se deu na França, Itália e Alemanha, anos após a primeira já analisada. Precedida pelo surgimento das jurisdições administrativas independentes, os outros aspectos marcantes deste segundo impulso sistematizador eram de natureza política e faziam afirmação de postulados liberais[11].
A influência da “escola pandectista” fez com que certos administrativistas iniciassem a utilizar a típica divisão civilista feita como pessoas, coisas e obrigações. Neste momento passou-se a considerar a Administração Pública dotada de personalidade jurídica e o ato administrativo recebeu o tratamento que era dado ao ato jurídico. Estas foram algumas das conseqüências, dentre outras da influência exercida pela escola liderada por Puchta e Windscheid.[12]
O acontecido na Itália se deu a partir da unificação política e da edição do Estatuto albertino no ano de 1848. Em 1865 foi instituída uma administração centralizada que seguia o modelo francês. Naquele momento além de se desejar a consolidação da unificação política pela estrutura administrativa, por influência belga ou inglesa, segundo MEDAUAR, foi adotada unidade de jurisdição. Com o passar do tempo, foram criadas mais uma seção do Conselho de Estado e juntas provinciais administrativas, destacando-se, deste modo, as jurisdições. O que se passou a partir daí, foi a tentativa realizada pela doutrina e pela jurisprudência de destacar, através do conhecimento das noções de interesse legítimo e direito subjetivo, a competência jurisdicional nos litígios da Administração Pública.[13]
O principal personagem da época foi Orlando. Segundo MEDAUAR demonstra:
“Para Orlando, os problemas fundamentais do direito público são a personalidade jurídica do Estado e a idéia de direitos subjetivos públicos. Conforme Cassese, Orlando, na sua atividade científica pretendia acolher e conciliar, num sistema, as bases essenciais das duas escolas de direito público do século XIX, a francesa e a alemã.”[14]
Autor de grande trabalho científico de direito administrativo, ORLANDO publicou o “Primo trattato completo di diritto amministrativo” de 17 volumes. Com essa obra e outros autores da época como CAMMEO, BRONDI, RANELLETTI e CODACCI-PISANELLI, ocorreu a consolidação do direito administrativo italiano.[15]
Também SANTI ROMANO foi autor de teoria que destacou-se por importância. A teoria da instituição, ou do ordenamento jurídico ou pluralista. Esta teoria era contrária à teoria normativa, considerando-se o aspecto do direito como instituição, e à teoria monista, no concernente ao aspecto da pluralidade dos ordenamentos jurídicos.[16]
Na França o novo período se deu concomitantemente ao advento da 3ª República. Este período se caracterizou pela estabilidade institucional. Autor que deve ser destacado pela sua importância é Laferrière e sua obra Traité de la juridiction administrative, de 1887.
Conforme já salientado, a escola pandectista também apresentou certa influência sobre o pensamento francês. Não entretanto, sem reação ao tratamento pela mesma proposto. Tanto é que se identifica na história o caso Blanco, momento no qual foi rejeitado o tratamento de uma questão administrativa pelo código civil. MEDAUAR aponta que surgiu, naquele momento, a idéia de que o direito administrativo era derrogatório e exorbitante do direito comum ou civil.[17]
Surgem então teorias com características de teorias gerais do direito, as quais buscavam critério único para sobre o mesmo construir o edifício do direito administrativo.
MEDAUAR aponta como exemplo o trabalho de Hauriou, o qual construíra a teoria da instituição e a criação do “regime administrativo”, além da defesa da idéia de puissance publique já feita anteriormente por Laferrière e Aucoc, como poder destinado à satisfação dos interesses gerais e que era superior aos interesses particulares. Filiaram-se posteriormente VEDEL e RIVERO.[18]
Já Duguit destacou-se por liderar a escola do serviço público. Nela foi tentada a retirada do poder da atenção principal dos publicistas. O que se queria era demonstrar que a gestão pública era a resposta aos anseios e necessidades da vida da sociedade.[19]
Os pontos fundamentais apresentados em decorrência da evolução jurisprudencial e doutrinária foram os seguintes, segundo MEDAUAR:
“…separação das autoridades administrativas e judiciárias, como separação peculiar da separação de poderes; centralidade do tema jurisdição administrativa; busca de equilíbrio entre prerrogativas da Administração e direitos dos particulares ( ou limites à atuação administrativa ); noção de interesse geral; regime executório dos atos administrativos; desigualdade entre administração e particulares; Administração submetida à lei.”[20]
Ainda há que se ressaltar outro aspecto dessa fase na Alemanha. O aspecto concernente à criação das jurisdições administrativas naquele país. Além do tribunal administrativo superior da Prússia, foram instalados tribunais administrativos na Baviera e em Wuttemberg, entre 1875 e 1878. MEDAUAR aponta, ainda, a criação, em 1883 na Prússia, de lei sobre competência de jurisdição administrativa.[21]
MEDAUAR trabalha o ponto em estudo no presente momento e chega a conclusões como as de que, do conjunto do pensamento e elaboração francesa, italiana e alemã, foi formado o núcleo essencial do direito administrativo. Este núcleo seria composto pelos temas ou concepções a seguir:
“autoridade do Estado; personalidade jurídica do Estado; capacidade de direito público (competência); propriedade pública; ato administrativo unilateral e executório; direitos subjetivos públicos; interesse legítimo; poder discricionário; jurisdição administrativa; interesse público; puissance publique; serviço público; poder de polícia; pessoas jurídicas públicas; fontes do direito administrativo — lei e regulamento; centralização — hierarquia; contratos administrativos.”[22]
MEDAUAR aponta que com poucas diferenças em relação aos países da Itália, França e Alemanha, o direito administrativo na Espanha se consolidou muito rapidamente na primeira metade do século XIX, principalmente na década que se iniciou em 1840. Tal se deu pela virtude de administrativistas e pela jurisprudência do Conselho Real então estabelecido.[23]
Em Portugal a influência francesa também foi grande. No ano de 1836 foi criada a cátedra de “Direito Público português pela Constituição, direito administrativo pátrio, princípios de política e direito dos tratados de Portugal com outros povos”.[24]
No ano de 1842 foi criado o Conselho de Estado, “com funções consultivas para os litígios que o governo deveria decidir”.[25] A partir daí, surgiram os primeiros repertórios de jurisprudência. Por fim, indica MEDAUAR que a cátedra de direito administrativo, especificamente falando, foi criada em 1853. O primeiro responsável pela mesma foi Justino Antônio de Freitas, o qual publicou, no ano de 1857, a obra “Instituições de direito administrativo português”.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.
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