Resumo: O presente artigo tem por objetivo abordar a possibilidade de compelir um genitor (a) a pagar indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo nas relações paterno-filiais. Ante a controvérsia instaurada em torno do tema, sobretudo, pela existência de decisões dos Tribunais de Primeira Instância, entendendo pela possibilidade e impossibilidade de pagamento de indenização nesses casos, pretende-se verificar qual seria o melhor caminho a ser tomado, em busca do melhor interesse da criança e do adolescente. Quer se demonstrar a importância da família, principalmente, da figura paterna no sentido de acompanhar, conviver, participar do desenvolvimento moral, ético, social da criança e do adolescente, bem como as consequências da sua ausência. Analisar-se-á, por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, a importância do efetivo exercício do Poder Familiar, a responsabilidade dos genitores na formação da criança ou adolescente, desaguando, por fim, na verificação da obrigação de indenizar, em caso de abandono afetivo paterno-filial.
Palavra-chave: Família. Responsabilidade Civil. Obrigação de indenizar. Abandono Afetivo. Danos morais.
Abstract: This article aims to address the possibility of compelling a parent (a) to pay compensation for damages resulting from emotional abandonment in paternal-filial relationship. Before the controversy established around the theme, notably the existence of decisions of the Courts of First Instance, understanding the possibility and indemnity payment impossibility in such cases, it is intended to verify what would be the best way to be taken, in search of the best interests of the child and adolescent. Wants to demonstrate the importance of the family, especially the father figure in order to monitor, socialize, participate in the moral, ethical, social, child and adolescent, and the consequences of its absence. It will examine, through bibliographical and jurisprudential research, the importance of the effective exercise of the Family Branch, the responsibility of parents in the education of the child or adolescent, emptying eventually in verifying the obligation to indemnify in case of abandonment paternal-filial affection.
Keyword: Family. Civil responsability. Obligation to indemnify. Affective abandonment . Moral damages.
Sumário: 1. Considerações Iniciais; 2. A Evolução da família brasileira: do patriarcalismo à afetividade; 3. A Relação Paterno-Filial no Direito Brasileiro: o poder familiar; 4. Deveres dos genitores na formação dos filhos; 5. A Natureza Jurídica do Afeto: 6. O Abandono Afetivo; 7 O Abandono Afetivo e sua Reparação; 8 Posicionamentos jurisprudenciais sobre o dever de indenizar em caso de abandono afetivo; 9. Considerações Finais. Referências.
1. Considerações Iniciais:
Nos termos Constitucionais, a Família é a base da sociedade, instituição responsável por promover o desenvolvimento e a educação dos filhos. O papel da família no desenvolvimento de cada indivíduo é de fundamental importância, principalmente, porque ser do convívio com a família, que são repassados os primeiros e principais valores morais e sociais que terão como base o processo de socialização da criança, bem como as tradições e os costumes que a criança levará por toda a sua vida.
Todavia, quando impossível a continuidade da entidade familiar, os filhos merecem especial atenção, pois o afastamento de forma brusca e inesperada de um de seus pais pode ensejar problemas no desenvolvimento da criança.
Diante desse contexto, caso as responsabilidades assumidas no acordo não sejam cumpridas por uma das partes de forma consensual, o assunto poderá ser discutido perante o judiciário, de forma a garantir o melhor interesse da criança e do adolescente.
Existem divergências doutrinárias quanto à imposição de obrigação de indenizar por danos morais. Alguns entendem não ser devida a indenização por falta do afeto, sobretudo, por não ser este um princípio com força normativa, ao passo que outros reconhecem a afetividade como princípio normativo.
Pretende-se perquirir, portanto, a possibilidade de compelir um genitor por abandono afetivo de sua prole.
2. A Evolução da família brasileira: do patriarcalismo à afetividade
A ciência é eternamente desafiada por novas situações o que nos leva a quebra dos paradigmas, marcando o choque entre teorias, que cedem lugar a novas idéias. A renovação é o momento que a pós-modernidade[1] representa.
A ideia de família veio se modificando ao longo do tempo. Para melhor entender essa mudança faz-se necessário retroagir no tempo e explicitar algumas passagens.
No direito Romano a família era organizada sob o princípio da autoridade. César Fiúza bem explica:
“Tanto na cultura grega quanto em sua continuadora, a cultura romana, a idéia de família era bastante diferente da atual. Para os nossos antepassados culturais, a família era corpo que ia muito além dos pais e dos filhos. […] O pater-famílias era, assim, o senhor absoluto da domus. Era o sacerdote que presidia o culto dos antepassados; era o juiz que julgava seus subordinados, era o administrador que comandava os negócios da família. Com o passar dos tempos, o poder desse pater-famílias deixou de ser tão absoluto. Não obstante, a estrutura familiar continou sendo extremamente patriarcal” (FIUZA, 2008, p.943).
Para esboçar um breve histórico do direito de família no Brasil, parece-nos impossível dissociá-lo da história do Direito Português. Neste sentido, Giordano Bruno Soares Roberto brilhantemente expõe:
“Não é possível compreender o momento atual do Direito Privado brasileiro sem olhar para sua história. Para tanto, não será suficiente começar com o desembarque das caravelas portuguesas em 1500. A história é mais antiga. O Direito brasileiro é filho do Direito Português que, a seu turno, participa de um contexto mais amplo”. (ROBERTO, 2003, p. 5)
Sabe-se que o direito brasileiro se resumia ao que era posto pelas Ordenações do Reino de Portugal, durante todo o período de colonização. Em outras palavras, nossos direitos civis não passavam de simples extensão dos direitos de nossos colonizadores, cuja influência em nosso ordenamento jurídico não pode ser relegada ao desentendimento.
As Ordenações Filipinas, publicadas no ano de 1603, vigeram desde o início do século XVII até a proclamação da independência brasileira em 1822, regendo o ordenamento jurídico privado no Brasil por mais de 300 anos. Tratava-se de uma compilação jurídica marcada pelas influências do Direito Romano, Canônico e Germânico, que juntos constituíam os elementos fundantes do Direito Português e como não poderia deixar de ser, influenciaram a legislação brasileira com o seu tom patriarcalista e patrimonialista.
Uma vez proclamada à independência do Brasil, uma lei editada em outubro de 1823 determinou a manutenção das Ordenações Filipinas em nossas terras, bem como demais formas normativas emanadas dos imperadores portugueses. Como o Brasil ficou por muito tempo sujeito as normas portuguesas, arraigadas de contornos religiosos, todos os seus costumes e tradições passaram a fazer parte do cotidiano brasileiro, dentre eles as leis e as imposições sacras advindas daquele Estado-Eclesiático. Nesse contexto, a igreja sacralizou o conceito de família, conferindo-lhe uma finalidade meramente procriativa.
O primeiro Código Civil Brasileiro foi editado apenas em 1916, através de projeto elaborado por Clovis Bevilaqua. No entanto, não trouxe nenhuma mudança substancial na realidade da família brasileira, permanecendo esta um núcleo em que o homem exercia o poder absoluto de controle e comando da casa, devendo a mulher e filhos prestar-lhe obediência e imensurável respeito.
O casamento era indissolúvel e a família, consagrada pela lei, tinha um modelo conservador, considerada como uma entidade matrimonial, patriarcal, patrimonial, indissolúvel e heterossexual. O vínculo que nascia da livre vontade dos nubentes era mantido, independente e até contra a vontade dos cônjuges. A família nuclear composta por homem, mulher e filhos habitando em um ambiente comum era praticamente a única existente, muitas vezes os termos se confundiam: família era sinônimo de casamento e vice-versa.
A família como uma instituição matrimonializada, única forma legítima existente, também era hierarquizada: seus membros continuaram submissos ao pater familias.
A mulher casada era relativamente incapaz, além de necessitar da outorga marital para determinados atos da vida civil, não exercia sobre os filhos autoridade, haja vista que o pátrio poder, como o próprio nome sugere, era de exercício exclusivo do pai, a quem cabia o poder de decisão, somente outorgado à mãe na falta do patriarca (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010).
Aos filhos legítimos, frutos do matrimônio cabiam somente se subjugarem aos poderes do pai. Já as proles nascidas fora desse molde não tinham reconhecimento jurídico, sendo considerados ilegítimos, e sem qualquer proteção jurídica. Era-lhes negado até mesmo o reconhecimento da paternidade. Tudo isso devido a uma visão patrimonialista da família, que se fundava na justificativa de que o possível reconhecimento geraria um fracionamento patrimonial injustificado no momento da sucessão (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010).
Mantinha-se a indissolubilidade do casamento, principalmente por ser uma “importante entidade social” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 11).
Com o passar dos anos, a sociedade veio a sofrer transformações em várias esferas, não ficando a família alheia a isso. A Revolução Industrial foi crucial para inserir a mulher no mercado de trabalho, e a partir daí se inicia a revolução da família. Pode-se afirmar que conquista das mulheres ao direito ao voto e ao direito ao trabalho foram os grandes marcos de uma sociedade que sempre foi machista e feudalista.
Fiuza considera que a Revolução Sexual foi um marco importante na evolução da família: “O golpe fatal ocorre nos idos de 1960, com a chamada Revolução sexual, em que a mulher reclama, de uma vez por todas, posição de igualdade perante o homem” (FIUZA, 2008, p.944).
Engels relata que com as descobertas de outras civilizações, conheceu-se o matriarcado, como uma nova forma de conhecer a família. “A mulher, senhora soberana da casa, exercia ação nos negócios públicos”. (ENGELS, 1944, p. 279).
De fato, a realidade social brasileira apresentava-se diferente das imposições legais, havia um crescente número de agrupamentos familiares advindos de junções paralelas à família matrimonializada, seja por uniões maritais sem casamento (concubinatos puros e impuros), seja por mulheres solteiras chefiando o lar sozinhas, com os filhos. Além disso, os filhos deixaram de serem vistos como força de trabalho para a aquisição de propriedade, pois a partir dos avanços industriais, tecnológicos percebeu-se que o casamento não era a melhor forma de adquirir riquezas.
“As diversas maneiras pelas quais homens, mulheres e filhos desenvolviam seus laços afetivos faziam parte de uma mesma realidade, cercada por características comuns que não suportavam mais a estrutura patriarcal enraizada nos setores conservadores de nossa sociedade e prevista numa legislação que estava em completa desarmonia com a realidade nacional.” (OLIVEIRA, 2002, p. 229).
Com este avanço da sociedade, o Estado procurou oferecer, com maior efetividade, a proteção da família e de seus membros, assegurando-lhes assistência e amparo.
O divisor de águas se deu com o início da vigência do texto constitucional de 05 de outubro de 1988, que inseriu no ordenamento jurídico a igualdade entre os cônjuges, as liberdades e as garantias da mulher, até então inimagináveis, que vieram a ser elevadas à condição de cláusulas pétreas. A família oriunda do casamento e da união estável, que passou a ser reconhecida como formadora de núcleo familiar teve tratativa constitucional e o direito civil teve que se adequar a tal realidade.
As inovações trazidas pela Constituição de 1988, no que concerne à proteção da família, “voltaram-se muito mais para os aspectos pessoais do que para os patrimoniais das relações de família, refletindo as transformações por que passam” (LÔBO, 2009, p. 3).
A família passa agora a ser funcionalizada. Pode-se afirmar que a família hoje é o meio funcional para o pleno desenvolvimento da personalidade de seus membros. Há um “deslocamento da função econômica-política-religiosa-procracional para essa nova função”, que, como prefere definir Paulo Lôbo (2009, p. 11-12), “enquadra-se no fenômeno jurídico social denominado repersonalização das relações civis, que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas relações patrimoniais”. Privilegia-se a pessoa humana como o centro das relações jurídicas.
A família antes fundada no patrimônio, hoje, vê-se regida pela solidariedade e pelo respeito à dignidade humana de cada membro. Nesse diapasão, Rodrigo da Cunha Pereira (1995, p. 25) afirma: “a família é uma estruturação psíquica onde cada integrante possui um lugar definido, independente de qualquer vínculo biológico”
Guilherme Calmon Nogueira da Gama preleciona:
“Considera-se que a família patriarcal, considerada o modelo único no Brasil desde a Colônia, entrou em crise no curso do século XX e, desse modo, foi superada, perdendo sua sustentação jurídica, notadamente diante dos valores introduzidos pela Constituição Federal de 1988. […] A nova família não se encontra, no entanto, em crise, identificando-se nos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social como referências seguras, e se baseia nas noções de tutela da pessoa humana na dimensão existencial e socioafetiva. Trata-se da concepção eudemonista da família, que potencializa, desse modo, os liames de afeição entre os seus integrantes, com nítida valorização das funções afetivas da família, tornando-se o refúgio privilegiado das pessoas humanas contra os problemas encontrados nas grandes cidades e decorrentes das pressões econômicas e sociais. A família passa a ser encarada como comunidade de afeto e entre – ajuda, servindo para o desenvolvimento da pessoa humana, especialmente no âmbito dos interesses afetivos e existenciais”. (2008b, p. 28-29).
Certo é que o constituinte procurou diferenciar cada espécie familiar. Contudo, é inegável que todas as espécies de família são faces de uma mesma realidade, o afeto, e as mudanças reclamadas pela sociedade não ocorreram de modo completo, tendo em vista que o casamento e a união estável continuaram limitados ao vínculo entre homem e mulher e a relação de pessoas do mesmo sexo, continuou a margem da regulamentação.
A Constituição de 1988 iniciou a uma nova visão jurídica de família, desvinculando a entidade familiar do casamento, aceitando a realidade social fática da família plural, já vivenciada pela sociedade pós-moderna, haja vista que já existiam as famílias monoparental, unipessoal, anaparental, simultâneas, dentre outras.
Ao outorgar a proteção à família, independentemente da celebração do casamento, a Constituição criou um novo conceito de entidade familiar, albergando outros vínculos afetivos. “O caput do art. 226 é, consequentemente, cláusula geral de inclusão da família, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade“ (LOBO, 2002, p. 95).
Assim, como a carta magna conferiu igualdade entre homem e mulher, inseriu a proteção à família plural, o respeito à dignidade humana, à liberdade, à garantia aos direitos fundamentais e, em nenhum momento proibiu união entre pessoas do mesmo sexo, pode-se concluir que mera lei ordinária poderia regulamentar vínculos homoafetivos. Isso porque a busca da felicidade e a família fundada na afetividade são os fundamentos que devem ser considerados em todos os relacionamentos.
A lei 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, foi a primeira a conceituar a família moderna, tendo em vista a pluralidade de arranjos familiares verificada na sociedade atual. O artigo 5, II nos informa:
“[…] no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. […] Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual” (BRASIL, 2006).
Renata Barbosa e Walsir Edson definem a família contemporânea: “reuniões pessoais que se sustentam no afeto, que sejam estáveis e, nessa medida, ostensivas, criam recinto favorável à constituição de identidades; são, portanto, família” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p.23).
Não há como negar que a família moderna é fundada na afetividade que surge pela convivência entre pessoas e pela reciprocidade de sentimentos. Cristiano Chaves reforça a idéia de modelo familiar “ëudemonista, afirmando-se a busca da realização plena do ser humano. Aliás, constata-se, finalmente, que a família é locus privilegiado para garantir a dignidade humana e permitir a realização plena do ser humano” (FARIAS, 2003, p.9).
Neste sentido Maria Berenice assevera:
“O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade. A absorção do princípio eudemonista pelo ordenamento altera o sentido da proteção jurídica da família, deslocando-o da instituição para o sujeito” (DIAS, 2009, p.54)
Demonstra-se, claramente, que a sociedade evoluiu, os valores mudaram e as famílias já não têm a mesma estrutura de tempos atrás. Ao receber a carga axiológica constitucional, o direito das famílias foi alvo de profunda transformação, hoje se preocupa com a dignidade da pessoa humana, o patrimonialismo foi substituído pelos parâmetros do afeto, a solidariedade e a consequente busca da felicidade.
3 A Relação Paterno-Filial no Direito Brasileiro: o poder familiar
O poder familiar é o exercício da autoridade dos pais sobre os filhos, no interesse destes. Tal autoridade é apenas temporária, ou seja, exercida até que a criança ou o adolescente atinja a maioridade ou nos casos de emancipação.
Após o século XX, o instituto antes denominado de pátrio poder foi se modificando, adequando-se à evolução das relações familiares, antes voltada ao interesse dos pais sobre os filhos, constituindo-se, assim, o múnus (obrigação) público.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90, dispõe, no artigo 21, que “o pátrio poder é exercido pelos pais, em igualdade de condições” (BRASIL, 1990).
Seguindo a realidade social e jurídica, modificou-se a expressão do poder do pai (pátrio) para poder compartilhado dos pais (família), condicionado no interesse dos pais e dos filhos, do menor na realização como pessoa em desenvolvimento.
Assim, o poder familiar é reconhecido como a autoridade pessoal e patrimonial, pelo qual o ordenamento jurídico atribui aos pais responsabilidade e poder sobre os filhos menores em seu exclusivo interesse, compreendendo os poderes decisórios relacionados aos cuidados e educação do menor e, ainda, de representação do filho na gestão de seus interesses.
A autoridade paternal assume a função educativa que é propriamente de gestão patrimonial, à promoção e ao acompanhamento das possibilidades das realizações criativas dos filhos, a qual não é possível repassar tal dever a outra pessoa.
O artigo 227 da Constituição da República estipula o mínimo de deveres sob a responsabilidade da família. Em razão do poder familiar, deve-se observar e agir em benefício do filho, enquanto criança e adolescente, levando a efeito o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar.
Por seu turno, o artigo 229 da Constituição da República estabelece que os pais tenham o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. De maneira óbvia, tal conjunto de deveres deixa pouco espaço ao poder. São deveres jurídicos, a direitos cujo titular é o filho.
O poder familiar é entendido, pois, como uma decorrência dos atos que um ou ambos os genitores realizam para assegurar que seus filhos sobrevivam até adquirirem características que lhe permitam sobreviver por si próprio e consequentemente reproduzindo-se.
Os pais são os defensores, protetores legais, os titulares naturais dos filhos, detentores específicos dessa autoridade sobre os mesmos, confiada pela sociedade e pelo Estado. Não é um poder discricionário, pois o Estado reserva-se o controle sobre ele.
4 Deveres dos genitores na formação dos filhos
O legislador impôs obrigações aos genitores para garantir a educação, a formação social, psíquica e o sustento/alimentos a criança e ao adolescente, ainda que não esteja sob a sua guarda, pois ambos são responsáveis por sua formação.
O artigo 227, caput da Constituição da República prevê os deveres da família, da sociedade e do Estado a saber:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (BRASIL, 1988).
O artigo 229 da mesma Constituição, por sua vez, preconiza o dever dos pais e, consequentemente, os deveres dos filhos para com seus pais: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. (BRASIL, 1988).
No Estatuto da Criança e do Adolescente também estão presentes as responsabilidades atribuindo aos pais além das obrigações materiais, as afetivas, morais e psíquicas, conforme preconizado no art. 3º, in verbis:
“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. (BRASIL, 1990).
O dever de criar determina ao genitor que assegure ao filho uma boa formação e desenvolvimento, preservando a dignidade de seu filho, garantindo seu bem-estar físico e psíquico.
O dever de sustento relaciona-se com tudo aquilo que é necessário á vida do filho, não se limitando ao dever de alimentar, referindo-se à obrigação comum de apenas “dar” alimentos.
O Dever de educar, a seu turno, inclui corrigir, impor limites, seja cedendo ou privando quando necessário. Importa lembrar que tais limites não devem se exceder de forma a ferir os princípio da dignidade da pessoa humana, sua integridade mental, física, sob pena de destituição do poder familiar, podendo responder de forma cível e criminal, aquele cometer tal excesso.
O dever de guarda inclui uma convivência contínua e permanente, que envolve troca de experiências, informações, cumprindo com os deveres de criação, educação e convivência familiar.
Caso os pais não convivam sob o mesmo teto, o direito de visita é um dever personalíssimo do pai não detentor da guarda.
Segundo Gabrielle Gomes Andrade Suarez, “o direito de visitação, mais do que um direito dos genitores não detentores da guarda dos filhos, trata-se de um ônus e um dever de conviver com os menores, sob pena de incorrerem em abandono afetivo” (SUAREZ, 2015).
Dispõe o artigo 1.589 do Código Civil que:
“O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação” (BRASIL, 2002).
Conforme o artigo 1.690 Código Civil de 2002, aos pais cabe o dever de representar e dar assistência aos filhos menores de 16 anos e assisti-los entre os 16 e 18 anos.
Nos termos do artigo 1517 do Código Civil, provar ou negar o consentimento para casar, e nomear conforme artigo 1529do Código Civil de 2002, tutor, protetor.
O dever de exigir obediência se relaciona com o respeito e colaboração.
Oportuno registrar que, para o desenvolvimento ideal da criança e adolescente não basta o cumprimento dos deveres supra-elencados, sendo de fundamental importância a convivência com o filho, de modo a conceder-lhe carinho, afeto e proteção, sobretudo, por ser no seio da família que se desenvolve a personalidade para viver perante a sociedade.
No mesmo sentido é o entendimento de Maria Berenice Dias (2007):
“A convivência dos filhos com os pais não é direito do pai, mas do filho. Com isso, quem não detém a guarda tem o dever de conviver com ele. Não é direito de visitá-lo, é obrigação de visitá-lo. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e reflexos no seu desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida”. (DIAS, 2007, p. 140)
A convivência entre pais e filhos é primordial para desenvolver todos os poderes-deveres dos pais em prol do melhor interesse dos filhos, fazendo-se necessário o estudo do afeto, onde as implicações nos filhos decorrem da falta de afeto.
5 A Natureza Jurídica do Afeto:
Como já demonstrado, a família evoluiu e passou a se vincular e a se manter preponderantemente por elos afetivos, em detrimento das motivações econômicas que até então possuíam papel fundamental. A concepção de família eudemonista ressalta a importância do afeto, sobretudo na relação paterno-filial, como sendo de suma importância para o saudável desenvolvimento da criança e do adolescente.
Para se enfrentar o tema do abandono afetivo dos pais perante os filhos, crucial é enfrentar a análise da natureza jurídica do afeto. Árduas e acirradas são as discussões que atualmente têm movimentado os civilistas: qual seria realmente a natureza jurídica do afeto?
Destacam-se, basicamente, duas correntes: os que defendem a afetividade como princípio jurídico aplicado ao Direito de Família e por outro lado aqueles que o consideram como um valor, negando seu caráter jurídico. A maior parte da doutrina pugna pelo caráter principiológico do afeto, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana.
O constitucionalista Sérgio Resende de Barros aborda o afeto familiar:
“Um afeto que enlaça e comunica as pessoas, mesmo quando estejam distantes no tempo e no espaço, por uma solidariedade íntima e fundamental de suas vidas – de vivência, convivência e sobrevivência – quanto aos fins e meios de existência, subsistência e persistência de cada um e do todo que formam”. (BARROS, 2002, p. 9).
Paulo Luiz Netto Lôbo é um dos autores que se filia à corrente dos que consideram o afeto como um princípio:
“O princípio da afetividade tem fundamento constitucional; não é petição de princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico. Projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade”. (LÔBO, 2004, p. 08)
Embora o princípio da afetividade não esteja expresso na Constituição Federal, Paulo Lôbo identifica quatro fundamentos constitucionais do princípio:
“a) Todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227,§6º); b) a adoção como escolha afetiva alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) a convivência familiar (e não de origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227)”. (LOBO, 2009, p. 48).
Afirmar ser a afetividade um princípio jurídico implica em admitir todos os efeitos que tal atribuição gera. Os princípios são normas, dotados, portanto de imperatividade, o que significa que se pode impor a outrem. Não estão adstritos somente ao campo da interpretação.
Dessa forma, caso se entenda que existe um princípio da afetividade, por conseguinte, o afeto poderia ser imposto, pois sendo norma, a afetividade passaria a possuir uma conotação de dever, o que parece negar o traço principal do afeto que é a espontaneidade. Nessa perspectiva, Renata Almeida e Walsir Rodrigues Júnior asseveram:
“A principal característica do afeto é a espontaneidade de um sentimento que se apresenta naturalmente e, por isso, é autentico. O afeto – uma vez imposto – não é sincero e, assim, não congrega as qualidades que lhes são próprias, dentre as quais o incentivo à sadia conformação da identidade pessoal dos envolvidos. Por isso, o Direito não possui meios, e, menos ainda, legitimidade para resolver a falta de afeto no âmbito das relações familiares”. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 564)
Maria Berenice Dias também defende o afeto como princípio jurídico ao afirmar que “o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade” (2010, p. 72). Entretanto, na visão contrária, tem-se a corrente que dispõe sobre o não caráter normativo da afetividade.
Não se concorda que a afetividade seja um princípio, por esta leitura, poder-se-ia obrigar alguém a amar outrem, o que é impossível, juridicamente ou moralmente falando. Ora, o afeto não pode ser imposto, trata-se de um valor de natureza moral.
Surge aqui a necessidade de diferenciar valores e princípios e os referidos autores demonstram:
“Princípios pertencem ao plano deôntico, cujo conceito principal é o dever-ser, o que induz a uma avaliação de lícito ou ilícito. Valores, por sua vez, pertencem ao âmbito da axiologia, cujo elementar conceito é o bom e suas respectivas avaliações atinem ao melhor ou pior”. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 593)
Rolf Madaleno é adepto à corrente que considera o afeto um valor:
“A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco […] A sobrevivência humana também depende e muito da interação do afeto; é valor supremo, necessidade ingente, bastando atentar para as demandas que estão surgindo para apurar responsabilidade civil pela ausência do afeto” (2009, p. 65).
Para os autores que tratam o afeto como um valor moral não caberia indenização civil em caso de abandono afetivo.
No mesmo sentido, Leonardo Castro (2008, p. 20) afirma que “nas relações familiares, cabe ao judiciário apenas a defesa aos direitos fundamentais do menor. A sua intromissão em questões relacionadas ao sentimento é abusiva, perigosa e põe em risco relações que não são de sua alçada”. O autor apresenta o afeto como um mero sentimento, sem caráter jurídico.
Há, ainda, outros empecilhos para se admitir a natureza de dever jurídico do afeto, como almeja a doutrina majoritária. Além da falta de previsão legal desse suposto dever, não existe uma definição legal do que seja afeto. Trata-se de objeto de estudo da Psicologia, da Filosofia, assim como de demais ciências sociais que atribuem um significado muito mais amplo daquele aprendido pelo senso comum. Marco Túlio de Carvalho Rocha completa:
“Um dado da bibliografia jurídica ligada à "teoria do afeto" surpreende: a ausência de considerações sobre o conceito de "afeto". Uma maior ênfase no conteúdo teórico do "afeto" era de se esperar numa doutrina que pretende tê-lo como núcleo do direito de família. A necessidade de estudar o significado de "afeto" torna-se ainda maior se se tem em conta a ambivalência do termo: na linguagem comum, afeto é sinônimo de carinho, simpatia, amizade, ternura, amor; na Filosofia e na Psicologia, contudo, possui significado bem diferente: é sinônimo de sentimento, emoção, paixão. A essa última acepção é a que corresponde à etimologia da palavra: "afeto" provém do latim affectus e se formou da preposição ad (para) mais o verbo facere (fazer). Ou seja, "fazer para", "influenciar", "afetar". "Afeto" designa, pois, algo que sofre influência de outro ser. Enquanto o "afeto" da linguagem natural tem conotação positiva, referindo-se aos mais nobres sentimentos humanos, o "afeto" da linguagem filosófico-científica designa todas as afeições, todos os sentimentos, os mais elevados e os mais baixos. Incluem-se na noção de "afeto", no sentido filosófico-científico, o ódio, a inveja, o rancor e todos os sentimentos moralmente repudiados. (…) Uma vez que no sentido filosófico-científico "afeto" tem consonância com "sentimento", o Direito não pode ser chamado a protegê-lo incondicionalmente, uma vez que muitas de suas manifestações contrariam os valores fundamentais da ordem jurídica. Além disso, o Direito somente regula a conduta humana exteriorizada”. (ROCHA, 2009, p. 61).
Logo, entende-se que a afetividade deve ser verificada como um valor moral, um sentimento juridicamente relevante na medida em que se constitui um dos elementos configuradores da família moderna, mas pela própria natureza de sentimento, o afeto pressupõe liberdade, haja vista que não depende da vontade do sujeito. A liberdade afetiva também pressupõe a realização da dignidade.
6 O Abandono Afetivo
Por abandono afetivo entende-se a ausência, a omissão de um dos genitores em desempenhar, acompanhar o filho em seu desenvolvimento, físico, psicológico, ético e moral. Conforme já abordado, a criança e o adolescente necessitam da convivência familiar para que possam se desenvolver de forma completa e sadia.
Lôbo (2002) afirma que o abandono afetivo dos filhos nada mais é do que “o inadimplemento dos deveres jurídicos da paternidade”. Hironaka (2011), por sua vez, preleciona que:
“O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada”. (HIRONAKA, 2011).
Acrescenta Hironaka (2011):
“A ausência injustificada do pai origina – em situações corriqueiras – evidente dor psíquica e consequente prejuízo à formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção (função psicopedagógica) que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade”. (HIRONAKA, 2011.)
No mesmo sentido, Nader (2009) esclarece que:
“Para configurar ato ilícito, o abandono afetivo deve ser voluntário, pois se, por exemplo, o pai se afasta do filho em razão de ter contraído doença contagiosa, não há ilícito, visto que rompido o nexo de causalidade pela excludente da força maior. Cite-se, ainda, o caso de o guardião passar a residir em localidade distante e o não-guardião carecer de recursos financeiros para o encontro, hipótese na qual, em princípio, não estará caracterizado o abandono afetivo” (NADER, 2009, p. 345).
Diante todo exposto, observa-se que o abandono afetivo se refere à ausência injustificada do genitor, que gera prejuízo à formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção que a presença paterna representa na vida do filho.
7 O Abandono Afetivo e sua Reparação
O abandono afetivo pode decorrer de vários fatores, seja pelo não reconhecimento da paternidade, seja pela omissão, ou pela ausência do convívio com o genitor dentre outros motivos.
Partindo do fundamento de que a afetividade seria um princípio do Direito das Famílias, derivado implicitamente do princípio da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, surgiram provocações ao Poder Judiciário pleiteando indenizações por dano moral em casos em que houve abandono afetivo de pais em relação aos seus filhos.
Tal corrente argumenta que, diante do presumido dano moral e psíquico sofrido em decorrência da ausência ou do desprezo do ascendente, a obrigação paterno-filial não se esgotaria no dever de sustento material, mas também no dever de afeto.
De par com isso, os pedidos de reparação de danos na relação paterno-filial também têm tido como fundamentos principais o direito à convivência familiar, o dever de vigilância, cuidado e de educação. O dano causado em virtude da ofensa à dignidade humana da pessoa do filho poderia ser passível de reparação, por ofensa ao direito da própria personalidade, podendo a mãe ou o pai omisso ser condenado a indenizar o filho, pelo dano que lhe causou ao ignorar sua existência.
Ressalta-se, por oportuno, que a reparação pretendida deve observar os seguintes requisitos: o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo filho e a conduta omissiva e voluntária do pai no cumprimento do dever de convivência familiar, de forma a não punir indevidamente aquele que não deu causa a tal evento danoso.
8 Posicionamentos jurisprudenciais sobre o dever de indenizar em caso de abandono afetivo
Como já ressaltado, há decisões a favor e contra o dever de indenizar em caso de abandono afetivo. Em primeiro plano, apresentar-se-ão os fundamentos contrários à responsabilização civil nesses casos.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em recente acórdão, entendeu pelo descabimento da obrigação de indenizar, fundamentando na ausência de ato ilícito passível de reparação no âmbito econômico-financeiro, sobretudo, em face da alteração de domicílio do genitor para outro Estado, senão vejamos:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ABANDONO AFETIVO E MATERIAL POR PARTE DO GENITOR. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA PRÁTICA DE ATO ILÍCITO PASSÍVEL DE REPARAÇÃO NO ÂMBITO ECONÔMICO-FINANCEIRO. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS. MAJORAÇÃO. DESCABIMENTO. 1. Caso em que o distanciamento afetivo havido entre pai e filha, agora adolescente, encontra justificativa na alteração de domicílio do genitor para outro Estado, não havendo como imputar ao genitor, em face da ausência de convívio e da prestação direta dos cuidados, a responsabilidade pela delicada situação vivenciada pela filha adolescente (envolvimento com drogas, furto e agressões), especialmente porque demonstrou ter procurado manter um vínculo, ainda que por meio de telefonemas e de correspondências eletrônicas, bem como ter prestado auxílio material, não havendo como reconhecer, portanto, a prática de ato ilícito passível de reparação no âmbito econômico-financeiro. 2. Embora presumidas as necessidades da filha adolescente, não ficou demonstrada nos autos a existência de despesas excepcionais que não estariam sendo atendidas com a pensão provisoriamente fixada em dois salários mínimos, patamar que não foi oportunamente impugnado pela alimentada e que deve ser tornado definitivo, como decidido na origem, não merecendo acolhimento o pedido de majoração. APELO DESPROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70066828054, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 10/12/2015).(TJ-RS – AC: 70066828054 RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 10/12/2015, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 15/12/2015)
No caso supramencionado, restou comprovado nos autos que o genitor, não obstante tenha se mudado para outro Estado, continuou tendo vínculo com a filha, por meio de contato telefônico e virtual, bem como prestou auxílio material, circunstâncias que, ao sentir da Oitava Câmara Civel do Rio Grande do Sul, afastam a configuração do ato ilícito pretendido.
Outro caso interessante foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no qual foi negada a pretensão indenizatória, sob o fundamento de não ter sido comprovada a alegada recusa deliberada das funções parentais. Confira-se o teor da ementa, in verbis:
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA PROPOSTA PELAS FILHAS EM FACE DO GENITOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO DO JULGADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO PRATICADO. RECUSA DELIBERADA DAS FUNÇÕES PARENTAIS NÃO VERIFICADA. O Estudo Psicológico e Social atestou que, atualmente, não existe um relacionamento de intimidade entre pai (Apelado) e filhas (Apelantes). Parecer técnico que concluiu que o distanciamento existente entre o Apelado e as Apelantes foi motivado, principalmente, pelo fato de terem elas uma relação de afeto mais estreita com seu padrasto. Comportamento do genitor que se apresentou como sendo fruto de imaturidade, em não saber separar as funções de pai, das de ex-companheiro. Demanda judicial que foi importante para reforçar os laços de afeto existentes entre o Apelado e a segunda Apelante. Primeira Recorrente que se demonstrou disposta a retomar o contato com seu genitor. Acervo probatório que confirma que não restou configurado o abandono afetivo alegado. RECURSO CONHECIDO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (TJ-RJ – APL: 00368486320098190002 RJ 0036848-63.2009.8.19.0002, Relator: DES. MARIA REGINA FONSECA NOVA ALVES, Data de Julgamento: 18/03/2014, DÉCIMA QUINTA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 16/04/2014 16:25)
No caso em comento, o Estudo Psicológico e Social concluiu que a ausência de relacionamento de intimidade entre pai (Apelado) e filhas (Apelantes) foi motivado, principalmente, pelo fato de terem elas uma relação de afeto mais estreita com seu padrasto.
Desse modo, restou evidenciado nos autos que o comportamento do genitor não configura ato ilícito, tampouco haveria dever de indenizar.
Conforme salientado alhures, o tema é polêmico e decisões conflitantes também foram prolatadas pelo STJ.
Em 2005, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou pela impossibilidade da reparação civil pelo abandono moral, entendendo que esta não se encaixaria como conduta ilícita.
Cuidava-se de caso em que o filho ajuizou ação ordinária contra seu pai, pleiteando indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo. Em primeira instância, o pleito foi julgado improcedente, contudo, após interposição de apelação, o pai foi condenado pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais ao pagamento de indenização por danos morais pelo descumprimento do dever familiar de convívio com o filho.
O pai, inconformado com a condenação, interpôs Recurso Especial. Entendeu por bem a 4ª Turma, por maioria, dar provimento ao apelo, sob o fundamento de que o caso era de abandono ou descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, contudo, a legislação previa como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder.
Assim, consideraram que, por ser a perda do poder familiar a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, esta já se encarregaria da função punitiva, o que afastaria a pretensa indenizatória decorrente do abandono afetivo.
Com isso, além de considerar que o Direito de Família já tutela sanção específica para o caso, entendeu a 4ª Turma que o litígio entre as partes reduziria consideravelmente a expectativa de uma reaproximação, ainda que tardia.
Sendo assim, o deferimento do pleito não atenderia o objetivo da reparação financeira, nem seu efeito punitivo, pois, neste sentido, o ordenamento jurídico já teria providenciado a pensão alimentícia e a perda da guarda.
Concluiu-se, à ocasião, que escapava do arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada.
Lado outro, em abril de 2012, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou o Resp. 1.159.242/SP em sentido diametralmente oposto ao entendimento consolidado pela 4ª Turma.
A Terceira Turma firmou o entendimento decorrente de que o abandono afetivo, decorrente da omissão do pai ou da mãe no dever de cuidar da prole, constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável, in verbis:
“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido” (STJ, REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
A 3ª Turma, por maioria, julgou procedente a compensação por dano moral em decorrência do abandono efetivo, pela falta de cuidado, valor juridicamente tutelado, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, como se observa do art. 227 da CR/88.
A relatora, Ministra Nancy Andrighi, asseverou que “o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente” e seguiu com o entendimento de que a discussão não estava pautada tão somente na questão da mensuração do amor, mas na verificação do cumprimento da obrigação legal de cuidar.
Seguindo essa perspectiva, o descumprimento do dever legal de cuidar da prole -dever de criação, educação e companhia – evidencia a ilicitude civil, sob a forma de omissão, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.
Concluiu-se, portanto, que “amar é faculdade, cuidar é dever”.
Como se vê, a matéria está longe de ser pacificada e apesar de uma aparente mudança no entendimento jurisprudencial, muita polêmica ainda envolve o tema. Por hora, o pai, condenado pela 3ª Turma ao pagamento de indenização no valor de R$200.000,00 (duzentos mil reais), já recorreu da decisão apresentando embargos de divergência e o recurso ainda não foi julgado.
9. Considerações Finais
O presente artigo teve como essência verificar a possibilidade de compelir o (a) genitor (a) ao pagamento de dano moral ao Direito das Famílias, especialmente, em decorrência do abandono afetivo.
O Direito das Famílias passou por uma profunda transformação e a família, até então considerada como instituição, firmada no pater potestas e nos critérios biológicos, passa a ser considerada com um instrumento de proteção da pessoa humana.
As entidades familiares, então, transmudam de uma concepção institucional, patrimonializada e biológica para uma vertente instrumental, cultural e afetiva.
Em decorrência dessa mudança estrutural, o ordenamento jurídico consagrou o afeto como elemento estruturante das relações familiares, portanto, para muitos, merecedor de tutela e especial proteção do Estado.
Iniciou-se, com isso, o seguinte questionamento: o abandono afetivo é um ilícito indenizável?
A fim de responder tal indagação, foi desenvolvido um breve histórico da família, demonstrando as alterações importantes ocorridas nos últimos tempos, analisou-se a natureza jurídica do afeto, apresentando os posicionamentos da doutrina acerca do tema, questionando se seria um princípio jurídico, que ensejaria aplicação imperativa, ou mero valor e um sentimento.
Considerando que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, assegura às crianças e aos adolescentes o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, comunga-se do entendimento de que quando o (a) genitor (a) descumpre com as obrigações impostas pelo Poder Familiar – dever de cuidado – fere os direitos da personalidade da criança e do adolescente, atingindo frontalmente o princípio fundamental da Dignidade Humana.
Demonstrou-se, por meio de análise jurisprudencial, que o tema é controvertido, havendo decisões favoráveis e contrárias à obrigação de reparar o abandono afetivo.
Após muito avaliar os fundamentos lançados nas decisões exploradas no estudo, posiciona-se pelo entendimento de que ante ao cometimento de ato ilícito (art.186 CC) – omissão quanto ao dever de cuidado, o dano causado pelo abandono afetivo paterno-filial, há de ser ressarcido.
Afinal, ignorar a conduta omissiva dos genitores ausentes permite que estes continuem negligenciando as obrigações do poder familiar, rejeitando e excluindo um filho ou filha de seus direitos fundamentais, prejudicando-os, muitas vezes, de forma irreparável.
Assim, o direito a indenização deve prevalecer para aqueles genitores que sabem, reconhecem e, mesmo assim, ignoram e rejeitam seus filhos.
Por outro lado, entende-se que não há o que se falar em danos morais, para aquele genitor, que, por exemplo, em função de uma alienação parental, é afastado do filho de forma indireta, não podendo ser responsabilizado por algo que independia de si.
Ressalta-se, ainda, que não se considera devida a indenização por danos morais pela simples ausência de afeto, pois afeto é sentimento, algo espontâneo, que não se encontra a venda.
A pesquisa se prestou a reforçar a percepção de que afeto não se compra, adquire-se espontaneamente entre as partes, sendo impossível obrigar a alguém a ter afeto por outra pessoa.
Conclui-se, pois, que não há óbice para a aplicação da Responsabilidade Civil nas relações familiares paterno-filiais, quando configurado o ato ilícito e o efetivo dano, baseado no descumprimento do dever de cuidado e assistência da criança e do adolescente.
Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais e Faculdades Del Rey – UNIESP. Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
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