Alexia Praia Ximenes [1]
Ingo Dieter Pietzsch[2]
Resumo: Mediante o cenário de pandemia do coronavírus, causador da COVID-19, inúmeras pessoas se tornaram clientes propícios para compras em ambiente virtual. A comodidade e as formas de prevenção ao vírus obrigaram o mundo a entrar em suas casas e fazer das telas de seus computadores ou celulares verdadeiras vitrines de lojas que tiveram que se readaptar a nova normalidade. É nesse sentido que se torna necessário um estudo para alertar os consumidores dos perigos que se enfrenta nas compras pela internet, além de descrever quais as formas de proteção que os mesmos encontram quando se tornam vitimas de crimes contra os consumidores nas suas relações de consumo. Portanto, este artigo tem como objetivo demonstrar através da jurisprudência, da doutrina e da lei os direitos e deveres das partes em uma relação de consumo no comércio eletrônico.
Palavras-chave: Compras. Direito. Consumidor. E-commerce.
Abstract: Through the scenario of coronavirus pandemic, which caused COVID-19, countless people have become customers conducive to purchases in a virtual environment. The convenience and forms of virus prevention forced the world into their homes and make the screens of their computers or mobile phones true store windows that had to readapt the new normal. It is in this sense that a study is needed to warn consumers of the dangers faced in internet shopping, in addition to describing what forms of protection they find when they become victims of crimes against consumers in their consumer relations. Therefore, this article aims to demonstrate through jurisprudence, doctrine and law the rights and duties of the parties in a consumer relationship in e-commerce.
Keywords: Shopping. Right. Consumer. E-commerce.
Sumário: Introdução. 1. A pandemia do coronavírus e o direito do consumidor 2. Direitos básicos inerentes aos consumidores 3. Os riscos que os consumidores estão expostos em compras pela internet 4. A proteção dos consumidores nas compras pela internet em tempos de pandemia. Considerações Finais. Referências
INTRODUÇÃO
O avanço da globalização e a utilização da rede mundial de computadores permitiram que o comércio eletrônico crescesse exponencialmente, mudando assim a forma de consumo da sociedade em todo o mundo. Além disso, as lojas virtuais oferecem uma maior comodidade para os consumidores e, muitas vezes, encontram melhores preços com entrega gratuita em suas residências e facilitando o pagamento das compras.
Porém, com várias vantagens em contraponto as lojas físicas os consumidores ficam vulneráveis a conflitos e até mesmo falta de informações sobre seus direitos nas compras que realizam no ambiente virtual. É muito comum pedirem produtos que na loja virtual se mostram de uma forma e quando entregam em suas residências, se mostra totalmente diferente, lesando a confiança dos consumidores. Por esse motivo, inúmeras são as ações no Poder Judiciário sobre essas questões mostrando que muitos que fazem parte do chamado e-commerce[3] não agem conforme as leis brasileiras.
Os direitos dos consumidores são garantias extremamente importantes para o direito brasileiro. Permite que haja um equilíbrio na relação de consumo, evitando possíveis abusos por parte dos fornecedores e oferecendo aos consumidores a possibilidade de recorrer à esfera jurídica para restituição dos danos sofridos, mediante a ação ou omissão de outrem. Assim, no momento que vivemos é de suma importância que cada consumidor conheça seus direitos e como buscar a resolução dos eventuais danos sofridos.
Em tempos de isolamento social, oriundos da crise mundial instalada pelo Coronavírus, causador da COVID-19 e de uma pandemia mundial, muitas pessoas se vêem presas ao uso ilimitado da internet bem como sendo obrigadas a comprar todos os tipos de produtos pelo ambiente virtual com a entrega em suas residências. É neste cenário que se faz necessário um estudo jurídico sobre quais são os direitos dos consumidores nas compras na internet.
Diante disso, entender quais são os direitos dos consumidores aplicando-os ao ambiente virtual permite uma maior segurança a quem, por motivo de força maior em que vivemos, compra até mesmo alimentos através da rede mundial de computadores, para que em meio a tantas noticias ruim não sejamos vitimas do bombardeio virtual de promoções e ofertas que muitas vezes são verdadeiras armadilhas digitais.
No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou o surto do coronavírus como uma pandemia. Diante desse quadro, com uma rápida expansão do contágio e taxas de mortes em diversos países do planeta, milhões de pessoas foram colocadas quarentena através do distanciamento social, como uma estratégia de combate ao contágio do novo vírus já que não há ainda vacinas nem remédios que sejam totalmente eficazes no controle da doença causada pelo vírus.
Neste cenário quase apocalíptico, milhares de pessoas em diversos países começaram a usar a rede mundial de computadores como o meio de garantir os seus produtos desejados, em alguns lugares até comida passou a ser adquirida através de aplicativo com entrega a domicílio pelo sistema de delivery[4]. Conforme a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm) os registros de aumento chegam a ser 180%[5] nas vendas de produtos das categorias de alimentos, bebidas, saúde e higiene pessoal, a contar do dia 12 de março de 2020.
Diante desse crescimento impulsionado pelo coronavírus, os consumidores estão se expondo cada vez mais a riscos no ambiente virtual, pois em um comércio de transações rápidas e um sistema globalizado é possível que inúmeros consumidores possam sofre algum tipo de lesão aos seus direitos. Por isso, se faz necessário um estudo sobre quais os direitos que os consumidores possuem em compras pela internet, demonstrando quais são as possíveis armadilhas que eles enfrentam no ambiente virtual, bem como quais as possíveis ferramentas que podem se socorrer em casos de lesão ao direito.
De acordo com dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor [6](Idec), comprar sem sair de casa é uma comodidade para os consumidores, que muitas vezes encontram melhores preços e condições de pagamento nas lojas online. Porém, também representa um aumento no risco de ser vítima de golpes e sofrer prejuízos financeiros, o que exige ainda mais conhecimento da legislação e sobre os seus direitos no ambiente virtual.
Mas para conseguir entender quais os direitos que podem ser transgredidos nas compras virtuais se faz necessário compreender quem pode ser conceituado como consumidor e quais direitos goza. O Código de Defesa do Consumidor, no seu artigo 2º, conceitua consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Esse destinatário final pode ser todo aquele que consome o produto ou faz uso do serviço, ou seja, qualquer individuo com poder de compra para adquirir algo.
Neste sentido, as relações jurídicas que surgem no ato de vender ou comprar importam para o universo do Direito. Essas obrigações adquiridas através do mercado são reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor. É o CDC, como lei especifica que coordena as situações em que produtos e serviços são oferecidos ao mercado de consumo para que qualquer pessoa os adquira, como destinatária final.
Nas palavras de Nunes (pág.124, 2018), portanto “há, por isso, uma clara preocupação com bens típicos de consumo, fabricados em série, levados ao mercado numa rede de distribuição, com ofertas sendo feitas por meio de dezenas de veículos de comunicação”, para que alguma pessoa em certo e oportuno momento os adquira. Essa preocupação revela nas linhas do próprio CDC que o consumidor se torna a parte mais frágil e indefesa nessa relação de consumo, sendo exposta a diversas fraudes e instigada ao erro com propagandas enganosas. Nunes (pág. 130, 2018) narra a distinção entre quem seja o consumidor que será protegido pelo Código de Defesa do Consumidor:
“a) O CDC regula situações em que haja “destinatário final” que adquire produto ou serviço para uso próprio sem finalidade de produção de outros produtos ou serviços; b) regula também situações em que haja “destinatário final” que adquire produto ou serviço com finalidade de produção de outros produtos ou serviços, desde que estes, uma vez adquiridos, sejam oferecidos regular mente no mercado de consumo, independentemente do uso e destino que o adquirente lhes vai dar; c) o CDC não regula situações nas quais, apesar de se poder identificar um “destinatário final”, o produto ou serviço é entregue com a finalidade específica de servir de “bem de produção” para outro produto ou serviço e via de regra não está colocado no mercado de consumo como bem de con sumo, mas como de produção; o consumidor comum não o adquire. Por via de exceção, contudo, haverá caso em que a aquisição do produto ou serviço típico de produção será feita pelo consumidor, e nessa relação incidirão as regras do CDC. (NUNES pag. 130, 2018)”
É possível verificar que não é qualquer compra que pode ser efetuada como consumo que será protegida pelo CDC, caracterizando proteção ao consumidor. Para que as normas contidas no CDC possam valer é necessário que esse consumidor seja o destinatário final, aquele que usará o produto sem finalidade de produção. Feitas as considerações sobre o consumidor em si, passemos para a análise dos direitos básicos do consumidor dentro das leis brasileiras.
Como apresentado, o ordenamento jurídico brasileiro considera o consumidor como a parte mais frágil na relação de consumo. Por esta razão elenca na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXII, que “o Estado promoverá, na forma da lei a defesa do consumidor” abrindo leque para a instituição do Código de Defesa do Consumidor que em seu artigo 4º confirma a afirmativa da hipossuficiência do consumidor na relação de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º elenca um rol exemplificativo de direitos básicos que todos devem ser respeitados em uma relação de consumo:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012)
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
IX – (Vetado);
X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Parágrafo único. A informação de que trata o inciso III do caput deste artigo deve ser acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)
Neste rol, em se tratando de compras pela internet não há distinção entre direitos. Todos são inerentes aos consumidores devendo ser respeitados pelos fornecedores de produtos ou serviços. Além disso, podemos destacar alguns outros direitos espalhados entre as linhas do CDC extensos as compras pela rede mundial de computadores, quais sejam, direito ao arrependimento (art. 49, CDC), direito a informações objetivas e claras (art. 31 do CDC), direito ao Cumprimento da oferta (Art. 35 do CDC), Garantias e Prazo de Entrega do produto.
Com relação ao arrependimento do cliente, o Código de Defesa do Consumidor regula esse direito em seu artigo 49. O consumidor que realiza compra de produtos pela internet tem o direito de se arrepender da compra em 7 dias e desfazer o negócio, sem ter que dar justificativa. Esse prazo começa a ser contado a partir da data de recebimento do objeto ou serviço, porém caberá a devolução dos valores investidos no objeto, os que foram pagos pelo cliente.
Nelson Nery Junior (pág. 564, 2019), um dos autores do anteprojeto do CDC, explica sobre o direito do arrependimento:
“DIREITO DE ARREPENDIMENTO – O Código consagra o direito de o consumidor arrepender-se e voltar atrás em declaração de vontade que haja manifestado celebrando relação jurídica de consumo. O direito de arrependimento existe per se, sem que seja necessária qualquer justificativa do por que da atitude do consumidor. Basta que o contrato de consumo tenha sido concluído fora do estabelecimento comercial para que incida, plenamente, o direito de o consumidor arrepender-se”. (JUNIOR NERY, Nelson, pág. 564, 2019)
No direito ao arrependimento é necessário se da ênfase a afirmativa de que não é obrigatório que o consumidor justifique o motivo de estar se arrependendo da compra, basta à simples manifestação para exercer esse direito. Em sede de acórdão do recurso inominado 0004633-44.2015.8.16.0184 PR, sob a relatoria do Juiz Daniel Tempski Ferreira da Costa, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entendeu o direito ao arrependimento como:
“RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. COMPRA DE PASSAGEM AÉREA PELA INTERNET. EXERCIDO O DIREITO DE ARREPENDIMENTO PELO CONSUMIDOR. ART. 49 DO CDC. PEDIDO DE DEVOLUÇÃO REALIZADO DENTRO DO PRAZO DE 7 DIAS DE ARREPENDIMENTO (MOV. 1.7), ESTABULADO PELO CDC. DEVOLUÇÃO DEVENDO SER REALIZADA SEM NENHUM ENCARGO AO CONSUMIDOR. DEVOLUÇÃO QUE DEVE SER REALIZADA DE FORMA INTEGRAL, SEM APLICAÇÃO DE MULTAS. SENTENÇA MANTIDA PELS SEUS PROPRIOS FUNDAMENTOS (ART. 46, LJE). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 2. Nos termos do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, a consumidora pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicilio. Se a consumidora exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados (…) TJ-PR –RI: 00046334420158160184 PR 0004633-44.2015.8.16.0184 (Acórdão), Relator: Juiz Daniel Tempski Ferreira da Costa, data de julgamento: 18/09/2017, 1ª Turma Recursal, data de publicação: 19/09/2017”.
O instituto do direito de arrependimento foi criado pelo legislador como uma forma de proteção ao consumidor mediante os inúmeros bombardeios de propagandas do comércio, notadamente o agressivo, que acabam por macular a declaração de vontade do consumidor. Muitos instigam a compra com ofertas vantajosas, porém as informações descritas sobre o produto é insuficiente causando constrangimentos quando recebido o projeto.
É neste segundo quesito, sobre informações claras, que o Código de Defesa do Consumidor assegura como direito aos consumidores em seu artigo 31. As informações contidas devem ser inequivocamente claras, devem constar características essenciais do produto, bem como as relativas aos riscos à saúde e segurança do consumidor, além das informações necessárias discriminando claramente o preço final do produto, os valores adicionais de encargos e despesas de envio e as condições integrais da oferta.
Nenhuma informação deve ser oculta do cliente no ato da compra, além das informações básicas e essenciais sobre o produto, as ofertas e promoções devem constar todos os critérios, se houver, bem como os seus prazos de validade para evitar qualquer tipo de constrangimentos fornecendo ao comprador chances de melhor avaliar o negócio jurídico que estão finalizando.
Em que se tratam os prazos de entrega do produto, o fornecedor deverá informar e fixar o prazo para a entrega do produto ou para a execução do serviço. Não pode o fornecedor cobrar frete diferenciado para as entregas que forem agendadas. Em casos de entregas atrasadas, a legislação garante a possibilidade de exigir a entrega forçada no prazo ou a restituição antecipada de todo o valor pago, incluindo os preços de frete e quaisquer perdas e danos.
O cumprimento da oferta, regulado pelo artigo 35 do CDC, é uma forma de garantir a palavra do fornecedor perante o consumidor uma vez que é fácil desfazer o negócio pelo fato de ser menos lucrativo. Na internet, com uma movimentação de dados a velocidade da luz, torna-se uma poderosa ferramenta para os consumidores. Se o fornecedor se recusar a cumprir a oferta, o consumidor poderá escolher entre três possíveis formas, conforme preleciona o artigo 35 do CDC:
Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:
I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;
II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.
O que o legislador visa proteger de forma imediata e a oferta, publicidade e propagando apresentada pelo fornecedor impondo a proibição de tal para garantir a satisfação do consumidor. Essa proteção, além de livrar o consumidor de aborrecimentos, serve de cumprimento ao direito falado anteriormente em que se deve manter as informações claras e objetivas, perfazendo um total de dois direitos protegidos.
No que se trata de garantias podemos conceituá-la como à ação que uma pessoa, empresa ou comercio realiza com o objetivo de consolidar o que foi estipulado. Em outras palavras é através da garantia que se pretende adotar uma maior segurança para as partes envolvidas no negocio estipulado. Em linhas gerais, para o consumidor existem três tipos de garantias, são elas: a garantia real (art. 26 do CDC), a garantia contratual (art. 50 do CDC) e garantia estendida.
A garantia real vem embutida em todo serviço ou produto comercializado. Ela é determinada pelo código de defesa do consumidor e cobre qualquer tipo de defeito, dano ou problema relacionado ao produto adquirido pelo consumidor. Nesta linha Zelom Denari (pág. 17, 2019) explica:
Tendo presente que os produtos agregados são fornecidos ao consumidor com garantia legal de adequação, dispondo o fornecedor do prazo de 30 dias (art. 18 do CDC) para saneamento das partes viciadas, resta saber como compatibilizar essa garantia com o acesso do consumidor à reparação dos vícios prevista no § 1º do referido artigo, sem perder de vista que tais produtos costumam ser fornecidos com cláusula de garantia contratual de saneamento dos vícios, nos exatos termos do art. 50 do CDC.
Nesta hipótese, o consumidor terá, sucessivamente, duas alternativas:
– em primeira intenção, exigir do fornecedor o cumprimento da adequação do produto (substituição das peças avariadas) até a data-limite da garantia legal (30 dias) ou, se for o caso, daquela contratualmente pactuada;
– em segunda intenção, em razão da extensão do vício, exercitar os direitos alternativos previstos no art. 18, § 1º (substituição do produto, restituição da quantia paga ou abatimento do preço), no prazo de 90 dias, contados da constatação do vício oculto até a data-limite da garantia legal ou contratual, sob pena de decadência. (DENARI pág. 17, 2019)
O cliente dispõe segundo explica o autor, do prazo de 30 dias para exigir que seja cumprida a total adequação do produto e se necessário, não sendo possível o conserto da avaria no produto, a troca por um novo exemplar. Esse prazo triplica para 90 dias com substituição do produto, restituição da quantia paga ou abatimento do valor do produto em casos de está presente no ato da compra os chamados produtos agregados.
A garantia contratual, nos termos do artigo 50 do CDC é uma garantia não obrigatória estabelecida entre fornecedor e consumidor por um prazo adicional à garantia legal e, pode, portanto, conter algumas condições já que é convencionada entre as partes. Essa garantia deve constar em documento, comumente chamado de termo de garantia que explica todas as condições para que a mesma venha existir.
Já a garantia estendida, é uma garantia paga pelo consumidor e fica a seu critério se ela vai com o produto. Consiste em um seguro que prorroga a garantia dada pelo fornecedor ao produto adquirido, geralmente estabelece uma indenização em caso de algum defeito ao produto ou a possibilidade de troca por um prazo maior caos seja impossível o conserto do produto. Esta garantia não deve ser incluída no valor final do produto nem muito menos ser atribuída como um desconto e o consumidor podem solicitar o cancelamento da garantia estendida pelo prazo de sete dias depois de efetuada a compra.
Neste período de pandemia, muitas das relações de consumo foram afetadas profundamente em todo o mundo. Lojas físicas foram obrigadas a fechar suas portas, escolas e estabelecimentos de ensino superior passaram a fornecer suas aulas via online, academias e todos os lugares que permitiam aglomerações de pessoas foram fechados como uma forma de conter o contágio do novo coronavírus, o uso da internet se tornou ilimitado e os consumidores passaram a consumir em grande escala através dela.
Um dos riscos que os consumidores estão enfrentando em tempos dessa pandemia é o constante aumento do preço de itens de consumo. Em muitos lugares estabelecimentos estão superfaturando produtos de limpeza, alimentos, remédios e produtos de higiene pessoal. A fixação dos preços em regra é mera liberalidade do fornecedor, porém em situações como a qual estamos vivendo atualmente não se pode aceitar o aumento indiscriminado do preço. O fornecedor não pode elevar o preço dos produtos para se aproveitar da situação de calamidade e auferir maiores vantagens e lucros em razão disso, além de ser imoral é ilegal.
Podemos considerar que esse tipo de prática como abusiva, conforme consta no artigo 39, inciso V do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, pelo Código Civil também entendemos que tal prática configura lesão, segundo o artigo 157: “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”. Nesse caso é possível a revisão do valor para o cliente.
É muito importante que o consumidor tenha informação adequada e correta neste momento. Evitar alardes ou desqualificações em propagandas é fundamental. É importante frisar que campanhas abusivas podem ser enquadradas como crime também pelo CDC, conforme artigo 67. Os consumidores precisam ficar muito atentos e redobrar seu senso crítico ao ver divulgações sobre produtos ou receitas milagrosas que curam ou previnem a doença. Muitas propagandas enganosas podem surgir em momentos assim e os consumidores estão vulneráveis.
Além destes pontos, os consumidores são expostos a venda casada. Em sítios virtuais, a venda casada se demonstra de várias formas como, por exemplo, a compra de um objeto a mais para manter o valor final do produto desejado. Pela definição do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a venda casada se consuma sempre que alguém condicionar, subordinar ou sujeitar a venda de um bem ou utilização de um serviço (principal) à aquisição de outro bem ou ao uso de determinado serviço (secundário). Tal prática é configurada como proibida pelo CDC em seu artigo 39, inciso I.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma arma poderosíssima do consumidor brasileiro, inclusive em uma época de pandemia como ocorre neste momento em todo o mundo. Ele é um conjunto de regras que abrange as relações de consumo em todas as esferas: civil, definindo as responsabilidades e os mecanismos para a reparação de danos causados; administrativa, definindo os mecanismos para o poder público atuar nas relações de consumo; e penal, estabelecendo tipos de crimes e as punições que serão aplicadas para os mesmos.
Muitas pessoas antes da decretação da pandemia tinham viagens marcadas com reservas de hotéis, a dúvida que paira é sobre como fica o dinheiro investido. Essa resposta se dá com o advento da Medida Provisória 948, de 8 de abril de 2020, o consumidor apenas terá direito de exigir a devolução dos valores pagos se não for dada pela empresa a possibilidade de remarcação e disponibilização de crédito para ser utilizado no prazo de 12 (doze) meses ou outro acordo não for pactuado com o consumidor.
Se a opção adotada for a remarcação, deverá observar os critérios de sazonalidade (ou seja o período contratado) e o prazo de 12 meses começará a contar a partir do fim da decretação de estado de calamidade pública. Esta mesma medida vale para o ramo de hospedagem em geral, agências de turismo, transportadoras turísticas, locadoras de veículos, cinemas, teatros, plataformas online de vendas de ingresso, organizadores de eventos, parques temáticos, parques aquáticos, acampamentos, restaurantes, bares, centros de convenções, exposições e casas de espetáculos.
Neste meio, os consumidores estão mais vulneráveis nas relações de consumo firmadas antes, mas com efeitos que se prolongam para depois da pandemia. Sergio Cavaliere Filho (pág.7, 2019) fala sobre a vulnerabilidade dos consumidores e a essencialidade do CDC:
“A vulnerabilidade, portanto, é o requisito essencial para a formulação de um conceito de consumidor; está na origem da elaboração de um Direito do Consumidor; é a espinha dorsal que sustenta toda a sua filosofia. Reconhecendo a desigualdade existente, busca estabelecer uma igualdade real entre as partes nas relações de consumo. As normas desse novo direito estão sistematizadas a partir dessa ideia básica de proteção de determinado sujeito: o consumidor, por ser ele vulnerável. Só se justifica a aplicação de uma lei protetiva em face de uma relação de desiguais. Entre partes iguais não se pode tratar privilegiadamente uma delas sob pena de violação do princípio da igualdade” ( CAVALIERE FILHO, pág. 7, 2019).
Utilizando com base o Código de Defesa do Consumidor, que é o maior meio de proteção na relação de consumo aos mais vulneráveis, os consumidores podem utilizar-se dos órgãos de proteção (PROCON) dos estados. Além disso, o Poder Judiciário tornou-se uma grande porta para resolução dos conflitos com o advento dos Juizados Especiais.
No que tange os Juizados Especiais, precisamente no âmbito cível, os consumidores podem se socorrer do Poder Judiciário para dirimir seus problemas oriundos da relação de consumo. De acordo com os objetivos e princípios que norteiam os Juizados é possível que o consumidor peticione ao Juiz, provocando o Judiciário, sem o intermédio de um advogado em casos que o valor da causa seja inferior a vinte salários mínimos. Além disso, princípios como a celeridade processual e a informalidade juntamente com a estimulação a conciliação permite que as partes em conflito consigam criar um acordo de modo a satisfazer suas pretensões.
Para os consumidores que acreditarem que seus casos superem a cota dos vinte salários mínimos, se faz necessário o intermédio de um representante que necessita ser advogado, o consumidor pode-se valer do auxilio das Defensorias Públicas estaduais que possuem pastas de assessoria sobre os direitos e deveres dos consumidores e fornecedores. Também é possível em casos mais graves se recorrer ao Ministério Público que atua na defesa dos direitos dos consumidores combatendo práticas abusivas nas relações de consumo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia do coronavírus mudou a realidade em muitas situações, nos ensinou a repensar as formas de relacionamento e até mesmo de como fazer compras. Por essa razão se faz necessário um estudo sobre quais são os direitos que os consumidores possuem e quais são os deveres que os fornecedores devem cumprir na relação de consumo. As compras pela internet demonstram como os consumidores estão expostos e todos precisaram estar em alerta sobre os riscos que se enfrenta no e-commerce.
A pesquisa apresentada buscou demonstrar exatamente quais os riscos que os consumidores enfrentam bem como os seus direitos básicos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor e pela nossa Constituição Federal. Além disso, buscou-se apresentar possíveis soluções sobre onde os consumidores lesados podem se socorrer na busca da compensação pela lesão aos seus direitos. A pandemia do coronavírus mudou formas de pensar, de agir e até conceitos, porém as velhas práticas abusivas foram transportadas para o ambiente virtual e devemos estar em alerta para combater de todas as formas possíveis.
REFERÊNCIAS
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KNECHTEL, Maria do Rosário. Metodologia da pesquisa em educação: uma abordagem teórico-prática dialogada. Curitiba: Intersaberes, 2014.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. – 4. ed. – São Paulo : Atlas, 2002.
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NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. – 12. ed. São Paulo : Saraiva Educação, 2018
TEIXEIRA, Tarcisio. Comércio eletrônico: conforme o Marco Civil da Internet e a regulamentação do e-commerce no Brasil. São Paulo : Saraiva, 2015.
THEODORO JUNIOR. Humberto. 1938 – Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
PARANÁ. Recurso Inonimado n 00046334420158160184. Relator: Juiz Daniel Tempski Ferreira da Costa. Paraná, data de julgamento: 18/09/2017, 1ª Turma Recursal, data de publicação: 19/09/2017. Disponível em: <https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/837254321/processo-civel-e-do-trabalho-recursos-recurso-inominado-ri-46334420158160184-pr-0004633-4420158160184 acordao? ref =serp > Acesso em: 03/05/2020
[1] Acadêmica de Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA – Manaus. Email: Alexia.ximenes19@rede.ulbra.br
[2] Professor orientador do Trabalho de Curso em Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus CEULM/ULBRA – Manaus, AM. Email: ingo.pietzsch@ulbra.br
[3] Comércio Eletrônico
[4] Entrega a domicílio.
[5] Dados coletados em: https://oglobo.globo.com/economia/como-economizar/coronavirus-aumenta-compras-pela-internet-veja-dicas-cuidados-para-economizar-1-24327688 às 20:35h do dia 30/04/20
[6] Dados coletados em: https://idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/os-direitos-dos-consumidores-que-realizam-compras-pela-internet às 17:57h do dia 01/05/20
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