Limites e desafios da fiscalização tributária no comércio eletrônico direto e indireto

Resumo: Foi realizado na presente pesquisa um estudo acerca dos limites e desafios da fiscalização tributária no comércio eletrônico direto e indireto. Fizemos uma análise de temas que influenciam a atuação da administração tributária, como o princípio da legalidade, os direitos individuais como sigilo fiscal e bancário, o domicílio fiscal, a responsabilidade tributária dos provedores de hospedagem que atuam como sítios intermediários, os conflitos de enquadramento de impostos em bens incorpóreos comercializados via download através da Internet e as dificuldades das propostas de tributação na computação em nuvem. Desta maneira, demonstramos um ambiente de comércio complexo para a fiscalização seja por lacunas de legislação e ausência de jurisprudência, seja pela facilidade/rapidez de operações de e-commerce que dificultam o controle pelas autoridades. Ressaltando-se por fim, operações de sucesso dos fiscos que revelam a necessidade cada vez maior de cooperação de forma a suplantar a ausência de barreiras territoriais para o comércio eletrônico e a observância aos direitos e garantias individuais estabelecidos pela constituição.

Palavras Chaves: Comércio Eletrônico. Fiscalização Tributária.

Abstract: This research was conducted in a study on the limits and challenges of fiscal controls on direct and indirect electronic commerce. We did an analysis of issues that influence the performance of tax administration, the principle of legality, individual rights as tax and banking secrecy, tax domicile, the tax liability of hosting providers who act as intermediaries sites, the framework of conflict taxes on intangible property sold via download through the Internet and the difficulties of tax proposals on cloud computing. In this way, we demonstrate a complex trade environment for inspection either by legislation gaps and lack of jurisprudence, is the ease / speed of e-commerce transactions that make it difficult to control by the authorities. Also note finally successful operations of the tax authorities that reveal the increasing need for cooperation in order to overcome the absence of territorial barriers to e-commerce and the respect to individual rights and guarantees established by the Constitution.

Keywords: E-Commerce.Tax Inspection.

Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento. 1.1.Princípio da Legalidade e o Direito à Privacidade. 1.2.Domicílio Fiscal e o Estabelecimento Virtual. 1.3. Responsabilidade Tributária no E-Commerce. 1.4.Conflitos de Competência ICMS e ISS e Imunidades. 1.4.1.Software. 1.4.2.Provedor de Internet. 1.4.3.Livros Jornais e Periódicos. 1.4.4.Música e Vídeo. 1.5.Computação em nuvem. 1.6.Operações de Fiscalização. Conclusão.

INTRODUÇÃO

Com a popularização da Internet, do uso crescente de recursos computacionais e o preço cada vez menor, o comércio eletrônico vem tornando-se relevante para as atividades econômicas. Nesse contexto de inovação tecnológica surgem impactos na área tributária, como por exemplo, a aplicação de tributos sobre bens tangíveis e intangíveis comercializados através da Internet. Se de um lado contribuintes e consumidores se adaptam a essa nova realidade, de outro a administração tributária deve responder ao desafio de minimizar perdas de arrecadação causadas por evasão fiscal e também garantir uma concorrência justa no mercado.

Á medida que o uso da internet se expande na atividade econômica, o comércio eletrônico se diversifica, se amplia e torna-se mais complexo para administração tributária. Passamos a ter operações de compra e venda de produtos, serviços, informações através do uso de uma rede de computadores e comunicação, que não apresenta uma fronteira física. Nesse cenário a tributação do e-commerce sucinta questões não somente de quais tributos se aplicam na comercialização eletrônica, mas também como, o que, quais dificuldades de fiscalizar em tais operações, diante de um ordenamento jurídico vigente.

A legislação tributária em vigor, na sua grande maioria, foi elaborada na ausência das inovações tecnológicas que atualmente estão sendo utilizadas. No entanto, administração tributária continua vinculada ao princípio da legalidade, gerando uma constante autoavaliação se os procedimentos administrativos e as obrigações acessórias são suficientes no controle fiscal desse setor econômico.

Marco Aurélio Greco (2001) analisa que uma das premissas a serem observadas no e-commerce é a neutralidade, ou seja, o fator da escolha da aquisição de um bem ou serviço através da internet não deve ter a tributação como elemento de decisão. Portanto, a fiscalização insere-se como relevante e necessária nesse mundo virtual, não só como agente de combate à evasão fiscal, mas de forma a garantir condições isonômicas a qualquer contribuinte.

Constituem objetivo principal avaliar os limites, os instrumentos legais já disponíveis e as necessidades de aperfeiçoamento para fiscalização do comércio eletrônico direto e indireto. Como objetivos específicos destacam-se:

– Analisar o princípio da legalidade versus o direito da privacidade;

– Mapear a responsabilidade solidária no e-commerce;

– Avaliar o estabelecimento virtual e o domicílio tributário;

– Mapear o conflito de competência entre ICMS e ISS e as imunidades;

– Avaliar a fiscalização tributária na computação em nuvem;

– Analisar as operações de fiscalização: cartão vermelho e Matrix;

No que concerne aos enfoques metodológicos, a estratégia da pesquisa é qualitativa. Seu aspecto é mais globalizante e holístico, sendo mais adequado para descrever a complexidade de um determinado problema, que engloba a atuação da fiscalização tributária no comércio eletrônico. Importante ressaltar, a análise documental elaborada que consta de doutrina revelada em livros, artigos e teses, jurisprudência, legislação e finalmente consultas efetuadas pelos contribuintes às autoridades tributárias.

2 DESENVOLVIMENTO

As inovações da tecnologia de informação e comunicação, dentre as quais a Internet, promoveram uma nova forma de comunicação entre clientes e fornecedores, gerando novas formas de operação de negócios. As atividades econômicas que utilizam redes eletrônicas têm sido denominadas de negócios eletrônicos (e-business). A principal atividade desse setor da economia é o comércio eletrônico (e-commerce). O comércio eletrônico de acordo com as Nações Unidas tem a seguinte definição:

“Uma transação eletrônica é venda ou compra de bens ou serviços entre empresas, consumidores domésticos, indivíduos, governos e outras organizações públicas ou privadas, realizadas através de rede de computadores. Os bens e serviços são pedidos pela rede, mas seu pagamento e a entrega final podem ser conduzidas on ou off-line. (tradução do autor, NATIONS, 2001, pg.47)”

No comércio eletrônico surgem três tipos de agentes: o governo, as empresas e os consumidores. Dentre as relações existentes entre esses agentes demonstrados na figura 1, destacam-se: a) B2B (business-to-business), transações entre empresas, como por exemplo, portais de negócio; b) B2C/C2B (business-to-consumer, consumer-to-business), transações entre empresas e consumidores, destacando lojas e shoppings virtuais; c) C2C ( consumer-to-consumer), transações entre consumidores finais, por exemplo, sítios de Leilões e classificados on line .

O comércio eletrônico se divide em duas modalidades: o direto e o indireto. O comércio indireto refere-se a uma compra através de sítios eletrônicos de lojas disponibilizadas na Internet em que o bem adquirido é enviado ao comprador, sem que o consumidor se desloque fisicamente ao estabelecimento vendedor. Nesse caso essa modalidade de comércio eletrônico se assemelha a uma aquisição de um consumidor numa loja física. Já o comércio eletrônico direto refere-se à aquisição de bens comprados e transmitidos pela Internet, através de downloads. Nesse ambiente de comercialização, o comércio eletrônico indireto comercializa bens corpóreos ou tangíveis e o direto, bens incorpóreos, como software, música, que passam a ser adquiridos sem qualquer suporte físico e disponibilizados através de transmissão de dados.

2.1. Princípio da Legalidade e o Direito à Privacidade

O princípio da legalidade estabelece no art. 5°, inciso II, da Constituição Federal que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da Lei”. Com esse princípio toda imposição tributária significa “a submissão e o respeito a Lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador” (MORAES,2014, pg 42). O artigo 97 do Código Tributário Nacional (CTN) enumera as matérias que estão sujeitas a reserva legal eliminando qualquer possibilidade de que se utilize um ato diferente da Lei formal.

A prerrogativa de fiscalizar surge do próprio poder de tributar. Conforme Luís Eduardo Schoueri (2014), a atividade de fiscalização está prevista na Constituição, no princípio da capacidade contributiva, art. 145, § 1, in verbis:

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da Lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

Portanto, a fiscalização deve atuar dentro de limites, respeitando os direitos individuais e nos termos da Lei.

Se um de um lado a administração tributária deve atuar dentro do ordenamento jurídico vigente, de outro há a inviolabilidade constitucional da privacidade e do sigilo de dados estabelecidos respectivamente nos art. 5°, inciso X e art. 5°, inciso XII, da Carta Magna.

Com relação à proteção à privacidade humana, Alexandre de Moraes ressalta:

“Não podemos deixar de considerar que as informações fiscais e bancárias, sejam as constantes nas próprias instituições financeiras, sejam as constantes na Receita Federal ou organismos congêneres do Poder Público, constituem parte da vida privada da pessoa física ou jurídica. (MORAES, 2014, pg. 73)”

Os sigilos bancário e fiscal são direitos individuais constitucionalmente protegidos. No entanto, o dever de sigilo, não surge absoluto, ponderando-se de um lado o direito à privacidade e de outro o interesse público. Também, os poderes da administração tributária não são absolutos, conforme voto do Ministro Celso de Mello no HC 82788/RJ, in verbis:

“Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional.

A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, “respeitados os direitos individuais e nos termos da Lei” (CF, art.145, $ 1°), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários – restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que , por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade do Estado. (HC 82788/RJ, Rel. min. Celso de Mello, julgamento em 12/04/2005, Segunda Turma. DJ de 02/06/2006)”

2.2. Domicílio Fiscal e o Estabelecimento Virtual

As regras de domicílio tributário estão estabelecidas no artigo 127 do CTN que estabelece a eleição do domicílio pelo contribuinte e caso não se aplique as regras dos incisos do respectivo artigo “o lugar da situação dos bens ou da ocorrência de ato ou fatos que deram origem a obrigação”.

Conforme Sacha Calmon Navarro Coêlho (2012, p.603) “o domicílio é importante para fixar o local de recebimento e quem deve fazer o pagamento, deduzindo-se do inadimplemento da obrigação se a mora é do credor ou do devedor”. Por outro lado, tem relevância na comunicação fiscal (recebimento de notificações e intimações), nos trabalhos de fiscalização e nos conflitos de competência, por exemplo, entre municípios. E finalmente a mudança de domicílio fiscal sem comunicação as autoridades tributárias implica em ilícito tributário de acordo com a súmula n° 435[1] do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A criação do comércio eletrônico possibilitou o desenvolvimento de um canal de vendas em que o consumidor não mais se dirige fisicamente ao estabelecimento para fazer uma aquisição. Diante desse modelo de negócio, surge o chamado estabelecimento virtual. A diferença entre o estabelecimento físico e o virtual não está na ausência ou presença de bens tangíveis usados na sua construção, mas como o consumidor o acessa. Para Fábio Ulhoa Coelho (2015, p.49), “o tipo de acesso ao estabelecimento empresarial define a classificação deste. Quando feito por deslocamento no espaço, é físico; quando por transmissão e recepção eletrônica de dados, virtual”.

Vejamos as informações de duas empresas que possuem estabelecimento virtual, por meio de sítio na World Wide Web (www). O primeiro caso trata-se da empresa Casas Bahia. Tal organização possui estabelecimentos físicos e virtual, representado pelo endereço eletrônico www.casasbahia.com.br. Acessando sua página na web (consultada em 09/07/2015) constata-se que se trata da empresa Canova Comércio Eletrônico S.A., situada na rua Gomes de Carvalho, em São Paulo, inscrita na junta comercial. Portanto, o estabelecimento virtual não representa a sede da empresa, não se caracteriza como domicílio fiscal, mas simplesmente mais um canal de vendas ao consumidor. No segundo caso, temos a empresa representada na web como www.mercadolivre.com.br. Também acessando sua página (consultada em 09/07/2015) verifica-se que sua sede está situada em Santana do Parnaíba, São Paulo, igualmente registrada na junta comercial. Nesse caso, o mercado livre não é um vendedor direto ao consumidor final, mas uma infraestrutura que agrega empresas e pessoas físicas com objetivo de compra e vendas de produtos ou serviços. É um estabelecimento virtual intermediário na cadeia de comercialização, possibilitando que o fato gerador da obrigação tributária de outros contribuintes possa ocorrer. Tal característica não se confunde com estabelecimento virtual que abriga anúncios de produtos ou serviços de terceiros servindo como veículo de publicidade, e portanto, sem nenhuma relação com o fato gerador da obrigação tributária.

2.3. Responsabilidade Tributária no E-Commerce

Seja no comércio eletrônico direto ou indireto, a transação comercial entre os seus agentes (governo, empresa e consumidor) possuem três elementos básicos: primeiramente o acesso ao estabelecimento virtual deve ser feito através de provedor de Internet ou serviços de telemarketing. A espécie de provedor de internet é o denominado “provedor de acesso”, conforme voto do relator Ministro Luis Felipe Salomão no RE 997993/MG do STJ, in verbis:

“4.2. A segunda premissa que se me afigura necessária explicitar é a espécie de provedor de internet de que se cogita.

A doutrina tem elencado como categorias de provedor as seguintes: os provedores backbone, provedores de conteúdo, provedores de acesso, provedores de hospedagem e de correio eletrônico.

Os provedores backbone – "espinha dorsal" – configuram as estruturas físicas primárias pelas quais transitam quase totalidade dos dados transmitidos pela internet. No caso brasileiro, a Embratel realiza os serviços de provedor backbone.

Os provedores de conteúdo formam a intermediação entre o editor da informação de um site e o internauta que a acessa.

Os provedores de acesso são o meio pelo qual o usuário se conecta à rede, mediante a aquisição de um "endereço IP", funcionando como um intermediário entre o equipamento do usuário e a internet, tal como o serviço de telefonia, sendo responsável pela qualidade da conexão, disponibilidade, velocidade e segurança.

Os provedores de hospedagem, por sua vez, dão suporte ou alojamento às páginas de terceiros, vale dizer, oferecem a interessados espaço virtual próprio para a alocação de um site. Como regra, os servidores de hospedagem não interferem no conteúdo do site, mas somente o proprietário deste.

E, finalmente, o provedor de correio eletrônico é aquele vocacionado ao fornecimento de uma caixa postal virtual, mediante a qual se trocam mensagens e na qual elas podem ser armazenadas. (RE 997993/MG, Rel. min. Luis Felipe Salomão, julgamento em 21/06/2012, Quarta Turma. DJe de 06/08/2012)”

O segundo elemento trata-se da forma de comercialização do estabelecimento virtual: poderá comercializar diretamente produtos de pessoas jurídicas e físicas ou por intermediação, ou seja, sítios que facilitam a realização de transações de outros comerciantes (provedores de hospedagem), sendo remunerados através de taxa mensal, comissão sobre vendas ou pagamentos de anúncios. Nesse caso, temos os shoppings virtuais e os Leilões on-line, como por exemplo, www.shopping.uol.com e www.umbarato.com.br. O terceiro elemento é o intermediário financeiro que garante o pagamento através de diversas formas como cartão de crédito, débito, boletos bancários, paypal, smartcard, pagseguro.

A facilidade de implementação do comércio eletrônico, principalmente através da Internet, cria dificuldades na fiscalização tributária. Sítios abrem e fecham com extrema facilidade e velocidade e na maioria das vezes sem que haja abertura da empresa e qualquer registro na junta comercial.

Apesar da existência de informações cadastrais no sítio www.registro.com.br dos endereços eletrônicos dos estabelecimentos virtuais brasileiros, constata-se de um lado que o registro dos domínios pode ser feito por pessoas físicas (adicionalmente as pessoas jurídicas) e de outro, conflitos de informações cadastrais. Vejamos o exemplo do sítio www.celebravinhos.com.br, hospedado em www.nuvemshop.com.br, cuja consulta em www.registro.com.br na data de 09/07/2015, apresenta endereço em Rua Xavier de Toledo, 296, Santo André-SP. Já no sítio da Receita Federal (www.receita.fazenda.gov.br) consultado em 09/07/2015, com CNPJ 06.221.446/0001-22, aponta endereço a Rua Coronel Francisco Amaro, 33, Santo André-SP.

Com novos obstáculos à fiscalização, é importante analisar a questão da incidência da responsabilidade tributária no comércio eletrônico. Não se trata da aplicação da responsabilidade solidária do art. 7°, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas do enquadramento aos artigos de responsabilidade do CTN .

De acordo com a ministra Helen Gracie no RE 562276/PR, in verbis:

“4. A responsabilidade tributária pressupõe duas normas autônomas: a regra matriz de incidência tributária e a regra matriz de responsabilidade tributaria, cada uma com seu pressuposto de fato e seus sujeitos próprios. A referência ao responsável enquanto terceiro (driter Persone,terzo ou terceiro) evidência que não participa da relação contributiva, mas de uma relação específica de responsabilidade tributária, inconfundível com aquela. O “terceiro” só pode ser chamado responsabilizado na hipótese de descumprimento de deveres próprios de colaboração para com a Administração Tributária, estabelecidos, ainda que a contrário sensu, na regra matriz de responsabilidade tributária; e desde que tenha contribuído para situação de inadimplemento pelo contribuinte. (RE 562276/PR, Rel. min. Helen Gracie, julgamento em 03/11/2010, Plenário Pleno. DJe de 10/11/2011)”

O Código Tributário Nacional estabelece algumas regras matrizes de responsabilidade tributária. O CTN não é taxativo e apresenta normas gerais para que o legislador estabeleça outras regras de acordo com a competência tributária do ente político e conforme seu art. 128.

A responsabilidade tributária estabelecida no art. 124 não se pode ser instituída sem a observância do art. 128. Portanto, a Lei não pode atribuir responsabilidade pelo pagamento de tributo a sujeito passivo indireto, sem que o escolhido tenha um vínculo mínimo , de qualquer natureza, com o fato gerador da respectiva obrigação.

A assembleia legislativa do Governo do Estado de São Paulo em 2009 estabeleceu uma nova regra matriz para a responsabilidade solidária em transações eletrônicas através da Lei n° 13.918, acrecentando os incisos XIII e XIV ao art. 9 da Lei n° 6.374 de 01/03/1989 que dispõe sobre a instituição do ICMS (RICMS). De acordo com os respectivos incisos, temos:

“Artigo 9º – São responsáveis pelo pagamento do imposto devido:

XIII – solidariamente, as pessoas prestadoras de serviços de intermediação comercial em ambiente virtual, com utilização de tecnologias de informação, inclusive por meio de Leilões eletrônicos, em relação às operações ou prestações sobre as quais tenham deixado de prestar informações solicitadas pelo fisco; (NR)

XIV – solidariamente, as pessoas prestadoras de serviços de tecnologia de informação, tendo por objeto o gerenciamento e controle de operações comerciais realizadas em ambiente virtual, inclusive dos respectivos meios de pagamento, em relação às operações ou prestações sobre as quais tenham deixado de prestar informações solicitadas pelo fisco;”

Com a Lei n° 13.918, a legislação do ICMS paulista determinou que são responsáveis solidários prestadores de serviço de intermediação comercial em ambiente virtual e prestadores de serviços relacionados ao comércio eletrônico. Por meio da Portaria CAT n° 156/2010, a Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo disciplinou as obrigações acessórias que esses responsáveis devem cumprir, isto é, prestação de informações ao fisco. Na figura 2 temos os serviços contratados que devem prover informações à administração tributária paulista.

Vejamos na legislação paulista, o enquadramento da regra de responsabilidade tributária. A regra matriz de incidência tributária é a operação de circulação de mercadorias que incide o ICMS. Já a regra matriz de responsabilidade foi estabelecida na Lei n° 13.918, atribuindo, por exemplo, aos prestadores de serviços de intermediação a responsabilidade solidária. Tais empresas fazem parte da cadeia de consumo, na medida que recebem comissão das transações efetuadas, portanto, estabelecendo um vínculo mínimo com o fator gerador da obrigação tributária.

2.4. Conflitos de Competência ICMS e ISS e Imunidades

Os conflitos de competências devem ser tratados conforme art. 146 inciso I da Constituição Federal de 1988, ou seja, cabe a Lei Complementar dispor o que compete, em matéria tributária, a cada ente político.

2.4.1. Software

Vejamos a primeira lide relacionada a comércio de bens incorpóreos comercializados na Internet, isto é, programas de computador. No RE 176626/SP, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu no item 3 da Ementa, in verbis:

“III. Programa de computador (“software”): tratamento tributário: distinção necessária.

Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre às operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador”- matéria exclusiva da lide – , efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio. (RE 176626/SP, Rel. min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 10/11/1998, Primeira Turma. DJ de 11/12/1998)”

No entendimento do STF, o programa de computador (da espécie “software de prateleira”) comercializado pela Internet e adquirido via mecanismo de download não recebe a incidência de ICMS, pois é vendido sem corpus mechanicum. Em julgamento mais recente (maio de 2010), a suprema corte alterou o seu entendimento na medida cautelar em ação de direta de inconstitucionalidade da Lei nº 7098/98 do Estado de Mato Grosso, in verbis:

“8. ICMS. Incidência sobre software adquiridos por meio de transferência eletrônica de dados (art. 2º, § 1º, item 6, e art. 6º, § 6º, ambos da Lei impugnada). Possibilidade. Inexistência de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito. Irrelevância. O Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo real, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas. O apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional, pois não permite que abertura dos dispositivos da Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis. (ADI 1945 MC/MT, Rel. min. Octavio Galotti, julgamento em 26/05/2010, Plenário. DJe de 11/03/2011)”

No voto-vista do Ministro Nelson Jobim a questão central foi se o ICMS pode ser cobrado pelo licenciamento ou cessão do direito de uso de programa de computador, em face do art. 9 da Lei nº 9609/1998 que determina que “O uso do programa de computador no país será objeto de contrato de licença”. Para o magistrado, é possível a incidência de ICMS sobre a circulação de mercadoria virtual, pois “não há nessas operações a referência ao corpóreo, ao tateável, mas simplesmente pedidos, entregas e objetos que são, em realidade, linguagem matemática binária”.

Com relação a programas feitos sob encomenda, o entendimento jurisprudencial do STF é “o que se tem é serviço típico, sujeito, em princípio, à competência tributária dos Municípios”. (pg.5 do RE 176.626/SP). Nessa mesma direção o STJ também já se pronunciou no RE 1.070.404/SP, in verbis:

“EMENTA. TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – PROGRAMAS DE COMPUTADOR NÃO PERSONALIZADOS – DL 406/68 – NÃO-INCIDÊNCIA DO ISS.

1. Os programas de computador desenvolvidos para clientes, de forma personalizada, geram incidência de tributo do ISS.

2. Diferentemente, se o programa é criado e vendido de forma impessoal para clientes que o compram como uma mercadoria qualquer, esta venda é gravada com o ICMS.

3. Hipótese em que a empresa fabrica programas em larga escala para clientes.

4. Recurso especial não provido. (RE 1070404, Rel. min. Eliana Calmon, julgamento em 26/08/2008, Segunda Turma. DJe de 22/09/2008)”

A Lei Complementar nº 116/2003 inclui no item 1.05 a incidência de ISS em “Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação” e conforme jurisprudência do STF, o respectivo item aplica-se a software da espécie desenvolvido por encomenda ou customizado. No entanto, conforme Hugo de Brito Machado Segundo:

“…cessão de direito não é serviço, e considerando que dentro de pouco tempo cairá em desuso a cessão direitos através de corpus mechanicum que possa ser adquirido em prateleiras (substituídos por download), coloca-se a questão de saber se a cessão de direito de uso pode ser tributada pelo ISS, pois não se tem, nesse caso, um serviço, da mesma forma como não se tem serviço na locação de bens móveis. (SEGUNDO, 2015, pg. 94)”

Nessas questões, o estado de São Paulo, através do decreto estadual nº 5169/07, estabeleceu no art.1º que “Na operação realizada com programa para computador ("software"), personalizado ou não, o ICMS será calculado sobre uma base de cálculo que corresponderá ao dobro do valor de mercado do seu suporte informático”, não se atribuindo tal artigo a jogos eletrônicos de vídeo (“videogames”). No caso de tais softwares serem comercializados via Internet através de download, a administração tributária paulista já manifestou seu entendimento através da Resposta à Consulta tributária nº494, in verbis:

“11. No caso específico dos softwares comercializados por meio de download, por não haver suporte fático, não há base de cálculo e, consequentemente, não há imposto a ser recolhido. Contudo, ainda que não haja recolhimento do imposto, tais operações estão inseridas no campo de incidência do tributo, devendo, por esse motivo, antes de iniciada a saída da mercadoria, ser emitido o correspondente documento fiscal. (Resposta à consulta tributária 494/2011, de 24 de outubro de 2011, Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo).”

Na prática a comercialização de software via download, para o fisco paulista, não há base de cálculo, e, portanto, não há ICMS a ser recolhido, o que não dispensa a obrigatoriedade de emissão de nota fiscal. Nota-se também no decreto paulista nº 5169/07 a extensão de incidência de ICMS a software personalizado, que nesse caso, a jurisprudência é no sentido de incidência de ISS.

Cabe também destacar o posicionamento do fisco mineiro na consulta tributária n°054/2014 de 13 março de 2014 referente a software comercializado via download, revelando sintonia com o STF na medida cautelar em ação de direta de inconstitucionalidade da Lei nº 7098/98 do Estado de Mato Grosso, nos seguintes termos:

“Sobre a questão apresentada, Carlos Alberto Rohrmann nos remete à lição de Carvalho de Mendonça, que em seu tratado de Direito Comercial ensina que as mercadorias podem ser coisas materiais, corpóreas ou as imateriais, incorpóreas, citando como coisa incorpórea que pode ser objeto de comércio, a energia elétrica. O autor, com fundamento no ensinamento acima referido conclui que o programa de computador vendido, locado ou cedido, como objeto de circulação comercial, ou seja, como objeto de comércio, pode tornar­-se uma coisa comercial, sendo, pois, mercadoria, ainda que incorpórea. (Curso de Direito Virtual, pp. 52 e 53, edição 2005, editora Del Rey). Depreende­sse, pois, que o programa de computador, suscetível de venda, locação ou cessão, como objeto de circulação comercial, classifica­dos como mercadoria ainda que incorpórea, sendo passível, consequentemente, de tributação pelo ICMS.

Relativamente aos denominados softwares de prateleira, essa Diretoria já teve oportunidade de se manifestar no sentido de que a elaboração e comercialização do chamado “software de prateleira” é operação incluída no campo de incidência do ICMS, tendo por base de cálculo o valor correspondente a duas vezes o valor de mercado do suporte informático, devendo este ser objeto de apuração pelo contribuinte, conforme determinado no art. 43, inciso XV, alínea “b”, do RICMS/02.

Cumpre salientar que pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.945, cujo acórdão foi publicado em 14/03/2011, restou assegurado que a condição de mercadoria do denominado software de prateleira independe de estar disponível em mídia física ou para “download”, assim considerado o termo utilizado para descrever a baixa de arquivos digitais pela internet. Para o ministro Nelson Jobim, se o fato de ser o bem incorpóreo fosse ressalva à incidência do ICMS, não poderia, da mesma forma, ser cobrado o imposto na aquisição do programa de computador de prateleira, visto que, nesse caso, estar-se-ia adquirindo não um disquete, CD ou DVD, a caixa ou o livreto de manual, mas também, e principalmente, a mercadoria virtual gravada no instrumento de transmissão. Assim, se o argumento é de que o bem incorpóreo não pode ser objeto de incidência do ICMS, a assertiva haveria de valer para o caso de bens incorpóreos vendidos por meio de bens materiais.

Uma vez superada a questão relativa à tributação, cabe tratar da emissão do documento fiscal eletrônico correspondente à operação de revenda do software, realizada pela Consulente, por meio do download a ser baixado do seu site. Nesse caso, diante da manifestação da Receita Federal do Brasil acerca da inexistência de classificação na Nomenclatura Comum do Mercosul de software comercializado via download, deverá ser informado o código “00” no campo relativo à NCM constante da NF­e. (Resposta à consulta tributária 054/2014, de 13 de março de 2014, Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de Minas Gerais).”

2.4.2. Provedor de Internet

Segundo o voto do Ministro Relator Luis Felipe Salomão do STJ no RE 997.993/MG (vide item 2.3) provedor de internet é composto por categorias: provedor de backbone, de conteúdo, de hospedagem e de correio eletrônico. Todas essas espécies estão diretamente ou indiretamente relacionadas à comercialização de bens tangíveis e intangíveis por via eletrônica e através da Internet.

É incontroverso que provedor de backbone (concessionárias) como Embratel, Vivo, Oi, dentre outros, prestam um serviço de telecomunicação se inserindo na incidência do ICMS.

A natureza jurídica de provedor de acesso à Internet já foi objeto de discussão no STJ resultando na súmula 334,“ O ICMS não incide nos serviços dos provedores de acesso à Internet”, pois presta serviço de valor adicionado definido no art. 61 da Lei n° 9.472/92 e conforme Sacha Calmon Navarro Coêlho, citado pela Revista de Súmula do Superior Tribunal de Justiça (2012):

“o serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet e um Serviço de Valor Adicionado, não se enquadrando como serviço de comunicação, tampouco serviço de telecomunicação. Este serviço apenas oferece aos provedores de Acesso à Internet o suporte necessário para que o Serviço de Valor Adicionado seja prestado, ou seja, o primeiro e um dos componentes no processo de produção do último. (REVISTA, 2012, pg. 165)”

Adicionalmente, o provedor de acesso à Internet é intributável pelo ISS, pois serviço de valor adicionado não consta do rol de serviços tributáveis da lista constante da Lei Complementar n°116/2003, que é numerus clausus.

Os provedores de hospedagem, que oferecem espaço virtual para alocar um sítio, são prestações de serviço, porém não são tributáveis pelo ISS e conforme Kihoshi Harada: “Essa disponibilização de espaço virtual pelo provedor de hospedagem não é tributada pelo ISS. Ela é intributável pelo ISS, porque não consta de nenhum item ou subitem de serviço”. (HARADA, 2014, pg. 167)

Destarte provedores de conteúdo e de correio eletrônico sejam prestadores de serviço, também entendemos que são intributáveis pelo ISS, pois não constam da lista de serviços da Lei Complementar n°116/2003.

2.4.3. Livros, Jornais e Periódicos

A constituição Federal no seu art. 150 alínea d concedeu imunidade tributária a “livros, jornais e ao papel destinado a sua impressão”. Segundo Luís Eduardo Schoueri:

“A importância do meio físico no qual se apresenta a publicação é matéria até hoje não pacificada. Por exemplo, já se aceitou que o livro de pano não deixa de gozar de imunidade; por outro lado, discos contendo contos infantis não foram considerados livros. (SCHOUERI, 2014, pg. 470)”

Com o surgimento de novas tecnologias, surge a questão da aplicação da imunidade a impostos em livros, que se apresentam através de arquivos digitais comercializados em dispositivos de armazenamento como CD e DVD, dentre outros, ou adquiridos via download através da Internet. Esses temas não estão pacificados na jurisprudência e não há unanimidade na doutrina. O plenário virtual do Supremo Tribunal Federal no RE nº 330.817/RJ do Relator Ministro Dias Toffoli, reconheceu a repercussão geral que não ainda não foi julgada. Na suprema corte há julgados em direção a uma análise mais restritiva como o agravo regimental em recurso extraordinário RE nº 504.615-AgR/SP, do relator Ministro Lewandowski em que a imunidade “estende-se, exclusivamente, a materiais que se mostrem assimiláveis ao papel.” Por outro lado, há uma interpretação menos restritiva como no RE 202.149/RS, relator do acordão Ministro Marco Aurélio em que “a imunidade tributária relativa a livros, jornais, e periódicos é ampla, total, apanhando produtos, maquinário e insumos. A referência, no preceito, a papel é exemplificativa e não exaustiva.”

Vejamos o posicionamento de algumas administrações tributárias. A Receita Federal se manifestou contrária à imunidade em publicações eletrônicas, de acordo com a solução de consulta n°51 – Cosit e nos seguintes termos:

“20.1. é de natureza objetiva a imunidade de que gozam os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão, alcançando, em nível federal, exclusivamente, os impostos sobre o comércio exterior e o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Ressalte-se que essa imunidade não se aplica a publicações eletrônicas ou digitais. (grifo do autor)”

Já a Fazenda Pública de São Paulo demonstrou o seu entendimento em duas respostas a consultas tributárias não reconhecendo imunidade em livro eletrônico disponibilizado em CDs, DVDs, Blue-Ray ou via download pela Internet, in verbis:

“ICMS – LIVROS DISPONIBILIZADOS PARA "DOWNLOAD" PELA INTERNET.

I – A transferência eletrônica de textos previamente digitalizados, adquiridos por contrato de compra e venda ou de licença de uso, é uma operação de circulação de mercadoria, sujeita à incidência do imposto estadual.

II – Necessidade de emissão de Nota Fiscal, modelo 1 ou 1-A (artigos 124, I, e 125, I, do RICMS/2000) ou de Nota Fiscal Eletrônica – NF-e (artigo 212-O, I, do RICMS/2000 e Portaria CAT 162/2008). (Resposta à consulta tributária 282/2012, de 15 de maio de 2013.)”

“ICMS – "Livro eletrônico" (em CDs, DVDs, Blu-Ray)

A imunidade tributária (alínea "d" do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal) dos livros, jornais e periódicos, impressos em papel, não alcança as edições disponibilizadas por qualquer outro meio diferente daquele da impressão em papel, tais como CDs, DVDs, Blu-Ray – Livros eletrônicos (em CDs, DVDs, Blu-Ray) são mercadorias normalmente tributadas pelo ICMS – "Livro em papel que acompanha material didático Complementar em CD, DVD, Blu-Ray": a imunidade dos livros (em papel) não se estende aos CD´s, DVDs, Blu-Ray ou outros materiais que acompanham tais livros, ainda que necessários à compreensão ou aprendizado do seu conteúdo. (Resposta à consulta tributária 129/2012, de 14 de maio de 2013.)”

É importante ressaltar, a discussão de um tema polêmico quanto à natureza jurídica do vocábulo mercadoria como elemento necessário a incidência de ICMS. No comercio eletrônico, tal questão surge novamente e a Fazenda Pública de São Paulo se manifestou ao analisar a incidência do imposto estadual no livro eletrônico considerando mercadoria também como um bem incorpóreo, no seguinte termo:

“3. Inicialmente, é importante observar que esta Consultoria Tributária já se manifestou no sentido de que, embora não seja simples conceituar "mercadoria", esse conceito não equivale simplesmente a "bem móvel", como se costuma dizer, mas pode abranger qualquer coisa que esteja no mercado, que seja tratada por agentes econômicos com a finalidade de levar ao consumo bens quaisquer, sendo tributadas as operações com eles realizadas, pela manifestação de capacidade contributiva. (Resposta à consulta tributária 282/2012, de 15 de maio de 2013.)”

 Finalmente, a Fazenda Pública de Minas Gerais apresenta um entendimento divergente em comparação a Receita Federal e a Fazenda Pública de São Paulo, manifestada na consulta tributária n° 128/2010 de 22 junho de 2010, in verbis:

 “ … O RICMS/02, modificado pelo Decreto nº 44.258/06, em decorrência da Lei nº 15.956/05, que alterou o § 7º do art. 7º da Lei nº 6.763/75, dispõe que:

 “Art. 5º O imposto não incide sobre:

 VI – a operação com livro, jornal ou periódico, impressos em papel ou apresentados em mídia eletrônica, ou com o papel destinado à sua impressão, inclusive o serviço de transporte com ela relacionado, não se aplicando:

d) a suporte de áudio ou vídeo, meios eletrônicos e outro bem ou mercadoria que acompanhe livros, jornais ou periódicos impressos em papel ou apresentados em mídia eletrônica, ainda que na condição de brinde, observado o disposto no inciso IV do art. 43 deste Regulamento;”

 Da Leitura do dispositivo transcrito acima pode-se concluir que estão alcançados pela não incidência do imposto estadual as operações com livros em seu formato original, assim considerado aquele impresso em papel, bem como aquele disponibilizado à Leitura por meio eletrônico.

 Dessa forma, ainda que o livro eletrônico seja objeto distinto do livro de papel, uma vez mantida a sua essência em um novo formato, no caso, em mídia eletrônica, não se tributa pelo ICMS as operações com ele realizadas, observada a disposição contida na alínea “d” do inciso VI acima reproduzido.

 Na oportunidade, mostra-se importante distinguir o livro eletrônico do audiolivro. Livro eletrônico é a versão digital de um livro, que pode ser adquirido por meio de download ou em suporte adequado, para ser lido em display apropriado.

 Audiolivro é a própria narração do texto, da obra literária, normalmente gravada em estúdio, sendo enriquecida pelos efeitos sonoros e musicais, descaracterizando a atividade da Leitura, que consiste no esforço do cérebro para transformar símbolos gráficos em conceitos intelectuais, combinando unidades de pensamento em sentenças e estruturas mais amplas de linguagem, constituindo, ao mesmo tempo, um processo cognitivo para compreensão de um texto.

 Pode-se depreender, portanto, que a não incidência alcança o livro disponibilizado à Leitura por meio do formato em papel ou por apresentação em meio eletrônico, não se estendendo ao chamado audiolivro nem ao suporte de áudio ou vídeo, meios eletrônicos e outro bem ou mercadoria que acompanhe livros, jornais ou periódicos impressos em papel ou apresentados em mídia eletrônica, ainda que na condição de brinde. (grifos do autor, Resposta à consulta tributária 128/2010, de 22 de junho de 2010)”

Para o fisco mineiro o livro eletrônico está imune, mas não o chamado audiolivro.

2.4.4. Música e Vídeo

A emenda constitucional nº 75/2013 ampliou o rol de imunidade tributária da Constituição Federal de 1988, concedendo benefícios aos fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil, incluindo os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham. De acordo com a Lei de direitos autorais nº 9610/98, fonograma é “toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual”. Na prática fonograma é uma música (som) interpretada por um cantor. Já videofonograma é a união de som e imagem, isto é, vídeos musicais. Segundo Luís Eduardo Schoueri (2014, pg. 473) , “ao referir-se a “videofonograma”, e não a obras “audiovisuais”, o contribuinte derivado excluiu a obra cinematográfica do âmbito da referida imunidade”.

Como a imunidade se aplica a suporte materiais e arquivos digitais, a comercialização de CDs, DVDs, Blue-Rays, contendo os arquivos digitais de fonogramas e videofonogramas estão imunes aos tributos como ICMS e ISS. Adicionalmente, a emenda menciona a expressão arquivos digitais e nesse caso a imunidade segundo Luís Eduardo Schoueri (2014) “pode alcançar situações como downloads, streaming, e as mais diversas formas de comercialização de arquivo via internet”.

Vejamos caso concreto de comercialização de música e vídeo digitais vendidos através de download via Internet. A administração tributária do munícipio de São Paulo, através da consulta SF/DEJUG nº17 de 02/04/2013, esclareceu a um consulente quanto a comercialização e o aluguel no Brasil de conteúdos digitais (músicas e vídeos). A consulente informou na consulta que disponibiliza ao consumidor um programa de computador “iTunes” e após a criação de uma conta pessoal, concede acesso a loja virtual. Além disso, a consulente apresentou os contratos de distribuição para download de música digital e de vídeo digital, respeitando o direito do autor. No exame da documentação, o fisco paulistano classificou a consulente como uma empresa intermediária entre o detentor dos direitos sobre as música e vídeos e os consumidores finais. Na questão da incidência de ISS nesse tipo de comércio eletrônico, administração tributária paulistana se manifestou, in verbis:

“7.1. Devido à promulgação da Lei Complementar n° 116, de 31 de julho de 2003, que produziu efeitos a partir de 01/08/2003, a atividade de locação de bens móveis foi excluída do campo de incidência do ISS porque houve vetos presidenciais à inclusão desse serviço na nova Lista de Serviços. Tal mudança foi incorporada pela legislação municipal vigente.

7.1.1. Assim sendo, não há incidência do ISS sobre a atividade de cessão de direito de uso de músicas e vídeos, bem como não é permitida a emissão de qualquer tipo de Nota Fiscal de Serviços para referida atividade, porque não se pode falar em cumprimento de obrigação acessória para documentar atividade que não consta da Lista de Serviços vigente. (Solução de Consulta SF/DEJUG nº 17, de 02 de abril de 2013, Departamento de Tributação e Julgamento da Prefeitura de São Paulo)”

Portanto, em consonância ao entendimento do fisco paulistano, não há incidência de ISS para músicas e vídeos digitais comercializados através de mecanismo de download. Quanto ao ICMS, a questão central é se músicas e vídeos digitais são mercadorias. Para uma parte da doutrina, o conceito de mercadorias está associado a bens corpóreos. No entanto, o STF sinaliza na medida cautelar em ação de direta de inconstitucionalidade da Lei nº 7098/98 do Estado de Mato Grosso, a incidência de ICMS em software de “prateleira” , que é um bem incorpóreo. Sendo musicas e vídeos digitais , não abrangidos pela imunidade tributária da EC nº 75/2013, bens incorpóreos também há possibilidade de incidência de ICMS. É importante também destacar a Solução de Consulta nº 421 – SRRF08/Disit da Receita federal que revela o entendimento da incidência de Imposto de Importação na aquisição de filmes digitais adquiridos e transferidos do exterior ao adquirente nacional via download:

“14. Assim, considerando a situação sob análise – download de dados consistentes em filmes digitais –, infere-se que a inexistência de suporte físico para a questão considerada é irrelevante na determinação da incidência do Imposto sobre a Importação sobre os dados ou instruções então transmitidos, pois, diferentemente do previsto em relação aos softwares, a legislação houve por bem tributar, além do suporte físico propriamente dito, aqueles dados ou instruções cujos conteúdos foram descritos pelo §3º, art. 81, do Decreto nº 6.759, de 2009.

15. Dessa forma, em se tratando de dados ou instruções consistentes em som, cinema ou vídeo, duas situações se apresentam: (i) quando esses dados ou instruções estiverem gravados em um suporte físico, o valor aduaneiro – base de cálculo do Imposto sobre a Importação – corresponderá à soma dos custos ou valores do suporte físico e dos dados ou instruções; (ii) acaso tais dados ou instruções forem transmitidos via download – não havendo, portanto, suporte físico para a gravação dos mesmos – o valor aduaneiro – base de cálculo do Imposto sobre a Importação – corresponderá, simplesmente, ao custo ou valor desses dados ou instruções. (Solução de Consulta nº 421 – SRRF08/Disit, de 30 de novembro de 2010, Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da 8ª RF)”

2.5. Computação em nuvem

Com o rápido desenvolvimento de tecnologias de processamento e armazenamento e o sucesso da Internet, os recursos computacionais tornaram-se mais baratos, mais poderosos e mais ubiquamente disponíveis num nível que jamais foi visto na história. Essa tendência tecnológica habilitou a realização de um novo modelo computacional chamado de computação em nuvem no qual os recursos (por exemplo, unidade central de processamento e armazenamento) são providos como serviços utilitários que podem ser alugados e disponibilizados através da Internet.

Uma das definições que faz sentido para maioria dos Chief Information Officers (CIOs) de acordo com D´Auria e Nash (2009) é:

“Você não é proprietário do software ou hardware e, ao contrario de um outsourcing, nenhum específico equipamento é dedicado somente para você. Você acessa os sistemas do vendedor sob a Internet de alguma forma segura. Por esse acesso, você paga uma taxa de assinante que aumenta e diminui em função de quanto ou qual frequente você usa o sistema do provedor.”

Destaca-se também a definição fornecida pelo National Institute of Standards and Technology – NIST (MELL; GRANCE, 2011,p.1) que diz:

“Computação em nuvem é um modelo para habilitar, ubiquamente e convenientemente, o acesso de rede sob demanda para um pool compartilhado de recursos computacionais configuráveis (por exemplo, redes, servidores, storage, aplicações, serviços) que podem ser rapidamente provisionados e operacionalizados com mínimo de esforço gerencial ou de interações como o provedor de serviço (tradução do autor).”

Em geral, há três modelos de entrega de serviço da computação em nuvem, clássicos: Software (programas de computador) como um Serviço (Software as a Service – SaaS); Plataforma como um Serviço (Plataform as a Service – PaaS); e Infraestrutura como um Serviço (Infrastructure as a Service – IaaS).

Acerca dos modelos de entrega de serviço, a justificativa do Projeto de Lei do Senado nº 386/2012 referente a alterações na Lei Complementar nº 116/2003 discorreu:

“A “computação em nuvem” disponibiliza um conjunto de recursos para a prestação de serviços remota. Possui um formato de computação no qual aplicativos, dados e recursos de TI são compartilhados e disponibilizados aos tomadores por meio de Internet. Destacam-se as seguintes operações em ambiente de nuvem:

Destacam-se as seguintes operações em ambiente de nuvem:

(i) a “Infraestrutura como um Serviço” que corresponde à utilização de uma infraestrutura com disponibilidade de capacidade de armazenamento fornecida pelo servidor, de acordo com a necessidade do cliente;

(ii) a “Plataforma como um serviço” que consiste na utilização em conjunto de equipamento e programas com um pacote de soluções, geralmente voltado ao desenvolvimento ou teste de sistemas de seu cliente;e,

(iii) “Programas como um Serviço” que consiste no acesso remoto ao uso de um “software” disponibilizado pelo prestador via internet, sem que o tomador usuário faça o seu “download”. (Projeto e Lei n° 386/2012, Senado, pg.9)”

A computação em nuvem representa uma nova espécie de comércio eletrônico direto. Há uma ruptura do modelo de aquisição tradicional de equipamentos e programas de computador provenientes de empresas de tecnologia de informação e comunicação (TIC). Inserida dentro do capitalismo foi e está sendo desenvolvida com objetivo , dentre outros, de redução de custo , redução de consumo de energia e espaço, maior rapidez na entrega de demandas dos clientes, criar ambiente de inovação, acelerar os processos de compra. Diante desse cenário, três desafios se apresentam : primeiramente compreender conceitos de eletrônica e computação que foram criados sem qualquer relação com o ordenamento jurídico vigente; posteriormente fazer a subsunção da computação em nuvem às hipóteses de incidência dos tributos; fiscalizar o cumprimento dos tributos aplicáveis.

Neste artigo, não nos deteremos a uma análise exaustiva das hipóteses de incidência na computação em nuvem, mas nos temas principais abordados como insumo para compreensão da complexidade da fiscalização tributária nesse mercado econômico.

Os modelos de entrega da computação em nuvem SaaS, PaaS e IaaS, apresentam o vocábulo serviço com uma tradução da palavra “service” em inglês. Tal palavra não está associada ao conceito de uma prestação de serviço nos termos da legislação do ISS em vigor, mas qualquer recurso computacional (hardware e software) e de comunicação que possa ser acessado sob demanda, via Internet, sem aquisição de nenhum bem corpóreo por parte do consumidor final. O usuário não adquire produto, não detém sua posse, nada pertence ao seu patrimônio. Todos os serviços tradicionais de informática como manutenção, instalação de hardware e software, atualizações, armazenamento e processamento de dados são de responsabilidade do fornecedor.

A população já usa intensivamente a computação em nuvem, mesmo não tendo familiaridade com esses conceitos. Vejamos, por exemplo, o uso do correio eletrônico gmail que é um exemplo simples de um serviço de computação em nuvem do tipo SaaS disponibilizado gratuitamente pela empresa Google aos usuários. Quaisquer dos modelos de entrega em computação em nuvem apresentam o fato de que o hardware e o software necessários para a construção dos serviços estão na maior parte das vezes localizados no exterior, visto que seu acesso é via internet, dispensando o usuário de qualquer restrição de local para o seu uso. Nesse ambiente o requisito ao usuário é a obrigatoriedade a conectividade a rede Internet, independentemente do seu domicílio ou local de trabalho.

Em direção a análise da natureza jurídica dos serviços de computação em nuvem diversos, artigos[2] posicionam a complexidade do enquadramento jurídico dos modelos de entrega de computação em nuvem a lista de serviços constantes na Lei Complementar n°116/2003 referente ao ISS e ao art.2 inciso III da LC n° 87/1996[3] referente ao ICMS. Para resolver divergências jurídicas tramita no Senado um projeto de Lei n°386 de 2012 que visa incluir o item 1.09 – Computação em nuvem no rol de serviços abrangidos pelo ISS. Ir na direção da incidência do ISS sucinta a questão da importação de serviços já que a infraestrutura (hardware e software) de diversos provedores de serviços de computação em nuvem estão em outros países. O art. 1., § 1° da LC n° 116/2003 permite a incidência de serviço proveniente do exterior e a respectiva Lei Complementar também elegeu o local do estabelecimento do tomador ou do intermediário dos serviços, ou se não houver o estabelecimento, o domicílio do tomador, para o recolhimento do imposto. No entanto, para alguns doutrinadores o serviço “importado” é inconstitucional. Segundo Kihoshi Harada:

“…será obrigatório o reconhecimento de inconstitucionalidade daquele dispositivo por afrontar o princípio da territorialidade das normas brasileiras. A Constituição Federal, ao outorgar a competência impositiva aos Munícipios pelo seu art.156 III, não autorizou a tributação dos serviços prestados fora do seu território. Sequer ressalvou os serviços iniciados no exterior, como fez em relação ao ICMS, conforme se depreende do seu art. 155,II. (HARADA, 2014, pg. 67 a 68)”

É incontroverso que ao enquadramento dos modelos de entrega da computação em nuvem deva analisar a preponderância em dar e fazer. Conforme Kihoshi Harada “serviço significa um bem econômico imaterial, fruto de esforço humano aplicado à produção”, logo o ISS recai sobre circulação de bem imaterial, resultando de uma obrigação de fazer.

Conforme art.9 da Lei n° 9.609/98, “o uso de programa de computador no país será objeto de contrato de licença”. Os contratos de licença podem se manifestar de duas formas principais: na primeira o usuário tem autorização de usá-lo (licença de uso) e na segunda, além de usá-lo, pode alterá-lo (código fonte) e explorá-lo economicamente.

A computação em nuvem foi desenvolvida para responder rapidamente as demandas de mercado e promover a economia de escala. Diante desse fato, os provedores de serviço na nuvem do modelo SaaS oferecem aos usuários interfaces padrões como se fosse uma espécie de software de prateleira. Nesse caso, no julgado da medida cautelar da ADI 1945 MC/MT, o STF sinalizou a possibilidade de incidência do ICMS em software de “prateleira” mesmo sendo comercializado por download, alargando o conceito de mercadoria para bens incorpóreos. Mesmo cogitando a hipótese de incidência de ICMS segundo STF, a computação em nuvem apresenta características distintas da comercialização de software num modelo tradicional. Por exemplo, no SaaS não há download de software e seu pagamento, geralmente é mensal, em função do uso. Não há contrato de licença, mas um Termo de Acordo de Serviço[4] conforme, por exemplo, o serviço de armazenamento de dados (IaaS) da empresa Amazon, portanto não há obrigação de dar, mas para fazer: permitir o acesso a recursos computacionais. Seja qual for o modelo de entrega da computação em nuvem, o serviço ofertado é composto por diversos serviços de informática, dentre outros, aluguel de licença de uso de software, suporte técnico, armazenamento, processamento de dados, caracterizando uma nova espécie de serviço passível de tributação do ISS caso conste na lista da Lei Complementar nº116/2003.

Cabe registar a Solução de Consulta SF/DEJUG nº 40, de 1 de agosto de 2013 da Prefeitura Municipal de São Paulo, sobre enquadramento da computação em nuvem a hipótese de incidência do ISS. Essa administração tributária enquadrou os serviços de computação em nuvem no rol de serviços de informática já existentes na Lei Complementar. No nosso entendimento, o fisco municipal empregou a analogia, no entanto, conforme art.108 parágrafo primeiro do CTN “O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em Lei.”

Em função da computação em nuvem ser acessada por qualquer usuário independentemente de local, fácil contratação on-line através de pagamentos como cartões de crédito e a presença de provedores cuja infraestrutura está espalhada por diversos países, coloca desafios para fiscalização tributária. A fiscalização de contribuintes, quando o enquadramento jurídico do imposto de consumo está em direção a serviços de qualquer natureza, tem temas polêmicos. Se o contribuinte é um prestador de serviço localizado no exterior, estamos diante de uma questão de como cobrá-lo da obrigação do imposto municipal. Nesse caso o art.6 da LC nº 116/2003 estabelece hipóteses de substituição tributária obrigatória, por exemplo, o tomador do serviço. Destarte a tributação de serviço importado possa ser inconstitucional, a substituição tributária pode ser estendida também a sítios de intermediação localizados no território brasileiro que comercializam serviços na nuvem, desde que previsto em Lei e seja responsável pelo recolhimento do tributo, embora não esteja vinculado diretamente a ocorrência do fator gerador.

 A questão de fiscalização de serviços na nuvem também envolve tributos federais. A Receita Federal publicou em 15 de agosto de 2014 o Ato Declaratório Interpretativo RFB Nº 7 disciplinando o seu entendimento do serviço em nuvem do modelo IaaS, nos seguintes termos:

“Art. 1º Os valores pagos, creditados, entregues ou remetidos por residente ou domiciliado no Brasil para empresa domiciliada no exterior, em decorrência de disponibilização de infraestrutura para armazenamento e processamento de dados para acesso remoto, identificada como data center, são considerados para fins tributários remuneração pela prestação de serviços, e não remuneração decorrente de contrato de aluguel de bem móvel.

Parágrafo único. Sobre os valores de que trata o caput devem incidir o Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF), a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação (Cide-Royalties), a Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação”

Portanto, para Receita Federal o modelo IaaS é uma prestação de serviços que envolve o recolhimento de IR, CIDE-Royalties, PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação. Também para esses tributos a facilidade de pagamento através de cartão crédito dificulta a fiscalização, gerando a necessidade de confrontar dados das instituições financeiras de cartão de crédito com escrituração contábil da empresa. Tal operação somente mediante processo fiscal administrativo instaurado e mediante ordem judicial para acesso aos dados conforme entendimento do STJ analisado no item 1.6 desse artigo.

2.6. Operações de Fiscalização

Seja no comércio eletrônico direto ou indireto, há um uso intensivo pelo consumidor final de diversas formas de pagamento como cartões de crédito e débito.

Em 2007, a Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo através de ato administrativo (Portaria) solicitou às administradoras de cartão de crédito e débito o envio das operações realizadas no estado. Com base nessas informações identificou diferenças no recolhimento do ICMS de 93.600 empresas no ano de 2006. As autoridades fiscais autuaram mais de 1.300 empresas em face da divergência da escrituração fiscal com informações de movimentação financeira provenientes das administradoras de cartão de crédito e débito.

Diversas empresas provocaram o poder judiciário para anulação dos autos de infração. A jurisprudência no Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo e no STJ vem confirmando a anulação dos autos da chamada operação “cartão vermelho”. A Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, determina no art. 6°:

“Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.”

Na apelação nº 0130457-83.2008.8.26.0053 – São Paulo – Voto nº 20.709, o relator, Desembargador Xavier de Aquino, relata:

“Ora, se a Lei Complementar 105/2001 determina a prévia existência de processo administrativo e a imprescindibilidade de tais informações, ilegal a busca indiscriminada por indícios de infrações tributárias com violação ostensiva do sigilo bancário. O processo, inclusive o administrativo, deve investigar fatos, e não os procurar, como se estivesse pescando. “

Adicionalmente, o acordão do TJ-SP acrescenta que o plenário do Supremo Tribunal Federal no RE 389808/PR assentou o entendimento que a Fazenda Pública não pode quebrar o sigilo bancário sem ordem judicial. O acordão em referência foi recorrido pela Fazenda do Estado de São Paulo e no Agravo em Recurso Especial Nº 285.894 – SP, cujo Relator Ministro Herman Benjamin negou provimento ao agravo, confirmando que o acordão recorrido está em sintonia com atual entendimento do STJ.

Portanto, quaisquer atos do fisco na direção de cruzamento de dados de instituições financeiras com escrituração contábil das empresas, que atuam ou não no comércio eletrônico, na busca de ilegalidades na comercialização de produtos, deverá se atentar a necessidade de procedimento fiscal instaurado e ordem judicial para acesso aos dados.

Já em 2009 uma operação denominada Matrix revelou desafios da fiscalização tributária no combate a atos ilegais das chamadas “lojas virtuais”. Uma cooperação entre a Receita federal e Fazenda de São Paulo identificou empresas de comércio eletrônico direto que faturaram em média R$ 60 milhões de reais por ano, mas com recolhimento em torno de 4% em tributos. Essas lojas vendiam produtos na Internet com preços muito abaixo da média de mercado. Identificou-se que endereços apontados nas páginas do estabelecimento virtual eram falsos. Adicionalmente, comerciantes atuavam de suas residências ou pequenos escritórios, sem que mantivessem estoques dos itens. Também não souberam informar a origem dos produtos, caracterizando indícios que tais mercadorias eram fruto de descaminho.

O sucesso da operação Matrix reforça a regra constitucional constante no art.37, XXII da Carta Magna, in verbis:

“XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da Lei ou convênio. (grifo do autor)”

A cooperação entre as autoridades fiscais é elemento fundamental no comércio eletrônico pelas características das tecnologias da Internet que possibilitam a criação de sítios em qualquer país bem como o seu acesso pelos usuários sem nenhuma barreira territorial. Acrescenta-se a essa cooperação o art.199 do CTN no seu parágrafo único que autoriza à União “permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos”. Nada se estabeleceu expressamente quando há interesses de tributos estaduais e municipais, portanto, tais entidades políticas devem estabelecer convênios com a União quando necessitarem de informações de estados estrangeiros.

A facilidade de aberturas de sítios de lojas virtuais, a liberdade de publicar informações que muitas vezes são falsas, o atrativo de preços muito inferiores dos produtos em comparação ao modelo de aquisição em lojas físicas são características contribuem para formação de um mercado consumidor. É nesse cenário que ações integradas das administrações tributárias são requeridas com maior frequência incluindo compartilhamento de informações, maior integração de Comitê Gestor do Internet no Brasil que tem a coordenação para atribuição de endereços IPs (Internet Protocol) e para o registro de nomes de domínios usando “.br”[5], de forma que tenhamos pelo menos dos sítios registrados de comércio eletrônico no Brasil um cadastro que seja auditado periodicamente.

CONCLUSÃO

Desde o início da criação da Internet e do computador, a sociedade vem sendo desafiada com novas tecnologias alterando sistematicamente o status-quo de produção, comercialização e consumo de produtos. Aliada a essa transformação temos os avanços nas tecnologias de comunicação como redes ópticas e sem fio, que possibilitaram o intenso uso de dispositivos móveis eliminando cada vez mais barreiras físicas para o comércio.

Não há um comércio eletrônico brasileiro, mas mundial. Ao se conectar a Internet, o consumidor final tem um mercado à sua disposição sem barreiras geográficas. Nesse cenário de constante inovação insere-se a legislação tributária. As questões de fiscalização tributária devem ser endereçadas sob dois ambientes. Primeiro é o comércio eletrônico indireto em que fundamentalmente não há grandes temas de insegurança jurídica quanto à incidência de tributos. Nesse caso, o foco da fiscalização deve ser em sítios de intermediação e nos registros de domínio.

O segundo ambiente é o comércio eletrônico direto, que deve merecer maior atenção, pois trata de comércio de bem incorpóreo. Há divergências na doutrina e não temos uma jurisprudência consolidada em diversos temas como o livro eletrônico. E se não há segurança jurídica, a atuação da fiscalização está comprometida em face a grande possibilidade de nulidade de autos de infração. O grande mercado que se projeta para bens incorpóreos não é livro, música, vídeo digitais, mas computação em nuvem. A computação em nuvem é uma ruptura de paradigmas no mercado de tecnologia da informação e comunicação. O consumo de equipamentos e software de TIC vem crescendo exponencialmente no mundo. Por outro lado, há uma demanda de governos e empresas em otimizar recursos computacionais, espaço e energia, de forma utilizá-los apenas sob demanda. Portanto, a locação de recursos se apresenta como solução. No centro das tecnologias de computação em nuvem está o software e a conectividade via Internet. A natureza jurídica dos modelos de entrega da computação em nuvem está na direção de uma prestação de serviço, no entanto, é necessário incluí-lo em Lei. Acrescenta-se que superada a questão do enquadramento tributário, se coloca a difícil tarefa de fiscalizá-la em função de um modelo de negócio que permite usuários contratarem serviços de computação em nuvem sob demanda, em qualquer tempo e em qualquer país. É inviável fiscalizar cada operação, suscitando uma análise da substituição tributária nesse ambiente.

Finalmente, qualquer ação do fisco deverá respeitar os direitos individuais sob pena de terem invalidados os autos de infração pelo poder judiciário, aumentando a evasão fiscal.

 

Referências
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Notas:
[1] Súmula 435
“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
[2] IMPACTOS Legislativos e Jurídicos. Sem Lei específica e por abarcar diversas modalidades, cloud computing dificulta enquadramento tributário pelas empresas. Disponível em: http://www.amcham.com.br/impactos-legislativos-e-juridicos/noticias/sem-Lei-especifica-e-por-abarcar-diversas-modalidades-cloud-computing-dificulta-enquadramento-tributario-pelas-empresas. Acesso em: 25 jul. 2015.
[3] Art. 2° O imposto incide sobre:
III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
[4] Termos de Uso do Amazon Cloud Drive. Disponível em: http://www.amazon.com.br/gp/help/customer/display.html?nodeId=201376540. Acessado em: 29 jul. 2015.
[5] Decreto Nº 4.829, de 3 de setembro de 2003
Art. 1° Fica criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br, que terá as seguintes atribuições:
II – estabelecer diretrizes para a organização das relações entre o Governo e a sociedade, na execução do registro de Nomes de Domínio, na alocação de Endereço IP (Internet Protocol) e na administração pertinente ao Domínio de Primeiro Nível (ccTLD – country code Top Level Domain), " .br ", no interesse do desenvolvimento da Internet no País;

Informações Sobre o Autor

Eduardo do Amaral

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo. Especialista em Direito Tributário pela PUC Minas


Equipe Âmbito Jurídico

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