Direito Processual Civil

Mediação como método adequado de resolução de disputas aplicado à solução de conflitos familiares e seus reflexos no âmbito do judiciário brasileiro

Juliana Melo Navarro – Graduada em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (e-mail: julianamelonavarro@gmail.com).

 

Orientador: Leandro Rigueira Rennó Lima, Mediador; Advogado; Consultor; Professor da PUC Minas; Coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito de Empresa e de Mediação de Conflitos do IEC/PUC Minas; Doutor pela Université de Versailles (França). (e-mail: leandro.renno@pucminas.br).

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Área do Direito: Direito Civil e Direito Processual Civil.

 

Resumo: Trata-se de estudo referente à mediação, enquanto método adequado de resolução de disputas, aplicado à solução de conflitos familiares e seus reflexos no âmbito do judiciário brasileiro. No presente artigo, objetiva-se discutir porque a mediação seria o melhor método aplicável aos conflitos de natureza familiar, expondo as peculiaridades desse tipo de conflito, bem como as características e as vantagens da mediação. Tal empreendimento teorético-metodológico visa, ainda, refletir acerca da situação de sobrecarga do Poder Judiciário, em grande medida como decorrência da judicialização dos conflitos familiares, e os reflexos da aplicação da mediação aos referidos conflitos na esfera judicial brasileira. Para tanto, se propõe a revisitar a literatura jurídico-científica afeta às temáticas que recortam o problema. Toma-se como ponto de partida o fato de que mediação, como política pública disseminadora da cultura da pacificação no âmbito do judiciário, obteve avanços significativos em território nacional, em virtude da Resolução n.125 e das legislações, a saber, o Código de Processo Civil e a Lei de Mediação, mas, ainda, está em evolução, sendo a mediação privada uma alternativa para as famílias em situação de conflito. Assim, o estudo em tela tem o escopo de permitir a ampliação do entendimento sobre o objeto.

Palavras-chave: mediação; resolução de disputas; conflitos familiares; Poder Judiciário.

 

Abstract: This is a study on mediation, as an appropriate method of dispute resolution, applied to the resolution of family conflicts and its consequences in the Brazilian judiciary. This paper aims to discuss why mediation would be the best method applicable to family conflicts, exposing the peculiarities of this type of conflict, as well as the characteristics and advantages of mediation. This theoretical and methodological undertaking also aims to reflect on the situation of overload of the judiciary, largely as a result of the judicialization of family conflicts, and the reflexes of the application of mediation to such conflicts in the Brazilian judicial sphere. To this end, it proposes to revisit the legal-scientific literature affects the themes that cut the problem. The starting point is the fact that mediation, as a public policy that disseminates the culture of pacification within the judiciary, has made significant progress in the national territory, by virtue of Resolution No. 125 and the laws, namely the Code of Civil Procedure and the Mediation Law, but it is still evolving, with private mediation being an alternative for families in conflict. Thus, the study on screen has the scope of allowing the broadening of the understanding about the object.

Keywords: mediation; dispute resolution; family conflicts; Judicial Power.

 

Sumário: Introdução. 1. Mediação: Aspectos gerais, técnicas e especificidades do método que contribuem para a melhor solução dos conflitos familiares. 2. Conflitos familiares: natureza, peculiaridades, posições interesses e necessidades. 3. Do judiciário brasileiro: legislação brasileira de mediação e sua aplicabilidade.4. Mediação como método adequado aplicado à resolução dos conflitos familiares. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O presente trabalho consiste em um estudo que se debruça sobre a mediação, método adequado de resolução de disputas, aplicado aos conflitos de natureza familiar e os seus reflexos no âmbito do Poder Judiciário Brasileiro. A pesquisa é decorrente do aprendizado obtido no Curso de Extensão Introdução aos Estudos da Mediação de Conflitos, bem como dos conteúdos apreendidos na disciplina virtual Temas de Direito Processual: Mediação e Arbitragem, ambos ofertados pela PUC Minas e lecionados pelo Prof. Leandro Rennó. O estudo, também, é fruto da vivência no Grupo de pesquisa e estudos em Direito das Famílias e Sucessões, no qual os debates e discussões apontavam para as peculiaridades envolvidas nos conflitos familiares, dentre elas a intensa manifestação de afetos presentes nas relações de família, o fato de que uma simples sentença judicial advinda de um julgamento de terceiro não seria capaz de satisfazer as pretensões dos familiares. Assim, parte-se da hipótese, nesse escrito, de que a mediação seria o método adequado, facilitador do diálogo, permitindo o entendimento mútuo e o possível acordo, originário das próprias partes envolvidas, satisfazendo suas prevenções e, principalmente, preservando os vínculos.

A partir disso, a investigação em tela visou refletir acerca dos motivos pelos quais a mediação é o melhor método para tratar e solucionar conflitos entre familiares, com destaque para as características e vantagens do método e para as peculiaridades dos conflitos familiares, que exigem tratamento diferenciado. Expondo, ainda, os reflexos da mediação familiar no âmbito do Poder Judiciário, com o auxílio da Resolução n. 125 de 2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Código de Processo Civil (CPC) e a Lei de Mediação, que proporcionaram a adoção da mediação como política pública de pacificação dos conflitos, incorporando-a ao judiciário brasileiro e expandindo nacionalmente a sua prática. Nessa toada, tanto a mediação privada quanto a mediação judicial são aplicáveis aos conflitos familiares e proporcionam reflexos visíveis no Poder Judiciário, tais como a redução de processos judiciais, desoneração do Estado, satisfação das partes e prevenção de conflitos futuros. Assim, o presente artigo se justifica pela sua relevância em abordar um tema contemporâneo de tamanha relevância.

Por fim, o artigo foi construído a partir da metodologia de revisitação da literatura jurídico-cientifica afeta às temáticas que recortam o problema e da análise de dados, sendo relevante pensar que o presente estudo proporciona reflexão lançando luz à temática e trazendo à tona uma discussão contemporânea, servindo de inspiração a futuros trabalhos.

 

  1. Mediação: Aspectos gerais, técnicas e especificidades do método que contribuem para a melhor solução dos conflitos familiares

A Resolução Adequada de Disputas (RAD), também conhecida na língua inglesa como Alternative Dispute Resolution (ADR), corresponde a um conjunto composto pelos mais diversos métodos[1] de resolução de conflitos, os quais possuem características específicas que se aplicam de acordo com a situação fática e o contexto da disputa. A mediação é um dos métodos da Resolução Adequada de Disputas (RAD), que, por suas especificidades, constitui o método mais adequado a tratar, dentre outros conflitos, aqueles de natureza familiar.

O Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos (ICFML) elucida de modo objetivo o conceito da mediação de conflitos, conforme dispõe a seguir, in verbis:

A Mediação é um processo no qual um terceiro interveniente, o mediador, assiste as partes a chegarem a um acordo sobre a disputa. É um processo informal e flexível com grande envolvimento das partes na procura de uma solução para a disputa.[2] (ICFML, 2019)

Pelo exposto, fica clara a proposta da mediação enquanto um método autocompositivo de resolução de disputas, no qual as partes em conflito contam com o auxílio de um mediador, terceiro neutro e imparcial estranho às partes e ao conflito, que irá atuar como um facilitador do diálogo, abrindo canais de comunicação entre elas, de modo que os envolvidos no litígio tenham capacidade de se comunicar e se compreender mutuamente, oportunizando-lhes o alcance de soluções criativas para a disputa.

Logo, pela definição de mediação é possível verificar os seus vários elementos constitutivos, que possibilitam às partes de um conflito familiar sanar de forma conjunta e amigável as suas divergências, por meio da comunicação e do diálogo, gerando uma melhora da relação entre os familiares em disputa. A ideia de a mediação ser autocompositiva está intimamente ligada a esse protagonismo das partes, que ao longo de todo o método possuem autonomia para propor soluções, aceita-las, recusá-las ou simplesmente interromper o procedimento de mediação.

Ademais, a mediação é o método indicado aos casos em que há relação anterior ao conflito e interesse na manutenção do vínculo entre as partes, como ocorre em situações de conflitos de família. A mediação, também, é um procedimento que respeita a autonomia da vontade das partes e preza pela confidencialidade, oralidade, informalidade e celeridade, atributos esses que são indispensáveis ao tratamento adequado das disputas no âmbito familiar.

O mediador de conflitos é, também, elemento de suma importância para tratar os conflitos de natureza familiar, vez que se constitui enquanto um terceiro, escolhido pelas partes, que irá conduzir todo o procedimento de mediação, sem ter relação direta com o conflito ou com os familiares em disputa, atuando de forma neutra, imparcial e isenta, sendo um facilitador do diálogo das partes, abrindo os canais de comunicação entre elas e auxiliando-as na compreensão recíproca e na busca por soluções criativas e satisfatórias.

O Código de Ética de Mediadores do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA) define o mediador de conflitos da seguinte forma

O MEDIADOR é um terceiro imparcial que, por meio de uma série de procedimentos próprios, auxilia as partes a identificar os seus conflitos e interesses, e a construir, em conjunto, alternativas de solução visando o consenso e a realização do acordo. (CONIMA. 2018)

Vale destacar que para exercer a função de mediador conforme disposto acima é necessária capacitação técnica e qualidades que todo bom mediador deve possuir, como por exemplo, saber escutar ativamente, compreendendo não apenas que é dito pelas partes mediadas, como também os seus gestos e expressões, além de ser flexível, sincero, coerente paciente, deixando que a mediação flua de acordo com a necessidade dos mediados, bem como demonstre empatia, o que significa se colocar no lugar do outro, compreendendo-o, mas permanecendo imparcial e independente.

O mediador, como profissional capacitado para o exercício da sua função, dotado de todos esses atributos acima proporciona segurança e credibilidade àqueles que optam por realizar este tipo de procedimento na busca de solucionar seus conflitos. Assim, no âmbito das disputas familiares, em que as relações encontram-se muitas vezes desgastadas e o diálogo é inviável, a atuação do mediador é de extrema relevância, não apenas na busca de resolver o conflito, como também para restaurar vínculos familiares perdidos ou comprometidos.

Durante todo o procedimento de mediação, o mediador faz uso de técnicas de negociação, que serão escolhidas e aplicadas de acordo com o as necessidades do conflito e de seus envolvidos, visando o êxito do procedimento. O rapport, a escuta ativa, a recontextualização, a validação de sentimentos, o afago, a sessão privada e a inversão de papéis, são algumas das técnicas utilizadas ao longo do procedimento de mediação familiar na busca de solucionar os conflitos dessa natureza, proporcionando a melhora da comunicação e consequentemente da relação entre os mediados.

A técnica do rapport deriva do ramo da psicologia e é muito usada para estabelecer uma ligação de sintonia, segurança, confiança e empatia entre os mediados e o mediador. Nesse contexto, a aplicação do rapport significa fazer com que as partes sintam-se respeitadas e tenham seus valores e pontos de vista compreendidos pelo mediador. O rapport não implica na obrigatoriedade de o mediador aceitar tudo o que é exposto pelos litigantes ao longo da mediação, mas sim em ouvi-las atentamente transmitindo confiabilidade e responsabilidade em relação ao mediador e ao procedimento.

A escuta ativa exercida pelo mediador ao longo do procedimento é outra técnica de destaque muito preciosa para mediar conflitos familiares, vez que, através dela, as partes têm o conteúdo emocional do seu litígio compreendido e validado, recebem a máxima atenção do mediador, não sofrem com pré-julgamentos e interrupções de fala, possuem um ambiente propício para se expressar e serem ouvidos. O uso de tal técnica ainda permite que os familiares mediados sintam-se à vontade para expressar não apenas seus interesses como também seus sentimentos.

Além disso, a técnica da escuta ativa possibilita ao mediador fazer questionamentos às partes de maneira informal, esclarecer suas dúvidas, nomear seus sentimentos, repetir o que foi dito por elas para verificar o seu entendimento, bem como utilizar a linguagem corporal adequada, promover reflexão através do silêncio e gerar empatia. Por outro lado, criada a conexão entre as partes e o mediador por meio da escuta ativa não há espaço dentro da mediação para que o mediador minimize emoções, aja como um psicólogo, aconselhe, julgue as partes e imponha soluções.

A recontextualização, também conhecida como paráfrase, corresponde a uma técnica em que o mediador realiza o esforço de estimular as partes litigantes a observarem e compreenderem o conflito vivenciado no plano fático por uma ótica mais reflexiva e positiva. O mediador em seu trabalho de provocar os mediados a enxergarem, seja os interesses em discussão, seja um fato ou comportamento sob outra perspectiva, proporciona um novo olhar sob a disputa, permitindo aos familiares em conflito resignificar a situação vivenciada e encontrar soluções para o litígio.

O mediador por meio da técnica de validação de sentimentos consegue identificar e nomear os sentimentos que estão sendo expostos pelas partes conflitantes, demonstrando o seu entendimento e empatia de forma neutra, assim como validando a legitimidade daquele sentimento diante do contexto conflituoso em que a parte se encontra inserida. No âmbito da mediação familiar, o presente método possui notória expressão, pois sua natureza é de um conflito que envolve muitos afetos e a consequente necessidade de expressá-los, na busca de soluções.

O afago é outra técnica de importante aplicação nas mediações familiares, haja vista que por meio dela o mediador tem a oportunidade de incentivar as partes mediadas a continuarem progredindo no diálogo, no espirito cooperativo adotado ao longo do procedimento, na busca por ouvir e compreender o outro e em todas as outras posturas de cunho positivo que as partes optarem por adotar, visando o sucesso da mediação.

O afago permite que qualquer atitude positiva, no sentido de colaborar com o procedimento de mediação e buscar de soluções para os conflitos, que os familiares litigantes tenham, seja validada e estimulada pelo mediador. No âmbito familiar, há necessidade dos familiares em disputa terem este retorno afirmativo do mediador para que eles percebam que estão seguindo em direção a resolução das suas divergências e do fortalecimento dos seus vínculos familiares. A técnica ainda evita que os familiares regridam na mediação, invocando mágoas e sentimentos que obstem o diálogo saudável.

A sessão privada consiste em uma técnica em que apenas o mediador e uma das partes do conflito permanecem na sala de mediação, na qual o mediador, de modo imparcial, conversará com a parte, permitindo-a expressar emoções, sentimentos, interesses, percepções, que não estaria à vontade para demonstrar diante da parte contrária. É ideal que o mediador realize sessões privadas com cada um dos conflitantes e com duração aproximada, quando necessário. A técnica é importante para que o mediador conheça o interesse e as necessidades das partes que podem ser ocultadas por elas ao longo do procedimento.

Por último, a técnica da inversão de papéis é comumente aplicada em mediações familiares e prioritariamente durante as sessões privadas, nas quais apenas uma das partes permanece na sala de mediação com o mediador. Nessa ocasião, o mediador poderá, de forma neutra, provocar o familiar litigante a exercer alteridade em relação a outra parte da disputa, o que significa que o profissional convida o familiar a se colocar no lugar do outro e ver o conflito aos olhos dele, com o escopo de se alcançar o entendimento.

Pelo exposto, as referidas técnicas são essenciais para que a mediação de conflitos, em especial a mediação familiar, obtenha êxito. Todavia, cabe destacar que o sucesso da mediação não está diretamente relacionado com a celebração de um acordo entre os mediados, no sentido de que uma mediação será considerada bem sucedida somente se houver acordo. Deve estar claro, ao se adotar o procedimento de mediação, o entendimento de que o objetivo do método não é necessariamente o acordo.

A mediação visa ampliar e melhorar os canais de comunicação entre as partes, sendo o mediador um facilitador desse diálogo, para que as relações anteriores ao conflito sejam preservadas e fortalecidas com o método, propiciando melhor entendimento entre as partes e, por conseguinte, um acordo como meio de formalizar a solução do conflito encontrada pelas próprias partes. Portanto, fica nítido que o acordo não é objetivo da mediação e sim a sua consequência.

Portanto, cabe inferir que o acordo entre as partes é algo desejável que se realize na mediação, de modo a colocar fim ao conflito, o que não significa o sucesso do procedimento, uma vez que uma mediação bem sucedida passa pela satisfação das partes, com a melhora do seu diálogo e relacionamento. Restaurada a comunicação, as partes conversam a fim de solucionar a disputa, mas pode ocorrer de não haver aceitação ou mesmo viabilidade das soluções propostas e discutidas por elas, o que faz o acordo não surgir, mas ainda sim a mediação será bem sucedida.

 

  1. Conflitos familiares: natureza, peculiaridades, posições interesses e necessidades

Os conflitos entre familiares possuem peculiaridades que os distinguem de todos os demais conflitos existentes no âmbito social, em virtude da sua alta complexidade, expressa na quantidade e intensidade de emoções e sentimentos envolvidos, provenientes de vínculos anteriores a ele. O conflito familiar é de natureza subjetiva, próprio da individualidade humana e intrínseco aos indivíduos que compõem o seu núcleo.

A família, em seus mais variados modelos, é entidade em que seus membros estão unidos por vínculos afetivos, que necessitam ser preservados diante da ocorrência de um conflito. Casos de separações ou divórcios, dissolução de união estável, bem como partilha de bens, guarda de filhos, estipulação de alimentos, estabelecimento de horários de visitas, além de conflitos no exercício do poder familiar e relativos à tutela e à curatela, e conflitos sucessórios entre herdeiros, são exemplos de conflitos familiares.

Assim, considerando que os referidos conflitos carregam consigo uma forte carga de sentimentos e emoções que não estão contidos em nenhum outro tipo de disputa da mesma forma e com a mesma intensidade, eles podem ser fonte de dor e sofrimento aos familiares envolvidos. Todavia, o conflito, de modo geral, não possui conotação necessariamente negativa, não devendo ser aprioristicamente associado à briga, perda, disputa ou litígio.

Nesse sentido, importa destacar que o cerne do conflito é de natureza neutra, sendo a atribuição de caráter positivo ou negativo resultado da experiência daqueles que vivenciaram o conflito. Assim, considerando que, em muitos casos, o conflito é inevitável, há necessidade de que a sua abordagem seja amigável, visando o seu tratamento e solução da melhor maneira possível. Por isso, deve-se acostumar a associar o conflito com ideias tais como paz, consenso, acordo e, principalmente, oportunidade.

Contudo, para além da discussão em torno da natureza do conflito, é primordial o resgate do seu conceito. Sampaio e Braga Neto (2007) conceituam o conflito como “um conjunto de propósitos, métodos ou condutas divergentes, que acabam por acarretar um choque de posições antagônicas, em um momento de divergências entre as pessoas”.

O conflito expresso no choque de posições antagônicas como descrito no conceito supra é, muitas vezes, resultado de relações que se desgastaram ao longo do tempo em virtude de mudanças no comportamento, comunicação falha, expectativas frustradas, valores divergentes, emoções e sentimentos manifestados de maneira desmedida, assim como a expressão de interesses e percepções incompatíveis.

Assim, visto que a raiz do conflito reside no desgaste das relações, especialmente quando se pensa em conflitos familiares, há necessidade de se evitar a sua ampliação. Nesse sentido, existem etapas, pelas quais um conflito poderá passar à medida que se amplia, a primeira delas é a prática de um fato ou ato, a segunda são os desentendimentos, a terceira implica em agressões verbais e a última se refere a agressões físicas, ponto extremo ao qual não se pode deixar que o conflito atinja.

Os conflitos familiares comumente passam pelas referidas quatro etapas do conflito se não forem tratados o quanto antes e o que exemplifica isso são os crescentes casos de violência doméstica, envolvendo agressões verbais e físicas. Logo, surge a necessidade de tratar e aprender a gerenciar os conflitos, interpretando-os como uma oportunidade de se reavaliar a relação e enxergar o que pode e deve ser melhorado.

As famílias possuem uma espécie de conflito muito peculiar em que os sentimentos e emoções são intensos e devem ser considerados e tratados, por meio de técnicas e do diálogo na busca de solucionar os empasses. Por essa razão, a mediação surge como melhor alternativa, vez que atuará de modo a facilitar a comunicação entre os familiares, tratando a lide social do conflito e auxiliando as partes a compor, por meio do trabalho do mediador.

O mediador, durante a sessão de mediação, terá o trabalho de lidar com o conflito familiar na busca de auxiliar as partes na autocomposição, por meio de técnicas que facilitem o diálogo e a compreensão mútua. A identificação de posições, interesses e necessidades dos familiares conflitantes pelo mediador é essencial para o tratamento do conflito e sua consequente resolução.

Bastos define posição como “manifestações temporárias dos interesses em forma de pedidos, propostas ou soluções”, bem como, conceitua interesses como “manifestações temporárias das necessidades humanas. Podem mudar de acordo com a necessidade prioritária do momento”, e ainda indica necessidade como “perenes e estão presentes ao longo de toda existência dos indivíduos. Satisfeita uma determinada necessidade, outras se tornam mais evidentes”.

De acordo com os conceitos supra, é perceptível que em uma mediação as posições são as manifestações visíveis e superficiais com as quais o mediador não deve lidar. O mediador, portanto, deve conduzir o procedimento para além das posições estabelecidas pelas partes, de modo que os interesses sejam manifestados e as necessidades das partes sejam reveladas e claras. A medição precisa buscar alcançar as manifestações mais profundas das partes expressas nas necessidades de cada uma delas.

Entretanto, a natureza complexa e dinâmica das relações familiares e consequentemente de seus conflitos, que envolvem afetos provenientes de relações anteriores e muitas vezes o desejo de mantê-las, impede que as necessidades das partes venham à tona, fazendo com que elas tenham dificuldade de saírem de suas posições.

Desse modo, é nítido que, em uma disputa familiar submetida ao contencioso judicial, o juiz, ao analisar e julgar a causa, estará lidando com posições expressas nos pedidos da petição inicial. Isso significa que o conflito familiar não será considerado em toda sua complexidade e dinamicidade, sendo analisado apenas de forma superficial pela ótica das posições.

Muito diferente é optar por buscar a solução do conflito familiar pela via adequada de resolução de disputas através da mediação, que conforme já foi exaustivamente trabalhado, contará com o auxílio do mediador como um facilitador da comunicação entre as partes permitindo que se explore o conflito, para além das posições apresentadas pelos familiares conflitantes, permitido a identificação de suas necessidades.

Saber identificar as necessidades dos familiares em conflito é importantíssimo, pois trabalhar a resolução do conflito baseado nas reais necessidades dos familiares em desacordo, identificadas ao longo do procedimento de mediação, trata o conflito em toda a sua complexidade, apresentando uma nova perspectiva às partes e permitindo a composição. Desse modo, as chances de satisfação das partes aumentam, tanto em relação ao possível acordo como também com a mediação em si.

Assim, infere-se que as relações no âmbito familiar tendem a se desgastar por inúmeros motivos ao longo dos anos, o que implica no surgimento de conflitos de natureza subjetiva por envolverem múltiplos afetos que mascaram as reais necessidades das partes deixando visível, apenas posições. A mediação surge nesse contexto, como método que considera toda a amplitude do conflito familiar, tratando e considerando todos os sentimentos e especificidades envolvidas, identificando as necessidades das partes e proporcionando a composição e satisfação dos envolvidos.

 

  1. Do judiciário brasileiro: legislação brasileira de mediação e sua aplicabilidade

A legislação brasileira de mediação é composta pela Resolução nº 125 de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), bem como pela Lei nº 13.140/15, conhecida como Lei de Mediação, e pelo Código de Processo Civil Lei nº 13.105/15. Porém, vale ressaltar que, apesar do marco inicial de regulamentação da mediação ter ocorrido no ano de 2010 com o advento da Resolução 125/2010, a mediação já era praticada no Brasil como método de resolução de conflitos desde a década de 90.

No que tange à Resolução nº 125 de 2010, produzida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), importa abordar a sua extrema relevância para que houvesse o desenvolvimento da mediação, bem como da conciliação no Brasil. Ela permitiu que ocorresse um movimento mais intenso e efetivo de adoção tanto da mediação quanto da conciliação no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, por meio dos tribunais estaduais.

Com a Resolução nº 125/2010 do CNJ os métodos consensuais de resolução de disputas tiveram o seu valor reconhecido pelo Estado, por meio da sua integração ao Poder Judiciário. Assim, o Estado que, tradicionalmente possuía o monopólio da resolução de disputas, através do processo judicial, passa a abrir espaço para que os particulares possam compor por meio da mediação e conciliação.

Logo, é possível identificar o esforço em busca da superação do paradigma da cultura da judicialização, cuja lógica é resolver os conflitos pela via do processo judicial. Por outro lado, é nítida a procura pela consolidação do paradigma de pacificação, no qual o próprio Estado reconhece que o Poder Judiciário deve ser composto tanto pela via do processo judicial, quanto pela via consensual, em que os métodos consensuais de resolução de conflitos, como a mediação e a conciliação, permitem a autocomposição das partes.

Essa mudança de paradigma é extremamente relevante principalmente quando se pensa em resolução de conflitos familiares, pois por sua natureza envolvem relações dinâmicas e sentimentos de amor, ódio, raiva, ciúmes, entre tantos outros que escondem as reais necessidades dos envolvidos e fazem com que eles busquem a via do processo judicial para solucionar as suas controvérsias sem necessidade ou até mesmo como forma de vingança privada.

Nesse sentido, o fortalecimento da cultura de pacificação oportuniza aos familiares enxergarem novas e mais adequadas formas de resolução de disputas, promovendo dessa forma, o acesso à Justiça. Assim, a Política Pública de Tratamento Adequado de Conflitos determinada pela Resolução nº 125 de 2010, do CNJ visa garantir não apenas o direito ao acesso à Justiça, conforme previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da CRFB/88, como também, acesso à ordem jurídica justa.

A Resolução nº 125 de 2010, do CNJ inaugurou esse novo cenário de pacificação em busca da prevenção e solução de conflitos em escala nacional quando dispõe que caberá ao Poder Judiciário o incentivo e o aperfeiçoamento dos métodos consensuais de resolução de conflitos, por meio da implantação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCS) nas comarcas, bem como a capacitação e atualização dos profissionais destinados a atuarem como mediadores e conciliadores.

Aliados à Resolução n° 125 de 2010, do CNJ, compõem a legislação Brasileira de mediação, o Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/15 e a Lei de Mediação, Lei nº 13.140/15, ambas publicadas no ano de 2015, portanto, legislações recentes. O Código de Processo Civil (CPC/2015) aborda a mediação judicial, enquanto a Lei de Mediação trata tanto da mediação judicial como da mediação extrajudicial.

As referidas legislações contemplam princípios aplicados à mediação, seja ela judicial ou extrajudicial, tais como a imparcialidade do mediador, oralidade, informalidade, autonomia da vontade e confidencialidade. A Lei nº 13.105/15 contempla ainda o princípio da independência e da decisão informada, ambos aplicáveis a mediação judicial. Por outro lado, a Lei nº 13.140/15 aborda também os princípios da isonomia entre as partes, a busca do consenso e a boa-fé aplicáveis à mediação judicial e extrajudicial.

Vale destacar que antes mesmo dos princípios supracitados estarem expressos na legislação eles já eram princípios aplicados à mediação. Os princípios mencionados são essenciais para garantia da seriedade e confiabilidade do método, permitindo que aqueles que o conheçam sintam-se seguros em adotá-lo como forma de resolução de disputas. Por essa razão, a mediação é um método alternativo ao processo judicial, permitindo tratar de modo mais atento a lide social dos conflitos familiares.

Sobre a mediação, vale ressaltar ainda que, segundo a Lei de Mediação, se trata de um método aplicável não apenas a casos que envolvam direitos disponíveis, como também aos casos que envolvam direitos indisponíveis, desde que sejam transacionáveis. A discussão sobre alimentos e guarda do filho menor são alguns exemplos de direitos indisponíveis no âmbito dos conflitos familiares, dos quais não há como dispor, mas somente transacioná-los. Não obstante, caso haja acordo na mediação que envolva direitos indisponíveis, será obrigatória a sua homologação em juízo, dada a oportunidade ao membro do Ministério Público para se pronunciar.

O Código de Processo Civil (CPC/2015) consagra a solução consensual de controvérsias como regra para a solução de disputas quando impõe como um dos requisitos da petição inicial a manifestação do autor da demanda pela realização ou não de audiência de mediação ou conciliação, conforme consta no artigo 319, inciso VII, do CPC/2015. Na contestação, o demandado, também, é chamado a manifestar seu interesse pela audiência de mediação ou conciliação, nos termos do artigo 335, incisos I e II do CPC/2015.

Nesse contexto, ainda que apenas uma das partes do conflito manifeste ter interesse pela realização da audiência de mediação ou conciliação, a primeira sessão irá ocorrer, pois nela a parte que compareceu será esclarecida sobre o procedimento e as propostas do método escolhido. Cabe inferir, que caso uma das partes tenha optado pela mediação e ela não tenha se concretizado pela ausência de aderência da parte adversa, nessa primeira sessão haverá a oportunidade daquele que escolheu a mediação conhecer mais sobre o método e aplica-lo em outra oportunidade.

O Código de Processo Civil (CPC/2015) em seu Capítulo X, Das Ações de Família, dispõe que nessas ações todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia familiar, conforme disposto no artigo 694 do CPC/2015. Ao magistrado caberá ordenar a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, nos termos do artigo 695 do CPC/2015, bem como determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial, na forma do parágrafo único do artigo 694.

Os referidos artigos do Código de Processo Civil (CPC/2015) elucidam a adoção de métodos consensuais de resolução de controvérsias como regra e a via do processo judicial como exceção, ou seja, em regra deve-se buscar o acordo, isto é, o consenso entre as partes em fase pré-processual e, apenas caso as tentativas pela via consensual sejam frustradas, deve-se recorrer à via do processo judicial, o que não impede que, ao longo do processo, sejam tentadas novas possibilidades de acordo pelas próprias partes, seus advogados, pelo juiz e membro do ministério Público, se houver.

Cabe dizer ainda, que ao longo de toda a redação do Código de Processo Civil (CPC/2015) e, principalmente na parte referente às ações de família, há referências às audiências de conciliação e mediação. Contudo, a expressão “audiência de conciliação e mediação” é utilizada na legislação como se ambos os métodos fossem ser necessariamente realizados e sem estabelecer diferenciação entre eles, o que não é correto, vez que cada método adequado possui particularidades, aplicáveis a tipos específicos de conflito.

A conciliação, por exemplo, é o método ideal aplicável aos casos em as partes conflitantes não tenham uma relação anterior e desejo de manter vínculos. Muito diferente da mediação, a qual é aplicada àqueles conflitos em que há relação anterior entre as partes, bem como interesse e necessidade de manutenção dos vínculos entre elas, como é o caso das disputas familiares. Nesse sentido, o Poder Judiciário faz uma triagem dos casos que são submetidos a ele e encaminha para a realização do método mais indicado para cada caso.

Mas o fato é que, seja por falha nesse sistema de triagem, seja pela busca por maior agilidade na solução dos casos que batem às portas do judiciário, a conciliação tem sido o método mais adotado, inclusive para casos em que o procedimento adotado deveria ser a mediação, como é a situação dos conflitos de família. O relatório A Justiça em Números de 2019 e produzido anualmente pelo CNJ, comprova isso quando relata que,

(…) conciliação é uma política adotada pelo CNJ desde 2006, com a implantação do Movimento pela Conciliação em agosto daquele ano. Anualmente, o Conselho promove as Semanas Nacionais pela Conciliação, quando os tribunais são incentivados a juntar as partes e promover acordos nas fases pré-processual e processual. Por intermédio da Resolução CNJ 125/2010, foram criados os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) e os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC), que visam fortalecer e estruturar unidades destinadas ao atendimento dos casos de conciliação. (CNJ, 2019)

O trecho extraído do relatório A Justiça em Números de 2019 traça o cenário de um Poder Judiciário mais inclinado à promoção e realização de audiências de conciliação. O referido relatório expõe os dados do judiciário brasileiro anualmente e, no referido ano, trouxe um capítulo específico referente ao índice de conciliação, conferindo, portanto, destaque ao método sem fazer o mesmo com a mediação.

Logo, o que se verifica é a aplicação do método de conciliação em inúmeros casos, incluindo casos como os de natureza familiar, em que o ideal seria o seu tratamento por meio da mediação. A justificativa desse fenômeno, como exposto anteriormente, consiste em possíveis equívocos na triagem e na busca por agilidade na solução das demandas judiciais, de modo a diminuir a sobrecarga de processos no Poder Judiciário.

A agilidade no intuito de finalizar a demanda por meio da conciliação tem base em seu objetivo exclusivo de realizar acordo, que é obtido com o auxílio do conciliador, que é terceiro sem formação especifica para o desempenho da função e que pode sugerir soluções ao longo no procedimento. Em que pese tais características confiram maior celeridade, o acordo resultante desse procedimento não é garantia de real solução da controvérsia.

A mediação, por sua vez, também, é procedimento célere, mas não tem o objetivo de realizar acordo, que é visto apenas como uma possível consequência de um procedimento que visa a facilitação do diálogo entre as partes conflitantes, para tratamento adequado do conflito. Sendo o mediador um terceiro com capacitação específica para atuação na área, que não intervirá sugestionando em nenhum momento, atuando apenas na abertura dos canais de comunicação entre as partes, cabe as próprias partes comporem o conflito.

Nessa toada, como a conciliação objetiva o acordo e o conciliador pode ser qualquer pessoa, inclusive estagiários, que passam por um simples curso capacitante, esse método acaba sendo utilizado pelos Tribunais de Justiça por meio dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) a fim de finalizar as demandas com mais agilidade. Todavia, isso não significa resolver o conflito, vez que, quando utilizada em conflitos incompatíveis com o método, como é o caso dos conflitos familiares, nuances dessa disputa deixam de ser observadas e a sua efetiva solução não é adequadamente alcançada.

 

  1. Mediação como método adequado aplicado à resolução dos conflitos familiares

Na contemporaneidade, a entidade familiar é reconhecida em sentido amplo, isto é, os seus múltiplos arranjos passaram a contar com a proteção do Direito de Família, fazendo surgir a nomenclatura Direito das Famílias, que adquiriu força doutrinária e jurisprudencial. Dessa forma, as mais diversas configurações de famílias, que agora gozam de tutela estatal, estão unidas por características em comum, tais como, a igualdade, a democracia e a liberdade entre seus membros, sendo funcionalizadas, ou seja, proporcionando o livre desenvolvimento da personalidade de cada um dos seus integrantes, sendo ainda, eudemonista e plural.

No contexto das famílias atuais, detentoras das referidas características, a afetividade emerge como elemento de conexão entre os seus membros, estabelecendo fortes vínculos entre eles. Vínculos esses, que envolvem sentimentos e emoções intensas, o que não significa que as famílias estão imunes de situações conflituosas em seu âmbito. O desgaste das relações, provocados por inúmeros motivos, mas principalmente por mudanças e pela falha na comunicação é fonte de conflitos que, em alguns momentos, podem ser prevenidos e evitados, enquanto, em outros casos, são inevitáveis.

Nesse sentido, os conflitos familiares podem evoluir de meros desentendimentos, ultrapassando a esfera familiar doméstica, para chegar ao Poder Judiciário. Bons exemplos disso são os casos de divórcio, separação e dissolução de união estável, que envolvem o rompimento do vínculo de companheirismo entre um casal, além de discussão sobre o cabimento e valor dos alimentos ao filho, ex-cônjuge ou companheiro, questões afetas ao tipo de guarda que será estabelecida, dias e horários de visitação, divisão patrimonial, podendo existir, também, conflitos relativos a tutela e curatela, bem como conflitos em torno do direito sucessório entre herdeiros.

Logo, verifica-se que o conflito familiar vem acompanhado tanto de questões objetivas relativas a aspectos patrimoniais representadas pela necessidade de divisão de bens e definição de valores quantitativos, quanto de questões de cunho subjetivo relativas aos afetos intrínsecos às relações familiares e consequentemente aos conflitos que as envolve. Por óbvio, o conflito dessa natureza será mais complexo, pois não estão em pauta apenas questões objetivas e sim questões afetas ao ser, sua individualidade e intimidade, que são extremamente subjetivas.

O subjetivismo trazido pelos afetos na esfera das relações familiares frequentemente se manifesta na forma de sentimentos e emoções, muitas vezes intensos, que escondem os reais interesses e necessidades do familiar, dificultando, ainda, a possível solução de aspectos práticos objetivos de direito. Verifica-se que os afetos em um conflito dessa natureza contribuem para que a disputa adquira maior complexidade e para que sua eventual judicialização seja uma forma de satisfação pessoal daquele que venha a figurar como autor em face da parte ré, promovendo uma espécie de vingança privada, alimentando a cultura do litígio.

Isto posto, o Poder Judiciário Brasileiro sofre com os reflexos da judicialização dos conflitos familiares. Dado exemplificativo é a porcentagem de 63% (sessenta e três por cento) das varas exclusivas da área de Direito de Família congestionadas, segundo informação do relatório Justiça em Números de 2019, produzido pelo CNJ anualmente. Desse modo, além, da sobrecarga de processos no âmbito do Poder Judiciário, o que implica em aumento da despesa estatal e em demora considerável na entrega da prestação jurisdicional, cabe lembrar que nem sempre, esta sentença será satisfatória às partes.

A satisfação das partes com o a decisão proferida em juízo nem sempre ocorre, pelo fato de ser fruto de um julgamento de terceiro, que embora seja imparcial e isento, julga nos limites dos pedidos formulados petição inicial, na qual está presente a expressão das posições dos familiares conflitantes e não a profundidade de seus interesses e, principalmente, suas reais necessidades. Ademais, o magistrado no processo judicial não trabalha com os afetos característicos dos conflitos entre familiares, não lhes oferecendo validação, se restringindo a julgar conforme o Direito.

Sendo assim, a insatisfação com a sentença proferida interfere, inclusive, em uma possível dificuldade da parte sucumbente em cumprir com o que foi determinado pelo julgador. Nesse contexto, em que o processo judicial dificilmente soluciona os conflitos familiares de forma satisfatória aos envolvidos, percebe-se que a ele cabe a solução de questões de direito, não oferecendo a melhor resposta aquelas disputas que possuem, também, cunho afetivo entre as partes. Destarte, existem outros métodos de resolução de disputas que são formas alternativas ao Poder Judiciário, que se aplicam melhor a cada tipo de conflito.

Dessa forma, o método mais adequado ao tratamento e solução dos conflitos familiares é a mediação. O método teve sua origem em culturas como a indígena, islâmica, budista, cristã, hinduísta, judaica e confucionista, em tempos longínquos. [3] Não obstante, desde 1949, a China aplica a mediação aos conflitos familiares, enquanto nos Estados Unidos, os primeiros registros da mediação familiar se deram no ano de 1974.[4] O professor de Harvard, Frank Sander, em 1976, pregava pela “Variedade de Processos de Resolução de Disputas”, revolucionando esse cenário e impulsionando a mediação familiar, que, em alguns estados norte-americanos, se tornou obrigatória.[5]

A mediação familiar se estendeu a outros países, como França, Japão, Israel, Austrália, chegando a América do Sul em países como Colômbia, Bolívia e Argentina e posteriormente ao Brasil.[6] Destaca-se que, em 1989, o Brasil recebe a mediação pela vertente do modelo francês, em São Paulo, e o Sul do país recebe a mediação através da Argentina, pela vertente estadunidense, no início da década de 90.[7] Desde então, a mediação familiar vem se desenvolvendo e ganhando espaço e força no cenário nacional.

A experiência da mediação familiar e sua expansão por diversos países demonstram o seu êxito, fruto das inúmeras vantagens proporcionadas pelo método àqueles que optam por ele. Isto posto, a mediação é notadamente o método adequado melhor aplicável para o tratamento e resolução dos conflitos familiares, pois através dela os familiares em disputa, sejam eles cônjuges, irmãos, pais ou pessoas em qualquer outra escala de parentesco, possuem a oportunidade tanto de resolver o seu conflito, quanto de prevenir conflitos futuros.

Ademais, o procedimento de mediação oferece aos familiares litigantes um ambiente amigável, permitindo a sua reaproximação. Nesse espaço, o mediador atuará estimulando o espírito cooperativo entre as partes, abrindo os canais de comunicação entre elas, possibilitando o diálogo saudável, que em muitos casos fora perdido ao longo da disputa. Durante as sessões de mediação, é ideal que os familiares se expressem de forma ampla, expondo seus afetos, que devem ser validados pelo mediador, e deixando claras as suas reais necessidades.

Tais aspectos da mediação são de extrema relevância quando se pensa, por exemplo, em um casal com filhos incapazes que esteja se divorciando, pois nesse conflito estão presentes questões de cunho patrimonial, relativas à partilha de bens do casal de acordo com seu regime de casamento e valores quantitativos referentes aos alimentos, assim como questões subjetivas expressas em sentimentos e emoções tais como mágoa, raiva, desejo de vingança, amor, ódio, entre outros, que caso não sejam tratados prejudicam não apenas os filhos que passarão a viver em um ambiente de discórdia e disputa, como também, questões patrimoniais, que podem ser usadas como forma de punir o outro, na busca de deixá-lo com menos do que ele teria direito.

Tendo em vista o referido exemplo, clara está ideia de que a mediação propicia às partes, familiares em conflito, o resgate do diálogo saudável, no qual pontos de vista são expostos, os afetos são trabalhados, assim como as posições expressas, os interesses identificados e as reais necessidades descobertas. A reaproximação dos familiares auxilia na reconstrução do vínculo entre eles, o que é relevante, vez que ainda que cônjuges passem a ser ex-cônjuges, continuarão sendo pais dos filhos que têm em comum, permanecendo unidos no exercício do poder familiar.

Nesse cenário, a busca pelo melhor interesse do filho incapaz é algo fortemente trabalhado pelas partes em questões relativas ao tipo de guarda a ser adotada, aos horários de visita que serão escolhidos de acordo com a disponibilidade dos pais e valores dos alimentos combinados de acordo com a necessidade e a possibilidade de cada um deles. Dessa forma, a mediação, através da facilitação do diálogo das partes e da aplicação de diversas técnicas mediativas pelo profissional competente, consegue tratar o conflito familiar em todas as suas nuances, sejam elas subjetivas, expressas em afetos, sejam elas patrimoniais.

Vale lembrar que a mediação objetiva facilitar o diálogo e restaurar vínculos comprometidos, o que já representa um grande ganho para familiares em conflito, vez que a reaproximação das partes é o primeiro passo para solucionar as disputas, além de representar êxito no tratamento dos afetos. Por outro lado, caso ainda haja acordo, significa que as próprias partes chegaram a um consenso, o que gera maior possibilidade de cumprimento da decisão, pois é uma decisão construída fruto do diálogo, da colaboração e do entendimento entre as partes, o que, também, gera uma maior satisfação aos envolvidos.

Infere-se, portanto, que a mediação além de proporcionar um menor desgaste emocional aos familiares conflitantes, se comparada ao processo judicial, vez que nela os afetos são validados e tratados, a mediação agrega, ainda, outras vantagens aos seus adeptos. Trata-se do fato de ser um método menos oneroso, mais participativo, no qual as partes possuem total protagonismo na busca e criação de soluções para os seus conflitos, sendo o mediador condutor e facilitador desse procedimento. Além disso, é um método praticado em sessões (quantas forem necessárias), obtendo mais rapidez do que o processo judicial.

A mediação conta, ainda, com a vantagem de ser um método sigiloso, não provocando a exposição dos familiares e seus conflitos, entre si e ao mundo exterior, salvo autorização das partes envolvidas. Outra vantagem refere-se ao fato da mediação ser um procedimento voluntário, em que prevalece a autonomia da vontade das partes, isto é, caso os familiares optem por fazê-la, possuem a prerrogativa de desistir da realização das sessões de mediação a qualquer tempo. Porém, caso decidam por continuar a mediação iniciada, as partes possuem autonomia para discutir, propor soluções, aceitá-las ou rejeitá-las de acordo com seu juízo de conveniência e oportunidade.

Atento ao êxito da prática da mediação como forma de resolução de conflitos, em especial de conflitos de natureza familiar, o Poder Judiciário incorporou a mediação como seu método parceiro na resolução de disputas judiciais. Tal fenômeno foi possível devido a criação da Resolução nº 125 de 2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visou cumprir com os objetivos estratégicos do Poder Judiciário na busca por gerar maior agilidade e eficiência na solução das demandas. A mediação judicial revelou, portanto, uma aderência do Estado à demanda atual por tratamento adequado dos conflitos de acordo com a sua natureza e peculiaridades, permitindo inclusive a ampliação do acesso à justiça e a ordem jurídica justa.

Consequência desse movimento do judiciário nacional consistiu na criação dos Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) pelos Tribunais de Justiça dos estados brasileiros, os quais são responsáveis pela triagem e realização de audiências de mediação, conciliação e orientação do cidadão. A Lei de Mediação e, principalmente o Código de Processo Civil (CPC/2015), são legislações posteriores à Resolução nº 125 de 2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também contribuíram para a adoção e realização da mediação judicial em conflitos familiares, tanto em fase pré processual nos Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), como ainda no curso do processo judicial.

Com base nisso, fica nítida a busca do Poder Judiciário por eliminar a cultura do litígio e disseminar o paradigma da cultura da pacificação, por meio da incorporação de métodos consensuais de resolução de conflitos e sua prática no âmbito dos Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) em todo o país. Todavia, a realidade da prática dos Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) demonstra que ainda são necessários avanços, pois o relatório Justiça em Números 2019, produzido pelo CNJ oferece destaque à prática da conciliação no âmbito do judiciário, enquanto a mediação não é cotada com relevância no relatório, vez que os seus dados não são sequer informados.

Ora, há conflitos que pela natureza e peculiaridades necessitam da aplicação da mediação como método consensual de resolução de disputas, como é o caso do conflito entre familiares. Ocorre que tais conflitos submetidos aos Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) têm passado por audiências de conciliação e não por audiências de mediação como seria o ideal. O problema decorre de falha na triagem, bem como do próprio texto do artigo 649 do CPC/2015 que abre espaço para realização de audiências de mediação e conciliação em ações de família, além da busca do judiciário brasileiro por agilidade na resolução das disputas, em razão da elevada demanda familiar, aplicando a conciliação a esses conflitos para garantir maior celeridade.

Diante do cenário apresentado, cabe validar os esforços do Poder Judiciário em promover a mediação judicial como sua parceira, porém destacando a necessidade de profundos avanços e aperfeiçoamento do trabalho até então realizado. Isto posto, a mediação privada ou extrajudicial realizadas pelas câmaras privadas de mediação, é excelente alternativa para aqueles familiares em conflito que dispõe de informações sobre o método e recursos financeiros para realizá-lo.

A mediação privada destaca-se exatamente pela vantagem de não ser necessário levar o conflito ao Poder Judiciário, exceto nas hipóteses de conflitos que tratem de direitos indisponíveis tais como alimento ao filho, guarda e visitação, necessária a homologação judicial. A mediação extrajudicial ocorrerá de acordo com a disponibilidade dos seus interessados e poderá durar quantas sessões forem necessárias, obtendo tratamento e consequentemente as soluções mais rápidas para o conflito, o que interessa muito aos familiares conflitantes que querem o menor desgaste emocional possível.

A mediação privada conta, ainda, com custos previsíveis, fáceis de serem controlados e até mesmo inferiores aos custos do judiciário, quando se fala em processo contencioso, que inclusive pode se estender por anos. O fato de privilegiar a privacidade, a autonomia da vontade das partes, ofertando-as a oportunidade de ter controle sobre o procedimento e a sua decisão, bem como poder ser realizada a qualquer momento e independentemente de processo judicial em curso, faz da mediação privada excelente alternativa às famílias, além de todas as outras vantagens comuns à mediação.

Os reflexos desse fenômeno ao Poder Judiciário são vários. O primeiro deles se refere a diminuição do número de processos judiciais, reduzindo a sobrecarga de processos na esfera judicial, especialmente nas Varas de Família, gerando maior agilidade e eficiência na prestação jurisdicional dos casos que realmente precisam ser judicializados. Cabendo inferir que até mesmo a criação dos Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) corresponde a uma forma de transferir as demandas judicializadas a centros em que serão aplicados métodos consensuais de resolução de disputas, a partir da vontade das partes, o que não tira efetivamente do judiciário a sua sobrecarga.

Ademais, a satisfação das partes familiares com os resultados obtidos em uma mediação, em especial em uma mediação privada é muito maior, em virtude do controle que elas possuem sobre o procedimento, desde a escolha da câmara e do mediador até a decisão sobre o possível acordo entre elas. A mediação privada, ainda, desonera o Estado, que não terá gastos que teria com processos relativos a conflitos de particulares familiares que tem condições de arcarem financeiramente com a solução da sua disputa. Assim, o Estado deve deixar a cargo dos particulares a resolução de seus conflitos, se ocupando apenas de conflitos em que há necessária intervenção judicial, bem como aqueles em que há particulares hipossuficientes.

Destarte, para que a mediação seja adotada em maior escala para tratamento e solução de conflitos familiares e tal procedimento gere efeitos positivos, inclusive na esfera judicial, como exposto acima, é essencial que sejam disseminadas informações referentes à proposta, características e vantagens do método. Nesse sentido, o advogado exerce papel relevante ao orientar os seus clientes expondo-lhes alternativas consensuais de resolução de disputa.

O bom advogado possui função de destaque ao sugerir ao familiar em conflito a mediação como alternativa, propagando a cultura da pacificação, proporcionando satisfação ao cliente e auxiliando na redução de conflitos familiares judicializados. O familiar bem informado, assim, tende a busca a mediação como forma de resolução de seus conflitos para garantir o menor desgaste emocional possível e a maior satisfação, refletindo em benefícios práticos ao Poder Judiciário.

 

Conclusão

Do estudo realizado, depreende-se que a mediação consiste no método adequado de resolução de disputas melhor aplicável ao tratamento e solução dos conflitos de natureza familiar, haja vista tratar todas as nuances da divergência familiar, atuando na facilitação do diálogo entre as partes, reaproximando-as e fortalecendo o vínculo entre elas, considerando os seus afetos, validando-os e propiciando o acordo.

Verificou-se que, dada sua relevância, a mediação foi incorporada pelo Poder Judiciário com o status de método parceiro e instrumento efetivo de pacificação social, garantindo acesso à justiça e à ordem jurídica justa. Para tanto, foram criados os Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), os quais se propõem a realizar audiências de mediação e conciliação, de acordo com o conflito, mas que, na realidade, praticam conciliações de forma indistinta, inclusive em casos de disputas familiares em que a mediação seria o método mais adequado.

Constatou-se, portanto, essa falha na atuação dos Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), oriunda da possível falha na triagem, da redação do Código de Processo Civil e da busca por uma resolução de disputas em tempo ainda mais reduzido e de forma simples. O presente cenário em que se insere a mediação judicial inspira a adoção da mediação privada ou extrajudicial, a qual conta com vantagens ainda maiores tanto para os familiares quanto para o judiciário brasileiro.

Nesse sentido, os reflexos da mediação no âmbito do Poder Judiciário brasileiro são muitos, promovendo a redução do número de conflitos familiares judicializados, diminuído por consequência o volume de processos presentes nas Varas de Família, além de gerar menos gastos ao Estado e oportunizar maior satisfação dos familiares, que, além de fortalecer os seus vínculos, podem obter um acordo fruto do diálogo e da cooperação entre as partes, aumentando, inclusive, as chances de cumprimento do acordo firmado.

Assim, o presente estudo não possui a pretensão de fazer conclusões cabais, mas sim fazer considerações, análises e críticas, de modo a estimular o debate e servir como ponto de partida para futuros trabalhos a serem desenvolvidos acerca desta temática.

 

Referências

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[1] São métodos que compõem a Resolução Adequada de Disputas (RAD), a negociação, mediação, conciliação, arbitragem, Práticas autocompositivas inominadas, além da Med‑Arb e outras hibridações de processos. Mais informações sobre o tema vide BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Azevedo, André Gomma de (Org). Manual de Mediação Judicial, 6ª Edição (Brasília/DF, CNJ), 2016, p. 17-26).

[3] FALECK, Diego; TARTUCE, Fernanda. Introdução histórica e modelos de mediação. Estudos Avançados de Mediação e Arbitragem. Editora Campus Jurídico, 2014.

[4] GONÇALVES, Hebe Signorini; BRANDÃO, Eduardo Ponte (Org.). Psicologia jurídica no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Nau, 2004.

[5] FALECK, Diego; TARTUCE, Fernanda. Introdução histórica e modelos de mediação. Estudos Avançados de Mediação e Arbitragem. Editora Campus Jurídico, 2014.

[6] GONÇALVES, Hebe Signorini; BRANDÃO, Eduardo Ponte (Org.). Psicologia jurídica no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Nau, 2004.

[7] FALECK, Diego; TARTUCE, Fernanda. Introdução histórica e modelos de mediação. Estudos Avançados de Mediação e Arbitragem. Editora Campus Jurídico, 2014.

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