[1]Claudio Lima da Silva
RESUMO
O presente trabalho tenta abordar os diversos aspectos do Benefício de Prestação Continuada dentro da perspectiva da parca condição dos indivíduos, de forma que o demonstre como uma das hipóteses de materialização do princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana. Assim, o Benefício de Prestação Continuada no qual oferece um salário mínimo aos idosos ou deficientes que se encontram em situação de miserabilidade, tenta proporcionar uma vida mais digna aos indivíduos que preenchem os requisitos legais, apostando na diminuição da pobreza e na redução das desigualdades sociais daqueles que na maioria das vezes se encontram a margem da sociedade por situações extraordinárias e/ou alheias as suas vontades.
Palavras-chaves: Benefício. Pessoa Humana. Desigualdades sociais. Idosos. Deficientes.
ABSTRACT
The present work tries to approach the several aspects of the Continuous Cash Benefit within the perspective of the poor condition of individuals, in a way that demonstrates it as one of the hypotheses of materialization of the fundamental principle of the Dignity of the Human Person. Thus, the Continuous Cash Benefit, which offers a minimum wage to the elderly or disabled who are in a situation of misery, tries to provide a more dignified life to individuals who meet the legal requirements, betting on reducing poverty and social inequalities of those who in the vast majority of cases are on the margins of society, by extraordinary situations and/or outside their will.
Keywords: Benefit. Human Person. social inequalities. Elderly. Disabled.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO. 1- PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 2- BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (ESPÉCIES E REQUISITOS). 3- PROCEDIMENTOS PROCESSUAIS ADMINISTRATIVOS E JURÍDICOS NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA E SEUS RESPECTIVOS ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS NA FLEXIBILIZAÇÃO DO BENEFÍCIO PARA MATERIALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 4- O VÍNCULO EXISTENTE ENTRE O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. CONCLUSÃO. REFERENCIA
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal descreveu Fundamentos básicos que devem ser seguidos pelo Estado Democrático de Direito e pela Sociedade de um modo em geral, de forma que tais mandamentos se tornem alicerces, vigas mestras da nossa ordenação política- jurídica.
De todas as vigas que sustentam a ordenação jurídica brasileira, se destaca o fundamento básico da Dignidade da Pessoa Humana que prevê o Estado como sendo uma organização que deve ser balizada no ser humano, que deve ter a pessoa humana como ponto de partida em qualquer decisão que gere impacto na sociedade.
Dado o alicerce, dignidade da Pessoa Humana, como sua viga principal, a nossa Carta Magna não parou por ai e começou a nortear todo ordenamento jurídico descrevendo dentre os objetivos que devem ser seguido pelo Estado Brasileiro o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, objetivos estes que se encontram cravados no art. 3º, III da Constituição Federal.
Desta forma, com a finalidade de obediência aos comandos constitucionais da Dignidade da Pessoa humana e com a função de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, o Estado Brasileiro criou e cria diversos projetos de Lei, e incentiva as políticas públicas de distribuição de renda como forma de materialização dos mandamentos da Constituição Federal.
Outrossim, dentre diversas outras políticas públicas, que são encaradas como forma de materialização dos artigos acima mencionados, chama atenção a Lei 8742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, dando, entre outros, o direito ao Benefício de Prestação Continuada, em seu art. 20, aqueles indivíduos que preencham os seus requisitos.
Portanto, o presente estudo se debruçará tentando esclarecer o que é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, quais são as espécies de Benefícios de Prestação Continuada enfatizando a sua importância para sociedade Brasileira, demonstrando os procedimentos administrativos e judiciais para concessão do benefício, bem como os entendimentos judiciais que na maioria das vezes relativizam os comandos legais, fazendo um elo com o fundamento básico da República Federativa do Brasil, a Dignidade da Pessoa Humana.
Dignidade é tudo aquilo que merece respeito, qualidade do que é nobre, elevado, de consideração, de honra. Assim, a acepção da palavra Dignidade da Pessoa Humana pode ser entendido como tudo aquilo que oferece respeito a Pessoa Humana, aos indivíduos (Vicente Paulo, 2009, pag.86).
Nesta linha de raciocínio, podemos simplesmente afirmar que o conceito de Dignidade da Pessoa Humana carrega em seu bojo uma complexidade sem tamanho, vez que abarca os conceitos externos e, principalmente, os internos dos indivíduos.
Ao falar de Dignidade da Pessoa Humana, não se pode esquecer que estamos falando de respeito às culturas, aos cultos religiosos, a moral, à psique, e, principalmente, as condições mínimas de sobrevivência dos indivíduos.
Dada a importância que a Dignidade da Pessoa Humana carrega e os anseios sociais para que a “pessoa humana” fosse reconhecida pelo Estado com maior seriedade, que o Constituinte Originário de 1988, cravou no seu artigo 1º, como fundamento tal preceito, de forma que toda a ordem jurídica devesse obediência ao fundamento Constitucional básico da Dignidade da Pessoa Humana.
Diga-se de passagem, que foi a partir deste reconhecimento que os Direitos Fundamentais tiveram um avanço significativo no Brasil e passaram a ocupar o núcleo central das relações jurídicas.
A seriedade do fundamento da Dignidade da Pessoa Humana no ordenamento jurídico brasileiro levou inclusive o seu reconhecimento expresso pelo Novo Código de Processo Civil, no seu artigo 8º, prescrevendo que o magistrado deve atender “aos fins sociais e as exigências do bem comum, resguardando e promovendo a Dignidade da Pessoa Humana”.
Neste viés, é importante mencionar que no plano prático social o reconhecimento de uma vida cada vez mais digna prestada pelo Estado veio através de diversas políticas públicas que tem como ponto central a dignidade das pessoas, de forma que o Estado Brasileiro vem tentando a todo custo, anos após a Constituição Federal, fornecer aos indivíduos uma qualidade de vida voltada ao mínimo existencial.
Temos no Brasil, diversas políticas públicas com a finalidade de materializar o fundamento da Dignidade da Pessoa Humana dentre outros o Programa Bolsa Família, Programa Minha Casa Minha Vida, PROUNI, o Benefício de Prestação Continuada (tema central do nosso estudo).
Portanto, não restam dúvidas de que um Estado Democrático de Direito, como Brasil, deve pautar suas relações no indivíduo, na pessoa humana, de modo que seja no plano legal, seja o plano político, seja no plano interno ou externo todos devem obediência à mola mestra do ordenamento jurídico Brasileiro, que é a pessoa humana.
O Benefício de Prestação Continuada surge como um benefício Assistencial, por meio do art. 20 da Lei 8742/93, com caráter meramente assistencialista, com a finalidade de prestar assistência social aos idosos ou deficientes que se encontram sem condições de manter sua subsistência ou de tê-la mantida por sua família.
Podemos extrair do mandamento legal duas espécies de Benefício de Prestação Continuada: ao Idoso e ao Deficiente. Sendo aquele para pessoas com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, e este para aqueles que apresentem “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, conforme se extrai do art. 20, § 2º da Lei 8742/93.
Como se pode perceber existe na Lei duas espécies de Benefícios que para serem concedidos necessitam do preenchimento de requisitos básicos. Para o Benefício de Prestação Continuada ao Idoso, deve-se estar presente comprovação material de idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, o que é facilmente comprovado com os documentos de identificação do indivíduo. Já para ter direito ao Benefício de Prestação Continuada ao Deficiente necessita-se da comprovação, por meio de perícia médica, da deficiência, do impedimento de longo prazo, que dificulte a participação do indivíduo na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Com o preenchimento dos requisitos acima destacados, é preciso ainda o indivíduo cumprir cumulativamente um segundo e essencial requisito, qual seja não ter condições de prover sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, isto é o estado de miserabilidade.
Aqui se encontra um dos pontos mais debatidos pela doutrina e jurisprudência (próximo tópico), vez que a própria Lei da Assistência Social tratou de descrever o que seria miserabilidade para efeitos do Benefício de Prestação Continuada, enquadrando como aqueles cuja renda mensal per capita familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, é o que nos apresenta o parágrafo 3º, do artigo 20 da Lei Assistencial.
Deste modo, segundo o comando legal, faria jus ao Benefício de Prestação Continuada àqueles que além da idade avançada ou da deficiência, tivesse uma renda mensal familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, atualmente no valor de R$ 249,50 (duzentos e quarenta e nove reais e cinquenta centavos).
Ademais, complementando o conceito de renda, para fins de concessão do Benefício assistencial o art. 4º, inciso VI, do Decreto 6214/2007, com redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011, certifica-se que renda mensal bruta corresponde à “soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada”.
Ainda, prevê o Decreto nº 6214/2007, no seu §2º do art. 4º, que serão desconsiderados para o cálculo da renda familiar os seguintes rendimentos: I – benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária; II – valores oriundos de programas sociais de transferência de renda; III- bolsas de estágio supervisionado; IV – pensão especial de natureza indenizatória e benefícios de assistência médica, conforme disposto no art. 5o; V – rendas de natureza eventual ou sazonal, a serem regulamentadas em ato conjunto do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do INSS; e VI – rendimentos decorrentes de contrato de aprendizagem.
Vale destacar que a Portaria MPAS/SEAS nº 1.524/2002, de 05/12/2002, assegura que a Autarquia previdenciária não considerará, para o cálculo da renda familiar, o valor recebido pelo grupo familiar em decorrência do Programa Bolsa Família.
Cumprido os requisitos destacados é de suma importância saber qual seria o conceito de família, quem seriam seus membros para aferição da renda per capita. A Lei Assistencial não foi omissa neste ponto, descrevendo no seu parágrafo 1º, do artigo 20, que a “família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto”.
Em uma simples análise do dispositivo legal há de se convir que a Lei foi coerente, voltando um olhar para a pessoa humana, ao inserir a madrasta e o padrasto (na falta dos pais), bem como os irmãos solteiros e os filhos de qualquer idade, desde que vivam sob o mesmo teto, no núcleo familiar para fins de avaliação do requisito de miserabilidade exigido pela Lei. Só que ela deveria ter ido além para incluir todas as pessoas que vivam sob o mesmo teto no conceito de família, vez que a família brasileira se encontra em constante mutação, e, para fins de materialização efetiva da Dignidade da Pessoa Humana, deve ser considerado como membros da família todos aqueles que vivam sob o mesmo teto no momento de concessão do benefício.
Outro ponto de destaque no Benefício de Prestação Continuada é que ele não poderá ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou outro regime, salvo o da assistência médica ou pensão especial de natureza indenizatória, conforme prevê o artigo 5º, do Decreto 6.214/07.
O amparo assistencial não gerará, ainda, gratificação natalina nem instituirá pensão por morte, vez que possui índole personalíssima, e deve ser revisto a cada 2 (dois) anos, para que ateste se as condições que ensejaram a concessão do benefício permanecem. Assim, as pessoas que possuem o Benefício de Prestação Continuada, caso estejam superados os requisitos exigidos por Lei, poderão ter seu benefício cancelado a qualquer momento, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa.
O Benefício de Prestação Continuada apesar de ser um benefício assistencial, que não depende do recolhimento de contribuições mensais é mantido e executado pela Previdência Social, por meio do Instituto Nacional do Seguro Social, Autarquia Federal vinculada à união.
Deste modo, os indivíduos que julgam preencher os requisitos para concessão do amparo assistencial, devem se dirigir ao INSS ou aos canais disponibilizados pelo governo federal para protocolar o requerimento administrativo, onde a Autarquia irá verificar o preenchimento dos requisitos para concessão do benefício, por meio de perícias.
No caso do Benefício de Prestação Continuada ao Idoso o indivíduo se submeterá apenas a perícia assistencial, com um assistente social da Autarquia, para aferição da miserabilidade. Já no Benefício de Prestação continuada ao Deficiente, além da perícia com assistente social, o indivíduo passará por perícia médica, com médico da Autarquia, para comprovação da deficiência.
Além da perícia assistencial a Autarquia previdenciária utiliza alguns sistemas do governo para cruzamento de dados, vez que no momento do requerimento o indivíduo declara ao CadÚnico informações para o cálculo de sua renda per capita no qual é utilizado para aferição da miserabilidade conforme prevê o art. 13 do Regulamento do BPC (redação conferida pelo Decreto n. 8.805/2016).
Na concessão do Benefício de Prestação Continuada pela via judicial não há mudança significativa em relação ao procedimento administrativo, uma vez que os indivíduos também passarão por perícias assistenciais ou assistenciais e médicas. A diferença se encontra na sensibilidade e especialidade, na maioria das vezes, dos profissionais auxiliares da justiça e dos próprios magistrados, que voltados a Dignidade Humana visualizam pontos essenciais que são passados despercebidos na via administrativa.
Uma das primeiras relativizações e eficiência na concessão do benefício, realizada pelo judiciário, é aquele no tocante à perícia médica. Aqui na grande maioria das vezes a perícia é realizada por um médico especialista na enfermidade do indivíduo, o que não acontece no procedimento administrativo proposto pelo INSS, e, por isto, se tem uma prova mais bem produzida e um laudo melhor elaborado, onde se tem respostas mais precisas sobre a incapacidade do indivíduo.
Nesta mesma linha o magistrado ao se deparar com as provas dos autos, avalia diversos outros fatores ponderando com maior acuidade o enquadramento do indivíduo no Estatuto da Pessoa com Deficiência, considerando em seu julgamento que a incapacidade para fins do benefício de prestação continuada não pode ser somente aquela que impeça as atividades indispensáveis da pessoa, mas deve ser considerada, além disto, incapacidade que impossibilita o indivíduo de prover seu próprio sustento, é a inteligência, com pitadas de Dignidade, da Súmula 29 da Turma Nacional de Uniformização.
Por outro lado a Turma Nacional de Uniformização, responsável pela interpretação e unificação de jurisprudência deu um passo atrás ao realizar a mutação de um dos seus entendimentos sumulado.
Aqui chama atenção para a sessão ocorrida naquela casa, TNU, em 25/04/2019, que alterou a Súmula 48, que previa que “a incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada”, dando nova redação no seguinte sentido:
Súmula 48 da TNU. Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.
O que se observa é que os magistrados que fizeram a composição da turma tiveram um entendimento mais severo do que aquele unificado anteriormente, de forma que não levaram em total consideração a Dignidade daqueles indivíduos que se encontram incapacitados por um período menor que 2 (dois) anos e que não verteram contribuição a Autarquia Previdenciária, assim estes indivíduos ficam a margem da sociedade por não encontrar amparo no Estado no tocante ao Benefício de Prestação Continuada ao Deficiente.
Porém esta é única crítica, até o momento, no tocante a interpretação e vinculação ao princípio da dignidade da pessoa humana, no que se diz respeito a incapacidade para fins de concessão do Benefício de prestação continuada. Tanto é que o judiciário em diversas outras interpretações orienta os magistrados que quando se depararem com incapacidade de pessoa menor de 16 (dezesseis) anos, por exemplo, deve ser realizada uma análise ampla, de forma a se aferir se a deficiência do menor poderá impactar a sua vida e de sua família a ponto de restringir a suas possibilidades e oportunidades no meio em que vive, é o entendimento do PEDILEF: 200932007033423, Juiz Federal Paulo Ricardo Arena Filho, DOU de 30.8.2011.
Outrossim, a TNU relativiza o critério de deficiência quando se depara com pessoa portadora do vírus do HIV, de forma que no comando sumulado número 78, temos que “comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença”.
Deste modo no que toca a incapacidade na esmagadora maioria das vezes o judiciário aplica com perfeição o fundamento mestre da República Federativa do Brasil, qual seja a Dignidade da Pessoa humana.
Conforme descrito no tópico anterior, um dos temas mais debatidos nos bancos doutrinários e jurisprudenciais no Benefício de Prestação Continuada são os critérios para aferição do requisito econômico, e se pode ser relativizado o comando legal de que miseráveis seriam aqueles com renda per capita igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Antes de adentrar no tema específico há que se destacar que o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento de que o magistrado não está sujeito a um sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual a fixação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do requerente (REsp n. 1.112.557/MG, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 20.11.2009).
Assim, o magistrado deve analisar todos os critérios que circundam o requerente do Benefício e sua família, para somente assim alcançar o verdadeiro sentido da miserabilidade, dando uma real interpretação de acordo com a Dignidade da Pessoa Humana.
Falando em dignidade o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, ao julgar a Reclamação nº 4.374, que aborda o critério econômico para a concessão do benefício assistencial (renda familiar per capita de até 1/4 do salário mínimo), reconheceu a inconstitucionalidade parcial por omissão, sem pronúncia de nulidade e sem fixar prazo para o legislador eleger novo parâmetro (Rcl n. 4.374, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18.4.2013, DJe de 4.9.2013).
Nesta mesma oportunidade, o STF reputou inconstitucional o parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso por violar o princípio da isonomia, ao abrir exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais de idoso, mas não permitir a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário (RE 580.963/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18.4.2013).
Desta forma, apesar de adotados como inconstitucionais, não houve a declaração de nulidade do art. 20, § 3º, da LOAS, e do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso. No entanto, a aplicação desses dispositivos deve ser combinada com o § 11 do art. 20 da Lei n. 8.742, de 1993 (redação conferida pela Lei n. 13.146, de 2015), o qual prevê que poderão ser utilizados outros elementos de prova da situação de miserabilidade do grupo familiar e da condição de vulnerabilidade.
Assim, pode-se dizer que em juízo, o não cumprimento do critério econômico de 1/4 do salário mínimo ou mesmo a aplicação extensiva do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso não enseja mais o acesso ao STF. A existência de miserabilidade deverá ser analisada no caso concreto com base em critérios subjetivos, podendo até serem invocados os que foram declarados inconstitucionais pela ausência de norma substituidora, ou com aplicação de outros parâmetros, tal qual o de metade do salário mínimo previsto para os demais benefícios sociais do Governo Federal. (TRF4, AC 0012820-58.2012.404.9999, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DOU de 16.7.2013).
Corroborando o discorrido acima o Superior Tribunal de Justiça também julgou o tema em dois Recursos Repetitivos fixando as seguintes teses:
Tema 185: “A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo”.
Tema 640: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93”.
Portanto, as jurisprudências dos Tribunais entendem na sua maioria esmagadora pela relativização do critério econômico de ¼ (um quarto) do salário mínimo de forma que deve ser analisado todo o conjunto (critérios objetivos e subjetivos) que envolve o grupo familiar, e excluindo da renda per capita qualquer benefício previdenciário ou assistencial no valor de até um salário mínimo.
O sistema de benefício previdenciário apenas abarca aqueles indivíduos que vertem contribuições, ou seja, não faz jus a benefício previdenciário os indivíduos que nunca contribuíram, ou que não tem carência necessária, ou que perderam a qualidade de segurado para a concessão de um benefício previdenciário.
Só que em um Estado Democrático de Direito, como o Brasil, onde existem diversos comandos constitucionais e infraconstitucionais com a finalidade de preservar a Dignidade da Pessoa Humana não poderia, o Estado, deixar a mercê os indivíduos, idosos ou deficientes, que se encontrem em estado de miserabilidade.
Por isto, o Benefício de Prestação Continuada surge na Lei Assistencial, como um benefício assistencialista, como uma política pública para suprir a lacuna previdenciária, garantir mais dignidade e isonomia aos indivíduos que nunca contribuíram, ou perderam a carência ou a qualidade de segurado para terem direito a um Benefício Previdenciário.
É inconteste que o Benefício de Prestação Continuada é uma das políticas públicas mais eficientes para combater a pobreza e a marginalização de forma a garantir o mínimo existencial aos indivíduos que se encontram com idade avançada ou deficiente.
Assim, a Dignidade da Pessoa Humana é viga de criação do Benefício de Prestação Continuada, vez que a função do benefício é amparar os indivíduos sem condições de manutenção de uma vida com o mínimo existencial nos momentos mais difíceis que se encontram.
Portanto, existe um elo direto entre Dignidade da Pessoa Humana e Benefício de Prestação Continuada, no qual o Benefício foi o meio que o Estado encontrou para equiparar de forma assistencial, mesmo que com o mínimo indispensável à sobrevivência, os indivíduos que não tem condições de manter uma vida Digna e que não fazem jus a um benefício previdenciário.
CONCLUSÃO
Como fora discorrido nos tópicos acima, é possível concluir que o Benefício de Prestação Continuada, reflete de forma direta e favorável na vida dos idosos e deficientes que preenchem os requisitos para sua concessão, e é uma forma essencial e imprescindível de materialização do princípio da dignidade da pessoa humana, para estes indivíduos.
Assim, o Benefício de Prestação Continuada se solidifica como uma das políticas públicas assistenciais de distribuição de renda e preservação do indivíduo nos momentos mais decadentes de suas vidas, e, o Estado, atento ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, tomando-o como referencial para aplicação das normas jurídicas, deve ter cada dia mais cuidado e atenção, voltando os olhos para manutenção e solidificação do Benefício de Prestação Continuada, de forma que os indivíduos que não verteram contribuições ao sistema e que se encontram em estado de miserabilidade estejam amparados no momento da idade avançada e da deficiência.
Portanto, em um Estado Democrático de Direito, o ser humano não pode ser tratado como simples objeto, não pode ser deixado à margem da sociedade nos momentos que mais necessita (idade ou deficiência + miserabilidade), não deve ser visto apenas como uma peça da engrenagem para fazer girar a economia servindo ao Estado apenas nos momentos de glórias. Em um Estado Democrático de Direito o ser humano deve ser tido como referencial para todas as decisões governamentais e, inclusive, nas criações de políticas públicas essenciais, como é exemplo o Benefício de Prestação Continuada, para que somente assim possamos chegar o mais próximo possível do verdadeiro sentido da Dignidade da Pessoa Humana pretendido pelo Poder Constituinte Originário.
REFERÊNCIAS
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CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de direito previdenciário / Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari. – 21. ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.
GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Benefício por incapacidade & perícia médica: manual prático. 2ª Edição. Curitiba: Juruá, 2014.
KRAVCHYCHYN, Jefferson Luis.Gisele Lemos Kravchychyn. Carlos Alberto Pereira de Castro. João Batista Lazzari. Pratica Processual Previdenciária: Administrativa e Judicial. 5ª Edição revisada, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
Vade Mecum Saraiva/obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Cespedes e Juliana Nicoletti. 15 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.
PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 4ª Ed. rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
[1] Bacharel em Direito pela Faculdade Anísio Teixeira de Feira de Santana-BA; Advogado militante na área previdenciária, Administrativa, trabalhista e do consumidor; pós-graduado em Direito da Seguridade Social pela UCAM (Universidade Candido Mendes)-LEGALE; pós-graduando em MBA em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Faculdade Legale -FALEG.
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