Resumo: Esta linhas se propõem a escancarar que inúmeros valores de Direito Ambiental não são aplicados no Sistema Prisional Brasileiro, nada obstante refletirem o direito à dignidade da pessoa humana, princípio constitucional de pedra de nossa Carta Magna. Tal contradição pode facilmente ser reconhecida e ao final será possível enxergar a alternativa viável para o problema. É proposto o enfrentamento do problema pois o cárcere é uma sociedade dentro da sociedade. A violência e a antiética no cometimento do crime não admite que o Estado reaja conforme e na mesma proporção, esta é a abordagem deste artigo. A violência da despersonalização do ser humano, do atentado à dignidade e da total degradação no sistema prisional merecem socorro urgente e caberá ao direito ambiental propor alternativas. Permita-se aceitar o sistema prisional com os valores de Direito Ambiental, tudo para que o preso alcance a dignidade da pessoa humana conferida pela Carta Magna.
Palavras-chave: direito ambiental, prisional, dignidade, direitos humanos
Sumário: I. Introdução. II. O estudo do meio ambiente que engloba carceragens. III.Evolução do meio ambiente prisional. IV. Contexto histórico do meio ambiente prisional. V. Prisões crescentes falência ambiental. VI. Colapso anunciado do sistema atual. VII. Alternativa de ouro é o meio ambiente equilibrado. VIII. Considerações finais. Referências bibliográficas
I. INTRODUÇÃO
O tema desta pesquisa mostra aspectos relacionados ao comportamento de pessoas autoras de crimes, mas que apesar da experiência vivida no cárcere como presidiários, não têm qualquer contato com o que se espera de civilidade ou de respeito aos direitos fundamentais do homem. A bibliografia evidenciou a dificuldade da reinserção do egresso na sociedade em decorrência, principalmente, da natureza do modelo carcerário existente no Brasil e em outros países, posto que o meio ambiente prisional não reflete o que apregoa a Carta Magna do Brasil.
Esta pesquisa relata a importância da participação da sociedade civil organizada na ajuda da construção da cidadania do egresso, importando ao sistema prisional valores do Direito Ambiental, pois como será demonstrado, ele está intimamente ligado ao meio interno e externo de convívio social do preso. O tema é decorrente da preocupação da sociedade em buscar reduzir a violência e ajudar a construir a paz. Ações da mídia impressa e eletrônica, Órgãos Oficiais de Segurança, Ministério Público e do Poder Judiciário, às vezes explicitam o elevado índice de criminalidade, bem como aumento crescente da população carcerária no país, entretanto, em simples análise, é possível encontrar em outras disciplinas, distantes do direito penal, os caminhos que levarão a um sistema eficiente.
Essas referências permitem que muitas questões sejam levantadas. Portanto, recorre-se ao apoio do Terceiro Setor para ajudar o Estado combater a violência, entretanto, ela certamente só pode iniciar pelo tratamento que o preso recebe antes de retornar à sociedade. Levantada a questão, resta indagar: como selecionar os fatores que afetam a decisão do egresso não reincidir no crime, na visão do próprio egresso, de seus familiares e dos grupos de apoio ?
Permita-se encarar o Direito Ambiental como disciplina que pode auxiliar os demais ramos da segurança pública, pois o meio ambiente prisional alcançar á sua finalidade precípua se houver o amparo dos valores desta disciplina, tamanha a sua proximidade com a dignidade da pessoa humana. É muito nunca para uma vida tão curta, aproximar o Direito Ambiental do Sistema Prisional é entender que mesmo com toda distância, todo e qualquer ser humano admira a mesma lua.
II. O ESTUDO DO MEIO AMBIENTE QUE ENGLOBA CARCERAGENS
Certamente nunca se imaginou tratar preso e meio ambiente numa mesma disciplina. Isto posto, o primeiro ponto a ser levantado é a definição do que é “o Meio Ambiente?”. No dicionário meio significa "lugar onde se vive, com suas características e condicionamentos", ao passo que ambiente é "aquilo que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas". Por mais que meio e ambiente sejam entendidos como expressões sinônimas por grande parte da doutrina essa expressão foi muito debatida durante a assembleia constituinte de 88, que preferiu adotar a terminologia considerada redundante.
Não podemos compactuar com o pensamento de que meio ambiente é puramente a natureza estabelecendo uma divisão cartesiana entre o natural e o artificial pois este último parece não fazer parte do Direito Ambiental. Temos que entender que o Direito Ambiental não deve restringir sua aplicação a problemas da natureza, mas sim a proteção de todo o espaço físico necessário para a efetivação da dignidade da pessoa humana, isto posto, também os presídios.
Criando este novo paradigma sobre o que é o ambiente pode-se entender a importância de sua proteção para a efetivação dos direitos constitucionais fundamentais. A tutela do meio significa a proteção do habitat. Se é fácil entendermos a necessidade da preservação do habitat natural para a preservação das espécies animais, deve ser igualmente claro e evidente a obrigação de protegermos o habitat onde o homem se encontra, local que reúne elementos naturais e artificiais. Seja este ambiente do trabalho, escolar, penitenciário, hospitalar.
Qualquer meio que sirva para o homem exercer suas atividades e seguir sua vida deve ser tutelado pelo direito ambiental, pois o espaço físico é tão importante quanto às questões internas no que se diz respeito à garantia da dignidade humana. Atualmente, a doutrina majoritária tem classificado o Meio Ambiente de quatro formas: Meio Ambiente Natural, Meio Ambiente Artificial, Meio Ambiente Cultural e Meio Ambiente do Trabalho.
Faz-se de suma importância essa distinção, visto que na escala classificatória o Meio Ambiente Artificial engloba o Meio Ambiente Escolar, o Meio Ambiente do Lar, entre outros como o Meio Ambiente Prisional. Antes de conceituarmos cada classe de Meio Ambiente, visando tornar mais simples a compreensão do conteúdo, se faz necessário afirmar que as características preponderantes é que vão determinar qual classe de Meio Ambiente determinado espaço se encaixa. Exemplificando essa situação, vemos que um presídio é classificado como Meio Ambiente Artificial.
Nesta classe o que deve preponderar é a artificialidade do ambiente. Por mais que o homem use dos meios naturais para construir o que deseja, ao modificar a substancia da coisa, torna-a artificial. O espaço urbano é o maior exemplo de Meio Ambiente Artificial, devido a sua construção física, de prédios, asfaltos, praças, celas, delegacias presídios, etc. O que não importa em dizer que no meio rural não se possa ter Meio Ambiente Artificial.
Perceba que o presídio também tem contornos de Meio Ambiente do Trabalho pois é o local onde homens e mulheres, agentes prisionais, realizariam suas atividades laborais, cotidianas. Devendo assim ter esse ambiente condições salubres, ausência de agentes que coloquem em risco o corpo físico e a saúde mental dos trabalhadores. Este Meio Ambiente foi previsto pelo legislador constituinte, ao estar disciplinado no art. 200, VIII da Constituição Federal.
III. EVOLUÇÃO DO MEIO AMBIENTE PRISIONAL
A vida em sociedade exige normas disciplinares que constituam as regras indispensáveis ao convívio entre indivíduos que a compõem. Essas regras devem ser respeitadas por todos os integrantes do grupo social. Nos primórdios da humanidade, a prisão servia para assegurar que o infrator não viesse a fugir de seu inevitável destino, a morte, e não possuía o caráter de pena, no sentido técnico jurídico que hoje possui. A punição tinha o duplo condão de proteger não só a segurança e a autoridade do soberano, como também de intimidar os demais cidadãos ao cometimento de novos crimes, razão pela qual as penas eram tão severas, desumanas e cruéis.
O cárcere sempre existiu, e, provavelmente, sempre existirá. Sua finalidade, porém, não é a de hoje, visto que antigamente se destinava à guarda de escravos e prisioneiros de guerra. Os réus não eram condenados especificamente à perda da liberdade por um período determinado de dias, meses ou anos; eram punidos com morte, suplício, degredo, açoite, amputação de membros, galés, trabalhos forçados, confisco de bens. O encarceramento era um meio, não era o fim da punição1.
No século XII, sob iniciativa eclesiástica foram criadas as prisões subterrâneas, destinadas aos opositores da Igreja, clérigos ou não. Até o final do XVIII, o encarceramento era conhecido, embora restrito à finalidade custodial, porquanto os acusados eram mantidos aprisionados até o deslinde do caso concreto, ou seja, a prisão servia não para castigos dos homens, mas para a sua custódia. A justiça era realizada no corpo do infrator, que tinha o povo como principal expectador das cerimônias de suplícios.
Os antigos gregos e romanos deram ênfase ao acorrentamento e à segregação em estabelecimentos especialmente preparados para prender os infratores. A palavra “cárcere”, do latim carcer, designava na Idade Antiga, o local do circo que os cavalos aguardavam o sinal para a partida, nas corridas. Passou depois a designar a prisão, onde se colocavam os escravos, os delinquentes e os vencidos na guerra.
Entenda que as prisões não surgiram como castigo uma vez que não eram consideradas como pena no direito antigo, pois em Roma era denominada como “prisão por dívida”, na qual era objetivada a guardar os homens e não a puni-los. Assim era utilizado o “carcer” em Roma, como uma garantia para a instrução criminal para deter os processados, e a pena para eles ia dos castigos corporais à sucinta execução dos condenados.
Com a característica de pena, a prisão apareceu na Idade Média. Àquela época o Direito Canônico impunha a reclusão para os clérigos que incorressem em infrações eclesiásticas e também para os hereges e delinquentes julgados pela jurisdição da igreja.
No decorrer do século XVI, surgem as denominadas casas de correção a partir da idealização e consecução das primeiras prisões organizadas. Apesar do inegável progresso, ainda no século XVI surgiram as galeras, navios que serviam de prisão, nos quais os presos cumpriam a pena de remar, com dura jornada de trabalho forçado. Vieram, em seguida, os presídios militares em decorrência da necessidade de mão-de-obra para serviços de fortificações.
Devido aos métodos e práticas aflitivas até então adotadas, iniciaram-se as primeiras manifestações populares de repúdio a este meio ambiente de sacrifício, dadas as suas perversidades como forma de combate à delinquência. Fica evidenciado que embora novo, o termo meio ambiente era tratado em outras épocas, mas com outra conotação.
Assim, o suplício tornou-se ligeiramente rejeitável e revoltante, visto da perspectiva do povo, onde ele revela a tirania, o excesso, a sede de vingança e o cruel prazer de punir. Fazia-se necessário que a justiça punisse em vez de se vingar do infrator.
Ainda no século XVIII, passou-se para os presídios de obras públicas, nos quais os prisioneiros eram condenados ao trabalho forçado em canais e prédios públicos, presos a correntes, vigiados por pessoal armado, permanecendo à noite em barracas ao ar livre. No fim do século XVIII e começo do XIX, desapareceu o suplício do corpo como alvo principal da repressão penal, a punição pouco a pouco deixou de ser um espetáculo, sendo que se passou a preservar o corpo, com a exclusão da liberdade por determinado tempo sendo adotada como sanção aos condenados, ou seja, a natureza da prisão se modifica. Entretanto, constata-se que naquele tempo, preocupava-se com o caráter desumano das penas; hoje, a preocupação é com as condições desumanas e insalubres a que são submetidos os presidiários.
Em fins do século XVIII, a prisão vai se transformando no que é hoje, assumindo basicamente três funções: “punir, defender a sociedade isolando o malfeitor para evitar o contágio do mal e inspirando o temor ao seu destino, corrigir o culpado para reintegrá-lo à sociedade, no nível que lhe é próprio”.
Portanto, ocorre a passagem de um regime penal que aponta para destruição do corpo do condenado, sobre o qual se reflete o poder absoluto do monarca, para uma forma de punição que poupa o corpo a fim de quem, na sua produtividade, se evidencie o poder econômico relativo do capitalista. Uma nova concepção de tempo, de um lado, e uma universalização do princípio da troca de equivalentes, do outro, explicam a afirmação histórica paralela do contrato como fixação do tempo de trabalho e da sentença como fixação do tempo de reclusão. Não sendo mais o corpo e o sangue o alvo principal da punição, a supressão da liberdade por determinado lapso começa a ser posta em prática.
Em nossas sociedades, os sistemas punitivos devem ser recolocados em uma certa economia política do corpo, ainda que não recorram a castigos violentos ou sangrentos, mesmo quando utilizam métodos “suaves” de trancar ou corrigir, é sempre do corpo que se trata – do corpo e de suas forças, da utilidade e da docilidade delas, de sua repartição e de sua submissão.
A passagem de uma criminalidade de sangue para uma criminalidade de fraude faz parte de todo um mecanismo complexo, onde figuram o desenvolvimento da produção, o aumento das riquezas, uma valorização jurídica e moral maior das relações de propriedade, métodos de vigilância mais rigorosos, um policiamento mais estreito da população, técnicas de descoberta, capturas, mais informações.
Durante o século XVIII, a população estava concentrada nas cidades se tornava perigosa; como não tinha trabalho e tinha fome, desprendeu-se dos controles sociais feudais, nada tinha a perder e estava geograficamente no mesmo lugar em que se concentravam as riquezas. A riqueza e a miséria concentravam-se nas cidades. Os crimes aumentavam. Era necessário apelar a um controle social exemplar, de contenção.
As práticas de confinamento seriam inauguradas segundo finalidades de vigilância, contenção e de extração da força de trabalho de um contingente humano que se encontrava nas cidades, composto resumidamente de categorias sociais definidas como indesejáveis. Dessa forma, passou-se a perseguição da pobreza e da mendicância.
Com isso, o controle da população miserável era uma necessidade. Era imperioso discipliná-la, adaptando-a ao novo modo de vida da cidade. Assim, através dos asilos foi possível albergar os pobres que não apresentavam riscos à população e através do cárcere foi possível segurar aqueles tidos por perigosos.
Assim, o capitalismo foi fundamental para a criação de instrumentos destinados ao controle e repressão, ante a necessidade de proteção do capital. Dessa forma, instalar mecanismos que promovessem a estreita vigilância às massas, assegurando tanto o controle e a propriedade dos meios de produção como manutenção da ordem, pela prevenção, perseguição e punição das tradicionais formas de mobilização social – os motins e revoltas populares – por representarem uma significativa ameaça à recém-instituída ordem social capitalista, posto que neles era possível identificar expressões de uma costumeira adquirida consciência de classe.
Deste modo, a prisão torna-se peça-chave das novas práticas penais ao relegar ao esquecimento outros tipos de punições. Assim sendo, compreende-se a “naturalidade” da pena prisão, que se torna rapidamente hegemônica e de certo modo incontestável, pois humanizou as punições e definiu o poder de punir como função geral da sociedade.
O elemento vigilância passará, a partir de então, a constituir um ponto sobre o qual a burguesia irá mobilizar suas forças, elegendo a disciplina como o instrumento mais adequado para a realização do ideário do controle contínuo da dominação. O exercício do poder de punir, agora configurado na prisão, mostra-se o mais adequado a nova sociedade, visando à preservação das riquezas.
Vários autores destacam que o advento da pena de privação da liberdade esteve ligado ao desenvolvimento do capitalismo. A prisão surgiu como uma “pré-fábrica”, ou seja, local que eram enviados os criminosos e vadios para transformá-los em operários laboriosos, treinando-os para a rotina de trabalho nas fábricas.
Assim sendo, foi então que houve, como sempre nos mecanismos do poder, uma utilização estratégica daquilo que era inconveniente. A prisão fabrica delinquentes, mas os delinquentes são úteis tanto no domínio econômico como no político, ou seja, os delinquentes servem para alguma coisa. Por exemplo, no proveito que se pode tirar da exploração sexual do prazer sexual: a instauração, no século XIX, do grande edifício da prostituição só foi possível graças aos delinquentes que permitiram a articulação entre o prazer sexual quotidiano e custoso e a capitalização.
De tal modo, constata-se que as formas punitivas de uma sociedade estão intimamente ligadas à sua estrutura econômica. Em épocas de escassez de mão-de-obra, a prisão disciplina os detentos para o trabalho proletário, enquanto que em épocas de excesso de mão-de-obra, assume a forma de pura intimidação e reforço ideológico de uma sociedade desigual. Não havia margem para um meio ambiente prisional que valorizasse o homem e sua dignidade.
A prisão possuía natureza semelhante às demais instituições sociais, diferindo delas tendo em vista que atuava, particularmente, no indivíduo tido por criminoso. Seu escopo era combater a criminalidade e corrigir o criminoso, segregando os agentes infratores de modo a impedi-los de delinquir, e fazendo com que os mesmos retornassem à sociedade reeducados, o que obviamente, não acontecia, e nem acontece.
As prisões, desde os tempos remotos, continuam sem as mínimas condições de salubridade, continuam a violar e atentar contra a dignidade dos presos, tornando-os mais perigosos e propensos a cometer novos crimes. Meio ambiente que passa longe da dignidade da pessoa humana.
Constata-se que a punição e a prisão se originaram de uma tecnologia jurídica do corpo, porém mesmo desaparecendo os suplícios, as revoltas continuaram e o corpo continua sendo o alvo, tendo em vista as precárias condições de saúde a que são submetidos os presos, que há mais de um século lutam contra as condições de vida insalubre; o excesso de população carcerária; a fome; má alimentação; abusos; falta de higiene; proliferação de doenças, dentre outras, ou seja, falta de humanização de pena; e, assim, continua a tecnologia do poder contra o corpo.
Os detentos são jogados em celas sujas, o Estado não lhes presta qualquer assistência, atassalha a lei de execuções penais, como estes poderão, então, voltar à sociedade aptos ao convívio social após uma experiência de meio ambiente deplorável que feriu sua intimidade ? A sensação de injustiça que o detento conhece é uma das causas que podem tornar impossível sua ressocialização. Quando o preso se vê exposto a sofrimentos que a lei não ordenou, e nunca previu, ele entra num estado habitual de fúria contra tudo o que o cerca, só enxergando carrascos em todos os agentes da autoridade.
IV. CONTEXTO HISTÓRICO DO MEIO AMBIENTE PRISIONAL
O mundo, nesses últimos 200 anos, tem passado por intensas transformações materiais, sociais e principalmente tecnológicas. Entretanto, esse avanço não é visto no meio ambiente artificial das penitenciárias, seja para os presos e também para os agentes prisionais. Desde os tempos remotos, a prisão continua sendo um depósito de pessoas pobres e excluídos, que não consegue cumprir com seu principal escopo, de trazer o recluso novamente ao meio social, recuperando-o.
Os sistemas penitenciários clássicos que se desenvolveram nos Estados Unidos da América e na Europa serviram de modelo para outros Estados. O Sistema Pensilvânico nasceu por influência católica dos cárceres monacais da Idade Média, despontando como um novo regime de reclusão na Filadélfia, no ano de 1790, com as seguintes particularidades: “frequente leitura da Bíblia; proibição de receber visitas; isolamento absoluto e constante do condenado; trabalho da consciência para que a punição fosse temida”.
O sistema da Filadélfia, também chamado de Pensilvânia, ou ainda, de sistema celular impunha aos condenados o isolamento 24 horas por dia. Eles dormiam, se alimentavam e trabalhavam nas celas. Pretendia-se estimular o remorso, o arrependimento, a meditação, a oração. Os presos estavam afastados do mundo exterior. O sistema Filadélfia foi o mais famoso como proposta de meio ambiente prisional de eficácia, porque surgiu ligado às inovações políticas do sistema americano e também porque não foi largado ao fracasso imediato e ao abandono; foi continuamente retomado e transformado até as grandes discussões dos anos de 1830, sobre a reforma penitenciária. O desejado arrependimento do preso através do silêncio, da oração e da meditação se mostrou ineficaz. A ausência de cunho ressocializador desse modelo punitivo que, ao invés de preparar o preso para o retorno à vida em sociedade, desta isolava-o, logo se mostrou inoperante.
Para tentar solucionar os problemas do sistema Filadélfia, surge o sistema de Auburn, que foi adotado na penitenciária de Auburn, em Nova Iorque, a partir de 1821. Esse sistema impunha aos presos o trabalho em comum durante o dia, sob absoluto silêncio, punindo com variados castigos qualquer tentativa de comunicação. À noite, o isolamento celular era absoluto para o descanso da labuta diária e como meio de evitar a corrupção dos condenados.
As regras de silêncio eram aplicadas com severidade, o trabalho e a disciplina eram condicionados aos apenados com a finalidade de ressocialização e, via de consequência, de preparação para o retorno ao meio social.
Enquanto, no sistema pensilvânico, o isolamento do preso se dava durante o dia e à noite, no sistema auburniano o isolamento se verificava somente à noite. Em ambos os sistemas o silêncio era absoluto.
Tanto o sistema pensilvânico quanto o auburniano não tinham por intuito a reinserção do delinquente na vida em sociedade, ou seja, a pena não tinha qualquer caráter ressocializador. Na verdade, a grande preocupação era a obtenção do arrependimento do preso por sua conduta delitiva, o que, efetivamente jamais ocorria.
O sistema auburniano também tinha a função de sustentar o capitalismo, com mão-de-obra barata e sem o poder de reivindicação dos trabalhadores livres. Esse sistema entrou em declínio quando os sindicalistas americanos passaram a desenvolver campanhas contra a compra de produtos produzidos pelos detentos, tendo em vista que os sindicalistas alegam haver concorrência desleal.
Na Europa surge o Sistema Progressivo de Montesinos, idealizado na Espanha por Manoel Montesinos y Molina em 1835, em decorrência da humanização das penas. Aos condenados, era aplicado o tratamento penal humanitário, objetivando a regeneração do recluso. Por este sistema, foram suprimidos, definitivamente, os castigos corporais, e os presos tinham seu trabalho remunerado. O que pode ser considerado um grande avanço para época.
Por meio do sistema progressivo, a execução da pena passou a ser feita em etapas decrescentes, iniciando-se com o isolamento do preso e findando com a sua liberdade. A execução da pena dividia-se em três fases distintas: a) do ferro, em que os presos faziam, embora acorrentados, serviços de limpeza e outros no interior da unidade; b) do trabalho, em que podiam escolher a oficina onde executariam suas tarefas; c) da liberdade intermediária, com direito à visita a familiares e trabalho externo.
Em 1840, surge o Sistema Progressivo Inglês sendo seu criador o Capitão da Marinha Real Inglesa Alexander Maconochie que, sensibilizado com as péssimas condições dos presos, resolveu idealizar um sistema diferenciado que representasse a substituição dos anteriores sistemas de repressão. Para tanto, restou estabelecido aos apenados o esquema de marcas ou vales. A duração da pena, não era fixada pelo juiz na sentença condenatória, entretanto estava associada a três etapas distintas: medida em razão do trabalho, da boa conduta do condenado e levando em conta a gravidade do delito praticado.
Nesse sistema não havia aplicação de castigos corporais ou severidade na execução da pena. O preso por sua boa conduta e trabalho era o único responsável pela conquista de sua liberdade.
O modelo progressivo inglês foi aperfeiçoado na Irlanda, onde surgiu o sistema Progressivo Irlandês, no qual se incluiu, entre as fases estabelecidas na ilha Norfolk, um quarto estágio: a prisão intermediária, na qual antes de adquirir a liberdade condicional, o preso trabalhava ao ar livre, em estabelecimentos especiais, sem os rigores da prisão fechada. A passagem de uma classe para outra, significava uma evolução do isolamento celular absoluto para um estágio mais liberal, propiciando a aquisição gradual de privilégios e recompensas materiais, maior confiança e liberdade. O sistema progressivo de cumprimento da pena se espalhou pelo mundo.
A bem da verdade, o sistema progressivo não é mais adotado como fora inicialmente idealizado, mas hoje, diversas legislações do mundo prevêem a execução da pena mediante etapas (regimes de cumprimento de pena) até o apenado atingir da liberdade, numa espécie de progressividade.
No Brasil, a execução da pena privativa de liberdade é feita de forma progressiva, acrescentando a observação e o trabalho (em poucos estabelecimentos prisionais), e isolando o detento durante a maior parte do dia. Nos presídios brasileiros, o ambiente insalubre contribui com a não recuperação do detento, pois o Estado não lhe alcança direitos fundamentais, apenas o exclui da Sociedade e o submete a condições de degradação. Isso ocorre devido a não existir mecanismos que levam os detentos à ressocialização, e que os reabilitam para o convívio em sociedade.
As péssimas condições dos presídios, superlotação, e nenhuma condição de salubridade ambiental e dignidade humana, somadas a inexistência de políticas públicas contribuem para a alta taxa de reincidência, fazem com que os presos retornem à sociedade mais brutalizados, com um sentimento de vingança, e não ressocializados.
O cárcere sem valores do direito ambiental é uma instituição totalitária, que, com o passar do tempo, deforma a pessoa e acentua seus desvios morais. A condição de encarceramento pode até ser melhorada; todavia, na essência, a prisão continuará a mesma, um atentado à condição humana. Os meios mais seguros para tornar indivíduos melhores são o trabalho, estudo e a disciplina, o que, infelizmente, não é posto em prática como política no sistema penitenciário brasileiro.
V. PRISÕES CRESCENTES, FALÊNCIA AMBIENTAL
O maior rigor das leis penais e o problema estrutural, que não acompanha a dinâmica social, e a mudança da legislação, contribuem para o abarrotamento das cadeias, visto que no Brasil constata-se uma lógica invertida, tendo em vista que todos os dias são criadas novas leis, cada vez mais penalizadoras, e poucas são as iniciativas para a construção de presídio para alocar os presos provenientes do maior rigor da legislação penal. O meio ambiente não é pensado da rapidez que evolui a criminalidade.
O maior rigor das leis penais não tem o condão de diminuir a criminalidade. Da mesma forma, os presídios praticamente não ressocializam os detentos. A população carcerária brasileira cresce em torno de 7% ao ano, não obstante a criação de vagas nas penitenciárias não acompanhe esse crescimento; é assustadora a elevada e crescente reincidência no sistema prisional, que causa a superlotação penitenciária, que tem como consequência a inexistência de direitos nas prisões. A inexistência de ressocialização, e o não oferecimento de uma sadia qualidade de vida aos detentos – meio ambiente saudável- são umas das causas da elevada reincidência.
Os políticos imaginam erroneamente que todas as demandas da sociedade podem ser resolvidas e/ou enfrentadas com a simples edição de leis, mormente aquelas relacionadas aos desvios de conduta de qualquer natureza. Ao contrário, o tamanho da população carcerária é uma questão normativa. O oferecimento de respostas emergenciais ao delito, a partir de uma inflação legislativa que visa à contínua supressão dos direitos e garantias dos acusados e presos, é revelador do caráter populista do qual a política criminal contemporânea tem se revestido, e, mais que isso, da dimensão totalitária dessa intervenção.
O monopólio bem-sucedido dos meios de violência por parte dos estados modernos repousa sobre a manutenção secular de novos códigos de lei criminal, mais o controle supervisório de "desvios”. Nessa senda, a ideologia da repressão criminal, com ênfase no aprisionamento, tem sido a panacéia para resolver todos os conflitos sociais. Dessa forma, a população carcerária do Brasil não para de crescer, e os problemas nos presídios só aumentam. Assim sendo, não há como os presos terem dignidade e viverem em um ambiente saudável, no qual lhes seja prestado assistência à saúde. A falta de assistência e o ambiente insalubre causam a aceleração da difusão da tuberculose, do vírus HIV e a proliferação de inúmeras doenças entre os detentos.
Com isso, o país está criminalizando a miséria, como fez o EUA, sem obter qualquer redução da criminalidade. A tendência, em breve, é que ocorra a privatização das penitenciárias brasileiras com uma maior criminalização de indivíduos pobres, da mesma forma que ocorre nos EUA e em outros países, onde o sistema penitenciário é muito lucrativo aos empresários. Em suma, a adoção de medidas norte-americanas de aprisionamento maciço dos pobres, só tende a agravar os males que atingem a população carcerária brasileira.
A maioria dos detentos que superlota os presídios brasileiros é oriundo de uma cultura marginal e não tem acesso a direitos básicos e políticas sociais. Ademais, o sistema penal se encontra a serviço do poder e classes dominantes e que “continuam sendo o núcleo fundamental do controle social”.
Se a prisão ainda existe é porque apesar das críticas que lhe são dirigidas desde o início (não diminui a taxa de criminalidade, provoca a reincidência, fabrica delinquentes), ela desempenha funções importantes na manutenção das relações de poder na sociedade moderna – na verdade, a principal função desempenhada pela prisão é que ela permite gerir as ilegalidades das classes dominadas, criando um meio delinquente fechado, separado e útil em termos políticos.
Assim sendo, a prisão transforma a criminalidade em uma das engrenagens essenciais da maquinaria de poder disciplinar que permearia a sociedade moderna.
As maiores companhias envolvidas no atual negócio das prisões: a Corrections Corporation of América – CCA e a Wackenhut Corrections Corporations, ambas atuando em países como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Austrália e Porto Rico e segundo suas previsões, num futuro próximo, ambas devem expandir os negócios rumo à América Latina e ao Leste Europeu. As duas empresas detêm 3/4 do mercado global das prisões.
O sistema prisional está centrado preponderantemente na premissa da exclusão social do criminoso, visto como perigoso e insubordinado. O confinamento e a vigilância a que está submetido é estrategicamente ordenado por mecanismos de opressão. Isto faz com que o estado coloque nas prisões presos, às vezes, nem tão perigosos, mas que no convívio com a massa prisional iniciam um curto e eficiente aprendizado de violência, corrupção, promiscuidade e marginalidade, manifestada quer no comportamento dos presos, quer no dos agentes incumbidos de preservar a ordem interna.
Ao entrar no sistema penitenciário, o acusado/sentenciado deve adaptar-se, rapidamente, às regras da prisão. Seu aprendizado, nesse universo, é estimulado pela necessidade de se manter vivo e, se possível, ser aceito no grupo. Portanto, longe de ser ressocializado para a vida livre, é, na verdade, socializado para viver na prisão. Esta a visão equivocada de adaptação ao meio ambiente oferecido pelo Estado ao preso.
O Estado brasileiro também descobriu que criminalizar é expediente fácil para garantir o sucesso das políticas liberais adotadas. Encarcerando uma população considerada desviante e perigosa como supérflua, o Estado exclui as massas pobres.
Durante uma boa parte do século XX, a expressão abertamente confessada do sentimento de vingança foi virtualmente tabu, pelo menos da parte dos representantes do Estado, mas, nesses últimos anos, tentativas explícitas de expressar a cólera e o ressentimento do público tornaram-se um tema recorrente da retórica que acompanha a legislação penal e a tomada de decisões. Os sentimentos da vítima, ou da família da vítima, ou um público temeroso, ultrajado, são agora constantemente invocados em apoio a novas leis e políticas penais. O castigo – no sentido de uma sanção significativa que apela para o sentimento do público – é uma vez mais um objetivo penal respeitável, abertamente reivindicado.
É neste contexto de avanço das medidas penais como pretensa solução para toda sorte de conflito social, ou ainda de substituição da política criminal pela política pena100. Assim, a prisão tem sido utilizada para a neutralização e exclusão, ou seja, para retirar da sociedade as massas marginalizadas – mendigos, negros, pivetes, moradores de rua, bêbados, drogados, loucos, homossexuais, prostitutas, travestis – que são vistos como “perigosos” ou “indesejáveis”, que mereceriam o maior rigor da Lei.
O sistema penitenciário brasileiro que não pensa o meio ambiente artificial do encarcerado, não está preparado para atender as demandas deste crescente encarceramento, que é muito onerosa para o Estado. Assim, não existem quaisquer condições dos detentos viverem em um meio ambiente saudável, com as prerrogativas constitucionais asseguradas, sendo flagrante o desrespeito à dignidade humana. O homem segregado deve somente perder sua liberdade e nada mais. A ação governamental na área prisional para garantir saúde aos presos é praticamente inexistente.
Ademais, constata-se uma imposição no imaginário popular em decorrência da influência midiática, de estigmatizar como criminosos atos que são vistos como indesejados, como incômodos para determinados segmentos sociais, e, o que é extremamente alarmante e perigoso – quando o criminoso é visto como parte de outra raça, como algo não humano. De tal modo, a realidade do sistema carcerário brasileiro não podia ser outra, podendo até compará-la a um campo de concentração, no qual os indivíduos são enviados para sofrerem, serem castigados e depois morrerem.
Nesse sentido, tem-se que o maior rigor das leis penais não cumpre seu principal objetivo de diminuir a criminalidade, não obstante seja um dos causadores da superlotação dos presídios no Brasil. O maior encarceramento não tem, portanto, relação direta com o aumento das práticas criminosas, mas sim com o aumento dos miseráveis, totalmente excluídos do universo do trabalho.
Portanto, o controle penal expande-se através da edição interminável de leis penais que incriminam novas condutas e do tratamento cada vez mais severo e seletivo destinado ao infrator. Enfim, no Brasil observa-se que o “Estado Providência” sucumbe frente ao “Estado Punitivo”, onde a assistência social dá lugar à atuação policial e carcerária. Esse novo paradigma altera a imagem das classes populares carentes de políticas sociais e os configura como inaptos e rejeitados, quando não simples parasitas do Estado.
As políticas penais de excluir as ruas de criminosos, que atentam contra, principalmente – a propriedade privada e que praticam pequenos delitos – e jogá-los nos presídios, pode ser traduzida como uma nova cruzada moral burguesa, de intenso viés autoritário, abalizada não apenas na mera sensação de impunidade, mas, sobretudo, na necessidade liberal de excluir os problemas sociais, e de criar ambientes seguros para o consumo e para o investimento. A realidade e radiografia dos presídios brasileiros, que será demonstrada no capítulo a seguir, corrobora que a punição (prisão) deveria funcionar para melhorar as pessoas, mas na realidade, ocorre o inverso, visto que o sistema penitenciário brasileiro está em convulsão, pois as assistências previstas em Lei não são asseguradas aos presos.
VI. COLAPSO ANUNCIADO DO SISTEMA ATUAL
As ideias de "Estado" e de "Direito Penal" surgem a partir da necessidade de que os conflitos entre os seres humanos pudessem ser regrados e tratados impessoalmente em uma esfera pública. Assim, a modernidade se forma também ao se estabelecer uma sanção para aqueles que violam o pacto social e transgridem as normas legais. Mas entenda que o fato de alguém transgredir as normas praticando um ilícito penal, por exemplo, não autoriza a vingança. O Estado é chamado para dirimir o conflito. Após o julgamento através dos meios legítimos e legais, e, chegando-se a conclusão de que certa conduta é ilícita, portanto, contra as regras estabelecidas pela sociedade, é chegada a hora de pagar pelo mal que se fez.
O indivíduo, agora apenado, prestará contas à sociedade através de sua reclusão. A partir desse momento, é como se desse adeus ao mundo real para adentrar num novo mundo, numa nova comunidade cheia de regras, de costumes, com um código de ética que indicará como se deve portar. Os presídios de forma geral em todo o Brasil funcionam com lotação 25% acima do limite permitido, e em condições desumanas, meio ambiente surreal e falido, o que explica facilmente as sucessivas rebeliões em quase todos os Estados brasileiros.
Trata-se de um problema crônico, de difícil equacionamento, pois exige investimentos financeiros elevados, da ordem de R$ 4 bilhões ao ano, além de efetiva vontade política e mesmo de respeito ao ser humano, pois, afinal, o primeiro reconhecimento que a sociedade precisa ter é de que seus presos continuam sendo seres humanos que merecem um meio ambiente afeto à dignidade da pessoa humana.
No Brasil, contudo, preso é considerado apenas e tão-somente bandido. E, como tal, é tratado quase como um animal. Valores de direito ambiental passam longe prevalecer nesse ambiente caótico. Todo o sistema prisional brasileiro está falido e funciona à revelia da sociedade e sob a ostensiva e continuada omissão dos governantes. Um jogo de empurra entre o governo federal e os estaduais.
Essas instituições nada mais são do que um verdadeiro curso de pós-graduação da criminalidade gerada muitas vezes pela condição de sobrevivência. A grande maioria vive uma rotina de violência e meio ambiente deplorável, a começar pelo espaço físico, pela ocupação com trabalho e com estudo, até considerações mínimas de higiene como a indisponibilidade de papel higiênico e sabonete, sem qualquer lembrança ao princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, verdadeiras reinvenções do inferno.
As atuais condições, particularmente a superlotação e as práticas violentas, fazem dos presídios brasileiros instituições que expressam o mal radical de um meio ambiente artificial perverso Por conta disso, o presídio é um dos fatores mais operantes da criminogênese fazendo do crime um círculo vicioso sem fim.
O ingresso no cárcere não permite qualquer contato entre o apenado e o mundo exterior, até porque o objetivo é excluí-lo completamente do mundo originário, a fim de que o internado absorva totalmente as regras internas, evitando-se comparações, prejudiciais ao seu processo de "aprendizagem". Dentro da instituição carcerária, o ser humano é "desprogramado" por um processo desumano, que começa com sua recepção, por meios de rituais, conhecidos, como "boas vindas", onde a equipe de supervisão, o grupo de internados, ou ambos, procurar deixar de forma bem clara a sua situação inferior no grupo em que está adentrando.
Ao ser "admitido" no presídio, após passar pelo seletivo processo de recrutamento do sistema penal, entre as pessoas mais pobres, minorias, humildes e sem instrução, o indivíduo é despido de sua aparência usual, ele é identificado, "recebe um número", é tirada a sua fotografia, impressões digitais, distribuídas roupas da instituição, resumindo, um verdadeiro processo de 'despersonalização'.
O indivíduo não é mais um indivíduo, ele passa a ser uma engrenagem no sistema da instituição, e que deverá obedecer todas as regras da mesma, e caso não o faça, será "reeducado" pelos próprios companheiros ou pela equipe de supervisão. Além da deformação pessoal que decorre do fato de a pessoa perder seu conjunto de identidade, existe a desfiguração pessoal que decorre de mutilações diretas e permanentes do corpo – por exemplo, marcas ou perda de membros. O importante é deixar claro ao indivíduo que o mesmo está num meio ambiente que não garante sua própria integridade física.
Esse processo de "desprogramação do indivíduo" é fruto do meio ambiente impróprio de gestão do meio artificial e, muitas vezes, chegada à época de saída do presídio, com o cumprimento final de sua pena, são relatados casos se ansiedade, angústia e medo de se adaptarem novamente a sociedade, haja vista que estão perfeitamente adaptados às regras de sua instituição total, da sociedade carcerária.
Os presos brasileiros são normalmente forçados a permanecer em terríveis condições de vida nos presídios. Devido à superlotação, muitos deles dormem no chão de suas celas, às vezes no banheiro, próximo ao buraco do esgoto. Nos estabelecimentos mais lotados, onde não existe espaço livre nem no chão, presos dormem amarrados às grades das celas ou pendurados em redes. A maior parte dos estabelecimentos penais conta com uma estrutura física deteriorada, alguns de forma bastante grave.
A LEP prevê um meio ambiente de qualidade mínima em que os detentos sejam mantidos em celas individuais de pelo menos seis metros quadrados. De acordo com essa norma, muitos dos presídios brasileiros possuem celas individuais em toda ou boa parte de suas áreas de reclusão. Mesmo assim, a superlotação superou os planos originais: ao invés de manter um preso por cela, as celas individuais são normalmente usadas para dois ou mais detentos. Além de celas individuais, grande parte dos presídios possui celas grandes ou dormitórios que foram especificamente planejados para convivência em grupo.
Muitos estabelecimentos penais, bem como muitas celas, e dormitórios têm de duas a cinco vezes mais ocupação do que a capacidade prevista pelos projetos. Em alguns estabelecimentos, a superlotação atingiu níveis desumanos, com presos amontoados em grupos. Essa superlotação gera sujeira, odores fétidos, ratos e insetos, agravando as tensões entre os presos. Os detentos são responsáveis por manter as dependências limpas e, obviamente, alguns fazem o trabalho melhor do que outros: quanto mais lotada a cela, mais difícil à tarefa.
Nos presídios, a distribuição do espaço não segue regras, o que significa que o pior da superlotação recai de forma desigual sobre certos presos. Isto é, algumas celas ficam completamente lotadas enquanto outras têm uma ocupação mais equilibrada. No geral, presos que são mais pobres, mais fracos ou menos influentes tendem a viver em dependências com condições proporcionalmente menos habitáveis. A superlotação, que aqui chamo – panela de pressão – gera a degradação desses indivíduos. A violência que os levou para a prisão multiplica-se lá dentro gerando o caos, o colapso do sistema penal. E assim, concretizando ainda mais a violência, explodem as rebeliões.
Uma das acepções de violência significa tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser. (é desnaturar) É justamente isso que o cárcere faz com o indivíduo. Trata-o como seres irracionais, insensíveis, mudos, inertes e passivos, trata-o não como humano e sim como coisa fazendo-lhe violência nas mais diversas esferas.
É preciso que os criminosos sejam persuadidos a não reincidirem e os cidadãos estimulados a não violarem os preceitos legais postos administrativa e judicialmente, pois a pressão é necessária, a violência não, devendo o Estado, assumir a sua parcela de responsabilidade, com a adoção de Políticas Sociais adequadas para combater a miséria, desemprego, e também o fornecimento de uma Segurança que haja persuadindo os cidadãos a cumprirem leis cujo conteúdo fático reconheçam, dando-lhe legitimidade e efetividade social plenas e não o mero obedecer pelo medo, pois o que se teme nem sempre é o que se respeita.
VII. ALTERNATIVA DE OURO É O MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO
O termo “ética” significa a ciência da moral. E “moral”? Significa costumes, isto é, comportamentos tidos por normais e, portanto, aceito pela comunidade ou sociedade. Conforme se vê, as regras da moral, de fato, só podem ser relativas, pois um ato que se taxa de “mau” em nossa comunidade, deste lado da fronteira, na comunidade vizinha, do lado de lá, pode não ser e pode até ser aceito como sendo “bom”. Num grupo de terroristas, por exemplo, a maior virtude é a perversidade mais hedionda.
Como estamos diante de um conceito relativo, cada sociedade faz a sua ética, a sua moral. A penitenciária é uma sociedade dentro da sociedade com suas regras e valores próprios. Quem vai chegando se adequa a realidade ali estabelecida. Normalmente, as casas de detenções são divididas em castas de acordo com o nível da criminalidade. Essa divisão é feita pelos próprios detentos – a marginalização dos marginalizados.
Tatua-se o corpo de acordo com o crime, com a quantidade de pena e torna-se praticamente um troféu. Percebe-se aqui uma realidade totalmente desvirtuada. Estupradores, homicidas de crianças, autores de crimes mais bárbaros são descriminados pela sociedade carcerária. A celebração de “acordos” pela sobrevivência é comum e de certo modo, necessário. Quem chega tem de saber quem “manda no pedaço” se não pode pagar caro, às vezes com a própria vida. Em troca de proteção, o “calouro” tem de se submeter às regras impostas. Os favores são pagos com cigarros, drogas ou qualquer objeto com “valor carcerário”.
Vale lembrar também, que a aparente tranquilidade do sistema penitenciário é garantida por um acordo firmado entre agentes de segurança penitenciária e presos: o preso se compromete a não fugir e a não se rebelar em troca de "favores", como a entrada de armas, drogas e telefones celulares. Se esse "acordo" de fato existe, ele pode estar começando a ser rompido. As autoridades responsáveis pela área não podem, em hipótese alguma, tolerá-lo, na suposição de que, pelo menos, ele evita o mal maior das rebeliões.
Os problemas aqui levantados mostram que o sistema penitenciário tornou-se uma verdadeira panela de pressão e que, se não forem tomadas providências urgentes, estaremos trilhando a passos largos, o perigoso caminho, não da roça, mas caos completo.
O crime é concebido e tratado pelo Estado e pelo sistema, não propriamente como uma ofensa à vítima, mas como uma infração a norma penal, passando a ser uma dívida com o Estado. Cumprida essa pena, considera-se que o condenado pagou sua dívida perante a justiça e o Estado. Entretanto, o mero cumprimento dessa dívida, ou, sobretudo, da pena privativa de liberdade nada tem a ver com a resolução do conflito entre o condenado e a sociedade.
Aliás, a pena privativa de liberdade, não só em nada contribui para a resolução do conflito, como pelo contrário, dado seu caráter repressivo, de exercício legitimado do domínio e do poder, dado seu caráter de degradação, deterioração e despersonalização do condenado, fatalmente contribui para a atualização do conflito fundamental e agravamento de conflitos atuais.
Propõe-se em seu lugar a reintegração social, que seria todo um processo de abertura do cárcere para a sociedade e da abertura da sociedade para o cárcere, de tornar o cárcere cada vez menos cárcere, processo no qual a sociedade tem um compromisso, um papel ativo e fundamental.
A reeducação do sentenciado consiste em aquisição de uma consciência política sobre as contradições da sociedade, sobre as relações de domínio e de poder, sobre as condições das classes subalternas e os motivos dessas condições. Seguem duas propostas simples cuja sistematização preserva valores de um meio ambiente artificial saudável, equilibrado e totalmente recomendado para solucionar a crise do sistema prisional brasileiro:
a) Identificação do meio ambiente externo ao apenado: consiste em identificar os pontos vulneráveis diante dos obstáculos que suas condições familiares, escolares e sociais lhe ofereceu. O objetivo é levar o apenado a se conscientizar de seus conflitos, dos conflitos que surgem na dinâmica da sua inserção no meio social e sobre as reais consequências das respostas que ele dá aos mesmos fora do presídio.
b) Reconhecimento de um meio ambiente interno de qualidade: a reaproximação cárcere-sociedade consistiria em medidas e iniciativas concretas, com estímulo a saídas temporárias, serviços internos, pagamento pelos seus dias no presídio com trabalhos habituais, desenvolvimento de programas de debate entre grupos da comunidade, estudo habitual e grupos de preso.
Pois bem, nesta sequência de conflitos, o crime é a modalidade de resposta, nas tentativas que o homem faz para solucionar o conflito vital de fazer valer os seus direitos, dentro de uma história em que quase tudo lhe foi negado. O preso não deve ser considerado como um objeto, como alguém a receber ajuda, mas como um sujeito pensante que vive e merece um meio ambiente estimulante e renovador.
Dessa forma, a esperança de reintegração social é um forte mobilizador da melhora, enquanto a desesperança é fonte de desistência. O criminoso não é só um criminoso, mas antes de tudo um ser humano que não apenas tem seus direitos garantidos na Magna Carta como têm direito natural de viver em sociedade, produzir e retomar sua posição após ser punido.
VIII. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estas linhas demonstraram que só é possível garantir a Dignidade Humana do indivíduo oferecendo proteção jurídica ao ambiente no qual ele se encontra, não seria diferente no ambiente prisional. Os direitos subjetivos se complementam com os direitos ambientais e por isto estes devem ser ressalvados e tutelados judicialmente pelos princípios e garantias constitucionais do Direito Ambiental. O conceito de Meio Ambiente, portanto, deve ser o mais amplo possível e para que isso se concretize é necessária uma mudança doutrinária que expanda a classificação hodierna dos do meio ambiente, ampliando consequentemente as áreas protegidas pelo Direito Ambiental.
Indispensável que os operadores do direito utilizem o Direito Ambiental como fundamento jurídico de proteção de diversos ambientes que atualmente não encontram proteção neste ramo do direito. Caberá à doutrina ambientalista brasileira ampliar seus horizontes e aproximar-se aos demais ramos, pois seus princípios são louváveis, primeiramente, em razão do princípio máximo da nossa Carta Magna, a Dignidade da Pessoa Humana.
O Direito Ambiental é abrangente e causa paixão no primeiro contato, seja ao universitário, pesquisador ou profissional do direito, isto posto, certamente, os princípios de Direitos Humanos seriam melhor efetivados e concretizados se caminhassem juntos com os valores de meio ambiente sustentável, saudável e equilibrado para todo ser humano.
Fica evidente a grande importância dessa área especializada do direito, em que a interdisciplinaridade – sendo umas de suas características fundamentais – visa precipuamente à proteção do meio ambiente em seu significado mais abrangente, inclusive no meio prisional. A interdisciplinaridade nesse contexto deve ser entendida como um sistema com um alto grau de cooperação entre as disciplinas conexas às questões ambientais, de forma que o conhecimento obtido no final do processo interativo resulte em um axioma comum a todas elas.
Vale frisar que não se confunde com a multidisciplinaridade, pois ela não passa de um eventual agrupamento de disciplinas, sem haver verdadeira interação entre elas. O direito ao meio ambiente é pressuposto para o atendimento de outro valor fundamental – o direito à vida do ser humano que cumpre pena em parte da sua vida. Desta forma, sem condições de uma vida digna, saudável e com qualidade neste período de punição, ou seja, não tendo o mínimo necessário de condições, toma-se impraticável a o exercício dos demais direitos e uma perspectiva de ressocialização.
O direito ambiental brasileiro está vinculado à dignidade do ser humano, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, à soberania, à cidadania e ao pluralismo político. Assim, ao direito ambiental cumprirá assumir e vencer os desafios que a cada dia aumentam em proporções geométricas, exigindo-se mais especialização e integração dos conhecimentos para a superação dos obstáculos que surgem no dinamismo da vida. Dar contornos de um ambiente saudável no sistema prisional é pedir por mais cor, por favor.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRITO, Rafael Almeida Cró. Formação Humanística. São Paulo. Editora Nelpa, 2010.
CAETANO, Eduardo Paixão. Solidariedade: o vetor constitucional da educação ambiental de vanguarda. Brasília: Conteúdo Jurídico, publicado em 07/10/2015.
CAETANO, Eduardo Paixão. Consciência agrária e ecológica no enfrentamento das pessoas jurídicas criminosas e ambientalmente irresponsáveis. Rio Grande-RS: Âmbito Jurídico, publicado em 23/07/2015.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2006.
RODRIGUES, Geisa de Assis. O Direito Constitucional Ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Revista do Advogado (AASP). Março 2009.
Professor de Ciências Criminais. Delegado de Polícia Judiciária Civil. Mestrando em Direito Ambiental Especialista em Direito Público Pós-graduado em Direitos Difusos e Coletivos em Segurança Pública Especialista em Direito Penal e com certificação de MBA Executivo em Negócios Financeiros
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