Direito Marítimo: Nacionalidade, bandeira e registro de navios

1. REGISTRO DE NAVIOS


O registro da propriedade das embarcações determina a sua nacionalidade. Efetuado o registro a embarcação estará habilitada a arvorar o pavilhão do Estado de Registro, além de ter a proteção no alto-mar e de outras vantagens inerentes à nacionalidade. Hasteando a bandeira de uma nação, o navio passa a ser parte integrante do território dela, nele dominando as suas leis e convenções internacionais ratificadas pelo Estado de Registro.


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A Convenção das Nações Unidas Unidas sobre Direito do Mar (CNUDM III), art. 91, exige que haja um forte elo de ligação entre o Estado do pavilhão e o navio preconizando que Estados signatários deverão estabelecer os requisitos necessários para a atribuição da sua nacionalidade a navios, para o registo de navios no seu território e para o direito de arvorar a sua bandeira.


Destarte, os navios possuem a nacionalidade do Estado cuja bandeira estejam autorizados a arvorar, devendo existir um vínculo substancial entre o Estado do Registro e o navio.


Infere-se que o princípio da nacionalidade dos navios apresenta dicotomia de aspectos: i) o aspecto de direito interno, que concerne às condições que fixa cada Estado para outorgar o uso de seu pavilhão e ii) o aspecto atinente ao direito internacional e que, coincidentemente, condensa um recurso técnico que visa organizar a juridicidade no alto-mar atrelando a conduta nos navios ao ordenamento do Estado da Bandeira.


      Considerando as condições e pressupostos adotados pelos diversos países, os registros das embarcações podem ser classificados em Registros Nacionais e em Registros Abertos.


Nos Registros Nacionais o Estado que concede a bandeira mantém um efetivo controle sobre os navios nele registrados, mantendo-os atrelados à sua legislação.[1]


Os regimes Abertos se dividem em Registros de Bandeira de Conveniência e Segundos Registros.


Os Registros Abertos de Bandeiras de Conveniência (BDC)se caracterizam por oferecerem total facilidade para registro, incentivos de ordem fiscal, não imposição de vínculo entre o Estado de Registro e o navio. Ademais, tais Estados não exigem e nem fiscalizam, com o devido rigor, o cumprimento e a adoção das normas e regulamentos nacionais ou internacionais sobre as embarcações neles registradas. Simultaneamente às vantagens econômicas oferecidas por tais registros ainda se elenca legislações e regulamentos menos severos sobre segurança e equipamento de bordo. não exigem nenhum vínculo entre Estado de Registro e navio . A não exigência de vínculo do Estado da Bandeira com o navio e a não observância de legislações e regulamentos severos concernetes à segurança da navegação e obrigação de fiscalizar dos Estados decorre do fato dos Estados que concedem bandeira de conveniência não serem signatários ou não cumprirem os preceitos da CNUDM III e de outras convenções internacionais de extrema importância no cenário da navegação, como a MARPOL, SOLAS 1974, CLC/69, dentre outras.Neste contexto competitivo, é menor a influência do direito custo, ou seja, das normas de direito que interferem no custo do frete, em especial as normas trabalhistas, tributárias e relativas a segurança marítima e poluição marinha. Neste contexto, a adoção de BDC consiste em estratégia empresarial que visa maior eficiência e lucratividade.


Prepondera o entendimento no qual a competividade internacional das empresas de navegação restaria comprometida se, a contrario sensu, os navios se submetessem à adoção de Registro Nacional em seus respectivos países, consequentemente, estariam sujeitos à legislação dos países a que foram consignados o que importaria em maiores despesas advindas do “direito-custo” (principalmente legislação e encargos tributários e trabalhistas), entraves burocráticos, subordinação a rigorosas normas de segurança da navegação ou ainda entraves políticos. Com efeito, os navios que arvoram pavilhões de conveniência não integram, de modo efetivo a economia dos Estados de Registro, não servem a seu comercio exterior nem são para tais países positivamente produtores de divisas, salvo no concernente aos direitos de inscrição. Efetivamente, tais navios não frequentam, com regularidade seu porto de matrícula. Ao contrário, realizam o chamado “tráfico de terceira bandeira”, ou seja, promovem um tráfico marítimo estranho a la mobilização do comércio exterior do país cuja bandeira arvoram. Em consecuencia, as possibilidades concretas do controle, fiscalização e inspeção do navio por parte das autoridades do Estado de Registro são praticamente inexistentes.


O Segundo Registro ou Registro Internacional “Second Register” ou “Off Shore Register”, foi criado em alguns Países visando resguardar a sua frota mercante oferecendo vantangens similares às bandeiras de conveniência . O Segundo Registro é concedido por países que já possuem registro nacional a navios de sua nacionalidade ou de outras auferindo vantagens similares às concedidas por bandeiras de conveniência. Submete o navio a todas as leis e convenções internacionais concernentes à segurança da navegação, excetuando, em alguns países, as leis trabalhistas, subvenções e incentivos concedidos aos navios do registro nacional.


 Alguns países, como Dinamarca, Portugal, Bélgica, Inglaterra, Alemanha e Brasil, permitem um segundo registro v.g., o navio registrado em um país e afretado a casco nu[2] à empresa de outro país. [3] Destarte, o país da empresa afretadora pode permitir o uso de sua bandeira, desde que não haja incompatibilidade de leis entre o país de origem e o país da empresa afretadora.


O Brasil instituiu o segundo registro denominado Registro Especial Brasileiro (REB) pela Lei no 9.432/97.O Brasil ampara a hipótese de embarcações estrangeiras adotarem a bandeira brasileira “sob contrato de afretamento a casco nu, por empresa brasileira de navegação, condicionado a suspensão provisória de bandeira no pais de origem” (Lei 9.432/97, art. 3o).


2. FENOMENOLOGIA DA ADOÇÃO DE BANDEIRAS DE CONVENIÊNCIA E A INCIDÊNCIA DE ACIDENTES , TERRORISMO E CORRUPÇÃO


Há que se destacar neste ínterim se os benefícios conjunturais da adoção de Bandeiras de Conveniência compensam alguns aspectos negativos de extrema relevância: o alto índice de desastres marítimos envolvendo navios que ostentam BDC, as condições insatisfatórias de trabalho da tripulação, a evasão de divisas dos países que concedem Registros Nacionais e o fenômeno do tráfego de terceira bandeira. Ademais, outro aspecto que vem preocupando a comunidade marítima internacional respeita à possibilidade de navios de BDC serem aproveitados em ataques terroristas.


Os navios que arvoram pavilhões de conveniência não integram, de modo efetivo a economia dos Estados de Registro, não servem a seu comercio exterior nem são para tais países positivamente produtores de divisas, salvo no concernente aos direitos de inscrição. Efetivamente, tais navios não frequentam, com regularidade seu porto de matrícula. Ao contrário, realizam o chamado “tráfico de terceira bandeira”, ou seja, promovem um tráfico marítimo estranho a mobilização do comércio exterior do país cuja bandeira arvoram. Em consequencia, as possibilidades concretas do controle, fiscalização e inspeção do navio por parte das autoridades do Estado de Registro são praticamente inexistentes.


Ademais, os navios de bandeira de conveniência vem causando perdas econômicas e evasão de divisas significativas à países que concedem Registros Nacionais. No Brasil, apenas 3% do total arrecadado com fete é gerado por navios que ostentam a bandeira brasileira. Estima-se evasão de divisas na ordem de US$ 6 bilhões em 2002 provocadas pela adoção de BDC. [4]


Não só os Países perdem ao deixar de conceder seus Registros Nacionais em flagrante desvantagem aos Países que concedem Registros Abertos. Os armadores também relevam e atacam a prática de adoção de BDC como concorrência desleal no mercado de frete marítimo.


Atualmente, os principais países de bandeira de conveniência são: Libéria, Panamá, Honduras, Costa Rica, Bahamas, Bermudas, Singapura, Filipinas, Malta, Antigua, Aruba, Barbados, Belice, Bolivia, Birmania, Camboia, Ilhas Canarias, Ihas Caimán, Ihas Cook, Chipre, Guine Equatorial, Registro Marítimo Internacional de Alemanha, Gibraltar, Líbano, Luxemburgo, Ilhas Marshall, Mauricio, Antilhas Holandesas, San Vicente, Santo Tomé e Príncipe, Sri Lanka, Tuvalu, Vanuatu dentre outros, permitem que navios que não possuem vínculo nacional, arvorem sua bandeira.[5]


Em decorrência do alto índice de catástrofes marítimas a reação contra as bandeiras de conveniência se deflagra no aspecto social, econômico, ambiental e internacional.


A inexistência de vínculo efetivo entre o Estado de Registro e Bandeira, a insuficiência de fiscalização e controle dos navios que arvoram pavilhões de conveniência vem sendo apontados como aspectos preponderantes nos altos índices de acidentes da marinha mercante mundial envolvendo navios de bandeiras de conveniência, dentre os quais se destacam : Exxon Valdez em 1989, no Alasca, aproximadamente 35 mil toneladas de petróleo; o navio Bahamas, em 1998, bandeira maltesa, despeja no estuário cerca de 12 mil toneladas de acido sulfúrico no Porto da cidade do Rio Grande – RS, Brasil; Erika, em 1999, de bandeira maltesa derramando mais de 20 000 toneladas de petróleo bruto na costa da Bretanha (França) e Prestige, em 2002, de origem liberiana, vazando aproximadamente 20 mil toneladas de petróleo na Espanha.


No aspecto ambiental a comunidade internacional, em especial a Europa, tenta intensificar o controle da segurança marítima e prevenção a poluição marinha além de provocar significativas mudanças nas legislaçoes internas.


No aspecto econômico, efetivamente, não só os Países perdem ao deixar de conceder seus Registros Nacionais em flagrante desvantagem aos Países que concedem Registros Abertos. Os armadores também relevam atacam a prática de adoção de BDC como concorrência desleal no mercado de frete marítimo.


Os sindicatos e organismos de defesa dos trabalhadores, dentre os quais se destaca a ITF (Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes), vem destacando as condições de trabalho desfavoráveis da Tripulação de Conveniência, ou seja, da tripulação formada por marítimos de nacionalidades diferentes da bandeira que o navio arvora.


Na maioria dos casos, os países que permitem as BDC não querem e/ou não podem fazer cumprir os padrões mínimos de segurança, os direitos trabalhistas, sociais ou sindicais dos trabalhadores empregados. Por outro lado, os países de procedência desses profissionais também não podem exercer algum mecanismo de defesa dos trabalhadores visto que, nas relações trabalhistas se aplicam as normas do país da bandeira. Todavia, ressalta a ITF que no caso das BDC, as normas tranalhistas sequer podem cumpridas, simplesmente porque inexistem.


Outro aspecto que vem preocupando a comunidade marítima internacional diz respeito à possibilidade dos navios de BDC serem aproveitados em ataques terroristas.


Um dos fatos de maior relevância desta suspeita decorre de denúncias relativas à fraudes na concessão de documentos e registros em países que concedem BDC.


Especialmente após o atentado aos EUA em 2001 a Organização Marítima Internacional vem implementando uma série de medidas para reforçar a segurança no transporte marítimo internacional.


Dentre as medidas adotadas destaca-se a criação do Código Internacional de Segurança para Navios e Instalações Portuárias (“ISPS Code International Ship and Port Facility Security) criado por emenda a convenção SOLAS da IMO (International Maritime Organization), em vigor, em todo o mundo, desde 01 de julho de 2004 para os paises signatários.


 Adicionalmente, o ISPS Code proporciona um marco regulatório e consistente para avaliação dos riscos e a criação de Planos de Proteção.


Alem da implementação do ISPS os EUA, com 95 por cento das cargas internacionais transportadas por navios vem implementando estratégia geral e medidas para incrementar programas de segurança nos Portos. Dentre tais medidas se destacam a Iniciativa de Segurança de Contêineres (ISC): programa que incorpora o trabalho de equipe conjunto com autoridades portuárias estrangeiras desenvolvido para identificar, objetivar e buscar cargas de alto risco e a Parceria Alfândega-Comércio contra o terrorismo (C-TPAT) que impõe aos importadores comerciais a tomada de medidas para proteger toda a sua cadeia de fornecimento; o vigiadas com maior rigor de acordo com sua bandeira, informações históricas da embarcação e informações estratégicas.


 


Referencias bibliográficas

ANJOS, J. Haroldo dos; CAMINHA GOMES, Carlos Rubens. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. 343 p.

AZEREDO SANTOS, Theophilo de. Direito da navegação (marítima e aérea). 2ª. Ed. Forense: Rio de Janeiro, 1968. 452 p.

MONTIEL, Luis Beltrán. Curso de derecho de la navegación. Buenos Aires: Astrea, 1976. 525 p.

OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria. Curso de Direito Marítimo, v. 1.2a. ed. Barueri: Manole, 2005.


Notas:

[1] A CNUDM III silencia quanto aos critérios vinculativos. Regra geral, os critérios que vem sendo adotados para atribuição da nacionalidade dos navios são: i) critério da construção; ii) da propriedade, iii) da nacionalidade da equipagem e iv) critério misto . O critério misto vincula a concessão da bandeira a uma diversidade de requisitos, como nacionalidade do proprietário, da tripulação e do comandante. É o critério adotado pelo Brasil. V. Lei 9.432/97.

[2] Afretamento a casco nu  é o contrato de afretamento em virtude do qual o afretador tem a posse, o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado, incluindo o direito de designar o comandante e a tripulação (Lei 9.432/97, art. 2º., I). Fretador é o sujeito que dá o navio a frete. Afretador é o sujeito que toma o navio a frete (v. art. 566 do Cód. Comercial).

[3] V. Lei 9.432/97, art. 3o.

[4]Segundo um estudo da União Européia o problema é estrutural.  Entre as isenções nas taxas por tonelada transportada e a redução dos custos laborais os armadores economizam uma cifra superior a um milhão de dólares ao ano, por navio. Os dados da frota mercante européia demonstram que  67% dos navios ostentam Bandeiras de Conveniências (BDCs). Especificamente, na Espanha  54% dos navios adotam bandeiras de outros países e  45% ostentam Registro Especial das Ilhas Canarias, restando portanto um 1% da frota na adoção do registro nacional da Espanha.[4] Segundo a ITF, o número de navios BDC aumenta a cada dia, enquanto as frotas mercantes nacionais, especialmente as dos países em desenvolvimento, estão cada vez mais escassas.

[5] A maior frota mercante do mundo, com 62 milhões de toneladas de arqueação é da Libéria.

Informações Sobre o Autor

Eliane M. Octaviano Martins

Autora do Curso de Direito Marítimo, vol I e II (Editora Manole). Mestre pela UNESP e Doutora pela USP. Professora do Curso de Mestrado em Direito e Coordenadora do curso de pós graduação em Direito Marítimo e Portuário da Universidade Catolica de Santos – UNISANTOS


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Equipe Âmbito Jurídico

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