Resumo:O presente artigo foi elaborado com a finalidade de demonstrar, o modo através do qual, a estrutura judiciária brasileira evidencia carências que inviabilizam a plena resolução dos conflitos entre as partes que protagonizam uma relação continuada. Seus limites contribuem para uma crescente posição de adversariedade entre os litigantes e propicia maior desgaste nas relações sociais. Nesse sentido, buscou-se evidenciar como os litígios envolvidos com questões subjetivas, sentimentais e afetivas nem sempre são satisfatoriamente solucionados por meio de uma decisão judicial que dificilmente avalia os efeitos e consequências práticas dessa medida. A fim de oferecer uma resposta a tal desarmoniao artigo pretende apresentar a inserção da mediação judicial na realidade processual brasileira através dos dispositivos dedicados ao tema no Novo Código de Processo Civil e na Lei 13.140/15.
Palavras-chave: Processo Civil. Estrutura judiciária. Carências. Mediação. Desgaste nas relações sociais. Laços afetivos.
Sumário: Introdução. 1. O monopólio da jurisdição do Estado e seus limites para resolução de determinados conflitos. 2. A mediação como complemento ao judiciário. 3. Uma abordagem positiva dos conflitos através da mediação. 4. O conceito da mediação e suas principais características. 5. Modalidades de mediação. 6. Projetos de lei da mediação e a Lei 13.140/15. 7. A mediação no novo Código de Processo Civil. Considerações Finais. Referências.
Introdução
A complexidade das relações humanas se intensifica cada vez mais e diversos sentimentos permeiam a convivência resultando em inúmeros conflitos, pois na medida em que as necessidades individuais crescem, colidem entre si e aumentam as tensões. Essa combinação de elementos que singulariza o homem provocadesavenças, que por sua vez, são levadas ao judiciário, meio pelo qual a sociedade moderna se organiza para solucionar suas controvérsias. É, portanto, extremamente habitual que o individuo provoque o judiciário quando deseja ver sua pretensão satisfeita.
Entretanto, o direito permanece em constante mutação e atualização, adequando-se cada vez mais ao movimento social, o que contribui, inevitavelmente, ao surgimento de novas medidas para alcançar um resultado benéfico para ambas as partes que participam de um litígio. Desse modo, o judiciário foi deixando de ser a única possibilidade de escolha embora ainda permaneça como o método por excelência.
Desse contexto de mudanças é possível extrair que as principais premissas para criação de alternativas foram o aumento do número de demandase o constante insucesso do poder judiciário em saná-las, além da necessidade de tornar eficaz o acesso à justiça, e em função da emergência na efetivação do princípio da celeridade e da razoável duração do processo. Por essas razões, o legislador introduziu ao ordenamento alguns institutos como a mediação, a arbitragem e a conciliação que tem se mostrado cada vez mais eficazes na resolução dos litígios de maneira proveitosa.
Atento a essa realidade os processualistas se empenharam durante bastante tempo para construir um conjunto de leis capazes de atender aos anseios supracitados com precisão e emergência e assim, projetos de leis foram votados, como a Lei da arbitragem e o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais. Ademais, foram renovadas as disposições legislativas do Código de Processo Civil de 1973 para criar um diploma que atenda as novas expectativas. Diante desse cenário, visto que os atuais métodos judiciais não encontram adequação entre a complexidade das ações, as partes envolvidas e as técnicas aplicadas, gerando grande insatisfação, cumpre-se encontrar um meio eficaz para efetivamente solucionar os litígios. É nesse contexto que a mediação se revela como potencial instrumento para auxiliar essa conjuntura.
A presente dissertação aborda a utilização da técnica da mediação que vem sendo cada vez mais difundida e estimulada entre as partes. Será apresentada como uma prática cujo método se dá com a reconstrução dos canais de comunicação interrompidos e dos laços socialmente destruídos.Ademais, em razão da sua crescente importância, novos diplomas legislativos dedicam-se a regulamentar a mediação, como a Lei 13.140/15 e o Novo Código de Processo Civil que a introduziu ao cotidiano forense. Será, portanto, realizada uma análise do modo através do qual essas normas estão disciplinando o tema.
Trata-se de uma modalidade que tem se mostrado bastante eficiente na medida em que apresenta resultados benéficos e duradouros, principalmente nos conflitos associados a relações continuadas que demandam interesse das partes e do mediador para uma cooperação conjunta.
1. O monopólio da jurisdição do estado e seus limites para resolução de determinados conflitos
O modo através do qual a sociedade atual soluciona suas controvérsias é a jurisdição estatal que foi desenvolvida com o objetivo de evitar a prevalência da autotutela baseada na “lei do mais forte” e limitar abusos de poder. Desse modo, ao assumir sozinho o ônus de aplicar a lei, o Estado tranquiliza os cidadãos e mantém a convivência pacífica, pois as pessoas não mais precisam exercer seus direitos através do uso da força[1].
Quando existe uma disputa entre dois ou mais indivíduos ela geralmente é decidida pelo Estado juiz que analisa o caso a luz do ordenamento jurídico e declara qual é a lei que melhor se aplica para dirimir o conflito e satisfazer o direito da parte por meio de uma decisão definitiva.
Chiovenda[2] (2002, p. 8) definiu jurisdição como:
“A função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares e de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva.”
No conceito de Leonardo Greco[3] jurisdição “é a função preponderantemente estatal, exercida por um órgão independente e imparcial, que atua a vontade concreta da lei na justa composição da lide ou na proteção de interesses particulares”.
Alexandre Freitas Câmara[4] define como a “função do Estado de atuar a vontade concreta do direito objetivo, seja afirmando-a, seja realizando-a praticamente, seja assegurando a efetividade de sua afirmação ou de sua realização prática”.
O juiz atua na tutela dos interesses particulares, sejam eles litigiosos ou não, sendo a personificação do Estado, que deve buscar na lei, o fundamento jurídico capaz de legitimar a intenção dos particulares que compõe a lide para decidir qual das partes tem sua pretensão legalmente amparada. Logo, a decisão do juiz substitui a vontade das partes pela aplicação da lei.
Essa estrutura judicial firme e legalmente constituída conferiu grande credibilidade ao sistema, que passou a ser considerado o mais adequado e confiável modelo para se alcançar uma pretensão. Porém, é fundamentada no modelo de jurisdição típico do Estado Liberal[5], que embora tenha evoluído ainda é aplicado atualmente e apresenta inevitáveis limitações quando da solução de determinados litígios de cunho social o que tem contribuído para o aperfeiçoamento de outras ferramentas capazes de auxiliá-la.
Nesse sentido, embora, em alguns casos, a jurisdição ainda seja aplicada através da determinação fria da lei ao caso concreto, não é essa a proposta jurisdicional do Estado Democrático de Direito, que, segundo Humberto Dalla Bernardina de Pinho;
“Busca uma efetiva participação dos consociados na realização dos fins estatais. Esta proposta representa para o sistema de pacificação de conflitos a necessidade de interação entre as partes que compõem a relação processual no âmbito da jurisdição”[6].
A jurisdição, portanto, apresenta limites em sua atuação social e para superá-los, precisa buscar respostas tanto na sua estrutura interna quanto na adoção de métodos complementares, capazes de conduzir à pacificação social.
Inicialmente, é importante mencionar que um dos principais transtornos enfrentados atualmente nas varas e Tribunais do país é o excesso de demandas propostas de modo muito superior a capacidade laboral dos juízes, serventuários, procuradores, promotores e demais atores jurídicos, pois existe um aumento considerável de litigiosidade. Esse contexto termina por inviabilizar uma prestação jurisdicional de qualidade.
Antes da Constituição Federal de 1988 o país passava por um período de repressão que impedia parte da população de alcançar o judiciário com facilidade e satisfatoriamente. Contudo, após a promulgação da Carta foi instalada uma aproximação dos cidadãoscom seus direitos, facilitando o ajuizamento das demandas e o ingresso de ações. A sociedade brasileira foi contemplada com institutos capazes de proporcionar assistência judicial por meio da criação dos Juizados Especiais, das Defensorias Públicas e dos núcleos de assistência ao cidadão nas Universidades Públicas, por exemplo[7]. Esse contexto contribuiu para instalação de uma cultura do processo que busca o judiciário para toda e qualquer controvérsia, de modo que, litigar virou sinônimo de exercício pleno de cidadania.
Ocorre que, embora o alcance ao judiciário tenha sido facilitado e favorecido a propositura de litígios, nem sempre a decisão legal é plenamente eficaz. Os indivíduos que levam suas pretensões para apreciação do juiz estão percebendo que elas não estão sendo efetivamente atendidas e satisfatoriamente solucionadas. Isso decorre tanto da quantidade de ações ajuizadas, que impõe aos juízes uma conduta quase automática diante de casos semelhantes; quanto da carência interdisciplinarem sua formação, o que dificulta a adoção de uma postura mais humana e social e exige o auxílio de profissionais de outras áreas na tentativa de proporcionar uma sentença adequada ao caso concreto.
A racionalização e padronização das soluções judiciais podem ser adequadas para o contencioso de massa e favorecer o problema administrativo de várias demandas idênticas. Contudo, conflitos mais sensíveis exigem julgamentos mais humanizados, que observam suas características e isso não se coaduna com uma rotina mecânica de produção de sentenças[8].
Diante disso, é possível vislumbrar a impossibilidade de uma resposta eficiente à complexidade social e litigiosa atual o que gera frustração e descrédito[9]. Esse cenário é resultado de uma justiça baseada na aplicação mecânica da lei ao caso concreto o que confere uma resposta processual e não necessariamente uma solução, pois não alcança o cerne do conflito que originou a controvérsia.
Essa conjuntura é eficiente quando as circunstâncias permitem que seja encontrada uma solução a partir da simples adequação legal, entretanto, não é oportuna em termos de conflitos familiares e que envolvem relações continuadas onde as partes que se acusam judicialmente possuem uma ligação mais profunda que vai além do processo. Nesses casos é possível notar que frequentemente o conflito é acentuado diante de procedimentos que são ineficientes fora da lógica jurídica-processual e terminam por enfraquecer os relacionamentos sociais preexistentes entre as partes em conflito[10].
2. A mediação como complemento ao judiciário
As imperfeições do sistema jurídico atual, que nem sempre consegue dissolver e pacificar os litígios decorrentes das relações interpessoais, vêm abrindo espaço para o desenvolvimento e aperfeiçoamento dealguns institutos capazes de atuar ao lado do judiciário como meios hábeis a conferir respostas mais adequadas a determinadas controvérsias.
Atualmente, a inserção de novos modelos[11] ao mundo jurídico tem sido realizada através de três principais institutos, a conciliação, a mediação e a arbitragem. “São consideradas a tríade básica de tais meios alternativos. São consideradas como tais pela possibilidade de ocorrerem de forma extrajudicial, ou seja, fora do arcabouço estatal”[12].
Porém, a presente dissertação passa, agora, a atribuir enfoque ao instituto da mediação como opção viável à superação dos conflitos instalados principalmente em relações continuadas. Serão analisados os métodos, procedimentos, peculiaridades e benefícios que dela podem advir quando da busca por soluções pacíficas.
Ocorre que, fatores como a popularidade do poder judiciário e a falta de informação quanto a outros meios igualmente eficazes ou até mesmo mais eficazes em determinados litígios[13] dificulta a inserção da mediação como técnica confiável para satisfazer uma pretensão. Ademais, ainda que exista, em alguma medida, conhecimento acerca de seus procedimentos eles não possuem consistência diante de uma população fortemente consumida pela “cultura da sentença”, ou seja, a necessidade de uma decisão judicial para que a lide seja resolvida[14]. Isso ocorre porque no imaginário popular a figura do juiz permanece commais autoridade do que um árbitro, um conciliador ou um mediador e a sua decisão tem mais prestígio e certeza. Existe uma desconfiança de que a determinação de outro profissional facilmente poderá ser rompida sem qualquer consequência aparente e por isso, as partes não estão obrigadas a cumpri-la.
Contudo, é de suma importância destacar que, apesar de algumas dificuldades enfrentadas pelo poder judiciário, tanto a mediação quanto a conciliação ou a arbitragem não devem ser introduzidos com o único objetivo de sanar as mazelas estruturais e acelerar a prestação jurisdicional. Ainda que essa finalidade venha a ser alcançada, ela não pode ser a principal, pois os benefícios advindos de novas instituições devem ser executados com a preocupação essencial de aperfeiçoar o tratamento dos conflitos.
O jurista Kazuo Watanabe[15] refuta esse entendimento aduzindo que, a criação dos Juizados Especiais, por exemplo, possuía como um de seus objetivos principais, permitir o acesso da população mais humilde ao judiciário. Entretanto, nos dias de hoje, suas etapas são mecanicamente cumpridas e a tentativa de acordo é mera formalidade, pois se transformou apenas em um modo de agilizar o procedimento sem, contudo, oferecer uma resposta adequada às partes litigantes.
É importante esclarecer que a introdução da mediação para solucionar litígios se estrutura ao lado da jurisdição e não de forma a substituí-la. Trata-se da possibilidade do cidadão poder escolher qual método é mais adequado para oferecer uma resposta ao seu problema de maneira eficaz. Diante disso, o poder judiciário deve ter consciência de que cumprir o seu papel constitucional não significa, obrigatoriamente, intervir em todo e qualquer litígio e isso não é conflitante com o principio da indelegabilidade[16] da jurisdição.
O fato de uma pessoa acionar o judiciário não quer dizer que ele deva necessariamente oferecer uma resposta legal, pois pode ser que o juiz entenda que, em determinados casos, as partes precisam ser submetidas a uma instância conciliatória e pacificadora antes de uma decisão técnica, inclusive, a fim de que possam amadurecer as origens do seu conflito. Um direcionamento nesse sentido também é uma prestação jurisdicional[17].
3. Uma abordagem positiva dos conflitos através da mediação
As pessoas constroem sua identidade com base no aprendizado que adquirem das experiências vividas e das relações construídas o que torna cada ser humano único. Essa identidade contém os valores, os desejos, as expectativas, os interesses e as necessidades de cada um, que são diferentes e, naturalmente, se chocam entre si gerando conflitos. Desse modo, a sociedade fundamenta-se, basicamente, em atitudes antagônicas necessárias ao seu desenvolvimento, ações recíprocas como harmonia e desarmonia, associação e competição, favor e desfavor, de modo que, todas elas são positivas e contribuem para a sua evolução[18].
Entrementes existam várias maneiras de superar um conflito a maioria impõe às partes uma posição adversária. Isso acontece porque a solução transforma-se em uma disputa e as discussões possuem como principal objetivo a destruição das alegações da outra parte. Não há uma reflexão para ouvir e tentar compreender as razões alheias, pois ambos se concentram em seus próprios argumentos. Desse modo, a superação de um conflito raramente ocorre com a busca pelo consenso e essa tentativa torna-se uma disputa.
A consequência dessa conjuntura é o desgaste da relação entre os indivíduos, pois a luta estabelecida entre ambos os modifica, não somente em relação ao outro, mas também em relação a si mesmo[19].
Entretanto, a concepção segundo a qual os conflitos são apenas geradores de tensão e caos vem sendo alterada pela ideia de que ele pode ser positivo, como um “elemento motivador de mudança e de inovação, cabendo, por isso, canalizá-lo de forma adequada, como uma necessidade da sociedade para o seu progresso e desenvolvimento”[20].
Quanto a essa característica construtiva e positiva, Deutsch[21] dispõe:
“O conflito previne estagnações, estimula interesse e curiosidade, é o meio pelo qual os problemas podem ser manifestados e no qual chegam as soluções, é a raiz da mudança pessoal e social. O conflito é frequentemente [sic] parte do processo de testar e de avaliar alguém e, enquanto tal, pode ser altamente agradável, na medida em que se experimenta o prazer do uso completo e pleno da sua capacidade”.
Embora seja constantemente associado a um processo negativo, os conflitos são inevitáveis e necessários ao crescimento pessoal do qual podem surgir mudanças e resultados positivos, como paz, aproximação, afeto e compreensão. Portanto, uma vez que é utópico pensar em uma realidade onde não existem conflitos torna-se necessário usá-los de maneira construtiva. Nesse sentido, a oposição entre elementos de uma mesma sociedade deve ser entendida como um fator social que permite e possibilita a convivência, o que, de outra forma, seria intolerável[22].
É nesse contexto que a mediação apresenta uma grande vantagem em relação a outros modelos de resolução de conflitos, e principalmente, em relação à jurisdição, pois ela o resolve sem confrontar as partes como adversárias, mas satisfazendo os interesses de ambas. Isso significa que, durante o procedimento, evita-se ao máximo uma situação capaz de criar um sentimento antagônico entre os envolvidos, de modo a colocá-los em infindável confronto. Busca-se realizar uma despolarização[23] para eliminar o constante posicionamento de “vencido” e “vencedor”.
A autora Fabiana Marion Spengler explica que, realizar essa despolarização exige um mediador capaz de demonstrar às partes que os seus interesses podem ser congruentes e conexos sem a necessidade que um abra mão de suas pretensões. Geralmente, isso não é percebido porque há uma falha de comunicação. Nesse caso a mediação proporciona, justamente, um ambiente em que os interessados podem/devem estabelecer um diálogo entre si para alcançar um resultado comum e benéfico para ambos.
Dessa forma, a base do processo de mediação é a visão positiva do conflito como algo necessário para o aperfeiçoamento humano e não como uma disputa, construindo um espaço harmônico que permita aos envolvidos estabelecer uma posição de igualdade, o que é essencial para o término da controvérsia e o início da superação. O resultado esperado é a modificação da parte em relação ao outro e a si mesma, uma vez que, ao final de uma mediação bem sucedida, elas aprendem mecanismos de escuta e compreensão que podem ser utilizados em outras esferas da sua vida pessoal.
4. O conceito da mediação e suas principais características
É possível definir a mediação como a técnica de resolução de conflitos que objetiva solucionar, pacificamente, as divergências existentes entre as pessoas, de modo que a relação entre elas seja fortalecida e os laços de confiança sejam preservados[24].
O autor Humberto Dalla Bernardina de Pinho define, mediação como “o processo por meio do qual os litigantes buscam o auxílio de um terceiro imparcial que irá contribuir na busca pela solução do conflito”[25]. Ele ainda identifica alguns elementos que compõe a mediação e são essenciais para sua identificação e posterior desenvolvimento, são eles: as partes envolvidas, a contraposição de interesses entre elas e o mediador capacitado capaz de facilitar a busca pelo consenso[26]. Entrementes existam duas modalidades[27] de exercício da mediação, que pode ser judicial ou extrajudicial, de acordo com o momento processual em que é exercida, esses elementos estão sempre presentes e suas características precisam ser observadas.
As partes interessadas no processo de mediação podem ser tanto pessoas físicas quanto jurídicas ou ainda, entes despersonalizados quando possível identificar o responsável pela sua gestão. Sendo pessoas físicas incapazes é necessário que estejam assistidas pelos pais ou representantes legais[28].
Quanto à presença do advogado, não é uma obrigatoriedade na mediação extrajudicial e o artigo 10 da Lei 13.140/15[29] refuta esse entendimento, contudo, ele pode apresentar soluções criativas às partes e esclarecer os direitos dos representados cooperando com o mediador. Porém,se uma das partes estiver acompanhada de advogado ou defensor público o mediador deverá suspender o procedimento até que todas estejam assistidas.Entretanto, o advogadoé figura indispensável no novo Código de Processo Civil, que no artigo 334, §§9º e 10, exige a presença de representante com procuração[30].
É importante que as partes apresentem algumas características como voluntariedade, participação, respeito, escuta, cooperação, solidariedade, responsabilização e comunicação mas elas podem ir sendo adquiridas ao longo da mediação[31].
Para que o procedimento seja exitoso todos aqueles que participam precisam ingressar por iniciativa própria. Não se instaura a mediação entre pessoas que não estão dispostas a fazê-la, pois deve haver determinação e vontade de solucionar o conflito. Trata-se de autonomia da vontade, princípio consubstanciado no art. 2º, V da Lei 13.140/15 e no art. 166 do novo Código de Processo Civil.
Ademais, é necessário que os envolvidos compartilhem com o mediador os seus anseios, pensamentos e opiniões, agindo de boa fé e procurando perceber não só os desejos particulares, mas também a posição da outra parte, pois os mediandos não atuam como adversários, sendo, na verdade, co-responsáveis pela solução da disputa[32]. Apesar disso, elas possuem a opção de não se manifestar durante a mediação caso em que, o termo final, apenas será redigido com as disposições que tenham concordado expressamente. Nenhuma medida será adotada contra a vontade das partes, justamente por ser, a mediação, um procedimento voluntário[33].
Para que as sessões de mediação sejam instaladas é necessário que esteja presente também o segundo elemento, que é um conflito de interesses entre as partes. O mediador deverá analisar a amplitude da divergência existente para delimitar a atividade que será desenvolvida[34].
A oposição de interesses deve envolver necessidades e valores que, aparentemente, serão divergentes, contudo, o progresso da mediação fará com que os conflitos sejam superados de maneira positiva. A mediação se desenvolve a partir da percepção segundo a qual, a consideração de apenas duas ideias não é suficiente, para alcançar a pacificação de um conflito, uma vez que, simplesmente negar ou afirmar um posicionamento torna a discussão bastante limitada. Diante disso, é preciso recorrer a uma terceira ideia, que se apresentará como intermediária, pois a linguagem jurisdicional binária, desenvolvida em alternativas de procedente ou improcedente, certo ou errado é muito restrita[35].
A mediação é, principalmente, aplicada aos conflitos de interesse de ordem pessoal e social caracterizados por relações continuadas em que as partes mantêm um convívio constante mesmo depois de finalizado o processo. Por essa razão, é muito eficiente nos conflitos familiares, comunitários, escolares e coorporativos, onde as pessoas habitam, estudam e trabalham nos mesmos ambientes.
Por fim, o terceiro elemento refere-se ao mediador e é relevante esclarecer que ele assume um papel de grande importância no desenvolvimento eficaz da mediação. Ele é o terceiro moderador que facilita a construção do diálogo entre as partes e permite que elas alcancem, sozinhas, um resultado satisfatório. Trata-se, portanto, de um intermediário que auxilia na comunicação a fim de que as diferenças sejam tratadas de forma construtiva e interativa[36]. Desse modo, não cabe ao mediador, “unilateralmente obrigar as pessoas a resolverem a contenda ou impor decisão. Deve mediá-las, conciliar os interesses conflitivos conduzindo para que elas concluam com o seu impulso a melhor solução” [37].
Recomenda-se que o mediador não se apresente como uma figura autoritária, pois o seu respeito será construído de acordo com o nível de relacionamento com as partes. E ainda, é interessante que utilize um tom mais informal, porém compatível com sua postura profissional ao conduzir as sessões porque isso estimula o diálogo[38].
A sua participação consiste na tentativa de manter uma comunicação respeitosa entre os participantes para que eles possam, aos poucos, refletir sobre a sua posição na controvérsia, meditando a respeito dos seus interesses comuns e de suas diferenças.
Nesse processo, não compete ao mediador interferir em um ou em outro sentido de maneira que influencie na vontade dos integrantes, pois a ele cabe apenas estimular a reflexão e não ser o autor da solução, isso significa que não deve discutir o mérito, mas somente facilitar o processo de entendimento[39]. Ele deve buscar, por meio de técnicas específicas, uma mudança comportamental que ajude os interessados a perceber e reagir ao conflito de uma maneira mais eficaz[40].
É interessanteque o mediador permaneça atento às características dos mediandos com quem ele irá dialogar para captar e perceber suas verdadeiras intenções por traz do diálogo estabelecido e, caso seja necessário, deverá cancelar o processo se verificar que existe falta de interesse das partes ou boa fé. E ainda, caso o próprio mediador se ache incapaz de continuar com a mediação, deve, do mesmo modo, interromper as sessões.
Para que se tornem eficientes na condução da mediação os mediadores precisam se submeter a uma capacitação técnica e profissional que os permitirá adquirir habilidades[41] como, por exemplo, a capacidade de aplicar diferentes técnicas autocompositivas de acordo com a necessidade de cada disputa; a capacidade de escutar a exposição de uma pessoa com atenção utilizando determinadas técnicas de escuta ativa (ou escuta dinâmica); a capacidade de inspirar respeito e confiança no processo; a capacidade de administrar situações em que os ânimos estejam acirrados. E ainda, conseguirá estimular as partes a desenvolverem soluções criativas que permitem a compatibilização dos interesses aparentemente contrapostos; examinar os fatos sob uma nova ótica para afastar perspectivas judicantes ou substituí-las por perspectivas conciliatórias; motivar todos os envolvidos para que, prospectivamente, resolvam as questões sem atribuição de culpa; estimular o desenvolvimento de condições que permitam a reformulação das questões diante de eventuais impasses e, também, abordar com imparcialidade além das questões juridicamente tuteladas, todas e quaisquer questões que estejam influenciando a relação (social) das partes.
5. Modalidades de mediação
A mediação pode ocorrer extrajudicialmente ou judicialmente[42]. O primeiro modelo é realizado por um mediador independente inscrito no Registro de Mediadores para o exercício da atividade[43] e ele pode estar relacionado a entidades privadas que oferecem a estrutura adequada para as sessões e estabelecem os valores que serão pagos aos mediadores. Normalmente, essas entidades possuem regulamentos próprios que definem o instituto e como ele será desenvolvido. Por outro lado, a mediação judicial[44] ocorre quando as partes de um litígio aceitam participar da mediação de forma incidental no processo. É nomeado um mediador judicial inscrito no registro de mediadores do Tribunal de Justiça correspondente para prosseguir com a tentativa.
Ambas as modalidades são reguladas na Lei 13.140/15 mas o Novo Código de Processo Civil inseriu em seus artigos a mediação judicial e disciplinou o tema em conjunto com a conciliação.
Ocorre que, a mediação vem sendo oferecida por alguns órgãos públicos, não apenas de forma incidental no processo, mas como um modelo extrajudicial. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, criou o Grupo de Mediação e Resolução de Conflitos- GMRC- que funciona dentro da Procuradoria Geral de Justiça do órgão e é supervisionado pela Subprocuradoria-Geral de Justiça de Planejamento Institucional. Embora o grupo receba pedidos de atuação em procedimentos encaminhados pelos promotores e procuradores de justiça, eles também auxiliam qualquer cidadão ou instituição que deseje solucionar um conflito através da mediação[45]. O mesmo ocorre com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que organizou um grupo de mediadores para receber demandas incidentais e também externas[46].
A OAB-RJ[47] também atua promovendo a mediação extrajudicial através da Comissão de Mediação de Conflitos que oferece aos advogados e estagiários a possibilidade de compor os conflitos profissionais através do diálogo. Os interessados podem instaurar a mediação de maneira prévia ou incidental a um procedimento administrativo ou processo judicial, na Câmara de Mediação OAB/RJ por meio de um requerimento enviado por email com identificação das partes.
Doutrinariamente defende-se que, a mediação extrajudicial não costuma determinar um prazo para ser concluída, visto que, as sessões exigem tempo, estudo e dedicação, pois os conflitos têm uma singularidade de detalhes fáticos e os envolvidos são pessoas com sentimentos, angústias e relacionadas entre si.
Por essa razão, o mesmo acontecimento deve ser observado sobre diversos ângulos e em função dessas peculiaridades, o resultado final não fica submetido a um prazo fatal/específico, de modo que, normalmente, as sessões de reunião entre os interessados e o mediador tem como parâmetro de duração o avanço gradual do consenso. Portanto, não há como prever quanto tempo levará para que a controvérsia seja solucionada e ela pode se prolongar por semanas. Contudo, o objetivo não é tornar o procedimento muito extenso, confundindo-se com uma sessão de terapia, pois isso o tornará infrutífero. Assim, as partes podem definir um prazo como forma de tentar manter um direcionamento objetivo.
Entretanto, a Lei 13.140/15, em seu artigo 22[48], estabelece a necessidade de definição de um prazo específico pois o contrato firmado entre as partes que vão realizar a mediação deverá conter prazo que, se não for especificado, será de dez dias úteis no mínimo e três meses no máximo.
Ocorre que, nem sempre será alcançado um resultado satisfatório com os diálogos da mediação, visto que, em certos casos a relação emocional entre partesjá se encontra bastante desgastada, sendo preferível buscar uma opção judicial[49]. Nessas hipóteses, restando comprovada a impossibilidade de realização de um acordo, a imposição de uma solução judicial pode ser a melhor alternativa.
O professor Humberto Dalla defende que, a princípio, a mediação extrajudicial deve ser buscada antes de uma tentativa judicial[50]. Entretanto, não existem obstáculos que impeçam as partes de tentar outra vez o consenso através da mediação incidental judicial. Nesse caso, já existe um processo de conhecimento em curso, mas elas podem interrompê-lo para prosseguir com a mediação.
A atual legislação processual brasileira autoriza que as partes optem por uma alternativa à jurisdição estatal[51] quando se sentirem mais confiantes para retomar o diálogo, permitindo, por meio do artigo 265, II, §3º[52], que suspendam o processo por até seis meses. E ainda, o próprio juiz pode atuar como conciliador ou designar auxiliar para tal função, conforme exposto no artigo 331 e 447 do CPC[53].
Sendo alcançado o acordo, as partes o submetem a homologação do juiz e ele o converte em título executivo judicial. O Novo Código de Processo Civil disciplina o tema de modo diferente e dedica mais artigos ao instituto estimulando a mediação nos Tribunais[54].
Entretanto, existe uma ressalva quanto à realização da mediação incidental, visto que, paralisar o processo faz com que toda a máquina judiciária tenha sido movimentada desnecessariamente. Já terá ocorrido a apresentação da petição inicial, recolhimento de custas, despacho, citação do réu, resposta e muitos outros incidentes que geram despesas que poderiam ter sido evitadas. Em função disso, o professor e doutor Humberto Dalla Bernardina de Pinho defende a ideia segundo a qual, “as partes deveriam ter a obrigação de demonstrar ao Juízo que tentaram, de alguma forma, buscar uma solução consensual para o conflito”[55].
Para ele, é necessário apenas que tenha havido uma comunicação capaz de demonstrar ao juiz que a jurisdição não foi utilizada como alternativa prioritária[56]. Trata-se de uma tentativa de evitar a procura pelo poder judiciário de forma desnecessária.
Portanto, o autor defende a ideia de uma mediação pré processual e voluntária. Para ele, as partes devem ter a faculdade de provocar o judiciário para que o acordo alcançado seja homologado. Contudo, sendo necessária uma intervenção judicial mais profunda não cabe ao juiz, na ansiedade de obter um consenso interromper o processo para obrigar as partes a buscar a mediação. Elas devem ter a iniciativa.
O inconveniente da mediação judicial está justamente na possibilidade de engessamento do instituto porque caso ele seja burocratizado se tornará um mero procedimento e não alcançará suas finalidades. Nesse sentido, Kazuo Watanabe expõe sua preocupação com a diretriz que vem sendo conferida a mediação pelos projetos de lei;
“Não é porque o Poder Judiciário está sobrecarregado de serviço que tentaremos descobrir formas de aliviar a carga. Tenho um grande receio de que a mediação venha a ser utilizada com esse enfoque e não com o maior, que seria dar tratamento adequado aos conflitos que ocorrem na sociedade; não se pode pensar nela como uma forma de aliviar a sobrecarga que o judiciário está sendo submetido hoje, porque daremos à mediação o mesmo encaminhamento que estamos dando hoje aos Juizados Especiais”[57] .
A mediação não pode ser realizada apenas com a finalidade de solucionar a crise da justiça. Embora contribua para esseobjetivo afastando muitas controvérsias do seio da jurisdição estatal, se ela for estruturada de maneira mecânica, rápida, somente fazendo uma análise superficial do conflito e conferindo uma resposta legal ao mesmo, se desvirtuará dos seus princípios norteadores e deixará de alcançar o seu propósito mais positivo, que é a pacificação social e a saúde das relações afetivas.
6. Projetos de lei da mediação e a lei 13.140/15
A mediação, por muito tempo, foi desenvolvida sem o amparo de uma base legal consistente. A sua metodologia e os seus procedimentos permaneceramancorados em princípios e construídos segundo a definição de vários doutrinadores enquanto o poder legislativo iniciava projetos de leis para regulamentar o instituto.
Em 1998 foi elaborado o primeiro Projeto de Lei 4.827 da mediação por iniciativa da Deputada Zulaiê Cobra. Houve aprovação na Câmara e envio ao Senado em 2002, quando foi estabelecido como um substitutivo, pois em 1999 o Instituto Brasileiro de Direito Processual fez uma comissão para elaborar um Anteprojeto de Lei sobre a mediação que entrou em consenso com o projeto inicial da deputada.
Em 2010 o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 125 que iniciou a Política Judiciária Nacional para o tratamento dos Conflitos com a finalidade de instituir a pacificação social incentivando a conciliação e a mediação. Nesse mesmo ano já estava sendo elaborado o texto do Novo Código de Processo Civil, aprovado em dezembro pelo Senado e encaminhado à Câmara em função de algumas alterações, onde foi identificado como Projeto de Lei nº 8.046/10 que mais tarde seria transformado na Lei Ordinária 13.105/2015.
Em 2011 o Senador Ricardo Ferraço apresentou o PLS 517/11 referente à mediação judicial e extrajudicial a fim de criar um sistema compatível com a Resolução 125 do CNJ e com as disposições do projeto de lei do CDC. Ele tramitava em conjunto com mais dois projetos:o 405/13[58] e o 434/13[59]. O primeiro tratava da mediação extrajudicial, ele foi apresentado em outubro de 2013, mas atualmente encontra-se prejudicado na secretaria de arquivo. Osegundo, que trazia algumas inovações acerca da mediação onlinefoi apresentado em novembro de 2013 e foi igualmente prejudicado e arquivado em 18/02/2014[60].
O PLS 517/11 foi remetido à Câmara dos Deputados em fevereiro de 2014 onde foi alterado para Projeto de Lei 7.169/14 que dispõe sobre a mediação entre particulares e a composição de conflitos no âmbito da administração pública. Atualmente ele foi aprovado, sancionado e convertido na Lei Ordinária 13.140/15 que disciplina a mediação judicial e a extrajudicial.
É possível observar que, não obstante as diversas tentativas de criar uma lei específica para regulamentar o instituto, dimensionar seus contornos estruturais e direcionar uma técnica eficiente e padronizada a ser adotada,apenas recentemente a Lei 13.140/2015 foi promulgada. Desse modo, a mediação poderá deixar de serexecutada apenas com o suporte de uma legislação esparsa, pontual e incompleta.
Essa Lei, portanto, foi resultado da compilação das melhores disposições de vários projetos. Ela compreende tanto a mediação judicial quanto a extrajudicial dispondo sobre os aspectos comuns a ambas. Ademais, trata dos conflitos que envolvem as pessoas jurídicas de direito público; novidade no âmbito da administração consensual. Contudo, apesar de ser um avanço importante para regulamentação da mediação, não disciplina o tema até o esgotamento e confere aos Tribunais a incumbência de regulamentar algumas medidas.
Quanto à mediação extrajudicial, o art. 9º[61] da Lei 13.140/15 determina que qualquer pessoa capaz poderá atuar como mediador entre particulares independente de estar inscrito em um cadastro específico de uma entidade ou Conselho. Nessa mediação as partes decidem autonomamente se desejam iniciar com as sessões através de qualquer meio de comunicação e estabelecem, contratualmente, as disposições do art. 22, quais sejam; o prazo de duração da mediação, os critérios de escolha do mediador e a penalidade aplicável caso uma das partes não compareça. Entretanto, o §2º aponta critérios já determinados caso não haja uma previsão contratual completa, estabelecendo o prazo específico de extensão da mediação, o local para realização das reuniões, uma lista indicando mediadores capacitados e fixando uma penalidade para aquele que não comparecer à primeira reunião[62].
Em relação à mediação judicial, a Lei que agora se analisa faz algumas previsões que correspondem às do Novo Código de Processo Civil, como por exemplo, os artigos 12 e 24 (art. 167 e 165 do novo CPC) sobre a organização dos mediadores, ao dizer que os Tribunais manterão cadastro dos mediadores habilitados a atuar e criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos para as sessões de audiência de conciliação e mediação.
Da mesma forma, o art. 26 (bem como o art. 334, §9º, CPC/15) exige a presença de advogado ou defensor para assistir as partes durante a mediação. E também o art. 27 da lei 13.140/15 corresponde ao art. 334 do CPC/15 pois, havendo o preenchimento de todos os requisitos essenciais da inicial, o juiz deverá designar a audiência de mediação.
Não obstante a correspondência de alguns artigos entre os dois diplomas legais o Novo Código de Processo Civil detalha em maior grau as etapas procedimentais da mediação judicial. Por outro lado, a Lei 13.140/15 dispõe de normas comuns a todas as modalidades de mediação, bem como, determina preceitos gerais que sempre devem ser respeitados. Nesse sentido, o artigo 2º traz os princípios que orientam o instituto e a partir do artigo 4º estabelece a conduta que deverá ser seguida pelo mediador.
Importante também são as disposições do artigo 30 em diante sobre a confidencialidade, pois as informações reveladas não poderão ser divulgadas, salvo se as partes decidirem diversamente ou se a publicidade for legalmente exigida.
No que tange à mediação pública, que é uma novidade no âmbito da administração consensual, o art. 33[63]do PLS 434/13 a prevê e define como a modalidade de mediação que poderá ser realizada pelos órgãos da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como o Ministério Público e a Defensoria Pública. O parágrafo único ainda determina que, para facilitar o exercício, poderão ser instituídos Conselhos de Mediação em cada entidade ou órgão público. O artigo 34[64] especifica que a mediação pública poderá ser utilizada nos conflitos que envolvem entes do Poder Público; entes do Poder Público e o particular e direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. O PLS 405/13 tambémdedica alguns artigos ao tema mas prevê a possibilidade de mediação coletiva nos litígios relacionados à prestação de serviço (art. 25, III)[65].
A lei 13.140/15 também discorreu sobre a mediação com pessoas jurídicas de direito público. No art.32[66] possibilitou aos entes federativos criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos nos órgãos da advocacia pública que cumprirem os requisitos legais dos incisos subsequentes. Ademais, regulamentou, especificamente, a partir do artigo 35[67], as controvérsias jurídicas envolvendo a administração federal direta, suas autarquias e fundações, possibilitando a realização de transação por adesão.
Diante dessas inovações, a autora Fabiana Marion Spengler[68] acredita que, ainda que sejam propostas avançadas e significativas na regulamentação da mediação, elas encontrarão problemas para ser implementadas e aceitas.
Para ela, a mediação pública não pode ser considerada efetivamente uma mediação visto que, o âmago desse procedimento é tratar de conflitos existentes em relações continuadas onde a preocupação principal é fortalecer os laços afetivos e respeitosos entre as partes. Porém, não existem laços em uma relação onde uma das partes é a Administração Pública e os conflitos são essencialmente relativos a questões técnicas e financeiras.
Por essa razão, a autora defende que, em casos onde a Administração Pública está envolvida, é mais viável a adoção da conciliação. Ademais, alega que propostas legislativas como essas apenas contribuem para “manter e disseminar a grande confusão existente entre mediação e conciliação”[69].
Em relação à mediação online é importante aduzir que a nova lei falou sucintamente sobre o tema no seu artigo 46[70] onde estabelece que a mediação poderá ser realizada pela internet ou por qualquer outro meio que permita a transação à distância, desde que as partes concordem. Os projetos de lei anteriores se preocuparam mais com essa regulamentação e segundo o art. 37 do PLS 434/13[71], mediação online é aquela realizada nos casos de comercialização de bens ou prestação de serviços via internet e poderá solucionar quaisquer conflitos de consumo no âmbito nacional. O parágrafo único do artigo 37 dispõe ainda que, quando uma das partes estiver domiciliada no Brasil, poderá haver acordo para aplicação das disposições desta Lei à resolução do conflito oriundo de transações internacionais celebradas por meio da rede mundial de computadores ou por outro meio de comunicação que permita a transação à distância.
O art. 21[72] do PSL 405/13, por outro lado, não determinou limites à tipologia dos conflitos que poderão ser submetidos à mediação online. Esse projeto dispõe sobre a mediação extrajudicial e apenas aduz que ela poderá ser realizada pela internet ou por qualquer outra forma de comunicação não presencial.
Apesar de ser uma iniciativa promissora e oferecer a possibilidade de rapidez e economia na solução dos conflitos, nem as propostas legislativas e tampouco a lei recentemente sancionada esclarece o seu procedimento deixando, portanto, dúvidas quanto ao seu trâmite.
7. A mediação no novo código de processo civil
O Código de Processo Civil que entra em vigor a partir de março de 2016 adota novos paradigmas para a resolução de conflitos e busca estruturar-se em conceitos que refletem a realidade jurídica atual priorizando a inserção de normas para aprimorar os métodos consensuais. A elaboração de um novo diploma processual foi, sobretudo, em razão da necessidade de conferir não apenas mais celeridade à prestação jurisdicional como também mais eficiência e efetividade.
Desse modo, ele apresenta alguns dispositivos que buscam incentivar a cultura da pacificação através de um processo mais colaborativo e conciliatório por meio da mediação judicial e da conciliação. Infelizmente, dedicou apenas onze artigos para esses institutos e fez determinações muito genéricas sem destinar um espaço individual à mediação e postergando parte da sua regulamentação aos Tribunais e à legislação específica[73].
Logo no art. 3º é possível verificar a preocupação do legislador em inserir os meios alternativos ao cotidiano forense, sem, contudo, contrariar o princípio da inafastabilidade do judiciário.
“Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”
Entretanto, a simples menção desses institutos não garante a sua efetivação prática, de modo que, é essencial esclarecer a maneira através da qual essas técnicas são realizadas. Por essa razão, os cursos de capacitação e aprimoramento precisam ser ampliados a fim de possibilitar a inserção da solução consensual ao cotidiano forense.
Outra novidade trazida pelo Código foi à inclusãodos conciliadores e dos mediadores como auxiliares da justiça no art. 149[74], o que demonstra a essencialidade de suas funções ao bom desenvolvimento do judiciário. Os institutos estão melhor definidos a partir da Seção V no artigo 165, que estabelece uma diferença entre mediação e conciliação, embora ambas sejam tratadas em conjunto no decorrer da seção. Os parágrafos do art. 165 dispõem:
“Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
§ 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”.
Esses parágrafos definem a conciliação como aquela onde o conciliador participa mais ativamente do procedimento e oferece sugestões e opções às partes, mostrando-lhes mais de uma forma de resolução daquele conflito. Já o mediador tem uma participação passiva, pois escuta e compreende os pontos de vista dos envolvidos, mas sem oferecer uma solução. Ele faz questionamentos que guiam as partes a uma resposta desenvolvida por ambas.
No artigo 166 estão determinados os princípios que norteiam a mediação e a conciliação, quais sejam; independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
O §1º trata da confidencialidade e objetiva deixar as partes confortáveis para que possam dialogar sobre seus sentimentos e interesses sem o receio de que isso possa ser usado contra elas ou em algum processo posterior. Essas informações transmitidas não poderão ser divulgadas, conforme o §2º, sendo um dever de sigilo do mediador.
É possível observar que o legislador do novo Código de Processo Civil refere-se à mediação instaurada dentro do judiciário, em seus órgãos e sob apreciação e regulamentação do Conselho Nacional de Justiça que também definirá os parâmetros necessários para capacitar os mediadores.
Nesse sentido, o artigo 167, §1º[75] estabelece que todos os profissionais deverão ser habilitados e capacitados por meio de cursos realizados por entidades devidamente credenciadas que reúnam todas as características exigidas pelo Conselho Nacional de Justiça[76] e pelo Ministério da Justiça. Ademais, haverá um cadastro nacional e um cadastro do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal onde todos os mediadores, conciliadores habilitados e câmaras privadas serão inscritos.
Essa sistematização visa organizar a distribuição de mediadores e conciliadores, contudo, não inviabiliza a criação de quadro próprio de profissionais em cada Tribunal desde que o cargo seja preenchido mediante concurso público com observação das disposições do Código de Processo Civil, segundo o artigo 167,§6º[77].
Porém, essa conjuntura não retira das partes a possibilidade de escolher seu próprio mediador, pois o artigo 168[78] permite essa liberalidade e não exige que o mesmo esteja cadastrado no Tribunal. Contudo, não sendo obtido um consenso a respeito do mediador responsável, será escolhido um dentre aqueles cadastrados.
O Código ainda estabelece um impedimento no art. 167,§5º[79] ao determinar que os mediadores cadastrados que forem advogados não poderão exercer a advocacia no juízo em que desempenharem sua função. Caso essa ressalva seja descumprida o individuo será excluído do cadastro, conforme o art. 173, II[80]. Também será excluído aquele que agir com dolo ou culpa na condução da mediação ou da conciliação ou violar os deveres do art. 166,§§1º e 2º[81] (independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada).
Quanto aos procedimentos a serem adotados na audiência de conciliação e mediação o Capítulo V, artigo 334[82] determina que quando a petição inicial estiver cumprindo os requisitos essenciais e não for hipótese de improcedência liminar do pedido, o juiz deverá designar a audiência em trinta dias e o réu deverá ser citado em vinte dias.
Essa audiência somente não ocorrerá nas hipóteses do parágrafo 4º[83] do mesmo artigo, quando ambas as partes se manifestarem pelo desinteresse na composição consensual ou quando a natureza do litígio não admitir a autocomposição. A falta de interesse deverá ser indicada pelo autor na inicial e o réu poderá fazê-lo através de petição com dez dias de antecedência, contados da data da audiência, conforme do §5º[84].
Contudo, quando o juiz designar a audiência, ele tentará, novamente, conciliar as partes independentemente de já ter havido uma tentativa anterior, conforme o disposto no art. 359[85].
Essa determinação legal não deve ser interpretada como uma tentativa de introduzir a mediação como etapa obrigatória do processo, pois, como já foi afirmado anteriormente[86],isso pode tornar o procedimento uma mera formalidade fazendo com que a mediação perca suas características principais e consequentemente, seus benefícios.
Além disso, o artigo 334, §§9º e 10[87] dispõe que, nessa audiência as partes deverão estar acompanhadas por seus advogados e/ou defensores ou ainda, representantes com procuração e poderes para negociar e transigir. Tal exigência é medida inovadora que até o presente momento não havia sido determinada nas mediações privadas e nem nas conciliações judiciais.
Se as partes faltarem à audiência de mediação e não justificarem a ausência estarão cometendo ato atentatório a dignidade da justiça e haverá sanção com multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, que será convertida em favor da União ou do Estado, conforme consta no art. 334, §8º[88].
Por fim, o acordo obtido será reduzido a termo e homologado por sentença do juiz, bem como a decisão final da mediação extrajudicial, que também será considerada título executivo judicial, conforme o art. 515, II e III[89].
O Novo Código de Processo Civil também introduz mudanças no Capítulo X que trata das ações de procedimento especial e das de natureza familiar. Nesse sentido, o art. 693[90] esclarece que as normas do Código serão aplicadas aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.
O legislador reconhece assim, a necessidade do uso da mediação nos conflitos familiares que envolvem relações afetivas prolongadas e precisam de uma solução capaz de preservar a saúde e a unidade familiar. O art. 694[91] prevê que, nas ações de família, a solução consensual será priorizada e o juiz terá o apoio de profissionais de outras áreas para auxiliá-lo. Ademais, o processo poderá ser suspenso enquanto os litigantes utilizam a mediação extrajudicial ou um atendimento multidisciplinar (parágrafo único). Entretanto, não restou esclarecido se a mediação extrajudicial que o parágrafo único se refere será oferecida pelo Centro de Mediação dos próprios Tribunais ou através de uma mediação privada [92].
Ademais, o art. 695[93] estabelece que ao receber a petição inicial, o juiz ordenará a citação das partes para comparecerem a audiência de mediação ou conciliação, ocasião em que poderão estar acompanhadas de seus advogados ou defensores (§4º)[94]. Esses profissionais não devem impor sua vontade durante a audiência, mas somente assessorar a parte, pois elas têm autonomia na mediação.
Em suma, o sucesso dos novos dispositivos legais, brevemente apresentados, dependerá não só da criação de espaços físicos estruturais para atender a essas novidades, mas também de uma preparação adequada dos operadores do direito a partir de um esclarecimento satisfatório sobre as mudanças. Isso será muito importante, visto que, são alterações não apenas processuais mais que importam em uma nova perspectiva do sistema jurídico e, portanto, exigem adaptação e educação ao serem efetivados.
Considerações finais
As reflexões realizadas no presente trabalho permitem identificar alguns fatores que incentivaram a ampliação do uso da mediação. Primeiramente, o excesso de demandas ajuizadas no judiciário que por sua vez comprometem a rápida solução do litígio. Essa realidade é utilizada como justificativa por muitos operadores do direito que veem na mediação a possibilidade de diminuir a carga processual existente.
Como consequência dessa conjuntura, a incapacidade de oferecer respostas adequadas para algumas demandas sociais que envolvem relações interpessoais. Isso ocorre porque elas exigem uma atenção especial do julgador, visto que compreendem aspectos sentimentais e afetivos, razão pela qual, reclamam mais por uma pacificação do que por uma solução imediata através de uma sentença judicial. Restou evidente que o acesso à justiça não se resume à possibilidade de ajuizar uma ação, mas principalmente, a satisfação completa da pretensão.
Nesse contexto, observando as circunstâncias que evidenciam algumas carências jurisdicionais, a mediação surge como proposta para alcançar a pacificação social, resultado que dificilmente se vislumbra com a simples aplicação da lei ao caso concreto.
Em função da sua metodologia baseada no diálogo e na compreensão, a mediação objetiva fazer as partes alcançarem, sozinhas, uma resposta ao conflito que as distancia. Isso é possível com o auxílio de um mediador hábil para conduzi-las amigavelmente a um resultado positivo, conveniente e satisfatório para ambas, sem, contudo, interferir em suas decisões. A conclusão final, quando exitosa, tende a prolongar-se para além das sessões e contribui como aprendizado às partes, que desenvolvem a capacidade de solucionar eventuais controvérsias futuras por meio da comunicação.
Diante dos diversos benefícios, o Novo Código de Processo Civil dedicou alguns artigos ao tema visando introduzir, esclarecer e delimitar a realização da mediação judicial no cotidiano forense. Do mesmo modo, a Lei da Mediação recentemente aprovada também disciplina a matéria e oferece diretrizes à mediação judicial e a extrajudicial. São dois diplomas legislativos de suma importância no atual contexto processual brasileiro porque trazem em seus artigosa promessa de um instituto capaz de auxiliar na modernização da resolução dos litígios.
Apesar das iniciativas legais para regulamentar a mediação com a previsão de princípios e procedimentos é necessário esclarecer que introduzi-la com o propósito principal de aliviar a carga de processos que existe nas varas e Tribunais do país é um erro. Embora essa consequência possivelmente ocorra impor a mediação obrigatoriamente em todos os processos judiciais poderá torná-la uma mera formalidade e sua eficácia poderá ser reduzida.
Ademais, a inserção da mediação ao cotidiano social depende mais do que da publicação das leis, pois é de importância maior que os Tribunais estejam estruturalmente adequados e culturalmente preparados para receber e efetivar essa novidade.
Graduada em direito pela Universidade Federal Fluminense. Pós graduadanda em Direito Administrativo pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Advogada
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