Resumo: Trata-se de artigo cujo escopo é examinar, em linhas breves, a questão da combinação de leis penais no tempo, tangenciando a adoção, pelo Projeto de Código Penal, da possibilidade combinação.
Palavras Chave: Direito Penal. Norma Penal no Tempo. Combinação de Leis Penais no Tempo. Princípio da Irretroatividade. Projeto de Novo Código Penal.
O princípio da irretroatividade é previsto no Código Penal[1] vigente e na Constituição Federal[2], que veda a retroatividade de lei penal prejudicial ao réu e impõe a observância da novel legislação mais benéfica. Deveras, a lei penal mais branda é dotada de extra-atividade, ou seja, ela tem retroatividade[3] e ultratividade[4] benéficas. Resumidamente: são dotadas de extra-atividade a abolitio criminis e a novatio legis in mellius; são dotadas apenas de ultratividade a novatio legis incriminadora e a novatio legis in pejus.
Nesse contexto, a doutrina volta sua atenção para o problema da eleição da norma mais favorável, quando em hipótese de sucessão de leis penais no tempo, existe controvérsia acerca de qual delas é mais benéfica, haja vista existirem em ambos os diplomas aspectos mais e menos favoráveis ao réu. A exemplificar, é necessário saber como eleger a lei mais favorável, quando nova lei diminui a pena privativa de liberdade cominada para um crime, mas inaugura, para ele, a sanção de multa. Conforme leciona Juarez Cirino (SANTOS, 2010, p. 59) existem duas correntes que examinam essa questão de distintas maneiras, a saber: a) corrente tradicional; b) corrente moderna.
A corrente tradicional defende que apenas poderia ser escolhida uma das normas, no caso de sucessão de leis penais, no caso concreto. Os partidários da ponderação diferenciada aduziam que poderá haver conjugação de normas penais, a fim de aplicar os aspectos benéficos da nova lei e da lei revogada. Argumentam que a combinação de normas penais em benefício do réu transgridiria a separação dos poderes. Isso porque o juiz estaria usurpando a função legislativa, uma vez que a combinação de normas inaugura uma terceira norma, a partir dos fragmentos benéficos da norma vigente e da norma revogada.
Os defensores da corrente moderna, de sua banda, argumentam que os juízes não violam o princípio da separação dos poderes e também não usurpam função legislativa ao promover a conjugação de normas penais em benefício. É que, argumentam, a Constituição Federal, no que concerne ao princípio da retroatividade da norma penal benéfica, não menciona qualquer vedação à junção de neófitas normas penais benéficas. Nesse sentido, não haveria violação ao princípio da separação dos poderes, porque o juiz, acaso promovesse a união de normas, estaria exercendo meramente atividade integrativa da norma para efetivação do referido o princípio. Salientam ainda, com esteio no direito positivo, que a expressão “de qualquer modo” utilizada no art. 2º do CP não admite qualquer ressalva.
Cumpre salientar que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n. 105.905 – SP, considerou possível a dita combinação de leis penais no tempo para o crime de tráfico de drogas, aplicando a fato anterior à Lei 11.343/2006 a redução de pena de 2/3 prevista no art. 4º do referido diploma normativa.
De toda sorte, nesse contexto, a fim de pacificar a matéria, o Projeto de Código Penal prevê a possibilidade de combinação de leis, no seu art. 2º, §2º:
“Art. 2º. É vedada a punição por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
§ 1º A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
§ 2º O juiz poderá combinar leis penais sucessivas, no que nelas exista de mais benigno”.
Forçoso concordar com os adeptos da doutrina moderna, não só porquanto a aplicação de aspectos favoráveis das leis decorre do princípio constitucional da irretroatividade, incumbindo ao juiz aplicar o direito conforme a Constituição no caso concreto, como também, em razão da ponderação unitária poder conduzir a ilegais violações da irretroatividade. Demais disso, convém mencionar a crítica efetivada por Paulo Queiroz aos adeptos da doutrina tradicional, salientando que tal tese parte da errônea (e superada) perspectiva hermenêutica de que a interpretação depende do direito e não o direito da interpretação, referindo ainda que não se trata de combinação de leis, mas de retroatividade parcial do diploma (QUEIROZ, 2009, p. 118 e 119). Andou bem a Comissão ao propor a positivação da possibilidade de combinação de leis penais (muito embora se dirija encômios ao acertado entendimento de Paulo Queiroz – que afirma não haver combinação, mas retroatividade parcial -, ressalvando que por questão de segurança jurídica a positivação é de bom alvitre).
[1] Art. 2º – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
Informações Sobre o Autor
Rudá Santos Figueiredo
Mestrando em Direito pela Universidade Federal da Bahia Especialista em Ciências Criminais pelo Juspodivm-IELF Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia Professor da Pós-graduação em Ciências Criminais da Faculdade Baiana de Direito Professor de Direito Penal da Faculdade Baiana de Direito Professor de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Salvador-FACSAL Coordenador Adjunto da Pós-graduação em Ciências Criminais da Faculdade Baiana de Direito Coordenador Adjunto da Pós-graduação em Ciências Criminais do Ciclo