Resumo: O presente artigo tem por intuito apresentar aspectos introdutórios das concessões administrativas no Direto Brasileiro demonstrando segundo a legislação pátria as diferentes modalidades concessórias. Ainda, há preocupação em aclarar a doutrina moderna pós surgimento da lei das parcerias público-privadas que redesenhou de certa forma as modalidades de concessão no Brasil. Por fim, o estudo de direito comparado apresentado no presente trabalho demonstra que as concessões administrativas tem contornos distintos em cada país e vem evoluindo ao longo das décadas como forma de desonerar a máquina pública e o Estado em sua função de explorador de serviços públicos transformando-o em indutor dessa atividade em prol da sociedade.
Palavras-chave: Concessões. Contratos administrativos. Parcerias. Serviços Públicos. Evolução no Direito brasileiro e estrangeiro.
Abstract: This article presents an introduction on the administrative concessions under the Brazilian law institutes, classifying its institutes. Moreover, it presents the new administrative concessions doctrine after the public-private partnership has become part of the national legislation. Finally, a comparative law study shows the distinct outlines in each country for the administrative concessions and its evolution on changing the state´s role to inductors of public services instead of main actors.
Keywords: Concessions. Administrative Contracts. Partnerships. Public Services. Evolution on domestic and foreign Law.
Sumário: Introdução. 1. Concessões. 1.1. Origens e evolução das concessões de serviço público. 1.2. Direito comparado – A concessão no Direito estrangeiro. 1.3 Evolução da concessão no Direito brasileiro e influência do Direito estrangeiro. 2. Disciplina normativa das Concessões. 3. Definição, natureza jurídica e principais características.
Introdução
Na conjuntura atual, operam-se, no mundo inteiro, significativas transformações econômicas, políticas e sociais, levando a re-conceituação do papel do Estado Contemporâneo.
Muda o Estado, muda também a Administração Pública, abandonando o modelo puramente burocrático-fiscalista para assumir o papel gerencial que lhe cabe. O poder público deixa de ser essencialmente executor e prestador direto de serviços para assumir a função de regulador, indutor e mobilizador dos agentes econômicos e sociais.
Em nome do interesse público abandona o Estado sua postura ineficaz para cooptar a competente colaboração particular em parcerias que resultem no efetivo proveito da nação.
Os diplomas normativos que cercam o instituto das concessões são adequados e eficazes para a observância do interesse público e da probidade administrativa. Contudo, a sua fiel observância tem que ser acompanhada pelas práticas democráticas da transparência e da permanente ação fiscalizadora da sociedade e das instituições democráticas constitucionalmente designadas para tanto.
Antes de iniciarmos o questionamento acerca do tema, se faz necessário especificar as diversas nomenclaturas dadas às parcerias instituídas pelo Estado, explicitando-as com seus respectivos arcabouços normativos e identificando as diferenças gerais entre elas, para em seguida analisarmos suas especificidades.
No Direito Brasileiro, a disciplina normativa, esparsa em várias leis, fez nascer uma diferenciação entre os diversos tipos de parcerias, a saber:
“a) concessão e a permissão de serviços públicos, disciplinada pela Lei n° 8.987/95;
b) concessão de obra pública também disciplinada pela Lei n° 8.987/95;
c) a concessão patrocinada e concessão administrativa, que se aderem ao título de parcerias público-privadas na Lei n° 11.079/2004;
d) contrato de gestão, como instrumento de parceria com as organizações sociais, regido pela Lei n° 9.737/98;
e) o termo de parceria com as organizações da sociedade civil de interesse público, disciplinado pela Lei n° 9.790/99;
f) os convênios, consórcios e outros ajustes referidos no artigo 116 da Lei n° 8.666/93;
g) os contratos de empreitada (de obra e de serviços), disciplinados pela Lei n° 8.666/93;
h) os contratos de fornecimento de mão-de-obra que, embora sem fundamento legal, constituem uma realidade na Administração Pública nos três níveis de governo.”[1]
Há ainda o novel diploma Lei nº 12.462/11 (conversão em lei da Medida Provisória nº 527/2011) que criou o Regime Diferenciado de Contratações Públicas para a Copa das Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. A referida lei é optativa na contratação pública desses eventos e deverá constar no instrumento convocatório com o intuito de ser inteiramente aplicada rechaçando o regime da Lei nº 8.666/93.
1. Concessões
No que concerne ao instituto da concessão, o advento da Lei n° 11.079/2004 fez surgir a instituição chamada de parceria público-privada, porém, o termo parceria já era utilizado em sentido amplo para fazer referência aos ajustes operados entre o poder público e o particular com fins de interesse público, na qual aquele transfere a este, por meio de concessão a exploração de serviço público. Com o surgimento das parcerias público-privadas, faz-se necessário estabelecer a divisão doutrinária do termo concessão em três modalidades distintas, visto que cada uma delas se aplica a um tipo de atividade:
1) Concessão de serviço público comum, ordinária ou tradicional: é o contrato administrativo que tem por objeto a execução de um serviço público que é transferido pela Administração para que outrem o execute por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário ou por previsão contratual através de outra forma de remuneração complementar, acessória, alternativa ou decorrente de projetos associados, conforme previsão legal do art. 11 da Lei n° 8.987/93.
2) Concessão patrocinada: é o contrato administrativo que tem por objeto a execução de um serviço público ou de uma obra pública, tendo a contraprestação pecuniária do parceiro público somada à tarifa paga pelo usuário. Na concessão patrocinada, a contraprestação do poder público é obrigatória, diferindo-se da concessão tradicional, em que tal contraprestação é excepcional. O instituto é regido pela Lei n° 11.079/2004, aplicando-se subsidiariamente a Lei n° 8.987/95.
3) Concessão administrativa: apesar do entendimento doutrinário que toda concessão é administrativa, esta ganhou a devida nomenclatura por ser um contrato administrativo que tem por objeto a prestação de serviços de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens ( art. 2°, § 2°, da Lei n° 11.079/2004 ). Na lição de MARIA SYLVIA DI PIETRO[2]:
“A concessão administrativa constitui um misto de empreitada e de concessão: de empreitada, porque a remuneração é feita pelo pode público e não pelos usuários; de concessão, porque seu objeto poderá ser a execução de serviço público, razão pela qual seu regime jurídico será semelhante ao da concessão de serviços públicos, já que irá se submeter as normas aplicáveis à concessão tradicional, na parte em que confere prerrogativas públicas ao concessionário, como as previstas nos arts. 21, 23, 24 e 27 a 29, da Lei 8.987/95 e art. 31 da Lei 9.074/95 (conf. art. 3° da Lei 11.079); vale dizer, o concessionário executará tarefas como se fosse empreiteiro, sendo remunerado pela própria Administração Pública, mas atuará como se fosse concessionário de serviço público, estando sujeito às normas sobre transferência da concessão, intervenção, encampação, caducidade e outras formas de extinção previstas na Lei n° 8.987; também se aplicam as normas dessa lei que estabelecem os encargos do poder concedente e do concessionário”.
Da Constituição Federal extraímos:
“Art. 175. Incumbe ao Poder público, na forma de lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (caput).
Do exame desse dispositivo constitucional, conclui-se que abrange os diversos tipos de concessão, dos quais o poder público optará pelo regime mais adequado a se adotar, conforme o caso. A concessão comum ou a concessão patrocinada poderão ser adotadas, uma ou outra, em se tratando de contratação de serviço público, precedido ou não de obra pública, quando tratar-se de tarifa paga pelo usuário. Conforme a opção teremos o regime regido pela Lei n°. 8.987/95 ou Lei n°. 11.079/2004.
Diferentemente, quando não estiver diante da opção de cobrança de tarifa paga pelo usuário, como, por exemplo, nas atividades de cunho social, ou serviços uti universi, que são usufruídos indiretamente pelos cidadãos e não comportam cobrança de taxa, devendo ser prestados com recursos provenientes dos impostos, será adotada a forma de concessão administrativa sob a édige da Lei n°. 11.079/2004. Assim, o poder público terceiriza sua atividade, hipótese em que a remuneração fica toda a cargo do Estado.
1.1 Origens e evolução das concessões de Serviço Público.
Com vistas a um melhor entendimento acerca desse assunto, cabe, inicialmente, uma introdução histórica na qual se exponha a evolução da concessão de serviço público no nosso país, bem como os elementos que têm influído nesse campo do direito administrativo.
Os antecedentes da concessão remontam à Idade Média, com as concessões senhoriais e reais, por meio das quais se transferia a vassalos a administração de feudos ou a exploração de atividades, sobretudo minas, em domínios pertencentes ao senhor feudal.
Naquela época, firmavam-se contratos no intuito de garantir o empenho dos participantes e fixar diretrizes quanto à remuneração. Em troca da prestação dos serviços, os senhores feudais atribuíam terras ou rendas, tendo também poderes de fiscalização, gerência na execução do contrato e, em certos casos, de rescindir a concessão quando bem entendesse, mesmo não havendo falhas por parte do vassalo. O concessionário detinha, no todo ou em parte, os poderes do senhor sobre os subordinados, devendo respeitar, entretanto, direitos de terceiros. As condições das concessões tinham por base um censier, documento no qual eram fixadas as obrigações do concessionário.
No séc. XVII, o termo concessão era utilizado também para denominar atos de benevolência do soberano, muitos dos quais implicavam transferência de prerrogativas e derrogação de normas. Pode-se citar, como exemplo, a venda de cargos públicos, que devia ser formalizada em um contrato de concessão, transferindo-se ao comprador todos os privilégios e prerrogativas.
Na França absolutista havia contratos de gestão de serviços públicos em que os representantes do poder público tudo podiam: exerciam a direção; baixavam normas; impunham unilateralmente acréscimos e; detinham o poder de rescisão. No século XVII, poucas eram as garantias dadas aos concessionários, que ficavam sujeitos aos interesses do poder público.
O quadro se altera no século XVIII, quando se ampliam as garantias do contratado, podendo-se mencionar, dentre elas, o direito à indenização em casos de culpa da Administração no cumprimento do contrato, o aumento dos encargos inicialmente previstos ao contratante particular, a rescisão unilateral sem culpa do concessionário na ocorrência de situações imprevistas.
Com as conotações atuais, a concessão existe desde o século XIX na Europa, sobretudo na França. Era instituída em serviços que exigiam grandes investimentos financeiros e mão de obra especializada, encargos esses que o poder público não tinha como assumir. Seu uso, na época, recaiu, principalmente, sobre estradas de ferro, fornecimento de água, de gás e de eletricidade.
1.2. Direito comparado – A concessão no Direito estrangeiro.
Na França, em sua maior parte, o direito administrativo foi um direito não escrito. No entanto, a obra incessante de criação do Conselho de Estado, nos repertórios de jurisprudência administrativa, permitiu que sua formação se desse continuadamente. Em relação ao instituto da concessão, o fenômeno ocorreu de modo especial, como nos mostra o texto do conhecido monografista ANGE BLONDEAU:
“Nosso direito administrativo não tem por fonte os textos de leis; é evidente que não há texto de lei relativo à concessão de serviço público em geral. Foi por intermédio das estipulações dos cadernos de encargos e das decisões dos tribunais administrativos que a nossa instituição se formou. Entretanto, nela existem temas de riqueza incomparável e, por outro lado, as próprias condições de elaboração das regras da concessão fazem desta matéria extremamente viva”. [3]
O regime jurídico especial, que a respeito dos contratos administrativos se elaborou jurisprudencialmente, compreendia duas séries de regras: “umas eram as especiais, isto é, peculiarmente suas, e sem equivalências ou analogias com as regras de direito privado; outras eram regras emprestadas ao direito privado, mas que, em razão das peculiaridades dos serviços públicos, sofreram modificações mais ou menos importantes”. [4]
O ponto de partida dos juristas franceses para elaboração do regime jurídico dos contratos administrativos pode ser resumido nesta ideia fundamental: “o contrato administrativo não é senão um processo de técnica jurídica posto à disposição dos agentes públicos para assegurar o funcionamento regular e contínuo dos serviços, por meios jurídicos mais fáceis e mais enérgicos que os de direito privado”. [5]
Sobre as peculiaridades desse especial regime jurídico, escreve o Prof. GASTON JÉZE:
“Todavia, este regime jurídico não era tão preciso quanto o do direito privado. Foi a jurisprudência do Conselho de Estado que, à força de sucessivos acordos, com retoques constantes, construiu, pela dedução da noção de serviço público e sob a pressão de suas necessidades, este regime jurídico especial. Existe, desde então, um conjunto de importantes regras firmemente estabelecidas; diariamente, adições mais ou menos relevantes são trazidas. É tarefa da doutrina apresentar uma sistematização destas soluções de minúcias, aproximando-as das decisões anteriores, coordenando-as e criticando-as”[6]
Centralizando nosso estudo no desenvolvimento do instituto da concessão de serviço público no direito francês, cabe dizer, inicialmente, que praticamente só se conhecia um tipo de concessão de serviço público: a concessão a longo prazo.
Tanto o Conselho de Estado quanto a doutrina priorizavam, acima de tudo, os contratos de longa duração, entendendo que não poderia haver funcionamento regular e contínuo do serviço público se o modo de exploração ou o concessionário fossem mudados com frequência. Além disto, atentava-se também para o fato de que a concessão pressupunha, na grande maioria dos casos, grandes investimentos para que o serviço concedido fosse prestado de forma adequada, necessitando o concessionário, para a amortização dos enormes gastos, longo período de exploração. Nesse sentido, veja-se lição de MARCEL WALINE:
“É necessário que o concessionário explore o serviço durante um longo período para amortização de seus investimentos, sobretudo se a concessão de serviço público se complica com uma concessão de obra pública, pois o custo da primeira instalação é, neste caso, elevado”.[7]
Entendia-se, portanto, que o contratante particular não podia ser privado do direito de explorar o serviço durante o período convencionado, a não ser em caso de falta grave do concessionário, devidamente provada perante autoridade judiciária (rescisão), ou quando a autoridade administrativa considerasse de interesse público a volta do serviço público ao regime de prestação direta, mediante compensações financeiras equivalentes ao concessionário (encampação).
Entretanto, esse tipo de concessão de serviço público, que a jurisprudência do Conselho de Estado cercou de todas as garantias, em especial mediante a aplicação da teoria da imprevisão e de indenizações amplas e generosas nos casos de encampação, perdeu grande parte de sua importância na primeira metade do século XX, em função da nacionalização das concessionárias. Na prática, o crescimento da intervenção estatal e a fixação de tarifas com finalidades políticas ou sociais transformaram a natureza econômica do instituto. Assim, na expressão de JEAN RIVERO, “o casamento entre a iniciativa privada e o poder público passou do regime de separação de bens para o regime comunitário”[8].
Recentemente, “com a onda privatizante” ocorrida em todo mundo, a concessão readquiriu novas dimensões segundo as quais deve ser respeitado um dogma fundamental: o da segurança do equilíbrio financeiro nas relações entre concedente e concessionário. Não importa o conceito jurídico da concessão (contrato administrativo puro, ou ato complexo, semi-contratual e semi-regulamentar), nem o fato gerador da ruptura da equação econômico-financeira, que apenas influencia o caráter e o alcance das compensações.
A Jurisprudência equitativa do Conselho de Estado sempre contemplou e ainda hoje contempla o equilíbrio econômico-financeiro, expresso na regra da equivalência honesta de deveres e direitos do concessionário, com o complemento do princípio da continuidade do serviço. Ambos são essenciais à existência da concessão. Inspiram-se em igual postulado de interesse público, consistente em assegurar a prestação adequada e eficiente do serviço concedido.
No que concerne ao exemplo Norte-Americano, não constitui tarefa fácil expor o sistema norte-americano de regulamentação dos serviços de utilidade pública (public utilities), dada a multiplicidade de aspectos por que pode ser encarado.
Além disto, para nós, familiarizados com o sistema francês de concessão, cujos princípios e vocabulário técnico de longa data adotamos, a compreensão e o domínio do sistema americano das public utilities, substancialmente diverso nas suas origens e na sua prática atual, exigiria paciente investigação através das várias regulamentações estaduais. Em razão da complexidade do tema, não nos propomos a historiar e descrever o regime das public utilities, mas, tão somente, destacar os contratos ou atos administrativos por meio dos quais se outorgavam às empresas privadas o direito e o privilégio da exploração dos serviços de utilidade pública, que é o que nos interessa neste trabalho.
A terminologia nunca foi uniforme em relação a tais atos, sendo usuais as denominações de franchise, license, permit e consents. Toda empresa, para iniciar a exploração de uma public utility, deveria obter, previamente, uma frachise, uma license um permit ou um consent. A outorga de quaisquer das modalidades de concessão previa a emissão antecipada de um “certificado de conveniência ou necessidade pública”.
Dentre os diversos modos por que podem ser classificadas as concessões no direito norte-americano, um dos mais úteis à compreensão da evolução de seu regime administrativo e jurídico, é o que toma como critério diretor a sua duração, visto que ela determina o período durante o qual os direitos e privilégios especiais outorgados pela concessão podem ser exercidos.
Quanto à duração as concessões são classificadas em três espécies, a saber:
a) perpétuas;
b) de prazo limitado;
c) indeterminadas ou termináveis.
As concessões perpétuas são aquelas outorgadas em caráter perpétuo ou por prazos extraordinariamente longos, tais como 999 anos. Em certos casos, foram dadas de forma inadvertida, pela omissão das datas de expiração, sendo reconhecidas pelos tribunais como perpétua. Hoje é muito duvidoso que um ente público, qualquer que seja o grau de sua ignorância a respeito de seus interesses, outorgue tais direitos a companhias concessionárias de serviço público.
Acerca das concessões a prazo limitado, compreenderá aquela cujo prazo vai até 50 anos. Estas surgiram da necessidade de reajustamentos periódicos das relações entre o poder público e a empresa concessionária, pelas constantes mudanças das condições econômicas e tecnológicas.
A concessão a prazo indeterminado se caracteriza por eliminar o prazo de duração. Enquanto bem servir à municipalidade (during good behavior), a empresa gozará, indefinidamente, dos privilégios outorgados pelo permit. A principal objeção quanto a esta espécie de concessão é a de que ela assume a natureza de uma concessão perpétua, pois, embora tenha o direito de terminar a concessão, considerações práticas podem tornar impossível ou inconveniente fazê-lo.
Do que se expôs a respeito do sistema americano, verificamos que as concessões perpétuas e as de prazo limitado se assemelham às concessões do direito francês e, ao mesmo tempo, que delas se distinguem de modo absoluto as concessões a prazo indeterminado, eminentemente revogáveis, que são uma peculiaridade do direito americano.
A ênfase que o Direito Norte-Americano concede à questão dos prazos nas concessões é ligada à enorme importância que se dá, naquele país, ao atrativo de novos capitais, preconizando-se, sempre, a criação de condições propícias tanto à prestação de um serviço estável e perfeito, como ao financiamento da expansão e melhoria do estabelecimento inicial.
Por outro lado, entretanto, é entendimento consolidado no Direito Americano que não pode o Estado exigir do concessionário a permanência de prestação de serviço que, por razões diversas, tenhas se tornado cronicamente deficitário. A jurisprudência da Suprema Corte têm posicionamento pacífico no sentido de que a empresa não deve ser constrangida a prosseguir na exploração deficitária do serviço se não houver expectativa razoável de exploração lucrativa do serviço concedido. Pode-se citar como exemplo o caso Telephone Company v. Tax Commission, no qual BRANDEIS, conhecido integrante da Suprema Corte, anotou que a empresa não pode ser obrigada a prosseguir no empreendimento com prejuízo, indefinidamente[9].
Portanto, o sistema norte-americano de concessões de serviço público, embora diverso, em sua estrutura, do regime francês da concessão de serviço público, não se distancia, porém, dos pressupostos fundamentais que a este servem de inspiração: dever do concessionário de manter um serviço adequado e direito à manutenção do equilíbrio financeiro do contrato. Tais garantias são asseguradas tanto pela Suprema Corte quanto por órgãos independentes denominados Comissões Estaduais.
No direito Norte-Americano, a noção do serviço público concedido (ali configurado no regime peculiar das public utilities) está indissoluvelmente ligada à garantia da estabilidade econômico-financeira da empresa. Ao dever de prestar bom serviço corresponde o direito à justa remuneração, assegurada pela atualização de tarifas razoáveis e pela proteção judicial contra formas diretas, ou indiretas, de confisco do investimento, ou de sua renda.
No que concerne a outros países, não encontramos traços de originalidade no regime de concessão. Todos os sistemas de concessões estrangeiros que analisamos superficialmente se baseiam na jurisprudência francesa ou na experiência norte-americana nesta área. São reflexos das instituições criadas na jurisprudência francesa, ou na experiência regulamentar norte-americana, como forma de recepção de conceitos e técnicas dessa procedência.
Em Portugal, as tarifas devem assegurar ao concessionário “justa e estável remuneração”, podendo ser complementadas, para esse efeito mediante assistência financeira do estado, sob a forma de subvenção, subsídios ou garantias de juros.
Na Bélgica, a vizinhança com a França levou à importação das “teorias da imprevisão” e do “fato do príncipe”. O direito do concedente à modificação unilateral das condições de exploração do serviço fundamenta a indenização ao concessionário, se for comprometido o equilíbrio financeiro da concessão.
O direito italiano também consagra o direito do concessionário à justa remuneração e à amortização do investimento.
Na Alemanha vigora há muito, a obrigação de indenizar os danos causados pelo Poder Público ao direito individual dos concessionários.
No Direito espanhol, sob a influência da doutrina francesa, vige a regra da imutabilidade da equação financeira da concessão, cabendo à administração o ressarcimento ao concessionário, caso haja perturbação causada à economia do concessionário.
No Egito, previa-se a modificação das tarifas ou das condições do serviço caso a equação financeira fosse rompida por circunstâncias imprevistas, alheias à vontade das partes.
Na Argentina, há inspiração francesa na acolhida à teoria da mutabilidade do contrato administrativo e influência norte-americana no conceito de tarifas justas e razoáveis.
No Uruguai, o respeito ao equilíbrio financeiro da concessão conduz à revisão das tarifas, que devem ser justas e razoáveis, com valores e vigência dependentes da homologação estatal.
No Direito mexicano a Administração está obrigada a manter o equilíbrio financeiro do serviço concedido. A teoria da imprevisão é aceita nos moldes da jurisprudência francesa.
1.3 – Evolução da concessão no Direito brasileiro e influência do Direito estrangeiro.
No Brasil, as concessões nasceram no último quarto do século XIX, como um instrumento de atração de capital e tecnologia externos. Para mobilizá-los foi adotado, de início, o modelo de concessões de obras públicas, nas quais se atribui ao concessionário, mediante a exploração do serviço, obter a remuneração e a amortização do investimento feito.
Foi graças à participação da iniciativa privada estrangeira que se desenvolveram, na época, os serviços de portos, a construção de ferrovias e se implantaram, nos grandes centros, os serviços de eletricidade, gás, telefones ou transportes urbanos. Predominou, em tais empreendimentos, o regime contratual inspirado no Direito Francês, em que a liberdade do concessionário pouco era limitada pela intervenção do poder administrativo.
A garantia dos investidores se fazia sentir em contratos de longo prazo, em alguns casos de 90 anos, estimulando o pioneirismo da implantação de mercados. A economia dos contratos era protegida pela garantia de juros mínimos do capital, ou pela adoção da cláusula ouro como base do capital reconhecido.
A Constituição de 1934 viria a proibir a garantia de juros a empresas concessionárias de serviço público (art. 142) e o Decreto n° 23.501/33 declarou nulas as estipulações em ouro, alterando de forma substancial a estrutura das tarifas.
As concessões, como originalmente pactuadas, se continham dentro de limites contratuais. Tal como nas relações privadas, o princípio da imutabilidade (pacta sunt servanda) não obrigava os concessionários a expandir e atualizar os serviços além das forças do contrato, somente alteráveis por acordo das partes.
A necessidade pública impôs, entretanto, uma nova concepção, abrigada na jurisprudência do Conselho de Estado da França – transposto para o nosso sistema – de que as obrigações de fazer dos concessionários poderiam ser alteradas por ato unilateral do poder concedente, desde que se mantivesse, adequadamente, o equilíbrio financeiro dos contratos. É a regra da mutabilidade do contrato administrativo, à qual se integra a garantia de continuidade da equação financeira das concessões.
A influência, por muito tempo exclusiva do Direito Francês, veio a se conciliar, entre nós, especialmente nas três últimas décadas, à experiência norte-americana de regulamentação efetiva dos serviços de utilidade pública, manifestando-se, sobretudo, na tentativa de implantação do critério do serviço pelo custo (service-at-cost), como base tarifária em determinadas concessões.
Não obstante a diversidade de conceitos e soluções, tanto no sistema francês quanto no sistema americano sobrepaira o mesmo tema da estabilidade financeira do concessionário como elemento vital à exploração privada do serviço público.
É nessas duas fontes comparativas que o direito administrativo brasileiro se baseia para a institucionalização, no plano legislativo, ou na criação doutrinária, dos princípios básicos das concessões de serviço público.[10]
2. Disciplina normativa
A concessão de serviços públicos tem previsão constitucional no artigo 175, que dispõe:
“Art. 175. Incumbe ao Poder público, na forma de lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão.
II – os direitos dos usuários
III – política tarifária
IV – a obrigação de manter o serviço adequado.”
Em conformidade com a previsão contida no referido artigo, bem como àquela contida no artigo 22, XXVII, da Constituição, que estabelece a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, foi editada a Lei Federal nº. 8.987, de 13.02.1995, que dispõe acerca do regime de concessão de serviços públicos. Essa lei foi posteriormente modificada pela Lei nº. 9.074, de 7.07.1995, que regulou as concessões e permissões de serviços de energia elétrica. As duas foram ainda parcialmente modificadas pela Lei nº. 9.648, de 27.05.1998.
A Lei nº. 8.987/95, por sua vez, em seu artigo 1º, dispõe que as concessões se regerão pelas normas gerais nela contidas, pelas normas legais específicas pertinentes e pelas cláusulas dos respectivos contratos. Fica perfeitamente claro, portanto, que essa Lei não pretendeu esgotar a matéria, mas, ao contrário, reconheceu a necessidade de complementação por parte da legislação ordinária específica, editada no uso da competência própria de cada pessoa jurídica de capacidade política.
Tal entendimento fica ainda mais claro quando se observa que o parágrafo único desse artigo menciona que "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a revisão e as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições desta Lei…". Ou seja: haverá legislações específicas, que poderão disciplinar aspectos das concessões e permissões de maneira diversa, segundo suas peculiaridades, salvo naquilo que for entendido como norma geral e, nessa condição, de observância obrigatória.
Cabe observar que os Estados e Municípios não estão obrigados a editar leis próprias que regulem as concessões de serviço público. Inexistindo lei própria, boa parte da doutrina vem entendendo que poderão ser celebrados contratos de concessão, observando-se as prescrições da Lei nº. 8.987 e desde que haja autorização legislativa para isso, genérica ou específica.
No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Lei nº. 2.931, de 13.11.1997, prevê em seu artigo 1º, §1º, que os serviços concedidos devem ser definidos pelo Governador do Estado por meio de decreto.[11]
Devem ser observados, também, em se tratando de contratos de concessão, os preceitos dispostos na Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública (8666/93), que determina, em seu artigo 124, a aplicação de seus dispositivos às concessões no que não for contrário à lei específica.
O contrato de concessão, como os demais contratos administrativos, deve observar, ainda, a regra contida no artigo 37, XXI, da Constituição Federal que exige a licitação prévia. O artigo 175 corroborou essa exigência ao dispor que a prestação de serviços públicos pode ser delegada sempre através de licitação. A Lei nº 8.987/95, em seus artigos 2º, II e III e 14, também estipula que a concessão de serviço público deve ser feita através de licitação. O artigo 2º, II e III, exige ainda uma modalidade específica: a concorrência.
3. Definição, natureza jurídica e principais características.
Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado comete à pessoa, física ou jurídica, o direito de prestar serviços de interesse da coletividade. Deve-se lembrar que somente podem ser objeto de concessão os serviços classificados como de utilidade pública (delegáveis), e nunca os serviços públicos próprios (indelegáveis), como, por exemplo, a distribuição da justiça (jurisdição).
A Lei n°. 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, em seu art.2°, II, define concessão de serviço público como “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”.
Em crítica a esta definição legal, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO magnificamente conceitua concessão de serviços públicos:
“é o instituto através do qual o estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.” [12]
Sobre a natureza jurídica da concessão existem vária teorias[13]. Alguns autores como FRITZ FLEINER, OTTO MAYER, ZANOBINI e ALCIDEZ CRUZ afirmam que a concessão de serviço público é ato administrativo unilateral, praticado pelo Estado no exercício de seu jus imperii. Não se caracterizaria como contrato porque o objeto em mira é coisa fora do comércio, as cláusulas não são livremente discutidas pelas partes e os sujeitos acham-se em posição de evidente disparidade.
Outros autores consideram que a concessão de serviço público teria natureza de contrato privado, não admitindo haver contrato no âmbito do Direito Público. Sustentaram esta teoria RUI BARBOSA, VIVEIROS DE CASTRO, ANTÃO DE SOUZA e MANUEL INÁCIO CARVALHO DE MENDONÇA.
A teoria dominante sustenta que a concessão de serviço público tem a natureza jurídica de contrato administrativo de direito público. Partidários desta teoria estão MÁRIO MASSAGÃO, BRANDÃO CAVALCANTI, GUIMARÃES MENEGLE, MARIA SYLVIA ZANELA DI PIETRO, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, DIÓGENES GASPARINI, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, entre outros.
Sobre este aspecto opina JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO:
“Entendemos que referido negócio Jurídico é de natureza contratual, embora sejamos forçados a reconhecer particularidades específicas que o configuram realmente como inserido no âmbito do direito público” [14].
A natureza contratual, bilateral, do ato administrativo, o conteúdo público desta relação de direito, o interesse público predominante em todas as fases da execução do serviço são, de acordo com a melhor doutrina, os traços característicos desta modalidade de exploração dos serviços de utilidade pública. Pelo que concluímos que a concessão de serviço público tem sua natureza jurídica bem definida, caracterizando-se como contrato de direito público, oneroso sinalagmático, perfeito de adesão, comutativo e realizado ‘intuito personae’.
Esse vínculo obrigacional que se estabelece entre o concedente e concessionário, de natureza evidentemente contratualista, constitui-se, pois, na principal característica do contrato de concessão. É a própria Constituição, em seu artigo 175, que estabelece que o Poder Concedente mantém uma relação contratual especial com a concessionária prestadora de serviços públicos, sendo o contrato de concessão o instrumento que formaliza tal relação:
“Art. 175: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão.(…)”
Certo é que, com a outorga da concessão, o Estado não se desobriga do seu dever constitucional de realizar o serviço público, nem abdica da titularidade da sua prestação, mas delega ao particular a sua execução, que a assume com todos os riscos empresariais envolvidos, mas sob a supervisão e a cooperação do Poder Público. Conforme se verifica pela etimologia da palavra, concessão é uma cessão na qual o Estado continua a atuar como participante, sendo que o prefixo “co” também é encontrado em outras palavras com sentido análogo, como é o caso de condomínio, cooperação, colaboração etc.
Daí porque a doutrina tem classificado o contrato de concessão de serviços públicos na categoria de contrato de colaboração, entre a empresa privada e a Administração, o que lhe dá maior flexibilidade, importante no momento em que se impõe a composição dos interesses dos contratantes, mormente em virtude das modificações posteriores unilateralmente impostas pelo Poder Público. Não há dúvida de que todas as alterações contratuais supervenientes, que vierem a ser decididas pela autoridade pública, não podem prescindir de uma solução dinâmica e negociada entre as partes, de modo a não prejudicar a prestação do serviço público concedido e nem acarretar injusto desequilíbrio na equação econômico-financeira do contrato de concessão.
É a Lei nº. 8.987, de 1995, que enuncia, no art. 23, as cláusulas essenciais ao contrato, as quais, coerentemente com o princípio que certamente inspirou a edição do diploma legal, devem ser interpretadas e aplicadas segundo o princípio da parceria ou da colaboração, entre o Poder Público e o empresário privado, sempre com vistas à satisfação do interesse público, que deve predominar durante toda a duração do contrato.
Entramos, assim, num campo que a doutrina francesa caracterizou como sendo, na feliz conceituação de BLOCH-LAINÉ, o da economia concertada[15], na qual, para realizar seus planos, o Estado e a Administração vêem-se obrigados a negociar constantemente suas obrigações de acordo com os princípios da boa-fé e da lealdade, que se impõem não só na celebração, mas também na execução dos contratos[16].
Conclusão
O presente artigo teve por intuito demonstrar que a legislação brasileira tornou-se esparsa no que toca ao instituto das concessões administrativas dando ao gestor público inúmeras opções para a implantação das políticas públicas, especificamente na concessão dos serviços públicos.
Diante da variedade do tema e inúmeras abordagens, coube à doutrina nacional sistematizar a concessão tradicional, patrocinada e administrativa, especificamente após o advento da Lei de parcerias público-privadas que redesenhou o tema.
Ainda, considerando que o tema está em constante evolução, apresentou-se um estudo de direito comparado alinhavando as principais características das concessões nos diferentes ordenamentos jurídicos, destacando o tema no direito administrativo Francês e dos Estados Unidos que são sem dúvida os países que mais influenciaram na formação da escolástica brasileira de direito administrativo das concessões.
O tema deve ser visto sob a ótica dos princípios do direito administrativo sem olvidar da dinâmica que representa a concessão de serviços públicos e a extensa demanda da sociedade por serviços de qualidade. A variedade de opções para a concessão de serviços públicos à disposição do gestor público no Brasil supõe que há necessidade de escolher pelo modelo que mais atenda a especificidade de cada prestação de serviço.
Por fim, independente da classificação que se adote – Estado social, liberal ou democrático – tem-se visto que tanto o Brasil, quanto os países dos quais buscou-se copiar o modelo de concessões, tem retirado do Estado o papel de explorador direto da atividade econômica para transformá-lo em indutor e fiscal das garantias constitucionais postas em favor do cidadão.
Informações Sobre o Autor
Tamoio Athayde Marcondes
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União, mestrando em Administração Pública pela Universidade de York – Reino Unido