Adesão à ata de registro de preços: sua criação e o que representa diante dos princípios que regem o procedimento licitatório

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Resumo:O Sistema de Registro de Preços é um procedimento especial de Licitação, utilizado para registrar preços visando a contratação futura para a aquisição de bens e serviços. Foi introduzido no ordenamento jurídico pela lei nº 8.666/93, e regulamentado por decreto federal. Contudo, o decreto inovou ao permitir a adesão à ata de registro de preços por órgão não participante do procedimento licitatório, o que causa divergência entre doutrina e jurisprudência. Este trabalho, através de pesquisa bibliográfica, teve como objetivo realizar uma análise dos princípios que regem a administração bem como o procedimento licitatório e identificar as críticas, doutrinária e jurisprudencial, quanto à prática de adesão à ata de registro de preços conhecida como licitação “carona” em especial no que concerne ao surgimento da figura do “carona”. Conclui-se que, apesar de ser amplamente aceita no meio administrativo, esta prática contém vícios que a tornam ilegal, além de afrontar princípios da Administração Pública.

Palavras-chave: Sistema de Registro de Preços. Ata de Registro de Preços.  Princípios. “Carona”. Controvérsias.

Abstract: The Prices Registration System is a special procedure of bidding, used to record prices with a view to future employment for the acquisition of goods and services. It was introduced in the legal system by Law Nº 8.666/93 and regulated by federal decree. However, the decree has innovated by allowing adherence to price registration record for not participating agency of the bidding process, which causes disagreement between doctrine and jurisprudence. This paper, through literature, aimed to carry out an analysis of the principles governing the administration as well as the bidding process and identify critical, doctrine and jurisprudence, as the practice of adherence to price registration record known as bid "ride" particularly as regards the appearance of the figure of the "ride". It concludes that, despite being widely accepted in the administrative environment, this practice has vices that make it illegal, and defy principles of public administration.

Keywords: Prices registration system. Prices Registration Act. Principles. "Ride". Controversy.

Sumário: 1.Introdução. 2. Licitação: definição e finalidades. 2.1. Princípios do Procedimento licitatório. 3. O sistema de registro de preços. 3.1 Adesão à ata de registro de preços: a figura do “carona” e sua previsão legal. 4. Do poder regulamentar. 5. Controvérsias quanto a prática de adesão à ata de registro de preços. 6. O posicionamento do Tribunal de Contas da União (TCU) a respeito da adesão à ata de registro de preços. 7. Conclusão.

1. Introdução

A Administração Pública possui um regime jurídico que lhe confere prerrogativas e limitações. Dentre as limitações a que ela deve se submeter está o de realizar licitação para contratar, prática corriqueira dos órgãos da administração pública.

Além disso, todas as atividades da Administração devem ser pautadas por princípios constitucionais implícitos e explícitos que norteiam a conduta administrativa, e no procedimento licitatório não é diferente.

Este deve ser pautado por princípios que lhe garantam a lisura e o interesse público como finalidade maior a ser alcançada. Ademais, o procedimento licitatório também possui princípios próprios. 

O Sistema de Registro de Preços (SRP), uma prática realizada entre os órgãos da Administração, está previsto no artigo 15, parágrafo 3º da Lei 8.666/93, lei geral de licitações. Este artigo deixa claro que esse sistema “será regulamentado por decreto”. Inicialmente o Decreto 3.931/01 regulamentou o SRP, até ser revogado, no ano de 2013, pelo Decreto 7.892/13, agora responsável pela regulamentação.

O papel de um decreto no ordenamento jurídico brasileiro é dar fiel execução as leis. Ele está previsto no artigo 84, inciso IV da Constituição Federal, que trata das atribuições relativas ao Presidente da República. Os decretos não podem inovar no ordenamento, pois tratam-se de ato administrativo que veiculam o regulamento, servem apenas para especificar o que foi tratado pela lei.

Acontece que tanto o decreto 3.931/01 quanto o atual decreto 7.892/13 prevêem que um órgão que não participou da pesquisa de preços possa contratar com o vencedor da licitação realizada por outro órgão através da adesão à ata de registro de preços. Esse órgão não participante ficou popularmente conhecido como “carona.”

Isso é encarado como uma inovação ao ordenamento jurídico, pois a figura do “carona” em nenhum momento foi mencionada na lei geral de licitações ao criar o SRP, o que a torna uma figura ilegal para muitos.

Assim, apesar de ser uma realidade, a prática da adesão à ata de registro de preços conhecida como “licitação carona” tem sido muito questionada pela doutrina devido ao modo como surgiu no ordenamento e, ainda, parece burlar alguns princípios da administração sendo tida por alguns como uma fraude à licitação, levantando posicionamentos diferenciados entre a doutrina e a jurisprudência sobre o assunto. Por isso, o tema torna-se relevante.

O presente estudo pretende fazer uma análise dos princípios que regem a administração pública e, em especial, o procedimento licitatório, bem como, identificar as críticas realizadas à prática da adesão à ata de registro de preços, fazendo uma análise do surgimento do órgão não participante da licitação e de como a jurisprudência vem tratando o presente tema.

Para tanto, será definido o que vem a ser licitação pública e identificado quais os princípios inerentes ao procedimento licitatório; em seguida, será explicado o SRP e definido o que vem a ser adesão à ata de registro e como esta surgiu no ordenamento, e feito um breve relato sobre o papel do decreto regulamentador no ordenamento jurídico brasileiro; após isso, serão identificadas as controvérsias que permeiam a prática da adesão à ata de registro de preços; e, por último, será identificado o posicionamento do Tribunal de Contas da União (TCU) a respeito do tema.

A metodologia utilizada será a pesquisa bibliográfica por se tratar de uma apreciação realizada com a ajuda de livros, artigos científicos, legislação e pesquisa jurisprudencial a respeito do tema.

Por fim, o trabalho será dividido nas seguintes partes: a primeira será destinada à licitação pública – definição, objetivos e princípios; a segunda tratar-se-á do Sistema de Registro de Preços, especificamente da adesão à ata de Registro e da figura do “carona”; a terceira tratará do Poder Regulamentar da Administração Pública; em quarto lugar trataremos das controvérsias relativas à prática da adesão à ata de registro de preços; e, por último, será exposto o posicionamento do TCU a respeito do tema em estudo.

2 Licitação: definição e finalidades

A licitação é o procedimento administrativo prévio, na busca da melhor proposta, utilizado pela administração para a celebração de um contrato. Decorre do regime jurídico administrativo que estabelece prerrogativas e limitações à Administração Pública. Trata-se, assim, de uma limitação imposta pelo princípio da indisponibilidade do interesse público e de um dever da Administração Pública.

A União tem competência para legislar sobre normas gerais de licitação de acordo com o artigo 22, inciso XXVII, da Constituição Federal.

A matéria tem ainda previsão em nossa Carta Magna no artigo 37, XXI; artigo 173, parágrafo 1º, III; e artigo 175. Além disso, é regulada por leis específicas.

Em regra, a realização de licitação é obrigatória para os órgãos da administração direta e indireta, os fundos especiais, e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pelos entes federativos, conforme se observa pela leitura do parágrafo único do artigo 1º da lei geral de licitações, 8.666/93.

Deve-se licitar sempre que houver a necessidade de contratação de obras, serviços, compras e alienações, além de concessão e permissão de serviços públicos.

O artigo 3º da lei 8.666/93 estabelece as finalidades a serem alcançadas com o procedimento licitatório e cita alguns dos princípios que devem norteá-lo. Veja-se:

“Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos.”

Dessa forma, conclui-se que todo o procedimento tem um fim seletivo e busca alcançar o interesse público. Para tanto, percebe-se a preocupação do legislador em realizar um procedimento pautado nos princípios que norteiam toda a conduta administrativa de forma a garantir sua lisura.

Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, p. 309) define licitação como:“procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração do contrato.”

2.1 Princípios do procedimento licitatório

Os princípios citados no artigo 3º da lei 8.666/93 estão explícitos ou implícitos no texto constitucional e na legislação administrativa como um todo. Existem ainda, princípios exclusivos do procedimento licitatório, tais como a vinculação ao instrumento convocatório, o julgamento objetivo, o sigilo das propostas e a adjudicação compulsória, entre outros, citados ao longo da referida lei.

No caput do artigo 37 da CF/88 encontram-se os princípios nos quais a conduta administrativa deve ser pautada, e lá estão os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Todos, também, presentes no artigo 3º da lei que trata de licitações.

Diante do princípio da legalidade, tem-se a obrigatoriedade da conduta administrativa coadunar-se com a lei. Dessa forma, só são consideradas aceitas condutas descritas em lei, de forma vinculada ou discricionária, mas sempre prevista legalmente.

 Em relação ao princípio da impessoalidade, percebe-se que a administração deve agir de modo a não importar-se com quem será atingido pelo ato. Assim, deve existir uma ausência de subjetividade. Essa é uma das formas de garantir a isonomia.

Já quanto ao princípio da moralidade, deve-se entendê-lo como uma busca a probidade, a honestidade, a boa-fé. Não se trata de uma moralidade moral, e sim, jurídica.

 O princípio da publicidade busca facilitar o controle da administração por seus administrados, fazendo com que a atuação administrativa seja a mais transparente possível. Por outro lado, a publicidade também é necessária à eficácia dos atos administrativos, pois estes só são eficazes quando são publicizados.

No caso do procedimento licitatório, esses princípios podem ser observados através dos atos que são praticados. A obediência às regras estabelecidas nas leis que tratam de legislação e a própria Constituição Federal espelha o princípio da legalidade, assim como a escolha do objeto e as regras da licitação para que qualquer pessoa que atenda àquelas exigências possa concorrer na licitação, coaduna-se com o princípio da impessoalidade. A moralidade deve permear o procedimento do início ao fim, e a publicidade é claramente observada nas regras de divulgação dos instrumentos convocatórios. Por outro lado:

“Além da submissão aos princípios gerais do regime jurídico-administrativo, toda licitação está sujeita a determinados princípios irrelegáveis no seu procedimento, sob pena de se descaracterizar o instituto e invalidar seu resultado seletivo. Esses princípios resumem-se, para nós, nas seguintes prescrições: procedimento formal; publicidade de seus atos; igualdade entre os licitantes; sigilo na apresentação das propostas; vinculação ao edital ou convite; julgamento objetivo; adjudicação compulsória ao vencedor; e probidade administrativa.” (MEIRELLES, 2010, p. 31,32)

O procedimento formal está intimamente ligado ao princípio da legalidade. Ele irá reger todo o procedimento licitatório fazendo com que tanto a administração quanto os licitantes obedeçam às mesmas regras procedimentais. Nesse sentido, o artigo 4º da lei 8.666/93 estabelece que todos os que participam da licitação “têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento”.

Todavia, esse formalismo não deve ser exagerado a ponto de atrapalhar a seleção limitando a participação do número de licitantes e, assim, violar um objetivo básico da licitação que é a seleção da proposta mais vantajosa.

A publicidade dos atos é inerente ao procedimento licitatório. Não existe licitação sigilosa de acordo com o parágrafo 3º da lei geral de licitações. Em casos onde deve ser observado o sigilo em virtude da segurança nacional, estes devem ser realizados com dispensa de licitação.

A igualdade entre os licitantes tem como base o princípio da isonomia e, tanto proporciona à administração a possibilidade de realizar o melhor negócio, como assegura aos concorrentes, igualdade de condições. Contudo, não fica proibido à Administração estabelecer requisitos mínimos para os licitantes participarem da licitação. O que se veda é a discriminação, o favorecimento de uns em detrimento de outros, o que comprometeria o caráter competitivo do certame.

O sigilo das propostas está intimamente ligado a manutenção do caráter competitivo do procedimento licitatório bem como do julgamento objetivo das propostas. Está previsto no artigo 3º, parágrafo 3º, da lei 8.666/93 e sua inobservância dá ensejo à nulidade do procedimento e é prevista como crime.

A vinculação ao edital deixa administração e licitantes diretamente ligados ao instrumento convocatório, que deve conter todas as regras relacionadas ao procedimento licitatório e ao futuro contrato. Todavia, não é um princípio absoluto, devendo-se garantir que o exagerado formalismo não atrapalhe a busca pela melhor proposta como explicado anteriormente.

De acordo com Hely Lopes Meirelles (2010, p. 51), “(…) estabelecidas as regras do certame, tornam-se obrigatórias para aquela licitação durante todo o procedimento licitatório e para todos os seus participantes, inclusive para o órgão ou entidade licitadora.”

O julgamento objetivo é o critério utilizado para a escolha do vencedor. É explícito no instrumento convocatório. Não existe, aqui, discricionariedade por parte do administrador, portanto, este se encontra vinculado ao estabelecido no edital.

A adjudicação compulsória é o direito subjetivo do vencedor de contratar com a administração caso esta assim o deseje. Não garante o contrato administrativo, apenas uma expectativa do contrato. Isso porque a administração pode revogar ou anular a licitação em caso de interesse público ou ilegalidade, respectivamente. O que fica proibido é a contratação da Administração com outro que não seja o vencedor do certame.

Hely Lopes Meirelles (2010) alerta que além de obrigar a Administração a contratar com o adjudicatário, esse princípio veda a abertura de uma nova licitação enquanto válida a adjudicação anterior.

A probidade administrativa é dever de todo administrador público, está prevista constitucionalmente, e sua não observância além de acarretar a nulidade da licitação coloca o servidor e o particular que incorreu em improbidade sujeitos as penalidades da lei 8.429/92.

3 O sistema de registro de preços (SRP)

O Sistema de Registro de Preços está previsto no artigo 15, inciso II, da lei geral de licitações, 8.666/93, e no artigo 11 da lei nº 10.520/02, que regula o pregão. Na esfera federal foi inicialmente regulamentado pelo Decreto 3.931/01, que foi recentemente revogado pelo Decreto 7.892/13, atualmente vigente.

De acordo com o artigo 15 da lei 8.666/93, “As compras, sempre que possível, deverão: (…) II- ser processadas através do Sistema de Registro de Preços”.

Segundo Marçal Justen Filho (2010), a expressão “sempre que possível” não quer dizer que se trata de uma discricionariedade da administração, portanto, em casos onde a administração não optar pelo SRP é necessário fundamentar sua decisão, deixando claros os motivos de sua não utilização.

O referido artigo lei 8.666/93 que trata sobre as compras realizadas pela administração tenta trazer para o setor público as vantagens dos negócios realizados no setor privado.

“O artigo 15 evidencia que a contratação administrativa não deve ser mais onerosa e menos eficiente do que a do setor privado. Um dos meios fundamentais de obtenção da eficiência consiste no sistema de registro de preços. Através dele, a administração poderá efetivar aquisições de modo mais eficaz. (…)” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 184)

O Decreto 7.892/13, em seu artigo 2º, inciso I, define SRP como um “conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras”.

  Ainda de acordo com o aludido Decreto, o SRP poderá ser adotado em casos de contratações freqüentes; aquisições de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou regime de tarefas; atendimento a mais de um órgão ou programas de governo; e, ainda, quando não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado. (art. 3º, Decreto 7.892/13)

Será, ainda, precedido de ampla pesquisa de mercado e deverá ser realizada nas modalidades concorrência e pregão, de acordo com as leis 8.666/93 e 10.520/02, respectivamente. Excepcionalmente, poderá ser utilizado o julgamento por técnica e preço nos moldes do parágrafo 1º do atual decreto regulamentador, 7.892/13.

Terá validade de, no máximo, 01 ano, e os preços registrados poderão ser impugnados por qualquer cidadão. A dotação orçamentária não precisa ser indicada na licitação para registro de preços, esta somente será exigida para a formalização do contrato.

Ao final do procedimento licitatório tem-se a ata de registro de preços, definida como:“documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, em que se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas.” (art. 2º, II, Decreto 7.892/13)

Justen Filho (2010) enumera as vantagens do SRPcomparado às licitações comumente realizadas: economia de tempo, profissionais e dinheiro já que o SRP elimina a burocracia, os custos e os desgastes de uma grande quantidade de licitações, tornando-se mais eficiente; rapidez na contratação e melhor gestão dos recursos financeiros, pois se pode realizar a licitação sem dotação orçamentária; prazo maior de validade da ata de registro de preços, visto que na licitação comum se a administração não contratar dentro de 60 dias com o adjudicatário, este está liberado, não sendo mais obrigado a contratar e, assim, corre-se o risco da realização de uma nova licitação para o mesmo objeto; não obrigatoriedade de estimar exatamente a quantidade e qualidade a ser contratada, podendo contratar quantidades superiores ou inferiores a estimada no edital a depender da necessidade do órgão; e por fim, o fato da aquisição poder ser destinada a diferentes órgãos, em razão de uma mesma ata de registro poder ser utilizada para várias compras de vários órgãos.

A licitação para o SRP é composta por um órgão gerenciador, assim definido como “órgão ou entidade da administração pública federal responsável pela condução do conjunto de procedimentos para registro de preços e gerenciamento da ata de registro de preços dele decorrente”, e por órgãos participantes, definidos como “órgão ou entidade da administração pública federal que participa dos procedimentos iniciais do Sistema de Registro de Preços e integra a ata de registro de preços”. (art. 2º, III, IV, Decreto 7.892/13)

Além desses, é possível verificar a presença de órgãos não participantes, também pertencentes à Administração Pública que, apesar de não terem participado do procedimento de licitação, fazem adesão à ata de registro de preços, desde que atendam aos requisitos do atual decreto. Esses órgãos ficaram popularmente conhecidos como “carona”.

3.1 Adesão à ata de registro de preços: a figura do “carona” e sua previsão legal

A adesão à ata de registro de preços se dá com a possibilidade de um órgão ou entidade que não participou do procedimento licitatório aderir à ata e adquirir os bens e serviços licitados por órgão diverso.

Teve sua previsão inicialmente no artigo 8º do Decreto 3.931/01, que apesar de prever o “carona”, não regulava de maneira adequada a sua participação na ata nem impunha limites à adesão. Isso fez com que essa prática fosse alvo de críticas das mais diversas e culminou com a orientação do Tribunal de Contas da União (TCU)para que este Decreto fosse revisto e alterado no que fosse necessário a regulamentação da prática.

Assim, em janeiro de 2013, foi aprovado um novo Decreto que revogava o anterior, trata-se do Decreto 7.892/13. Este novo Decreto continua fazendo previsão à figura do “carona”, no artigo 22, e agora o define como órgão não participante, dedica um capítulo inteiro para tratar do tema, regulando, assim, a maioria dos pontos controvertidos apontados pela doutrina e jurisprudência.

“Art. 22 Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador.”

O atual Decreto regulamentador define o órgão não participante como aquele que “não tendo participado dos procedimentos iniciais da licitação, atendidos os requisitos desta norma, faz adesão à ata de registro de preços.” (art. 2º, V, Decreto 7.892/13).

De início, fica claro que o órgão não participante da ata deve demonstrar a vantagem de aderir à ata de outro órgão ao invés de realizar uma licitação própria.

Além disso, o fornecedor beneficiário da ata deve concordar com a adesão de modo a não prejudicar as obrigações assumidas com os órgãos gerenciador e participantes da licitação.

Ademais, as aquisições ou contratações adicionais provenientes da adesão à ata não podem exceder a 100% dos quantitativos previstos no instrumento convocatório para os órgãos gerenciador e participantes.

Aliás, no edital de licitação deve constar a estimativa das quantidades a serem adquiridas pelos órgãos gerenciador, participantes e não participantes, conforme artigo 9º do Decreto 7.892/13.

Além do mais, deve constar no instrumento convocatório a previsão de que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder ao quíntuplo do quantitativo previsto para os órgãos que participaram da licitação, independente do número de órgãos não participantes que aderirem à ata.

Por fim, o órgão não participante, em regra, só poderá aderir à ata de registro de preços após a primeira aquisição ou contratação realizada por órgãos integrantes da ata, sendo que depois de autorizado pelo órgão gerenciador terá 90 dias para realizar a aquisição ou contratação do bem ou serviço, observado o prazo de vigência da ata.

4. Do poder regulamentar da administração

Os decretos 3.931/01 e 7.892/13 decorreram do poder regulamentar da administração. Para tratar deste poder, é interessante falar sobre as funções típicas dos Poderes Executivo e Legislativo.

O Poder Legislativo inova a ordem jurídica, criando leis. Além disso, atua fiscalizando outros poderes conforme se infere da leitura dos artigos 58 e 70 a 75 da Constituição Federal.

Enquanto isso, o Poder Executivo aplica a lei no caso concreto, seguindo o princípio da legalidade. Diferencia-se da aplicação da lei feita pelo Judiciário, pois, o Executivo aplica a lei para administrar a coisa pública, enquanto aquele a aplica para dirimir conflitos existentes.

O chefe do Poder Executivo, no caso da União, o Presidente da República, é o responsável por colocar em prática o poder regulamentar. Ele acumula as funções de chefe de Estado e chefe de governo e tem suas atribuições previstas no artigo 84 da Constituição Federal, de forma exemplificativa.

Entre essas atribuições está a de “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução” (inciso IV). Essa função está diretamente ligada ao processo legislativo e corresponde a função de chefe de governo. Trata-se de uma atribuição que não pode ser delegada.

É necessário, para este estudo, que fique bem clara qual a diferença entre leis e decretos ou regulamentos.

Leis são fontes primárias do Direito, normas gerais e abstratas de responsabilidade do Poder Legislativo. Estão previstas no artigo 59 da Constituição como espécie normativa e devem passar por um processo, chamado processo legislativo, para que sejam válidas e produzam efeitos. Trata-se de uma garantia do cidadão em virtude do Princípio da Legalidade estampado no artigo 5º, inciso II da CF que diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Já os decretos ou regulamentos são fontes secundárias, de responsabilidade do chefe do poder executivo, que com o objetivo de propiciar a fiel execução às leis, têm apenas a finalidade de detalhar, pormenorizar uma lei que já existe, assim, não passam pelo processo legislativo. Por esse motivo, não podem inovar o ordenamento jurídico.

“A diferença entre lei e regulamento no Direito brasileiro, não se limita à origem ou à supremacia daquela sobre esta. A distinção substancial reside no fato de que a lei pode inovar originariamente no ordenamento jurídico, enquanto o regulamento não o altera, mas tão somente fixa as regras orgânicas e processuais destinadas a pôr em execução os princípios institucionais estabelecidos por lei, expressos ou implícitos, dentro da órbita por ele circunscrita, isto é, as diretrizes, em pormenor, por ela determinada.” (MENDES, 2014, P. 930)

Hely Lopes Meirelles (2010) entende o poder regulamentar como a faculdade que os chefes do executivo possuem de aplicar a lei para sua correta execução.

 Em outras palavras, o chefe do Executivo irá emitir decretos ou regulamentos que visem dar operacionalidade a leis já existentes. Deste modo, conclui-se que o decreto não tem o objetivo de inovar no ordenamento, sendo até proibido fazê-lo.

Só existem dois casos em que o decreto inova o ordenamento, eles estão previstos no artigo 84, inciso VI, da Constituição Federal, são os chamados decretos autônomos, contudo, não serão aqui detalhados por não fazerem parte desse estudo.

Em síntese, é possível enumerar algumas características do Poder Regulamentar, são elas: é exercido pelo chefe do Poder Executivo; indelegável; exterioriza-se por meio de decreto (ato-forma); objetiva tão somente dar fiel execução à lei, não podendo inovar o ordenamento; surgem a partir de leis que possuem eficácia contida; e por fim, o Congresso Nacional pode sustar os atos normativos que exorbitem o poder regulamentar de acordo com o artigo 49, inciso V, da Constituição Federal. 

5. Controvérsias quanto a prática de adesão à ata de registro de preços

O SRP possui inúmeras vantagens, já citadas anteriormente, e tem na participação de vários órgãos em torno de um mesmo procedimento licitatório e na não obrigatoriedade de contratar, talvez, suas maiores vantagens. A Administração ganha, assim, alguma flexibilidade diante de suas demandas e orçamento.

Contudo, apesar das vantagens, o SRP gera algumas controvérsias quando se refere ao órgão não participante da ata, conhecido como “carona”.

Essas controvérsias foram, inclusive, responsáveis pela revogação do Decreto 3.931/01 pelo Decreto 7.892/13, que melhor regula a atuação do órgão não participante da ata, após orientação do TCU.

Parte da doutrina não vê com bons olhos a figura do “carona”. Não é incomum encontrar críticas à prática de adesão à ata, como se pode observar nas palavras de Lucas Rocha Furtado em sua obra Curso de Licitações e Contratos Administrativos (2010, p.343): “Não obstante a sistemática da carona se trate de medida que valoriza a eficiência e a economia processual, ela abre as portas à fraude e ao conluio”

Marçal Justen Filho (2010), ao se referir ao carona diz:

“O regulamento explicitamente admitiu a possibilidade de utilização do registro de preços por entidades não vinculadas originariamente à sua instituição (art. 8º). Posteriormente, foi introduzida inovação permitindo a superação dos quantitativos máximos previstos na licitação original, o que não apenas configura como ofensivo ao princípio da legalidade mas também infringe a essência da sistemática constitucional e legislativa sobre licitações e contratações administrativas.” (p.206)

Continuando, o autor afirma que “a figura do carona é inquestionavelmente ilegal e eivada de uma série de vícios” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 207).

Para ele, existe infração ao princípio da legalidade, pois a figura do carona foi introduzida no ordenamento jurídico por meio de Decreto; infração ao princípio da vinculação ao edital; infração à disciplina da habilitação, pois os requisitos exigidos para habilitação dependem diretamente do objeto a ser licitado e sua quantidade. Segundo o autor supracitado, criou-se com a adesão à ata uma hipótese de dispensa de licitação e uma ofensa aos princípios da República e da isonomia. (JUSTEN FILHO, 2010)

Gasparine (2012), ao se referir ao “carona” em sua obra, diz que “Sem nenhum apoio na Lei Federal Licitatória, o que torna de duvidosa legitimidade (grifo nosso), o art. 8º do Regulamento do Sistema de Registro de Preços introduziu a figura do carona” (p.559).

Outro ponto que por vezes se discute em relação à adesão à ata é que por se tratar de uma discricionariedade do órgão não participante, e, por este de antemão já saber quem é o vencedor da licitação, ele estará escolhendo com quem contratar. Isso pode ser encarado como uma fraude ao procedimento licitatório, além de propiciar a corrupção.

Nesse sentido Edgar Guimarães e Joel de Menezes Niebuhr citados por Helena Alves de Souza Dias, Juliana Cristina Lopes de Freitas Campolina e Juliana Gazzi Veiga de Paula, assentam:

“O carona é o júbilo dos lobistas, do tráfico de influência e da corrupção, especialmente num país como o nosso, com instituições e meios de controle frágeis. Os lobistas e os corruptores não precisam mais propor o direcionamento de licitação; basta proporem o carona e tudo está resolvido.” (2008, p.124)

Por outro lado, há doutrina que encontra aspectos positivos na adesão à ata de registro de preços, como é o caso de Jorge U. Jacoby Fernandes (2007), que ao se referir ao carona explica:

“O carona no processo de licitação é um órgão que antes de proceder à contratação direta sem licitação ou a licitação verifica já possuir, em outro órgão público, da mesma esfera ou de outra, o produto desejado em condições de vantagem de oferta sobre o mercado já comprovadas. Permite-se ao carona que diante da prévia licitação do objeto semelhante por outros órgãos, com acatamento das mesmas regras que aplicaria em seu procedimento, reduzir os custos operacionais de uma ação seletiva.

É precisamente nesse ponto que são olvidados pressupostos fundamentais da licitação enquanto processo: a finalidade não é servir aos licitantes, mas ao interesse público; a observância da isonomia não é para distribuir demandas uniformemente entre os fornecedores, mas para ampliar a competição visando a busca de proposta mais vantajosa.”

Fernandes (2007) diz ainda que a Constituição Federal não vincula um contrato a uma única licitação. Além disso, a prática do carona pressupõe a realização de uma licitação onde foram observados os princípios da publicidade, isonomia e da seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública.

Para Rafaela de Oliveira Carvalhaes, “O 'carona', também denominado Órgão Não Participante, constitui instrumento de gestão administrativa que privilegia os princípios da celeridade, economicidade e eficiência.”

Como se pode perceber, o tema encontra defensores e opositores. As principais críticas à prática de adesão à ata são relativas à legalidade e a legitimidade da figura do carona e, também, à violação a princípios da Administração Pública bem como do procedimento licitatório.

A criação de um novo Decreto corrigiu diversos pontos polêmicos que permeavam a prática de adesão à ata de registro de preços.

 A principal mudança trazida foi em relação à limitação da adesão à ata. A obrigação de previsão no edital do quantitativo decorrentes das adesões à ata de registro e sua limitação ao quíntuplo do quantitativo de cada item conforme o parágrafo 4º, do art. 22, do Decreto 7.892/13, afasta as ofensas aos princípios da vinculação ao edital, da República e da isonomia, além da infração à disciplina da habilitação, todos citados por Marçal Justen Filho em sua obra e mencionados anteriormente.

Sem dúvida, o que é mais questionável em relação à figura do “carona” é em relação a sua legalidade, e quanto a isso, de nada adiantou a edição de um novo Decreto.

De fato, a Constituição Federal confere à Lei a tarefa de tratar sobre licitação. No âmbito Federal, a matéria é abordada principalmente na lei 8.666/93, além de outras que tratam de procedimentos específicos tais como o pregão e o regime diferenciado de contratações.

   Em nenhum momento a lei que traça regras gerais, 8.666/93, menciona a possibilidade de adesão à ata de registro de preços. Assim, para muitos, o Decreto inovou no ordenamento jurídico extrapolando sua finalidade, que se restringe a pormenorizar a lei.

Contudo, apesar dos aspectos negativos, são inegáveis os benefícios trazidos pelo SRP e também pela adesão à ata de registro, tais como a celeridade, a economia e a eficiência, que buscam trazer para o setor público as vantagens das condições estabelecidas no setor privado, quando realizados de maneira a atingir o interesse público.

6. O posicionamento do tribunal de contas da união (tcu) a respeito da adesão à ata de registros de preços

A matéria Sistema de Registro de Preços, em especial, a adesão à ata por órgão não participante da licitação, sempre foi tema recorrente de processos nos Tribunais de Contas dos Estados e da União.

O TCU mudou seu posicionamento no decorrer dos anos, admitindo a figura do carona, contudo, fazendo críticas a alguns pontos polêmicos, tais como a adesão à ata entre entes diversos da federação e a adesão ilimitada à ata de registro de preços.

A Advocacia Geral da União (AGU) também se pronunciou a respeito da temática, e formulou a orientação de Nº 21 onde não recomenda aos órgãos federais aderirem às atas de órgãos estaduais e municipais.

O caso mais emblemático que envolve o SRPanalisado pelo TCU foi o que deu ensejo ao acórdão 1.487/07.

No caso em análise, o Ministério da Saúde realizou uma licitação através da modalidade Pregão e autorizou 62 órgãos e entidades a aderirem à ata de registro de preços. O valor estimado de contratações que, inicialmente, era de 32 milhões, poderia alcançar o valor de quase 2 bilhões, caso cada um dos 62 órgãos contratasse 100% do quantitativo previsto no edital, conforme autorizado pelo Decreto 3.931/01, em seu parágrafo 3º.

Diante da situação em análise, o TCU considerou a prática ofensiva aos princípios da competição, da isonomia entre os licitantes, da vinculação ao edital, da economicidade e salientou que a administração perdia em economia de escala, haja vista não estar tirando proveito do quantitativo vendido pelo particular.

Veja-se um trecho do voto do Relator do acórdão, Ministro Valmir Capelo:

8.Para além da temática principiológica que, por si só já reclamaria a adoção de providências corretivas, também não pode deixar de ser considerada que, num cenário desses, a Administração perde na economia de escala, na medida em que, se a licitação fosse destinada inicialmente à contratação de serviços em montante bem superior ao demandado pelo órgão inicial, certamente os licitantes teriam condições de oferecer maiores vantagens de preço em suas propostas.(…)

10.Vê-se, portanto, que a questão reclama providência corretiva por parte do órgão central do sistema de serviços gerais do Governo Federal, no caso, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, razão pela qual, acompanhando os pareceres emitidos nos autos, firmo a conclusão de que o Tribunal deva emitir as determinações preconizadas pela 4ª Secex, no intuito de aperfeiçoar a sistemática de registro de preços, que vem se mostrando eficaz método de aquisição de produtos e serviços, de modo a prevenir aberrações tais como a narrada neste processo.”(Acórdão 1.487/07)

Após amplo debate a respeito do carona e da adesão ilimitada à ata de registro, determinou-se ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), no subitem 9.2.2 do acórdão, que reavaliasse as regras estabelecidas no decreto nº 3.931/2001, estabelecendo, principalmente, limites para a adesão à ata de Registro de Preços realizada por outros órgãos.

Diante da decisão, o MPOG recorreu da decisão alegando que a adesão à ata era de extrema vantagem para a Administração e que o Decreto 3.931/01 apenas sistematizou a regra de dispensa de licitação prevista no art. 24, inciso VII, da Lei de licitações.

O reexame deu ensejo ao acórdão 2.692/12 que teve como relator o Ministro Aroldo Cedraz que assim se pronunciou:

“5.7 Assim, embora o instituto da adesão a ata de registro de preços possibilite, conforme salientou o recorrente, a redução dos custos com licitações e a desburocratização, sua utilização de forma ilimitada não pode ser aceita, por contrariar princípios básicos que vinculam a Administração Pública.”

Ao analisar a figura do carona, encontra-se no acórdão a seguinte afirmativa:

“Ora, não se desconhece a situação privilegiada conferida pelo Decreto nº 3.931/2001 à figura do “carona”, decisivamente favorecido pela flexibilidade e informalidade de que se reveste o procedimento de adesão às atas de registro de preços. Isso, contudo, não constitui razão suficiente para que se reconheça no instituto plena legitimidade, mormente nos moldes em que foi instituído. Ao contrário, a condição confortável do “carona”, ao que me parece, decorre da inobservância de princípios e procedimentos exigidos pelo ordenamento jurídico quando da celebração de contratos pela Administração, tendo por objeto compra ou contratação de serviços.” (Acórdão nº 2.692/12, relator Ministro Aroldo Cedraz)

Mais adiante, tem-se que:

“Ainda que seja extirpada a figura do “carona” do ordenamento jurídico, o SRP, por suas vantagens já consagradas, continuará a ser importante instrumento para que os órgãos e entidades públicas, na condição de participantes ou gerenciadores, alcancem a almejada economia, celeridade e eficiência.”(Acórdão nº 2.692/12, relator Ministro Aroldo Cedraz)

Após discutir o que foi alegado pelo recorrente, foram abordados temas que exigiam a atuação de ofício do Tribunal. Dessa forma, foi decretada a nulidade da determinação contida no subitem 9.2.2 do acórdão 1.487/07 por entender a corte que a atribuição é constitucionalmente prevista como competência do Presidente da República, estando assim, por violar o princípio da separação dos poderes.

Outrossim, foi abordada a inconstitucionalidade do instituto de adesão às atas de registro de preços por órgãos e/ou entidades não participantes da licitação. Veja-se:

Ao instituir a figura do “carona”, o decreto inovou na ordem jurídica, criando mecanismo novo de dispensa de licitação, matéria esta reservada à lei em sentido estrito. Não fosse por só este aspecto, penso que ainda que houvesse sido veiculado por lei, a normalização do instituto padeceria de inconstitucionalidade, visto que não foram estabelecidos limites, critérios, circunstâncias e/ou requisitos aptos a legitimar a dispensa de licitação.

O argumento de que a ata de registro de preços é resultado de prévio processo licitatório não afasta a conclusão. A norma constitucional não se tem por atendida com o aproveitamento de licitação realizada por outrem (…)”(Acórdão nº 2.692/12, relator Ministro Aroldo Cedraz)

Mais adiante, abordou também a ilegalidade do instituto:

“Acaso não se vislumbre ofensa direta à Constituição Federal, a análise da matéria fica projetada para o plano da legalidade. Também aí, evidencia-se flagrante incompatibilidade entre o art. 8º, caput e parágrafos, do Decreto nº 3.931/2001 e a Lei Geral de Licitações. Sem adentrar no exame de todos os aspectos legais que se tem por violados, tenho por suficiente chamar a atenção para o fato de que o decreto ampliou as hipóteses de dispensa de licitação, taxativamente enumeradas na Lei nº 8.666/1993.”(Acórdão nº 2.692/12, relator Ministro Aroldo Cedraz)

Ao final, o acórdão conheceu do pedido de reexame para, no mérito, negar-lhe provimento; tornou insubsistente, de ofício, o item 9.2.2 do acórdão 1.487/07; e, recomendou ao MPOG que empreenda estudos para aprimorar a sistemática do SRP.

Após, o TCU, por meio do acórdão 1.233/12, estabeleceu que a adesão à ata não deveria ultrapassar os limites previstos no edital. Assim, ao permitir a adesão à ata, haveria abatimento do que fosse adquirido pelo “carona” do quantitativo total licitado.

Isso gerou uma enorme polêmica, pois se dizia que a decisão inviabilizava a prática de adesão à ata.

Com a edição do novo Decreto, em janeiro de 2013, grande parte dessa discussão se deu por encerrada, já que ele regulamentou aspectos controvertidos e supriu a falta de regulamentação que havia quanto a participação do órgão não participante da licitação, ainda assim, o tema continua freqüente nos Acórdãos do TCU.

Por todo o exposto, é notória a importância do tema, sua implicação para a Administração Pública e a preocupação do TCU com a referida prática.

Percebe-se que o TCU, apesar de toda a discussão sobre o assunto, é a favor da adesão à ata de registro de preços, contudo procura impor limites para que a prática não se desvirtue, deixando de ser vantajosa para a Administração.

7. Conclusão

A realização de licitação é uma das práticas mais comuns e importantes do meio administrativo, isso porque é através dela que se concretizam os contratos. Ela é um reflexo da conduta da Administrativa, sendo, portanto, regulada por seu regime jurídico e pautada por princípios que norteiam a atividade administrativa.

O SRP é uma forma especial de contração e trás inúmeras vantagens, procurando reproduzir na esfera pública os benefícios e a celeridade decorrentes das contratações da esfera privada. Tem na doutrina e na jurisprudência sua importância, incontestavelmente, reconhecida.

O que se questiona é a prática de adesão à ata de registro de preços, conhecida como “licitação carona”, pois nela, um órgão que não participou do procedimento licitatório pode aderir posteriormente ao procedimento realizado por outro órgão, o que levanta discussões acerca da legalidade dessa conduta, principalmente, por ter surgido através de um decreto.

A polêmica gerada culminou na criação de um novo decreto regulamentador, como uma tentativa de minimizar os aspectos falhos que davam ensejo a inúmeros questionamentos a respeito do tema.

Como visto no decorrer desse trabalho, o tema desperta divergência tanto entre os doutrinadores quanto entre decisões judiciais.

De fato, com a vigência do atual decreto, 7.892/13, houve uma melhora significativa na regulamentação da prática, contudo, não suficiente para colocar fim à polêmica.

Apesar de amplamente aceito, não se pode ignorar que o surgimento do órgão não participante ou “carona” se deu através de um decreto e não por lei, como deveria ser, tornando assim, a figura ilegal.

Também é difícil não observar que a prática desvirtua princípios importantíssimos da Administração Pública como a isonomia e a impessoalidade, já que o órgão não participante sabe, previamente, quem é o vencedor da licitação e assim contrata se quiser, com quem quiser (grifo nosso). É notório que essa discricionariedade dá margem para fraudes, conluios, corrupção e benefício de uns em detrimento de outros.

A questão da ilegalidade e inconstitucionalidade levantada no Acórdão 2.692/12 deve ser ainda melhor discutida.

Não podemos esquecer que é essencial que a Administração Pública atue não apenas pautada na legalidade, mas também, de maneira eficiente, eficaz, impessoal e razoável, e o que é, muitas vezes, visto quando analisamos contratos realizados através do SRP é que isso tudo não é observado.

A criação de um novo decreto foi um importante passo na regulamentação da prática da adesão à ata, contudo ainda há muito o que ser discutido e implementado para que a Administração possa realmente usufruir das inúmeras vantagens trazidas pelo SRP sem ser prejudicada pelo mau uso dessa prática.

Referências
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BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1.233/2012 – Plenário. Relator: Ministro Aroldo Cedraz. Brasília, 23 de maio de 2012.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2.692/2012 – Plenário. Relator: Ministro Aroldo Cedraz. Brasília, 03 de outubro de 2012. 

Informações Sobre o Autor

Danielle de Souza Brito

Graduada em Direito pelo Centro Universitário Estácio do Ceará em 2014 e Pós graduada em Direito e Processo Constitucional pela Faculdade de Tecnologia de Palmas em 2015.


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