O Processo Administrativo Disciplinar e as espécies procedimentais que instruem seu andamento

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Resumo: O presente trabalho visa analisar os institutos que a Administração Pública encontra para averiguar a responsabilidade sobre os atos de seus servidores. Estão entre os procedimentos disciplinares, os procedimentos investigativos: investigação preliminar, sindicância investigativa e sindicância patrimonial; e os procedimentos contraditórios: sindicância acusatória e os processos administrativos disciplinares ordinário e sumário. Verificando assim, as diversas especificidades desses institutos e sua aplicação no caso concreto.[1]

Palavras-chave: procedimentos disciplinares, procedimento investigativo, procedimento contraditório, processo administrativo disciplinar

Abstract: This study aims to analyze the institutes that the Public Administration uses to determine the responsibility of the acts of their servants. Among the disciplinary procedures are the investigative procedures: preliminary investigation, investigative inquiry and balance inquiry; and the contradictory procedures: accusatory inquiry and ordinary and summary disciplinary administrative proceedings. Checking thus, the specificities of these institutes and their application in the case.

Keywords: disciplinary procedures, investigative procedure, contradictory procedures, administrative proceeding

Sumário: Introdução. 1. Procedimentos Disciplinares. 1.1. Procedimentos Investigativos. 1.1.1 Investigação Preliminar. 1.1.2. Sindicância Investigativa. 1.1.3. Sindicância Patrimonial. 1.2. Procedimentos Contraditórios. 1.2.1. Sindicância Acusatória. 1.2.1.1. Fases da Sindicância Acusatória. 1.2.1.2. Composição da Comissão. 1.2.1.3 Prazos da Sindicância. 1.2.1.4 Desnecessidade de Instauração da Sindicância Acusatória Previamente ao Processo Administrativo Disciplinar. 1.2.2 Processo Administrativo Disciplinar sob o Rito Sumário. 1.2.3 Processo Administrativo Disciplinar sob o Rito Ordinário. Conclusão. Referências.

Introdução

O Processo Administrativo Disciplinar está inserido no ramo do Direito Administrativo chamado de Direito Administrativo Disciplinar. Este, por sua vez, possui a função de, através de uma série de regras de comportamento, organizar a relação existente entre a Administração Pública e seu quadro funcional. Constitui elemento essencial para que a Administração possa garantir o bom funcionamento de seu serviço mantendo a disciplina e ordem de seu corpo funcional.

Os princípios que regem o Direito Administrativo Disciplinar são, basicamente, aqueles próprios do Direito Administrativo em geral, sendo eles: princípio do devido processo legal, segundo o qual qualquer ato a ser praticado deva ser previsto em lei; princípio da ampla defesa e do contraditório, que abre espaço para que o servidor justifique seus atos e se defenda; princípio do informalismo moderado, que desobriga o uso de procedimentos formais para o andamento do feito; princípio da verdade real, que exige da Administração atuação conforme os fatos tais como se apresentarem na realidade, e não como apresentados pelos sujeitos; princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade, exige a comprovação de culpa do servidor, e; princípio da motivação, que por sua vez, solicita da Administração a devida justificativa para a realização de suas condutas.

No Direito Administrativo Disciplinar o servidor possui responsabilidade pelos seus atos, sendo que, esta responsabilidade se transformará de acordo com as condutas praticadas pelo funcionário.

A Responsabilidade Administrativa corresponde àquelas condutas passíveis de punição decorrentes da ação ou omissão no âmbito das atribuições do servidor.

A Responsabilidade Civil diz respeito aos danos causados pelo servidor decorrentes de seus atos, e o respectivo ressarcimento conseqüente desta conduta para que a Administração ou um terceiro prejudicado retornem ao estado em que se encontravam antes do dano causado por este servidor.

Por fim, a Responsabilidade Penal deriva de condutas infringentes que consequentemente resultarão em sanções de âmbito criminal a este servidor e a respectiva condenação. Estas sanções poderão variar desde uma simples multa até uma pena privativa de liberdade.

Com esta breve introdução a respeito do Direito Administrativo Disciplinar, avançaremos no tema deste artigo que visa a esclarecer as espécies de Procedimentos do Processo Administrativo Disciplinar.

1. Procedimentos Disciplinares

São espécies comuns de Procedimentos Disciplinares que veremos neste item: os Procedimentos Investigativos, nos quais se faz meramente a investigação e averiguação de fatos ocorrentes na Administração Pública, sem que se faça necessário abrir espaço à ampla defesa e ao contraditório; e os Procedimentos Contraditórios, que em contraste com o procedimento anterior, realiza uma acusação ao servidor a fim de se aplicar uma punição, se constatada a conduta ilícita deste, devendo-se assim, obrigatoriamente, ocorrer a aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório. Vejamos estas espécies de Procedimento Disciplinares.

1.1. Procedimentos Investigativos

Conforme breve análise anterior, os Procedimentos Investigativos correspondem, tão somente, à apuração se determinada conduta irregular veio a realmente acontecer ou não e, em caso afirmativo, constatar sua autoria. Pelo fato de não ocorrer nenhuma acusação nesta fase do processo, a Administração não deverá abrir espaço à aplicação dos princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, visto que a finalidade primordial desta fase processual é a busca pelas reais informações.

Ressalta-se que não se faz obrigatória a adoção de procedimentos investigativos por parte da Administração para que esta possa instaurar os procedimentos contraditórios. No entanto, a adoção de medidas investigativas na perspectiva de recolher o máximo de informações possíveis constitui efetiva ação da Administração na realização do Dever de Apurar, tendo em vista que estas informações constituirão elementos informativos prévios a uma possível sindicância contraditória.

A consequência da adoção do Procedimento Investigatório será sempre a instauração de sindicância contraditória quando constatada a ocorrência de irregularidades suficientes para isto, ou o arquivamento do mesmo quando não for constatada nenhuma irregularidade.

Outra peculiaridade do Procedimento Investigatório é que sua instauração não constitui interrupção do prazo prescricional concedido à Administração para que aplique as sanções administrativas as quais sejam cabíveis:

PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. O processo administrativo disciplinar e a sindicância acusatória, ambos previstos pela lei nº 8.112/90, são os únicos procedimentos aptos a interromper o prazo prescricional.[2]

Passaremos agora a analisar os Procedimentos Investigativos em espécie, quais sejam: Investigação Preliminar, Sindicância Investigativa e Sindicância Patrimonial.

1.1.1. Investigação Preliminar

A Investigação Preliminar é definida pela Controladoria-Geral da União como: “procedimento sigiloso, instaurado pelo Órgão Central e pelas unidades setoriais, com objetivo de coletar elementos para verificar o cabimento da instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar”.[3]

Constitui Procedimento Preliminar com a finalidade de apurar desde já arquivamento ou abertura de um processo mais elaborado, como por exemplo, uma sindicância.

A Investigação Preliminar terá prazo máximo de 60 dias para ser concluída, podendo ser tal período prorrogado por mais 60 dias. Finalizada, deverá ser arquivada mediante fundamentação dos pressupostos que motivaram tal ato, ou em caso de constatadas irregularidades, será aberto o inquérito disciplinar conveniente à continuidade do processo.

Deverá ser conduzida por um ou mais servidores, sendo estes estáveis ou não, os quais deverão manter sigilo sob as atividades de investigação realizadas. Destaque para o fato de que não se exige Comissão Sindicante nesta modalidade, tendo em vista que sua função é evitar a abertura de um processo mais elaborado, qual seja uma Sindicância. Meireles explica melhor a situação:

Sindicância administrativa é o meio sumário de apuração ou elucidação de irregularidades no serviço para subsequente instauração de processo e punição ao infrator. Pode ser iniciada com ou sem sindicado, bastando que haja indicação de falta a apurar. Não tem procedimento formal, nem exigência de comissão sindicante, podendo realizar-se por um ou mais funcionários designados pela autoridade competente. Dispensa defesa do sindicado e publicidade no seu procedimento, por se tratar de simples expediente de apuração ou verificação de irregularidade, e não de base para punição equiparável ao inquérito policial em relação à ação penal.[4]

Havendo divergência nas conclusões, serão proferidos votos, através de relatórios, de modo que a autoridade competente tomará sua decisão a partir da avaliação destes relatórios.

1.1.2. Sindicância Investigativa

A mesma portaria da CGU define a Sindicância Investigativa, Preparatória, ou Inquisitorial como sendo: “Procedimento preliminar sumário, instaurada com o fim de investigação de irregularidades funcionais, que precede ao processo administrativo disciplinar, sendo prescindível de observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa”.[5]

Não existe um rito a ser seguido na Sindicância Investigativa, sendo assim, a autoridade instauradora e os sindicantes gozam de liberdade para desempenharem suas atividades como melhor entenderem.

As únicas observações que devem seguir são as mesmas vistas no tópico anterior, deve-se manter sigilo perante as atividades que desempenharem e as informações que apurarem, deve-se manter caráter meramente investigativo, sem qualquer pretensão de punição, além disso, dispensa-se a aplicação constitucional dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

De forma semelhante à Investigação Preliminar, ocorrendo divergência de conclusões, serão proferidos relatórios que auxiliarão na decisão da autoridade competente.

Aqui o prazo para conclusão dos relatórios é de 30 dias, prorrogáveis por igual período.

A autoridade, com base nas informações e relatórios obtidos na Sindicância Investigativa, decidirá pelo arquivamento do feito, ou pela instauração de Sindicância Contraditória ou Processo Administrativo Disciplinar.

1.1.3. Sindicância Patrimonial

A sindicância Patrimonial se assemelha aos demais Procedimentos Investigativos já analisados no que tange ao sigilo, à não punitividade, à precedência dos princípios da ampla defesa de do contraditório e à finalidade de reunir informações de modo a auxiliar na instauração de Processo Administrativo Disciplinar ou Sindicância Contraditória, ou em caso negativo, providenciar a baixa do feito.

Diferencia-se dos demais procedimentos devido ao fato de possuir escopo delimitado, constituindo um instrumento preliminar de apuração de enriquecimento ilícito através de infração administrativa, mediante estrita análise do desenvolvimento patrimonial do agente público.

De acordo com a Lei de Improbidade Administrativa, constitui enriquecimento ilícito: “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”.[6]

Será instaurada a Sindicância Patrimonial a partir de portaria emitida pela Administração, constando dos servidores que irão compor a Comissão Sindicante, o prazo para conclusão do feito e o número do processo no qual estão os fatos meios pelos quais se realizará a apuração. O objeto a ser apurado através da Sindicância é eminentemente patrimonial, constatando-se suas rendas e dívidas, bens e valores que venham a ser inseridos no histórico patrimonial.

Interessante destacar que a Administração poderá contar com o auxílio dos Cartórios de Registros Imobiliários, de Títulos e Documento, Departamentos de Trânsito, Juntas Comerciais, Capitania dos Portos, etc.

A Comissão Sindicante deverá ser composta por dois ou mais servidores, podendo estes ser estáveis ou não.

O prazo para conclusão do procedimento de Sindicância Patrimonial será de 30 dias, podendo ser prorrogado por igual período.

É facultado à Administração dar voz ao sindicado para que este justifique o desenvolvimento patrimonial que resultou na instauração da Sindicância.

A Administração Pública contará com o auxílio da quebra dos sigilos fiscal do sindicado, sem que seja necessário que se acione o Poder Judiciário para obtenção de tais informações. É o que dispões o Art. 198 do Código Tributário Nacional:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação ob-tida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo”.[7]

Quanto ao sigilo bancário, a Administração deverá contar com prévia autorização do Poder Judiciário, conforme Art. 3º, §1º, da Lei Complementar nº 105/2001:

Art. 3º Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.

§ 1o Dependem de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de informações e o fornecimento de documentos sigilosos solicitados por comissão de inquérito administrativo destinada a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido”.[8]

A Comissão Sindicante deverá comprovar a necessidade e relevância da quebra do sigilo bancário do sindicado para que obtenha as informações que julgarem pertinentes.

Ressalta-se que antes de solicitar a quebra dos sigilos do sindicado, recomenda-se que a Comissão Sindicante solicite do próprio sindicado a renúncia de seus sigilos fiscais e bancários, de modo que ele mesmo apresente as informações necessárias à Comissão.

Reunidos todos os dados necessários para a apuração da ocorrência ou não do enriquecimento ilícito, a Comissão Sindicante deverá emitir relatório explicitando se o acréscimo constatado no patrimônio do sindicado decorreu de uma evolução natural ou de meios ilícitos.

Deste relatório a autoridade competente decidirá se deverá ser instaurado Processo Administrativo Disciplinar, em caso de comprovação de enriquecimento ilícito, ou arquivamento do feito, na hipótese de negativa de enriquecimento ilícito e comprovação de evolução patrimonial natural.

1.2. Procedimentos Contraditórios

1.2.1 Sindicância Acusatória

A sindicância acusatória, também chamada de sindicância punitiva, é o procedimento para apurar responsabilidade de menor gravidade, ou seja, de menor potencial ofensivo, devendo ser respeitado o princípio do devido processo legal, através da ampla defesa, do contraditório e da produção de todos os meios de provas admitidos em direito.[9]

A Controladoria-Geral da União, através da Portaria-CGU nº 335/06, expõe sua definição no art. 4º:

Art. 4° Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidas as seguintes definições:

III – sindicância acusatória ou punitiva: procedimento preliminar sumário, instaurada com fim de apurar irregularidades de menor gravidade no serviço público, com caráter eminentemente punitivo, respeitados o contraditório, a oportunidade de defesa e a estrita observância do devido processo legal.[10]

Nos termos de José Cretella Júnior, a Administração do Brasil se utiliza da sindicância como meio sumário para apurar as ocorrências irregulares no serviço público, que caso sejam confirmadas, tem como finalidade a instauração do processo administrativo contra o funcionário público responsável, utilizando-se dos elementos concretos fornecidos pela sindicância.[11]

Através de sua definição, resta clara que a sindicância se divide em dois tipos, a punitiva (acusatória) e a sindicância investigativa (preparatória). Para que se tenha o regular andamento do processo, se faz necessária a observância do tipo de sindicância utilizado na fase instrutória do procedimento, para que seja adequado conforme o instrumento utilizado.

No caso do processo acusatório ou punitivo, se a comissão não respeitar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, pode ocorrer a invalidade de seu relatório final por declaração de nulidade pela própria Administração Pública ou Poder Judiciário.

Neste tipo de sindicância, deve-se observar as etapas do rito ordinário do processo administrativo disciplinar (inquérito administrativo: instrução, defesa e relatório), além da comissão ser composta por dois ou mais servidores estáveis.

De forma diversa acontece na sindicância investigativa, a qual não possui etapas pré-definidas, não é assegurado o contraditório e a ampla defesa, admite-se a pluralidade de sindicantes e dispensa-se a existência de autoria e materialidade definidas.

Este tipo de sindicância se configura como procedimento preparatório para a instauração de processo administrativo disciplinar ou sindicância punitiva ( constatado materialidade e possível autoria), ou até para propositura de arquivamento da denúncia (inexistindo indícios de irregularidades ou ausente suspeito).

A primeira turma do STF ao julgar o RMS nº 22.798/DF, evidenciou a diferença dos dois tipos de sindicância, conforme:

EMENTA: "[…] o processo administrativo não pressupõe necessariamente a existência de uma sindicância, mas, se o instaurado for a sindicância, é preciso distinguir: se dela resultar a instauração do processo administrativo disciplinar, é ela mero procedimento preparatório deste, e neste é que será imprescindível se dê a ampla defesa do servidor; se, porém, da sindicância decorrer a possibilidade de aplicação de penalidade de advertência ou de suspensão de até 30 dias, essa aplicação só poderá ser feita se for assegurado ao servidor, nesse procedimento, sua ampla defesa.

(RMS 22789, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 04/05/1999, DJ 25-06-1999 PP-00045 EMENT VOL-01956-02 PP-00245)[12]

Importante, lembrar que o art. 143 da Lei nº 8.112/90 assegura a apuração de irregularidades no serviço público por meio de sindicância ou processo administrativo disciplinar, estando assegurado a ampla defesa ao assegurado. Conforme:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.[13]

A sindicância não é pressuposto para o processo disciplinar, mas caso seja instaurado, deve se observar o princípio do contraditório e ampla defesa e caso não seja respeitado tais princípios, se configurará como mera sindicância investigativa, ou seja, mero procedimento preparatório do processo administrativo disciplinar.

Nesta hipótese, as informações obtidas na sindicância servem para que seja instaurado o processo administrativo disciplinar, e caso haja possíveis defeitos da sindicância, esses defeitos não possuem o poder de macular a imposição da pena ao servidor, tendo em vista que a pena é atribuída através das provas colhidas no inquérito integrante do processo.

A sindicância se exterioriza apenas como elementos informativos do processo disciplinar, e assim, a legalidade do processo disciplinar independe de sua validade, podendo até ser apensado aos autos do processo.

As provas documentais ter-se-ão como válidas, uma vez ofertada a vista ao acusado. Diferentemente ocorre com as provas orais, pois só serão válidas se possibilitado a participação do acusado na tomada de depoimentos, senão deverão ser refeitos no processo.

Cabe ressaltar que depende do conteúdo informativo da sindicância, ou seja, em caso de sindicância inquisitoriais ou patrimoniais que resultarem na instauração do processo administrativo disciplinas, os atos da instrução probatória deverão ser refeitos, pela não observância do princípio do contraditório e ampla defesa. Sendo assim, no caso de sindicância punitiva, se observado tais princípios, a comissão poderá ratificar os atos.

1.2.1.1 Fases da Sindicância Acusatória

As fases da sindicância acusatória estão dispostas na Lei nº 8.112/90, seguindo as mesmas fases do processo administrativo disciplinar.

A lei nada dispõe a respeito dos procedimentos específicos da sindicância, restando à doutrina e jurisprudência a premissa de estabelecer, uma vez necessário respeitar o princípio da legalidade.

Como forma de solução, dividiram a sindicância em duas, entre sindicância investigativa e sindicância contraditória. Neste caso, cabe salientar apenas sindicâncias acusatórias, uma vez que a investigativa carece de rito definido, por inexistir caráter punitivo e pela inobservância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

O início do processo de sindicância acusatória se dá pela publicação de portaria de instauração por autoridade responsável.

A portaria deve conter alguns elementos indispensáveis, como os nomes dos sindicantes, o prazo para a conclusão e o número do processo que remete aos fatos apurados; e não deve indicar os fatos sob apuração, nem os nomes dos investigados, para que não se restrinja a apuração, bem como para garantir o respeito à imagem dos acusados.

Após publicação de portaria, a fase instrutória do processo terá inicio. A comissão conduzirá o processo e deverá notificar o acusado (sindicado), observando o princípio do contraditório e ampla defesa.

Os membros da comissão deverão realizar suas atividades com independência e imparcialidade, evitando a aplicação de penalidade injusta ao acusado ao decorrer do processo e garantindo o sigilo para a elucidação do fato cometido.

Na busca da verdade material e respeito ao art. 155 da Lei nº 8.112/90, a comissão deverá buscar elucidar os fatos através de provas materiais e testemunhais, utilizando-se da tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, e quando necessário, o uso de técnicos e peritos.

A comissão deve registrar suas deliberações em ata e a fase instrutória terá seu fim na entrega do termo de indiciação ao sindicado ou com o relatório final, sugerindo o arquivamento.

No caso de indiciação de uma pessoa, o prazo para apresentar defesa escrita será de dez dias, caso haja pluralidade de indiciados, o prazo será comum de vinte dias.

Após apresentação da defesa escrita, há a elaboração do relatório final, devendo ser detalhado, conter os autos e indicar as provas pelas quais o relatório possui fundamentação, determinando assim, a inocência ou a responsabilidade do sindicado.[14]

Após o relatório final, já em ultima fase, a autoridade deverá proferir decisão final, no prazo de vinte dias, contado do recebimento dos autos. Esta decisão será proferida por livre convencimento e será levado em consideração diversos elementos, tais como: enquadramento dos fatos, a tipificação do ilícito, as provas testemunhais e documentais, a defesa e o relatório.

A decisão proferida pela autoridade poderá sofrer revisão, observado os termos do art. 182, da Lei nº 8.112/90. Conforme:

Art. 182. Julgada procedente a revisão, será declarada sem efeito a penalidade aplicada, restabelecendo-se todos os direitos do servidor, exceto em relação à destituição do cargo em comissão, que será convertida em exoneração.

Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento de penalidade.

1.2.1.2 Composição da Comissão

O art. 149 da Lei nº 8.112/90 tem abertura para duas interpretações, tanto aquela que a comissão deverá ser composta por três membros estáveis, como aquela de que apenas o processo administrativos disciplinar traz a necessidade de três membros.

A escassez de servidores para compor comissões de sindicância e de processo administrativo disciplinar, faz com que seja admitido a composição de comissões por apenas dois membros.

A Controladoria-Geral da União já se manifestou quanto a contradição, pacificando a questão em seu art. 12, § 2º, da Portaria CGU nº 335/06:

Art. 12. As comissões de sindicância e de processo administrativo disciplinar instauradas pelo Órgão Central e pelas unidades setoriais serão constituídas, de preferência, com servidores estáveis lotados na Corregedoria-Geral da União.

§ 2º No caso de sindicância acusatória ou punitiva a comissão deverá ser composta por dois ou mais servidores estáveis.[15]

É necessário, também, que se respeite a regra da hierarquia funcional, dessa forma, o presidente do colegiado necessariamente terá que ter nível de escolaridade igual ou superior ao do servidor sindicado.

1.2.1.3 Prazos da Sindicância

A sindicância deverá ser concluída em 30 dias, podendo ser prorrogada por igual período, conforme preceitua o art. 145, parágrafo único, da Lei nº 8.112/90. Nesse mesmo sentido converge o art. 15º, §5°, da Portaria CGU nº 335/06.

Porém a comissão poderá prorrogar esse prazo, podendo designar novamente comissão, conforme achar necessário, podendo ser os mesmos ou novos membros, respeitando sempre os princípios da eficiência, economicidade, duração razoável do processo.

A instauração da sindicância interrompe o prazo prescricional, assim como o processo administrativo disciplinar. Conforme art. 142, § 3º e § 4º, Lei nº 8.112/90.

 Art. 142.

§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.

§ 4o Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.[16]

1.2.1.3 Desnecessidade de Instauração da Sindicância Acusatória Previamente ao Processo Administrativo Disciplinar

O processo administrativo disciplinar é gênero, que comporta as espécies de processo administrativo disciplinar e sindicância contraditória. A Lei n. 8.112/90 de que trata o processo administrativo disciplinar como espécie, nada diz respeito quanto ao rito específico da sindicância, utilizando de maneira análoga a do processo administrativo disciplinar.

A sindicância possui o condão de resultar tanto em arquivamento do processo, quando em aplicação de penalidade de advertência ou suspensão por até 30 dias e instauração de processo administrativo disciplinar.

Tanto a proposta de arquivamento, quanto a instauração do processo administrativo disciplinar pode se originar de sindicância investigativa ou de sindicância acusatória.

A sindicância investigativa serve essencialmente para delimitar eventual autoria ou materialidade, ou seja, investigar o conteúdo denunciativo, enquanto a sindicância acusatória surgirá de um juízo de admissibilidade perante os indícios da materialidade do fato ou da possível autoria já presentes.

Ambos os tipos de sindicância são autônomos e dependem do caso concreto para sua instauração, sendo assim, independe o processo administrativo disciplinar de sindicância contraditória prévia.

Cabe ressaltar que a diferenciação quanto a sua utilização está na premissa de que a sindicância acusatória cabe na averiguação de fatos não graves e com penalidades que não se faz necessário processo administrativo disciplinar. Caso no curso da instrução probatória se verifique maior gravidade, a autoridade poderá de pronto requerer a instauração de processo administrativo disciplinar.

1.2.2 Processo Administrativo Disciplinar sob o Rito Sumário

O acréscimo do rito sumário ocorreu com a Lei nº 9.527/97. Essa lei trouxe a previsão de uma terceira espécie de processo administrativo, o processo administrativo sumário, previsto nos arts. 133 e 140. Esta nova espécie de processo administrativo somente é aplicável nos casos de acumulação ilegal de cargos, abandono de cargo e inassiduidade habitual.

O rito sumário possui algumas especificidades, tais como: prazos reduzidos, a prévia explicitação da materialidade do possível ilícito logo na portaria. Apesar de não previsto na lei produção de provas além das documentais, o STJ entende ser admissível, quando surja a necessidade do acusado produzir provas testemunhais ou periciais, pois se trata do respeito ao princípio da ampla defesa.

As fases processuais também são diferentes da do rito ordinário. A fase inicial do processo recebe o nome de instauração e se dá pela publicação do ato, que constitui de pronto constitui comissão, composta por dois servidores estáveis, e já indicará a autoria e materialidade do possível ilícito administrativo.

A fase de instrução sumária do processo comporta a indiciação do acusado, a defesa e o posterior relatório da comissão, sendo julgado posteriormente por autoridade competente, no prazo de 5 dia, contado do recebimento dos autos.

A fase apuratória deverá se desenvolver em no máximo 30 dias, podendo haver prorrogação por mais 15 dias, conforme texto do art. 133, §7º da Lei nº 8.112/90.

Importante ressaltar que as normas do processo disciplinar ordinário aplicam-se subsidiariamente ao procedimento sumário, assim expõe o art. 133, §8º, da Lei nº 8.112/90, e supletivamente a Lei nº 9.784/99.

1.2.3 Processo Administrativo Disciplinar sob o Rito Ordinário

As fases do processo administrativo do rito ordinário estão divididas em: instauração, inquérito administrativo e julgamento.

A instauração, se dá pela publicação da portaria pela autoridade que já designa os membros para comporem a comissão, estipula o prazo de conclusão, demonstra o processo do ilícito administrativo a se apurar, e a possibilidade de apurar fatos conexos. Não expõe de forma expressa os fatos sob apuração, nem os nomes dos investigados.

O inquérito administrativo, é dividido em: instrução, defesa e relatório. Na instrução, a comissão realiza a busca de provas necessárias, como o documental e o testemunhal e indica ou forma sua convicção pela absolvição do acusado. Se for indiciado, realizará a citação, abrindo o prazo legal para apresentar a defesa escrita. Na produção, é emitido pela comissão o relatório final conclusivo, inocentando ou não o indiciado, de forma fundamentada e justificando a decisão. Estas etapas são realizadas pela comissão.

A fase de julgamento, é realizado pela autoridade instauradora do processo, se a mesma não possuir competência, será realizado por quem a tiver, de acordo com a proposta de penalidade recomendada pelo colegiado.

A autoridade competente tem o prazo de vinte dias para julgar, a contar da data do recebimento do relatório final, podendo assim, divergir ou não do entendimento da comissão, uma vez que é regido pelo livre convencimento, podendo motivadamente agravar, abrandar ou isentar o servidor da responsabilidade e penalidade prevista no relatório final.

Conclusão

Dessa forma, temos que os diversos institutos do Processo Administrativo Disciplinar, possuem a prerrogativa de manter o bom funcionamento da Administração Pública e a ordem de seu corpo funcional. Seguindo os princípios Constitucionais e do Direito Administrativo, a Administração Pública estabelece as formas de atribuição da responsabilidade dos servidores pelos seus atos.

São diversos os procedimentos disciplinares, sendo eles os procedimentos investigativos (comportando a investigação preliminar, a sindicância investigativa, a sindicância patrimonial) e os procedimentos contraditórios (comportando a sindicância acusatória e os processos administrativos disciplinares ordinário e sumário).

Conforme análise, resta demonstrado a especificidade de cada instituto, como a necessidade de ser observado os princípios do contraditório e ampla defesa nos procedimentos contraditórios, e a dispensa de tais princípios nos procedimentos investigativos, dispensando-se a abertura para o acusado apresentar defesa escrita.

Por fim, a necessidade da adequação do procedimento depende exclusivamente do caso concreto, uma vez que diferem em suas peculiaridades, quanto as fases processuais, prazos e possibilidade de produção de provas. Além de depender da gravidade do ilícito administrativo para que seja necessário ou não a abertura de sindicância prévia para a instauração de processo disciplinar e o procedimento a ser adotado.

 

Referências
BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RMS Nº 22.789-RJ. RELATOR: MINISTRO MOREIRA ALVES, 1ª Turma, julgamento em 04.05.1999, publicação no DJ em 25.06.1999.
Código Tributário Nacional
Lei Complementar nº 105/2001
Lei nº 8.112/1990
Lei nº 8.429/1992
LESSA, Sebastião José. Do processo administrativo disciplinar e da sindicância: doutrina, jurisprudência e prática. Belo Horizonte: Fórum, 2000.
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de, Tratado de Direito Administrativo Disciplinar, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2ª edição, 2010
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 37ª edição, São Paulo, Malheiros, 2011, p. 705.
Polícia Rodoviária Federal. Processo Administrativo Disciplinar – PAD. Disponível em: <https://www.prf.gov.br/portal/espaco-do-servidor/estatuto/parte-v-processo-administrativo-disciplinar/processo-administrativo-disciplinar-pad>. Acesso em: 07 jul 2015.
Portaria 335/06 da Controladoria-Geral da União

Notas:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Thiago Paluma, Professor Mestre de Direito Internacional na Universidade Federal de Uberlândia

[2] Publicado no Diário Oficial da União de 05 de maio de 2011, Seção 1, p. 22.

[3] Portaria 335/06 da CGU. Art. 4º, I.

[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 37ª edição, São Paulo, Malheiros, 2011, p. 705.

[5] Portaria 335/06 da CGU. Art. 4º, II.

[6] Lei nº 8.429/92, Art. 9º, VIII.

[7] Código Tributário Nacional, Art. 198.

[8] Lei Complementar nº 105/2001, Art. 3º, §1º.

[9] Polícia Rodoviária Federal. Processo Administrativo Disciplinar – PAD.

[10] Portaria-CGU nº 335/06, Art. 4º.

[11] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de, Tratado de Direito Administrativo Disciplinar, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2ª edição, 2010, p. 550.

[12] BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RMS Nº 22.789-RJ. RELATOR: MINISTRO MOREIRA ALVES, 1ª Turma, julgamento em 04.05.1999, publicação no DJ em 25.06.1999.

[13] Lei nº 8.112/90, art. 143.

[14] LESSA, Sebastião José. Do processo administrativo disciplinar e da sindicância: doutrina, jurisprudência e prática. Belo Horizonte: Fórum, 2000, p. 109.

[15] Portaria CGU nº 335/06, art. 12, § 2º.

[16] Lei nº 8.112/90, art. 143. art. 142, § 3º e § 4º.


Informações Sobre os Autores

Andrei Rossi Mango

Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Uberlândia

Victor Grama Valentim

Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Uberlândia


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