A Cíclica Construção Institucional Brasileira: Um Breve Escorço Histórico

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Guilherme da Costa Fernandes[1]

Resumo: A aferição do objetivo geral acadêmico deste estudo é o desenvolvimento da consciência da ciência constitucional como fator político da construção do Estado que, na ideia de cumprir seus fins, deve ater-se a uma construção de estabilidade institucional/social em contraponto às inspirações dos detentores do poder no momento criacional do Estado, que, por motivos a serem apresentados, acabam por sucumbir ao momento em que se situam e ao projeto de poder que representam, afetando sobremodo a atuação e liberdades institucionais que, em terras brasileiras, mostra-se sobremodo um palco de evoluções e involuções.

Palavras-chave: Constituição. Histórico. Democracia. Evolução. Involução.

 

Abstract: The assessment of the general academic objective of this study is the development of awareness of constitutional science as a political factor in the construction of the State, which, in the idea of ​​fulfilling its aims, must stick to a construction of institutional / social stability as opposed to the inspirations of the holders of power in the creation moment of the State, which, for reasons to be presented, end up succumbing to the moment in which they are located and to the power project they represent, greatly affecting the performance and institutional freedoms that, in Brazilian lands, are shown to be extremely a stage for evolutions and involutions.

Keywords: Constitution. Historic. Democracy. Evolution. Involution.

 

Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento. 1.1. Nasce um Estado (1824). 1.2. “Trocamos o trono inglês pelo Capitólio americano” (1891). 1.3. A curta segunda república. (1934). 1.4. 1.4 – Revoga-se. (1937). 1.5. Breve respiro. (1946). 1.6. Cálice (Cale-se). (1967/69). 1.7. A Traumatizada. (1988). Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Partindo da premissa de que a cada nova constituição um novo Estado está a se desenvolver é importante anotar que esse sucumbe às demandas político-sociais daqueles que se encontram no poder.

A construção do país passa necessariamente pelo desenvolvimento constitucional que o alicerça, onde, nitidamente, os detentores do poder imprimem no texto maior a “legitimidade” e juridicidade para a manutenção do regime que pretendem instaurar.

A aferição do objetivo geral acadêmico deste estudo é o desenvolvimento da consciência da ciência constitucional como fator político da construção do Estado que, na ideia de cumprir seus fins, deve ater-se a uma construção de estabilidade institucional/social em contraponto às inspirações dos detentores do poder no momento criacional do Estado, que, por motivos a serem apresentados, acabam por sucumbir ao momento em que se situam e ao projeto de poder que representam, afetando sobremodo a atuação e liberdades institucionais.

O que se propõe é demonstrar que o desenvolvimento histórico nacional é intimamente relacionado aos postulados constitucionais apresentados, desde a primeira de 1824 à contemporânea de 1988.

A Constituição na concepção política, alçada a cunho classificatório pela doutrina, será tenazmente observada quando da construção do panorama em que cada uma se desenvolveu.

Se a função primordial da história é permitir ao observador a compreensão do desenvolvimento dos fatos para uma melhor concepção do presente, o que se espera é justamente este efeito: compreender a atual sistemática constitucional e institucional brasileira, que, como se verá, não surgiu do nada e sim de muitos momentos conturbados.

 

  1. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

Os jurisconsultos, ao intentarem a árdua tarefa de conceituar o que seria uma Constituição, viram por bem o fazer em diversos “sentidos”, na expectativa de, assim, poder traçar com maior amplitude aquilo que seria a base de todo um sistema jurídico.

Dentre os sentidos expostos pela doutrina temos o sociológico, material, formal, jurídico, culturalista… e, claro, o político.

Schimit, em sua clássica obra “Teoria da Constituição”, elucida que esta seria fruto de uma decisão política fundamental, concebida antes do nascer do texto, e que fundaria os alicerces do Estado.

Tomando por base o pensamento do mestre alemão vislumbramos a política como fonte primaz do pensamento constitucional, sobretudo no que “se refere à decisão política fundamental (estrutura e órgãos do Estado, direitos individuais, vida democrática, etc.)” (SILVA, 1992, p. 40).

Mister, portanto, que uma análise do cenário histórico do momento constituinte seja necessária à fiel compreensão das inovações que cada Carta por ventura traga.

O regime a ser adotado pelo nascente ordenamento irá, fatalmente, interferir na atuação das instituições criadas ou mantidas pelos novos textos.

Em termos pátrios essa análise inicia-se com os desdobramentos da independência da Coroa Portuguesa que dará origem à inaugural Constituição de 1824.

 

1.1 – Nasce um Estado (1824)

Partindo da premissa de que a cada constituição nasce um Estado – um brocardo contumaz na academia- o texto de 1824 seria a raiz, o embrião daquilo que se pensa ser o Brasil.

Antes da outorga por Pedro I já existia o território, o povo e até a finalidade (mesmo que colonial) tupiniquins. Faltava, porém, um pressuposto necessário à formação e consecução de um Estado: a soberania.

“A soberania é una e indivisível, não se delega a soberania, a soberania é irrevogável, a soberania é perpétua, a soberania é um poder supremo, eis os principais pontos de caracterização com que Bodin fez da soberania… um elemento essencial do Estado.” (BONAVIDES, 2003, p. 160).

 

A primeira marca da constituição imperial foi esta: proclamar com os auspícios da formalidade e técnica a independência, tornando o que antes era púbere em um projeto de maioridade estatal, nos termos do disciplinado no artigo inaugural da Carta em comento.

“Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia.” (CONSTITUIÇÃO DE 1824)[2]

 

Como bem anotou o célebre Bonavides, em artigo sobre a evolução do constitucionalismo brasileiro[3], nossa experiência constitucional nasce nas “ruínas sociais do colonialismo, herdando-lhe os vícios e as taras”.

Os movimentos pela independência brasileira tomaram fôlego com a vinda da família real junto a aproximadamente 15 mil pessoas (nos termos do citado por Paulo de Souza Lima[4]), após os incidentes napoleônicos, em 1808, o que leva a então colônia, em 1815, a ter seu status elevado a Reino Unido a Portugal e Algarves.

A Revolução do Porto acaba por fazer voltar às terras lusitanas as Cortes Portuguesas, ficando por aqui o então herdeiro do trono, Pedro de Alcântara.

Após, em 09 de janeiro de 1822, esse mesmo príncipe nega-se a retornar a Portugal, que ao determinar o retorno, em verdade intentava a volta do status quo de colônia ao Brasil.

O dia do fico é o passo derradeiro rumo à Independência, que se dá naquele mesmo ano em 07 de setembro.

Bradado o grito do Ipiranga, necessária era a construção formal da nação, que inspirada no constitucionalismo francês e no texto de Cadiz, trazia consigo a contradição que imperava no momento: de um lado o liberalismo que adveio com as Revoluções burguesas e de outro o absolutismo e autoritarismo próprios do novo soberano.

Sobre essa incongruência o assertivo Bruno Zilberman Vainer[5] (2010), em artigo, citou Bonavides:

“Teve, a Constituição, contudo, um alcance incomparável, pela força de equilíbrio e compromisso que significou entre o elemento liberal, disposto a acelerar a caminhada para o futuro, e o elemento conservador, propenso a referendar o status quo e, se possível, tolher indefinidamente a mudança e o reformismo nas instituições. O primeiro era descendente da Revolução Francesa, o segundo da Santa Aliança e do absolutismo.”

 

Dom Pedro I chegou a convocar em 1823, conforme anotado por Lenza (2010, p . 91), uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, mas ele mesmo a dissolveu por seus integrantes terem inspirações claramente liberais, o que ia de frente com suas convicções centralizadoras.

Um Conselho de Estado é formado para fazer um projeto que fosse alinhado aos pensamentos do Imperador, que acabou por outorgá-lo em 25 de março de 1824.

Isto mesmo, a primeira constituição brasileira foi outorgada, levada a cabo por uma autoridade de maneira unilateral, in casu Pedro I que, em que pese seu cunho nitidamente autoritário queria para si a alcunha de monarca constitucional, para os bons olhos europeus que já viviam esse status.

As principais características segundo Lenza (2010, p. 91-94) da constituição imperial poderiam ser anotadas da seguinte maneira: a) Governo monárquico, hereditário; b) forma unitária de estado (única da nossa história, ao menos formalmente); c) Estado confessional (única experiência tupiniquim nesse sentido) com a Igreja Católica Apostólica Romana como oficial – mesmo sendo permitido o culto doméstico de outras; d) voto censitário (só poderiam votar e serem votados aqueles que preenchessem os requisitos de financeiros exigidos); e) presença do Poder Moderador  (fugindo do modelo Montesquieu) e rigidez constitucional mista.

Destes pontos talvez merece maior destaque o Poder Moderador e a rigidez mista.

O Poder Moderador representava a necessidade do chefe de estado outorgante em ter sob seu jugo os demais poderes, como balança, um suposto equilíbrio e, nos dizeres do já citado Lenza, este foi o “mecanismo que serviu para assegurar a estabilidade do trono” imperial.

Em artigo específico sobre este poder, bem o desmistificou Christian Edward Cyril Lynch[6] ao dizer:

“A ideia de um Poder Moderador se encontra delineada de sua forma definitiva na obra de Benjamin Constant Princípios Políticos, publicada em 1814. A grande preocupação de Constant era com a estabilidade do poder. (…) O Poder Moderador teria aí o papel fundamental de impedir que os outros três poderes, entrando em choque, levassem uns aos outros de vencida, assegurando a estabilidade do Estado liberal e os direitos civis e políticos dos cidadãos.”

 

A ideia era racional já que o Poder Moderador, de controle, seria exercido por aquele que teria maior “estabilidade” entre os poderes (sendo até ungido para tal) e que deveria (in tese) ser distante das disputas do jogo político, dada a vitaliciedade e hereditariedade asseguradas constitucionalmente.

No mais, diante da ausência de um controle de constitucionalidade formalmente instituído, medida necessária era que alguém exercesse com autoridade final as disputas entre os poderes: a escolha de 1824 recaia sobre o augusto imperial.

A preferência centralizadora de Pedro I acabou por fulminar uma possível liberdade institucional dos outros poderes do Império. Como dito ele chegou a dissolver a constituinte e o Legislativo.

Quanto ao Judiciário, o então Supremo Tribunal de Justiça foi criado em 1828, mas teve uma função mormente decorativa naquele período histórico.

Há relatos, dispostos no Arquivo do Senado Federal[7], de debates quando da criação da referida corte, de parlamentares asseverando, dentre eles o Visconde de Inhambupe, que “o Supremo não julgará” dado o esvaziamento que o ordenamento impunha à competência da cúpula da judicatura.

Outros senadores, como Carneiro Campos, diziam que o Judiciário não deveria ter o mister de interpretar leis, tarefa que caberia, segundo ele, ao Legislativo.

A característica periférica da Suprema Corte no jogo de poder era tamanha que três de seus dezessete assentos ficaram vagos inicialmente, dado que alguns desembargadores se omitiram à dita promoção na carreira.

Fato é que a competência do Supremo não chegava às decisões governamentais e limitava-se a anular casos concretos, assegurando assim a sistemática inaugurada pela Constituição da Mandioca, qual seja, a concentração de poderes do Moderador.

Quanto ao sistema de rigidez misto (único no nosso histórico constitucional, que é tradicionalmente rígido) há de se anotar que as matérias delineadas no texto magno que tratassem de temas naturalmente constitucionais (questões de Estado, limitações de poderes…) eram de modificação mais árdua ao passo que as outras eram modificáveis por um processo legislativo ordinário, o que permitiria que questões (supostamente) menos relevantes pudessem ser mais facilmente modificadas.

Lenza (2010, p. 94) lembra que a carta não tinha previsão expressa de habeas corpus mas um Decreto de1821 proibia prisões arbitrárias e o Código Criminal de 1830 já previa esse remédio em suas letras, tratando-se de importante evolução.

Não há que se falar em controle de constitucionalidade neste texto (no máximo um controle político que poderia ser levado a feito pelo Parlamento e pelo Imperador, por meio do Poder Moderador), já que o Judiciário não tinha relevância política-institucional.

Outro ponto crucial da dinâmica imperial é a diferença entre os dois Braganças que estiveram no poder. Se um tinha traços autoritários e uma maior dificuldade em garantir a estabilidade, a congruência da nação e do texto, o outro entrou para a história como um hábil estabilizante, que pode, como poucos, manter a atmosfera estrutural do Estado.

O primeiro perdeu sua popularidade dado à sua personalidade e o outro era aclamado pela população por sua temperança.

Tal o foi que Bonavides[8] se rendeu a Pedro II:

“Mas por um acaso histórico das circunstâncias, aquilo que tinha tudo de negativo para ser um desastre constitucional, como aliás foi no Primeiro Reinado, prosperou e floresceu depois da Regência durante o Segundo Reinado por obra e temperamento de um rei ilustrado, sábio e prudente que foi D. Pedro II.”

 

Mesmo com sua popularidade pessoal em alta, sobretudo entre o povo, o último imperador veio a sofrer um golpe de Estado em 1889, levado após os eventos que culminaram com a abolição da escravatura (que o fez perder o apoio da elite fundiária – primaz da época), das questões religiosas (interferência estatal) e da militar (que após a vitória da guerra do Paraguai tiveram seus poderes sapejados).

Estes mesmos militares puseram fim a aurora de Pedro II, que foi expulso do país (a família imperial só foi permitida a pisar em solo pátrio no governo Vargas), desencadeando a República que, por óbvio, precisava se legitimar com uma nova Constituição.

 

1.2 – “Trocamos o trono inglês pelo Capitólio americano” (1891)

A frase acima é de Bonavides, já citado, ao tratar da troca de governos com a instalação da República. O brilhantismo do mestre paraibano em dizer muito em poucas palavras se prova mais uma vez.

Talvez a impropriedade seja na comparação entre os modelos britânico e ianque com os adotados pelos tupiniquins (que em muito diferem daqueles, mesmo que por eles inspirados), mas a metáfora é um fenômeno linguístico permitido.

Jorge Miguel (1995, p. 46) soube com maestria delimitar o âmago republicano ao discorrer que:

“A Proclamação da República adveio como consequência da Guerra do Paraguai e abolição da escravatura. A guerra fez o exército modernizar-se, deu-lhe novos armamentos, recebeu em suas fileiras jovens da classe média e jovens negros alforriados. A abolição fez os escravocratas perderem a confiança no imperador, os quais se modernizavam voltados agora também para a indústria e comércio. D. Pedro II, não teve pulso suficiente para evitar o que parecia inevitável: a queda do regime monárquico. O positivismo de Augusto Comte deu sustentáculo intelectual aos republicanos”

 

Fato é, que a inspiração do novo constituinte, sobre a pena de Rui Barbosa, foi, sem sombra de dúvidas, a carta norte-americana, que apresentava o republicanismo, presidencialismo e federação como paradigmas, ao ponto de nomear o país de Estados Unidos do Brazil.

É inegável que o constitucionalismo americano é uma das vertentes mais estáveis e eficientes do globo (características ambicionadas por qualquer estudioso do direito de Estado), porém o que imprime àquela nação tais predicados são a história e o desenvolvimento político/social peculiares que a formaram.

Este foi o maior erro: imprimir em papel-manteiga óleo para tela.

Uma réplica advinda de um golpe, um sistema de governo sem guarida representativa, uma forma de estado que advém de um federalismo por desagregação e uma concentração absurda de poder na União: o novo nasce contaminado, fadado às crises que viriam a galope (muitas nos acompanham ainda hoje).

Conforme bem sintetizado por Paulo de Souza Lima[9] as principais características da nova constituição foram:

“a) Federalista – estados com certa autonomia; b) O art. 2º da Constituição previu uma área de 14.400 km2 no planalto central para construção da Capital Federal; c) O Brasil é um Estado leigo, laico e não confessional; d) Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário; e) Constituição rígida – Não existe mais distinção ente norma material e formalmente constitucional; f) Extinção da pena de galés, banimento e da morte; g) Remédio constitucional de habeas corpus  – No início servia para tutela qualquer direito mas, em 1926 foi restrito exclusivamente a liberdade de locomoção; h) Controle difuso de constitucionalidade – Qualquer juiz pode declarar uma lei inconstitucional; i) Fim do voto censitário – Exige alfabetização para votar; j) Mandado de quatro anos para presidente sendo proibida a reeleição; e, k) Estado laico.”

 

O destaque fica para a laicidade do Estado (inexistente no Império), da previsão constitucional do Habeas Corpus (que sofreria uma reforma em 1926, criando a famosa teoria brasileira do dito writ), a rigidez constitucional (ao invés da semirrígida constituição monárquica) e, pela primeira vez, o controle difuso de constitucionalidade (mais uma inspiração americana), o que inaugurou o crescimento paulatino da atuação jurisdicional brasileira em questões de Estado.

Houve ainda algumas evoluções apontadas por Lenza (2010, p.97-99) como a vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos para juízes federais, a previsão dos crimes de responsabilidade, o fim da previsão das penas de morte (salvo em guerra), galés e banimento.

A autonomia estadual, almejada pelo federalismo, era tão surreal como o sonho americano de Barbosa. As forças políticas coronelizadas e intervenções desarrazoadas nos estados fizeram com que Bonavides nomeasse esta federação de “autoritária- uma contradição política em termos”[10].

A forte concentração de poderes na União levaria a um extenso número de intervenções que culminariam com a derrocada, de fato, das instituições federalistas. O federalismo tronara-se de fachada.

O coronelismo acabou por dominar o cenário político brasileiro, com eleições sem representação pelo voto de cabresto (e aberto) e pautada pela chamada República do Café com Leite, que acabou por culminar na crise final dos anos 30.

A gota final do sistema foram as inúmeras desconfianças com o sistema eleitoral, a oligarquia e o crash da bolsa de 1929.

Deu-se a ideia de voto sem dar a sensação de que ele era livre e real. Uma ebulição tomou conta da política da época: de que aquela nova república era em verdade a “República Velha”.

A resposta sairia do eixo Minas-São Paulo. Viria do Rio Grande do Sul: era o início da Era Vargas.

 

1.3 – A curta segunda república (1934)

Inicia-se a Segunda República com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder por meio de uma eleição indireta, após os acontecimentos que levaram à chamada Revolução de 1930.

Como todo novo momento constituinte, era esperado uma grande gama de mudanças e novas aspirações para um novo Estado. Mas o mundo como um todo estava mudando à época, as expectativas estavam ainda mais crescentes.

A crise econômica de 1929, a progressiva urbanização combinada com o aumento do trabalho urbano/industrial e o fim da Primeira Grande Guerra foram combustíveis para o desenvolvimento de um novo momento mundial: a segunda geração/dimensão de direitos.

Se a primeira geração, que inspirou os textos anteriores, pregava o liberalismo clássico, o abstencionismo estatal, o laissez-faire e uma liberdade apenas formal. O novo momento era o oposto, já que vinha das falhas do primeiro.

A segunda geração de direito prima pelo chamado welfare state, o Estado do Bem-Estar Social. O Estado deveria tecer direitos sociais, fazer uma justiça distributiva, ser prestacionista, intervencionista, garantidor.

Deve deixar de observar e começar a agir para criar melhores condições à população: é nesse momento histórico, inspirada nas Constituições de Weimar e do México, que nasce a Constituição brasileira de 1934 – a Constituição da Segunda Geração, tal qual propõe seu preâmbulo:

“Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte” (Grifo nosso)

 

As origens históricas da constituinte de 1934 foram bem delineadas pelo brilhantismo de Bruno Zilberman Vainer ao tecer que:

“após a Revolução Comunista de 1917, o advento da Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1919, que levaram a uma mudança na concepção do Estado, que passa de liberal a social, revelando profunda preocupação com os direitos sociais, sobretudo os direitos trabalhistas.”[11].

 

Se a República Velha caiu dada a fragilidade do voto, Vargas cria, ainda no Governo Provisório, em 1932, por meio do Decreto n. 21076, a Justiça Eleitoral, com o fito de dar credibilidade e tecnicidade aos pleitos que viriam e acalmar os ânimos em prol da legitimidade dos governos.

A própria CF/34 traz modernos institutos vanguardistas, citados por Lenza (2010, p. 101-103), tais quais: a inamovibilidade para juízes (além da irredutibilidade de vencimentos e vitaliciedade), o voto secreto (australiano) e também o feminino, o mandado de segurança, a ação popular.

Seria a aurora de uma nova relação institucional entre os poderes, com maior liberdade e garantia de trabalho àqueles que tomariam os rumos decisórios na nação.

Vainer, em artigo já citado, enumera o que acredita ser os principais pontos do novo texto:

  1. “Tornou o voto secreto e conferiu direito de voto às mulheres (art. 52, §1º); 2. Instituiu a Justiça Militar e Eleitoral como órgãos do Poder Judiciário (art. 63); 3. Criou normas reguladoras da ordem econômica e social (Título IV), da família, educação e cultura (Título V) e da segurança nacional (Título VI); 4. Reforçou a tripartição dos poderes (art. 3º); 5. Instituiu a responsabilidade pessoal e solidária dos ministros de Estado juntamente com o Presidente da República (art. 61).”

 

É no âmago dos princípios inspiradores da constituição de 1934 que nascem as ideologias trabalhistas e classistas que irão se desenvolver no país posteriormente.

Cria-se neste momento a chamada fórmula do Senado no controle difuso de constitucionalidade, em que se permitia à Câmara Alta suspender lei declarada inconstitucional pelo STF de maneira erga omnes.

Seria ainda um resquício de ratificação pelo Legislativo junto à atuação do Supremo, que teria seus efeitos práticos perdurados até a contemporaneidade, quando o STF, recentemente, por meio de mutação constitucional, deu novos ares à fórmula em questão, dizendo que ela apenas daria publicidade à decisão da Corte.

Há também a primeira experiência de controle concentrado de constitucionalidade com a chamada ADI Interventiva, onde se exigia para a intervenção em um estado-membro que esta se desse por lei federal e que essa lei teria de ter analisada sua constitucionalidade pela Suprema Corte, com legitimidade ativa do PGR para deflagar o controle, para, só depois de aprovado pelo STF, a intervenção se efetivar.

Mais uma vez vemos a ideia de um Judiciário forte ser desenvolvida e, igualmente, um vislumbre de atuação pujante do Legislativo.

O problema nasce, contudo, com o destino e filosofia autoritários do chefe da nação à época.

Se Vargas foi quem desarmou os coronéis, criou a Justiça Eleitoral e deu diretrizes sociais à Constituição, foi ele também quem acabou por fulminá-la.

Com o desenvolvimento do fascismo e nazismo na Europa e o fortalecimento da União Soviética, o Brasil passa a ser um palco de radicais: ou se era extrema direta ou comunista (semelhanças contemporâneas?), o que contradiz ao liberalismo do texto em vigor.

Aproveitando da situação da política interna e externa, Getúlio acaba por levar ao fim, prematuramente, com apenas três anos, a primeira constituição social brasileira, que nem pôde se concretizar.

Vem à tona a faceta ditatorial do “pai dos pobres” junto ao Estado Novo e à Constituição de 1937.

 

1.4 – Revoga-se (1937)

A grande sensação ao observar a constituição de 1937 é que ela parece dizer “Revoga-se a Constituição de 1934” e “faça-se o oposto”.

As evoluções que vieram com a cena anterior, mesmo que formalmente, foram riscadas pelo texto do Estado Novo.

Aproveitando-se da instabilidade política advinda do conflito ideológico entre a Ação Integralista Brasileira e do Partido Comunista do Brasil, Vargas leva a cabo a Constituição de 1937, que dava vertentes autoritárias e poderes inimagináveis ao Presidente da República, conforme se aduz do seu art. 73:

“Art. 73 – O Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos de grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do país.”

 

Em nome da guerra contra o comunismo (inimigo comum) e do evitar de uma “guerra civil”, ideias autoritárias e fascistas se instalaram nesta que foi chamada de Constituição Polaca (remetendo à CF daquele país), conforme ensinado por Neves, citado por Souza Lima[12]:

“Aproveitando-se do clima de medo do comunismo, reinante junto à população desde a intentona, criou uma justificativa para que ele não deixasse o cargo. Divulgou a descoberta pelo Exército de um plano comunista para tomada do poder no Brasil, o Plano Cohen. Na verdade, o plano havia sido forjado pelo próprio Governo com a ajuda dos integralistas. Mas, alegando o perigo de um golpe comunista, Vargas manipula essa população, fecha o congresso, cancela as eleições e se mantém na Presidência em nome da estabilidade nacional. Esse auto-golpe ou golpe-branco deu início à terceira e mais terrível fase da Era Vargas, a ditadura do Estado Novo.”

 

Fechou-se o Congresso Nacional, houve o domínio sobre o Judiciário (duas atitudes que rememoram às piores ditaduras), dissolução dos partidos políticos e enfraquecimento dos direitos fundamentais (junto às perseguições da malfadada Polícia Especial e do DIP).

As instituições brasileiras no domínio da realidade se resumiam à Presidência da República e seus auxiliares.

Conforme asseverado por Lenza (2010, p 105) o controle da economia pelo Estado, inclusive com criação de estatais como a Companhia Vale do Rio Doce, acabou por levar ao crescimento da mesma. Anote-se que neste momento foram implementados importantes direitos sociais como a CLT e o salário mínimo.

Esta política populista acabou por criar o mito de Getúlio “pai dos pobres” em detrimento da figura autoritária e ditatorial que ele insculpiu para sua manutenção do poder – a contradição dessa figura histórica.

Das medidas mais esdrúxulas do texto de 1937 pode-se anotar algumas, apontadas por Lenza (2010, p 106) e por Wesley Lima (em artigo já citado) como: extinção da Justiça Eleitoral (que não tinha razão de ser em uma ditadura), a afastabilidade do Poder Judiciário frente a atos praticados em virtude do estado de guerra  e de emergência, pena de morte para crimes políticos (por mais esdrúxulo que pareça) e para homicídios cometidos por motivos fúteis ou uso de perversidade, determinou eleições indiretas para Presidente, vigência da censura prévia, restrição da autonomia dos Estados-Membros, possibilidade de retirar servidores públicos contrários ao regime e desconstitucionalizou o mandado de segurança e a ação popular.

Havia ainda a previsão de que decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da inconstitucionalidade de uma norma poderia ficar sem efeito se, provocado pelo Presidente da República, dada a promoção da defesa e do interesse nacional, o Parlamento, por 2/3 dos votos, decidisse que a norma deveria continuar em vigência, tudo nos termos do art. 96, parágrafo único:

“No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.”

 

Um plebiscito viria, segundo o texto, para referendar a Constituição, algo que nunca aconteceu.

O fim deste período ditatorial vem com as incongruências do regime e com os acontecimentos mundiais dos quais participava.

A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial do lado daqueles que pregavam a democracia e o liberalismo (e sagraram-se vencedores) em contraposição à ditadura com moldes fascistas que havia domesticamente levaram à ruína do regime.

Getúlio dá mostras de que convocaria uma eleição para manter-se no poder, com aparência democrática, porém os militares o depõem em 1945.

Eleições são convocadas e Gaspar Dutra sagra-se vencedor. Uma nova constituição é necessária.

 

1.5 – Breve respiro (1946)

A Constituição deveria traduzir os novos tempos, caracterizados pelo fim da Segunda Guerra, do nazifascismo e do Estado Novo. Teria de mesclar a liberdade e o cunho social que, de certa forma, foi lapidado nos tempos varguistas.

A democracia estava em voga e o preâmbulo do texto de 1946[13] vem mostrar o abstrato para o qual se propunha:

 

“Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembleia Constituinte para organizar um regime democrático, decretamos e promulgamos a seguinte” (Grifo nosso)

 

Corrigiu erros crassos cometidos pela ditadura varguista trazendo de volta o direito a greve, vedando a pena de morte (salvo para casos de guerra), de banimento, confisco e perpétua, previu o mandado de segurança e a ação popular, trouxe a inafastabilidade do Poder Judiciário a lesões de direitos individuais, eleições diretas, fim da censura, liberdade de associação para fins lícitos, dentre outras evoluções latentes.

O salto constitucional foi tamanho que alguns juristas, a exemplo de Celso Bastos (2002, p. 200) proclamam-na como uma das melhores da nossa história: “A Constituição de 1946 se insere entre as melhores, senão a melhor, de todas que tivemos.”

Até o projeto da nova capital no planalto central, presente desde a CF/1891, saiu do papel no governo de Juscelino, permitindo um maior desenvolvimento do interior do país com a “marcha para o oeste” brasileira.

Mesmo assim, diante de um texto aprimorado, o país não deixou de passar por crises severas: o suicídio Vargas (que retornou ao poder democraticamente) e, por fim, o agravamento da renúncia de Jânio Quadros, que cominou no fim deste momento histórico.

Quadros renúncia e seu vice, João Goulart, tido por segmentos militares como ligado ao comunismo, assume a presidência sem poderes efetivos, dado que se coloca a única experiência parlamentarista brasileira na república.

Em um referendo a população aclama o presidencialismo e põe fim as pretensões de mitigar os poderes de Jango, o que leva os seus opositores, aliados aos militares e o “receio comunista” a instaurarem o período mais escuso da nossa história: a Ditadura Militar inaugurada pelo golpe de 1964.

 

1.6 – Cálice (Cale-se) (1967/69)

A breve calmaria institucional apresentada pela constituição de 1946 foi o prenúncio de um dilúvio que estava por vir: a ditadura miliar que teve início no golpe de primeiro de abril de 1964 e que fulminaria direitos consagrados, desumanizando o Estado e criando cenas que a memória nacional preferia esquecer (mas devem ser lembradas).

A “legitimação” deste regime viria com a Constituição de 1967 (formalmente promulgada, mas ideológica e realmente outorgada) e com a de 1969 (EC n. 1), que deram os militares meios de levar a cabo o regime de exceção.

As principais características do texto de 1967 foram: fortalecimento do poder central (apesar de formalmente tratar-se de uma federação), estabelecimento de eleições indiretas para a presidência da república, pena de morte para crimes “de segurança nacional”, permissão para o presidente legislar por meio de decretos leis (levando ao esvaziamento do Legislativo) e restrição ao direito de greve.

A EC 16/65 (emenda sobre a CF de 1946, mas já no governo militar) cria a ADI genérica, mas que tem como único legitimado o PGR, que, à época de uma ditadura sangrenta não possuía condições de ir frente ao Executivo ditatorial. O controle de constitucionalidade sucumbe mais uma vez e, com ele, a atuação do Judiciário.

A censura e a repressão aos opositores foram marca registradas do regime militar, sendo utilizados no período os famigerados atos institucionais para dar viabilidade jurídica aos desmandos dos generais. No total foram cinco Atos Institucionais, bem resumidos por Souza Lima:

“AI nº 1 – Cassou todos os políticos e cidadãos da oposição; AI nº 2 – extinguir os partidos existentes e criar, na prática, o bipartidarismo; AI nº 4 – Compeliu o Congresso da nova Constituição; e por fim e o mais violento ato baixado o AI nº 5 – Fechou o Congresso, suspendeu as garantias constitucionais e deu poder ao Executivo para legislar sobre todos os assuntos.”

 

O AI-5, conforme asseverou Lenza (2010, p. 113), chegou ao limite de suspender o habeas corpus para crimes políticos, sobre segurança nacional, a ordem econômica e social e sobre a economia popular, além de excluir da apreciação do Judiciário os atos relacionados ao mesmo.

Esse funesto ato normativo, surpreendentemente levado à mídia com positividade por líderes políticos atuais, cassou parlamentares, como Juscelino Kubistchek, ministros do Supremo Tribunal Federal, dentre eles o ilustre Evandro Lins e Silva (baluarte da proteção dos direitos fundamentais no Brasil), e chegou a fechar o Congresso Nacional.

Com a EC n. 1, tida pela doutrina como a Constituição de 1969, o país passa a ser governado pelas Juntas Militares, mantendo-se os Atos Institucionais, criando-se a figura dos senadores biônicos, flexibilizando a rigidez constitucional (quórum de maioria absoluta) e aumentando o mandato do presidente para seis anos.

O país passa pela sombra do medo, surgindo movimentos sociais e culturais que acabam por levar a insustentabilidade do regime, que se prepara para a redemocratização, que ganha destaque no governo Figueiredo.

São aprovadas a Lei da Anistia (permitindo a volta de muitos exilados) e a Reforma Partidária (pondo fim ao bipartidarismo).

Só não logrou êxito as chamadas Diretas Já, movimento que pedia a imediata eleição direta para a presidência, formalizada pela Emenda Dante de Oliveira, que foi frustrada pelo Congresso e o governo.

A recondução do poder aos civis dar-se-ia com a eleição indireta de Tancredo Neves (aquele que foi primeiro ministro em nossa única experiencia parlamentarista) à presidência, que, vindo a falecer, acaba por dar lugar a José Sarney, primeiro presidente civil em anos, que veria em seu governo a promulgação de uma nova era constitucional brasileira.

Trata-se da mostra de que movimentos ditatoriais podem ficar longos períodos no poder, mas fatalmente sucumbem, deixando, porém, grandes revezes.

Se Chico Buarque dizia em seus versos, de maneira poética, que Deus afastasse do brasileiro o cálice dos horrores da Ditadura, que amordaçava e torturava seus cidadãos, a nova Constituição seria nomeada justamente de “Cidadã”.

 

1.7– A Traumatizada (1988)

Há inúmeras classificações para a nossa atual Constituição, mas talvez lembrá-la como traumatizada resuma bem os institutos que ela vem trazer depois de um período de censura, medo, torturas, autoritarismo e ilegitimidade.

Buscando liberdade, garantismo e aproximação aos direitos de terceira geração, a Constituição de 1988 é fruto da necessidade dos constituintes de elevarem a status constitucional tudo aquilo que, para quem eles representassem, seria significante para a nação (por isso a feição analítica).

Ao dizer muito ela acabou por se tornar a mais garantista de todas, elevando à categoria constitucional inúmeros direitos ao jurisdicionado, deveres e responsabilizações de grande monta aos detentores do poder.

Entre as evoluções do atual texto podemos destacar o seu dirigismo estatal (a ideia de que a constituição dita os passos do Estado e do governo), o pluralismo ideológico e partidário, o voto secreto/direto/periódico (inclusive para analfabetos), a democracia de direito, o cunho social do Estado, instituição do STJ, expansão de direitos trabalhistas (licenças-maternidade e paternidade, décimo terceiro para aposentados, direito a greve, direitos às domésticas, terço de férias, seguro-desemprego…), possibilidade de eleições em dois turnos (para presidente, governadores e cidades de mais de 200 mil eleitores), redução do mandato presidencial para 4 anos, fim da censura, função social da propriedade, inafastabilidade da análise do Judiciário, dentre tantos outros direitos.

Quanto ao controle de constitucionalidade, tão importante para a fiel execução do texto e do combate a arbitrariedades, a CF/88 amplia largamente o rol de legitimados para o controle concentrado, tirando do PGR a exclusividade, para evitar o engavetamento geral de ações.

Durante sua vigência, por meio de regulamentações ou via emendas, criam-se mecanismos outros de controle constitucionalidade como a ADI por omissão,  importante diante da inércia legislativa, a ADC e a ADPF, que permite uma atuação maior do controle concentrado, além da possibilidade de elevar a status constitucional tratados de direitos humanos que forem aprovados com quórum de emenda (aumentando a proteção e a noção de bloco de constitucionalidade). Há a previsão de ADI interventiva (única de legitimidade exclusiva do PGR) e também do Mandado de Segurança Coletivo e proteção de direitos coletivos e transindividuais.

Trata-se de um texto que, embora não seja sucinto, talha em suas palavras os desígnios de como a nação deve se pautar, o que proteger, como fazê-lo e inclusive, os mecanismos necessários e eficazes para a solução de crises institucionais.

Nas palavras do mestre Bonavides ela é a melhor de todas as Constituições formadas em nosso território. Vanguardista, ela tem como inimigos aqueles que querem retroagir a tempos imemoriais:

 

“A Constituição de 1988, ao revés do que dizem os seus inimigos, foi a melhor das Constituições brasileiras de todas as nossas épocas constitucionais. Onde ela mais avança é onde o Governo mais intenta retrogradá-la. Como constituição dos direitos fundamentais e da proteção jurídica da Sociedade, combinando assim defesa do corpo social e tutela dos direitos subjetivos, ela fez nesse prisma judicial do regime significativo avanço.”

 

Conforme se observa da análise da nossa evolução constitucional, o Brasil é o reflexo da progressão seguida da regressão. Um vai e volta de evoluções e retrocessos. De um passo dado à frente e dois para trás.

Se hoje estamos diante de um texto que consagra a liberdade, o garantismo e um Estado criado em função do cidadão e dos ditames da nação, o temor é que este se esvazie na prolixidade de suas palavras, carecendo de efetividade ou que, pior, surja no horizonte outro pensamento de retrocesso, de ruptura.

O que faltou a esta nação, ao que se vê desta análise, é equilíbrio, único elemento capaz de dar estabilidade a uma pátria.

O respeito ao estabelecido e às instituições é marca salutar do texto de 1988 e de qualquer Estado que procure, de fato, sobreviver harmonicamente aos andares do tempo.

Para encerrar, uma citação, mais uma vez feliz, de Paulo Bonavides[14] ao acidamente verberar:

 

“Aqui termina, minhas senhoras e meus senhores, a evolução constitucional do Brasil; termina com as omissões da falsa elite representativa, cúmplice silenciosa dos atos que destróem a democracia e o regime. Mas não termina aí a luta do povo brasileiro.”

 

CONCLUSÃO

Do que se depreende deste estudo, do Império à presente República de 1988, é o fato de as constituições brasileiras não fugirem à regra mundial: serviram e servem de pano de fundo para as aspirações, ideologias e projetos de poder daqueles que estão no comando do jogo político, com o apoio ou não da população.

Nada mais natural, haja vista que, como norma matriz do ordenamento, a Constituição é a base legitimadora da nação que está a se formar e, para tanto, em suas palavras estão presentes justamente o que se pretende fazer (mesmo que em suas entrelinhas) diante do momento histórico que se vive.

O que se esperava era encontrar ressonância com o momento político e o jurídico do país e o respeito ou não frente ao papel das instituições.

Percebe-se que, em verdade, a natureza política do texto constitucional é indubitavelmente a raiz e nascedouro do Estado, dando aso ao que a doutrina há tempos já reverbera.

Talvez fique de nota a observação sistemática da nossa história: uma sequência de evoluções e retrocessos diante do tempo. A oscilação brasileira diante dos fatos é tão latente que salta aos olhos do leitor.

Uma montanha russa onde direitos hoje são estabelecidos e amanhã são, evidente ou de maneira mascarada, relegados ao esquecimento.

O ciclo, depois de 32 anos da promulgação do texto Cidadão, não está totalmente afastado. A estabilidade brasileira não é natural, como ocorre em terras tradicionalistas (que, em que pese mais estáveis, estão cada vez mais sujeitas a devaneios).

A luta dos leigos e, sobretudo, de juristas deve manter-se a mesma: não permitir retrocessos. Este país deve olhar para o futuro, mas sem esquecer os tempos sombrios que viveu outrora.

O olhar atento deve estar direcionado a movimentos que tentem sucumbir as previsões de um texto que nasceu e teima pela estabilidade institucional, garantista e política.

A polarização política recente, a manipulação (e distorção) de informações – exponenciadas pelo mundo digital – parecem trazer à tona muitos dos cenários políticos que outrora já fomentaram rupturas indesejáveis e nefastas, conforme aqui vislumbrado.

Há que se ter em mente que os agentes políticos, sobretudo sua cúpula, devem (poder-dever) agir para arrefecer qualquer animosidade institucional que turve o relacionamento entre os Poderes.

Percebe-se na contemporaneidade, como um fenômeno não apenas brasileiro, mas global, que surgem movimentos políticos que se alimentam justamente de levantes e rusgas entre o establishment, criando uma atmosfera baseada em prélio e, quiçá, apreensão.

Sempre é positivo e natural à democracia e ao jogo eleitoral que a população seja ouvida com a atenção própria de emanador do poder, nos termos do postulado inaugural da Constituição Cidadã.

Falando em cidadania ela se exprime justamente pela capacidade de participação na vida do país, ditando rumos e direcionando o jogo de poder que só se legitima, de fato, sob o amparo do público.

Talvez a questão do século XXI, em termos políticos, seja lidar com a reação de uma massa sedenta por conflito, ávida por mudanças e, em sua maioria fundada em informações pouco (ou nada) confiáveis.

O império das mídias sociais trouxe à tona a viabilidade de transmissão instantânea de informações e da produção individual delas, o que permite que aquilo que se lê ou ouve seja facilmente manipulado.

A criação de inimigos comuns e o afastar do diálogo já deram mostras, aqui e no exterior, da barbárie humana. O risco, ainda mais latente, é que as instituições sejam vistas como o novo inimigo comum.

Invariavelmente elas sofrerão pressões, como já acontece e cada vez mais, diante da sempre crescente animosidade popular, alimentada por vetores diversos e interesses ainda mais ilimitados (em número e objetivos).

Se no estudo aqui desenvolvido percebeu-se que o jogo político, e seus marcos constitucionais, influenciavam na dinâmica de trabalho das instituições mais caras ao desenvolvimento democrático, em tempo atuais essa influência toma ares ainda mais perigosos dada a fácil disseminação das já famosas fake news.

A polarização chegou a incentivar manifestações contra o Congresso Nacional, ao ponto de alguns insinuarem o fechamento dessa instituição essencial que, como vimos, foi trancada apenas nos momentos mais obtusos e para o deflagrar do ápice do autoritarismo.

Presença nas ruas de apreço ao período da ditadura militar são vistos com uma frequência indesejável já que, o que se esperaria de um povo consciente de si mesmo era o não querer repetir os erros antes perpetrados.

O Judiciário, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, tem sido vítima, ainda maior, da insurreição das mídias sociais.

Dado o protagonismo na busca da implementação dos postulados constitucionais quando é provocado, o STF tem sido sujeito do que a doutrina americana chama de black lash, o ataque às supremas cortes dada sua atuação contra majoritária.

Fato é que a insurreição popular, focada sobremodo na área penal e de Estado, pode afetar a atuação jurisdicional de maneira a impedi-la de cumprir seu mister, nos termos da citação do portentoso ministro Celso de Mello, recentemente aposentado:

 

“Os julgamentos do Poder Judiciário não podem se deixar contaminar qualquer que seja o sentido pretendido por juízos paralelos, resultantes de manifestações da opinião pública que objetivem condicionar o pronunciamento de magistrados e tribunais. Pois, se tal pudesse ocorrer, estar-se-ia negar a qualquer acusado em processos criminais o direito fundamental a um julgamento justo.” (ADCs 43, 44 e 54)

 

O populismo judicial direcionará a palavra final das grandes celeumas nacionais a uma satisfação à massa que, inconsciente da técnica e do olhar da experiência jurídica, fatalmente culminará em decisões desprovidas de efetividade axiológica, fática e, eventualmente, normativa – isto é o que deve ser evitado.

Qualquer tentativa de interferência de um poder sobre o outro afronta a fórmula sopesada pela Constituição e levará, sem sombra de dúvidas, ao retrocesso da nação.

Em termos judiciários o próprio apelo popular tem que ser visto com todas as ressalvas, visto que a técnica e não a vox popoli deve ser o norte dos julgadores. Nenhum tribunal não deve(ria) se manifestar com base na opinião pública. O que se intenta é o rigoroso cumprir da lei, o “dizer o direito”, a Jurisdição.

Espera-se, porém, que as instituições criadas ou fortalecidas pela novel de 1988 sejam fortes o bastante para manter a estabilidade institucional, matriz de qualquer desenvolvimento nacional efetivo.

Diante de um histórico tão cíclico (evoluções e involuções) é necessário ter em mente que nenhum movimento de quebra normativa deve ser tolerado. Deve-se afirmar o apreço institucional, o respeito aos Poderes da República (e sua separação harmônica) e aos postulados constitucionais, como norte maior.

Eis o grande desafio desta nação: Evoluir, sem dar passos para trás. O segredo é estar atento e esperar que os agentes de poder (e o povo) sejam equilibrados. Pena nossa tradição, conforme demonstrado, não corroborar com essa expectativa.

A memória brasileira parece ser curta e tira-se das palavras atribuídas a Merlin, no mito do rei Arthur, a conclusão: “o maior mal do homem é o esquecimento“.

 

REFERÊNCIAS

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Celso Bastos Editor. 2002.

 

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

 

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LYNCH, Chrystian E. C. O Poder Moderador na Constituição de 1824 e no anteprojeto Borges de Medeiros de 1933. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/198714/000901836.pdf?sequence=1 . Acesso: 17 out 2010.

 

LIMA, Paulo de Souza. Constituições brasileiras- momentos históricos e características. Disponível em: http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15477 . Acesso em 27/112017.

 

LIMA, Wesley de. Da evolução constitucional brasileira. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=artigos_leitura_pdf&artigo_id=4037. Acesso em 29/11/2017.

 

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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1992.

 

VAINER, Bruno Zilberman. Breve Histórico acerca das Constituições do Brasil e do Controle de Constitucionalidade Brasileiro. Disponível em: http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-16/RBDC-16-161-Artigo_Bruno_Zilberman_Vainer_(Breve_Historico_acerca_das_Constituicoes_do_Brasil_e_do_Controle_de_Constitucionalidade_Brasileiro).pdf . Acesso em 29/11/2017.

 

[1] Servidor Público, advogado licenciado, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e pós-graduado em Direito Constitucional. E-mail: [email protected]

[2]Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm . Acesso em: 16 out. 2017.

[3]Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000300016 . Acesso em: 16 out. 2017.

[4]Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15477&revista_caderno=9 . Acesso em 16 out. 2017.

[5]Disponível em :http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-16/RBDC-16-161-Artigo_Bruno_Zilberman_Vainer_(Breve_Historico_acerca_das_Constituicoes_do_Brasil_e_do_Controle_de_Constitucionalidade_Brasileiro).pdf . Acesso em 16 out 2017.

[6]Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/198714/000901836.pdf?sequence=1 . Acesso: 17 out 2010.

[7] Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/pedro-i-criou-supremo-com-poderes-esvaziados/pedro-i-criou-supremo-com-poderes-esvaziados . Acesso em 07/03/2020.

[8]Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000300016 . Acesso em: 16 out. 2017.

[9]Disponível em: http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15477 . Acesso em 97/112017.

[10]Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000300016 . Acesso em 16 out. 2017.

[11]Disponível em: http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-16/RBDC-16-161-Artigo_Bruno_Zilberman_Vainer_(Breve_Historico_acerca_das_Constituicoes_do_Brasil_e_do_Controle_de_Constitucionalidade_Brasileiro).pdf . Acesso em 29/11/2017.

[12]Disponível em: http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15477 . Acesso em 27/112017.

[13]Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm . Acesso em 30/11/2017.

[14]Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000300016 . Acesso em 16 out. 2017.

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