Breves considerações acerca do papel da defensoria pública na evolução do acesso à Justiça

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A DEFENSORIA PÚBLICA NA EVOLUÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA


Cumpre o registro histórico de que foi na Inglaterra feudal, do século XIII, que surgiu a “Magna Carta”, um marco divisor na biografia dos direitos e garantias individuais e, portanto, do acesso à Justiça.


Embora aprioristicamente não tenha estreita relação com o estudo específico da assistência judiciária gratuita, a “Magna Carta” já antecipava o que se tornou o principal instrumento de defesa do cidadão: o Habeas Corpus, que no art. 39 aduz: Nenhum homem livre será detido nem preso, nem despojado de seus direitos nem de seus bens, nem declarado fora da lei, nem exilado, nem prejudicada a sua posição de qualquer forma; tampouco procederemos com força contra ele, nem mandaremos que outrem o faça, a não ser por um julgamento legal de seus pares e pela lei do país“.


Por óbvio que a norma objetivava estabelecer limites aos poderes absolutistas no que se refere à nobreza. Mas, rapidamente ganhou força, instrumentalizando a contextualização inicial do acesso à Justiça.


Na ordem jurídica do Brasil, foi com a constituição brasileira de 1934 que a assistência judiciária gratuita surgiu como garantia constitucional. Teve significativa influência da Constituição Alemã de Weimar de 1919. Assim é que esse diploma inaugurou o Título IV – Da Ordem Econômica e Social, notadamente no que pertine aos direitos trabalhistas, instituindo a justiça do trabalho, prevendo a participação de representantes dos empregados e empregadores.


No seu capítulo II – Dos direitos e das garantias individuais, a Constituição de 34 instituiu a ação popular e a assistência judiciária para os necessitados, com a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos, prevendo, também, a obrigação dos Estados e da União de criar órgãos Especiais a tal desiderato.


A Constituição de 1946 manteve as novidades da Carta de 1934, além disso, ampliou com intensidade os direitos sociais: à Família, à Educação e à Cultura.


Um efetivo avanço no que se refere à questão do acesso à justiça foi a elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT em 1943, resultado de reivindicações que se apresentaram em alguns pontos do país. Foi o primeiro diploma legal que se preocupou com o sentimento de coletividade, se opondo ao individualismo dominante.


Em 1950, foi promulgada a Lei Federal 1.060 que disciplina a concessão da assistência judiciária, vigorando até os dias atuas, após uma série de alterações no seu texto original. Resultado disso foi que no ano de 1954, foi criada a Defensoria Pública em São Paulo, e em seguida (em 1962), no estado do Rio de Janeiro.


Atos institucionais pós 1964, com a ditadura militar no país afetaram intensamente os progressos da Constituição de 1934, efeito imediato disso é um indesejado retrocesso na história político-brasileira. Malgrado essa celeuma ocasionada pelo período de ditadura militar alguns segmentos da sociedade lutaram por eqüidade social e pela cidadania plena, haja vista a aspiração à uma melhor qualidade de vida na sociedade e a busca da felicidade com o efetivo acesso à justiça por todas as classes sociais.


Finalmente, em 1988, surge a nova Constituição brasileira, chamada Constituição Cidadã, amplamente influenciada pelos movimentos sociais que se firmaram, alargando o âmbito dos direitos fundamentais, individuais e sociais, prevendo a criação de mecanismos adequados para garanti-los, especialmente no que se refere ao acesso à justiça. De fato, a Carta de 1988 foi o mais eficiente instrumento normativo pátrio de ampliação das garantias de efetivo acesso à justiça, com normas que direta ou indiretamente tratam do tema.


A Constituinte de 05 de outubro de 1988 ampliou a assistência jurídica aos carentes, para que tenha com efetividade e presteza o acesso à justiça, retirando-lhes o ônus da sucumbência, isentando-os do pagamento das custas judiciais, taxas e emolumentos. Para que haja o alcance do objetivo da Constituição da República foi essencial a previsão do art. 134 da CF, que aduz: “A Defensoria é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV“.


Estudar o passado pode permitir a melhor compreensão do presente e a presciência do futuro. Assim é que a História está abarrotada de exemplos demonstrativos de que, logo depois a um período de regime de exceção, segue-se um natural período de euforia e conscientização pelo resgate das liberdades cerceadas.


Destarte, é preciso fazer um estudo paralelo do que ocorreu ao fim do Estado Novo e a Constituinte de 1946, e ao término do Regime Militar e a Constituinte de 1988.


Respeitadas as conjunturas de um e outro momentos históricos, a ênfase das Assembléias Nacionais Constituintes foi a procura de consolidar a democracia como opção política a que se anseia dar longevidade, porquanto, em princípio, isso seria resultado do pleno exercício da cidadania.


Essa preocupação está presente na própria estrutura organizacional do texto constitucional de 1988, pois pela primeira vez o seu Título I cuidou “Dos Princípios Fundamentais” a serem cultivados e preservados, além de dirigir todas as ações de Estado. Também pela primeira vez, utilizou a fórmula “ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO” (CF/88, art., 1.º, caput).


Nesse diapasão, percebe-se a preocupação com a afirmação da cidadania como delimitadora do papel do Estado pela “Constituição Cidadã” de 1988.


Os direitos e garantias individuais abrem o Título II – “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Dessarte, é de fácil percepção a evolução pela Carta de 1988 do acesso à justiça e de sua socialização, como direito de todos.


Incontestavelmente, este é um marco na história brasileira do progresso dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, na medida em que a assistência jurídica ao necessitado enfim é atribuída a uma instituição pública com garantias e prerrogativas próprias de um órgão autônomo e independente.


Para o sempre lembrado Mauro Cappelletti, o conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil. Enfatizando que nos estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, os procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a concepção individualista dos direitos então vigentes. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. (CAPPELLETTI, 1988, pág.09)


A tese era a de que, em que pese o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos fundamentais não necessitavam de uma ação positiva do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados precedentes ao Estado, sua salvaguarda exigia tão somente que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros.


À medida que as sociedades históricas se desenvolveram em dimensão e complexidade, o conceito de direitos fundamentais inicia uma transformação radical. Nesse momento, as ações e relacionamentos ostentaram, dia após dia, caráter coletivizado ao invés de individualista. Nesse diapasão, as sociedades contemporâneas literalmente viraram às costas à visão individualista dos direitos e garantias do cidadão, passando a uma concepção social e coletiva da tutela jurisdicional.


Desse modo, o movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. Esses novos direitos humanos, exemplificados pelo preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, são, primeiramente, os necessários para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, os direitos antes proclamados.


Portanto, o direito ao acesso efetivo à justiça ganhou particular atenção na medida em que as reformas do welfare state procuraram armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatários, empregados e, mesmo, cidadãos. De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. (CAPPELLETTI, 1988, pág.11).


 Em sua reconhecida obra, O Acesso à Justiça, Mauro Cappelletti consagrou os principais obstáculos a serem transpostos para que se alcançasse o efetivo ingresso à Justiça, bem como propôs soluções para quebrar essas barreiras. São eles: as custas judiciais, a possibilidade das partes e questão dos interesses coletivos latu senso.


 A problemática das custas judiciais limita por demais o acesso à justiça até porque é do autor a responsabilidade pelo pagamento das custas de distribuição, as provas que desejar produzir, o preparo dos recursos que por ventura interpuser, ficando difícil o ingresso à jurisdição às classes economicamente menos favorecidas, daí a importância da defensoria pública como órgão garantidor dos direitos e interesses dos necessitados.


 A ignorância da partes dos seus direitos e garantias também é fator preponderante no acesso ao Poder Judiciário à medida que quanto menor o poder aquisitivo do cidadão, menor o conhecimento acerca de seus direitos, sendo menor a sua capacidade de identificar um direito violado e passível de reparação judicial, além desse fator, é menos provável que conheça um advogado ou saiba como encontrar um serviço de assistência judiciária.


O problema dos interesses difusos é um terceiro aspecto levantado por Cappelletti para a dificuldade de acessar a jurisdição.


Em nosso sistema jurídico, a problemática pertinente à tutela dos interesses difusos e coletivos se deu em razão da invisibilidade desses para o ordenamento. O Estado organizou um sistema jurídico único e abrangente, suficiente para responder todas as questões, de tal modo que tudo que se assemelhasse a direito coletivo deveria ser compreendido como estatal.


Assim é que para o jurista Mauro Cappelletti a saída para o acesso eficaz à justiça se dá por meio do entendimento de três “grandes ondas“: a assistência judiciária; a representação jurídica para os interesses difusos e enfoque de acesso à justiça. (CAPPELLETTI, 1988, pág.31)


A assistência judiciária é instituto destinado a favorecer o ingresso em juízo das pessoas desprovidas de recursos financeiros suficientes à defesa judicial de direitos e interesses. É uma forma de possibilitar aos necessitados a obtenção da tutela jurisdicional afastando deles qualquer impedimento de fator econômico.


Na ordem constitucional brasileira a assistência judiciária integra a ampla garantia da assistência jurídica integral, contida no capítulo onde se definem direitos e garantias individuais e coletivas, a norma constitucional plasmada no artigo 5º, inciso LXXIV, da CF/88 enfatiza que: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos“.


A representação da tutela dos direitos difusos e coletivos, por sua vez, também é marco divisor para o legítimo acesso à justiça.


Segundo o jurista Verri, 2008, pág.17:


“Até o século XIX a regra era tutelar direitos individuais, beneficiando somente aquele que, comprovando interesse próprio, acionava o Poder Judiciário. Portanto, os direitos eram apenas individuais e a tutela se dava pelas regras básicas do processo civil clássico”.


Por isso mesmo é que o processo civil clássico de cunho individualista e patrimonial não estava preparado para tutelar os interesses e os direitos coletivos latu sensu. Nesse passo é que houve inúmeras aberturas para a evolução no sentido de ampliar a tutela jurisdicional desses direitos.


As formulações para a busca de novos meios extrajudiciais a fim de solucionar as lides, fez com que se percebesse que os mecanismos anteriores eram insuficientes para o efetivo acesso à justiça, uma vez que o processo comum ordinário não era a forma mais efetiva, nem no plano de interesses das partes, nem nos interesses mais gerais da sociedade. (CAPPELLETTI, 1988, pág.134).


Essas idéias partiram das reformas antecedentes que buscavam a proteção judicial dos hipossuficientes e dos interesses difusos não representados ou representados de forma ineficaz e objetivam a mudança dos procedimentos judiciais, de forma ampla, pretendendo tornar efetivos os direitos buscados. A necessidade de se possibilitar o acesso à justiça e propiciar a solução de conflitos têm apontado para a procura por uma justiça conciliadora que pode ser mais eficaz para a solução dos contenciosos.


Diante dessa nova conjuntura, é cogente assegurar ao cidadão que busca solucionar um conflito, uma justiça capaz de promover uma aproximação das posições, em que a solução seja pelos litigantes reciprocamente compreendidas, com uma modificação bilateral ou multilateral dos comportamentos, rompendo assim com um modelo de justiça que prima pelo conflito.


Conseqüentemente, é mister que se aperfeiçoe os mecanismos processuais, simplificando os procedimentos no sentido de tornar mais acessível à justiça, construindo um sistema capaz de alcançar os escopos jurídicos, sociais e políticos da jurisdição.


Destarte, ante a ampliação dos mecanismos do acesso à justiça, e modificações existentes no ordenamento processual civil, exsurge diversos instrumentos de integral acesso à justiça e de participação popular, como a ação civil pública, a ação popular, o mandado de segurança coletivo, dentre outras ações coletivas com o mesmo desiderato.


CONCLUSÃO


Foi efetivamente com a Constituição Federal de 1988 que o acesso à justiça recebeu contornos transformadores, conferindo aos jurisdicionados as garantias do pleno acesso à justiça, bem como outras de igual importância, como o devido processo legal, o juiz natural, o contraditório e a ampla defesa.


Nessa esteira de debates em que houve a ampliação dos instrumentos para uma justiça social, promoveram-se diversas modificações no ordenamento processual civil do país, por meios de diversos instrumentos de participação da população, no intuito de acolher às exigências e oferecer um sistema processual social e politicamente adequado para a nova ordem jurídica constitucional.


Nesse quadrante, é imperioso reconhecer a importância da Defensoria Pública no acesso da população carente à justiça, pois isso é a propedêutica prima facie para a vigência de um Estado Democrático de Direito, sem esse necessário reconhecimento haverá, por assim dizer, um distanciamento da democracia, e seguíramos dia a dia em passos diametralmente opostos ao ideal da Justiça e do Direito.


Portanto, é forçoso que o Estado brasileiro tome consciência disso e entenda, de uma vez por todas, que Defensoria Pública forte é sinônimo de democracia, cidadania e liberdade, uma vez que enquanto as classes economicamente desfavorecidas continuarem privadas do exercício efetivo do direito de ação, o Brasil nunca será um país de primeiro mundo, evoluído social, política e juridicamente.


 


Referências bibliográficas

ALVES, Cleber Francisco e PIMENTA, Marília Gonçalves. Acesso à Justiça em preto e branco: Retratos Institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998.

CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: UFMT, 2002.

MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita. Ed. Forense: Rio de Janeiro, 1996.

ROCHA, Carmen Lucia Antunes. “O Direito Constitucional à jurisdição” em As garantias do cidadão na justiça. Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1993.

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça do direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994.

SANTOS, Boaventura de Souza. “A sociologia dos tribunais e a democratização da justiçaem Pela Mão de Alice. São Paulo: Cortez, 1995.


Informações Sobre o Autor

Fagner César Lobo Monteiro

Bacharel em Direito. Pós-graduado em Direito Constitucional. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Procurador do Estado de Pernambuco e Advogado. Professor e Palestrante.


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