Constituição e vontade popular. Elementos para a compreensão do princípio democrático

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Para José Carlos Ferreira, um dos decanos do livro jurídico brasileiro.


Sumário: I – Princípio democrático e Estado Constitucional; II – Atualidade e passado constitucionais. Subsídios e fundamentos para a compreensão da racionalidade da Constituição; a) Os pressupostos da racionalidade constitucional; III – Princípio democrático e racionalidade constitucional; IV – Racionalidade constitucional e poder constituinte; V – Representatividade política e racionalidade constitucional; VI – Concretização normativa, abertura da Constituição e princípio democrático.


I – Princípio democrático e Estado Constitucional


1. Sempre que analisamos o papel a ser desempenhado pelo Estado contemporâneo, surge a necessidade de voltar ao tema da mensagem normativa da Constituição. Afinal, nossa época coincide com o apogeu jurídico-político do Estado Constitucional, onde todas as manifestações do fenômeno estatal nascem a partir da Constituição ou dela dependem de alguma maneira. Na atualidade, a configuração do Estado é resultado da conexão que existe entre o discurso constitucional e a influência normativa (e também sociopolítica) da vontade popular. Trata-se de situar a lógica democrática – e a razão prática que ganha forma por meio do poder constituinte – como um dos principais motores do fenômeno constitucional.


2. O surgimento do Estado Constitucional viu-se rodeado por uma ampla gama de significados. O conceito de Estado Constitucional, num sentido amplo, guarda relação com uma “realidade presidida por um conjunto de postulados materiais que definem a carga axiológica (seus valores fundamentais) do constitucionalismo moderno-iluminista”[1]. Sendo assim, o Estado Constitucional e as normas que o estruturam também assumem uma nítida conotação histórico-cultural. Seu conteúdo vincula-se a todos os avanços e retrocessos que marcaram a edificação das democracias constitucionais contemporâneas. No caso, trata-se praticamente dos mesmos elementos – acontecimentos histórico-sociais, progressos teóricos, incremento do instrumental normativo etc. – que contribuíram para que os postulados democráticos fossem assimilados pela Constituição. Não se pode negar, portanto, a relativa identificação que existe entre a democracia moderna e o Estado Constitucional.


2.1. Antes de atingir sua fase mais desenvolvida, ou seja, antes de o Estado deixar-se conformar pela normatividade constitucional – o que ocorre atualmente, pelo menos no plano ideal –, precisou submeter-se às muitas forças políticas e influências extra-normativas oriundas da realidade histórica. Isso quer dizer que o surgimento e a evolução do Estado Constitucional sempre estiveram ao lado das tendências políticas por trás do ideário democrático. Em termos práticos, tal constatação nos leva à inevitável conclusão de que o Estado Constitucional e as instituições que dele dependem foram fruto das contingências históricas que evoluíram lado a lado com o primado da soberania popular[2].


2.2. Essa realidade histórica não se manifestou apenas no plano sociopolítico. O Estado Constitucional dos dias de hoje também foi antecedido pela longa tradição do Direito Natural, pelo racionalismo que inspirou as declarações de direitos, pelo pensamento iluminista vinculado aos ciclos revolucionários (constitucionalismo clássico) dos séculos XVII e XVIII, sem falar na ligação que, em certa altura, no auge do liberalismo político, ele manteve com a diferenciação entre Estado e sociedade. O atual Estado Constitucional foi influenciado, ainda, pelo utilitarismo, pelo pensamento de Marx e dos conservadores católicos, pelo discurso emancipador dos direitos sociais, culminando, após a segunda metade do século XX, com a presente fase de valorização dos direitos fundamentais e da faceta política da Constituição. De um modo geral, vale a pena repetir, seu ciclo evolutivo coincide com o desenvolvimento da democracia constitucional.


3. Mais do que meras fases evolutivas, por conseguinte, as várias etapas dessa “marcha constitucional” representam um acúmulo de conquistas normativas cujo conjunto dá corpo ao Estado Constitucional tal como o conhecemos na atualidade. No horizonte do Estado de Direito, há um “específico patrimônio axiológico-normativo que, uma vez revelado, fica verdadeiramente adquirido para sempre”[3], ao menos se pensarmos, inspirados pelos valores do nosso tempo, na construção de um modelo de convivência fundado na prevalência da pessoa humana. Nesse caso, estamos diante de um Estado Constitucional dotado de conteúdo material[4], o que nos permite afirmar que o advento do regime democrático moderno, verdadeira conquista jurídico-política das chamadas revoluções liberais, esteve sempre vinculado à evolução da figura estatal. 


4. A democracia liberal alcança seu ápice reivindicativo com os movimentos sociais que eclodiram durante o século XIX, resultado sociopolítico, entre outros fatores, do enfrentamento entre o princípio democrático e o princípio monárquico[5]. A democracia constitucional, ou seja, o modelo de dominação política onde a soberania popular – e o princípio democrático – figura como base material e fonte de legitimidade da Constituição, ganha forte impulso durante a passagem do mundo liberal para o intervencionismo emancipador do Estado Social. Nesse período, a universalização do sufrágio aproxima Estado e sociedade, produzindo uma horizontalização da Política que está na base da democracia contemporânea.


Em linhas gerais, pode-se dizer que essa fase intervencionista do Estado Constitucional se deve, entre outros fatores, às tendências sociais que nesse momento reclamavam níveis mais acentuados de participação política. Trata-se de uma reversão do modelo de Estado liberal que tinha como finalidade ampliar o papel da sociedade e dos grupos sociais no processo de tomada das decisões políticas. Apesar disso, conforme já foi dito, a força do ideário democrático não encerra seu ciclo evolutivo nesse período, em que os movimentos sociais exigiram a implementação efetiva da soberania popular. O sentimento democrático, como se sabe, esteve ao lado das revoluções burguesas sem deixar de aparecer nas discussões jurídico-políticas dos dias de hoje.


4.1. Inicialmente, quando as revoluções liberais despontaram no cenário sociopolítico, o ideário democrático – então simbolizado pelo princípio republicano e pela soberania nacional francesa – passou a ser visto como uma distante finalidade a ser alcançada pelas consignas revolucionárias. Depois, já no século XX, transforma-se em objetivo imediato dos reclamos populares, preparando sua positivação constitucional e inaugurando todos os problemas – a busca de uma democracia material, a crise orçamentária do Estado Social, a substituição da democracia representativa de corte liberal pelo modelo mais amplo de democracia participativa etc. – que em breve girariam em torno do seu aprimoramento enquanto regime político concreto.


A democracia foi símbolo político e quimera de certos setores populares[6], persistindo como tal, no mundo contemporâneo, porque seus contornos precisam ser constantemente reformulados para enfrentar o grande número de desafios convivenciais criados pelas sociedades pós-industriais. Em geral, a compreensão do princípio democrático termina sendo afetada pela crise que acompanha o Estado Constitucional praticamente durante todo o século XX. Afinal, vale a pena repetir, o Estado Constitucional aglutina em torno de si a quase totalidade dos elementos sociopolíticos e normativos que ajudaram a construir o discurso democrático moderno. Por causa disso, a mensagem normativa da Constituição – ou sua correspondência com a realidade constitucional – também acaba sendo influenciada pelo caráter ideal – os objetivos de qualquer modelo teórico ou normativo – dos postulados democráticos.


5. Pode-se facilmente constatar, assim, que a história do Estado Constitucional termina se confundindo com a própria evolução do discurso democrático. Se pensarmos no período que se estende do constitucionalismo liberal até os dias de hoje, é possível defender a existência de um pano de fundo comum a caracterizar ambos os fenômenos. Isso acontece porque a estruturação da democracia moderna, isto é, a adoção dos marcos democráticos como bandeira de luta política durante o constitucionalismo revolucionário dos séculos XVII e XVIII, coincide com a etapa de fundação do Estado Constitucional. Além disso, o advento da vontade popular como referência primeira do ordenamento jurídico concedeu a legitimidade buscada pelo discurso constitucional moderno, criando as condições necessárias para que a Constituição, em um segundo momento, realmente pudesse funcionar como sistema jurídico dotado de supremacia normativa[7].


Dito isso, torna-se necessário determinar quais são os elementos materiais que compõem as bases do discurso constitucional. É importante identificar os pressupostos através dos quais a Constituição elabora (a essência da) sua mensagem normativa. Trata-se de descobrir como a Lei Fundamental deve estruturar a sua fisionomia normativa para ser considerada como um estatuto jurídico-político condizente com os valores constitucionais de cada tempo específico. E nessa tarefa, voltada para a construção de um modelo democrático constitucionalmente racional, estão envolvidos o Estado Constitucional e a idéia (moderna) de democracia. Neles podemos encontrar os componentes responsáveis pela articulação de um discurso constitucional dotado de racionalidade, compatível com uma específica compreensão (e com o conteúdo) da vontade popular.


II – Atualidade e passado constitucionais. Subsídios e fundamentos para a compreensão da racionalidade da Constituição


6. O complexo trilhar da “racionalidade – escreve Manuel Segura Ortega – é o resultado de uma longa evolução que culmina com a construção do Estado Constitucional moderno”[8]. Durante toda essa evolução, uma das principais dificuldades dos esforços teóricos dedicados ao estudo da racionalidade tem sido a grande pluralidade conceitual[9], além da existência de vários tipos distintos de racionalidade: racionalidade teórica, racionalidade lógico-formal etc. Nosso objeto de estudo recai na racionalidade (prática)[10] constitucional. Sendo assim, vamos centrar nossa atenção no estudo da racionalidade do sistema jurídico-constitucional, ou seja, na análise do modelo de racionalidade (a racionalidade da Constituição) responsável pelo estabelecimento das “regras que desenham o modelo de convivência de um determinado grupo social”[11].


7. Tradicionalmente, “uma posição diz-se (…) racional quando é sustentável pela referência a certos pressupostos, através de uma mediação estruturada pelo pensamento”[12]. Trata-se de uma relação entre uma realidade qualquer e certos fundamentos que a sustentam. A racionalidade de algo ganha forma na medida em que esse algo se justifica por meio de uma adequada correlação com os pressupostos que o sustentam. No presente artigo, é preciso identificar os pressupostos do discurso constitucional e adequá-los aos padrões jurídico-materiais criados pela vontade popular. Através de tal adequação – Constituição/vontade popular –, os pressupostos da racionalidade constitucional são mediados pelos princípios que sustentam o Estado Constitucional. Convém recordar que a Constituição pode ser compreendida como “expressão das situações sociais e da ordem normativa que determina o curso da vida social”[13]. Daí a sua conexão com o sentido prático-normativo desenvolvido quotidianamente pela vontade popular.


Antes de mais nada, é importante saber se esses pressupostos da racionalidade constitucional são sempre os mesmos ou se variam de acordo com a cadência do processo histórico. Dito de outra forma, a) há pressupostos imutáveis, formulados, por exemplo, de acordo com a tradição iusnaturalista clássica, b) há pressupostos pré-determinados, cujo conteúdo se altera com o passar do tempo ou c) os pressupostos do discurso constitucional são definidos de acordo com a realidade histórica, surgindo ou extinguindo-se na medida em que a sociedade modifica seus padrões axiológicos e culturais? Na verdade, tais indagações se relacionam com a questão de encontrar um limite operativo entre a estática – ligada à segurança jurídica – e a dinâmica do discurso constitucional – base do processo de legitimação e da própria efetividade normativa da Constituição.  


7.1. Tendo em vista tais questões, e pensando em termos de razão prática, é relevante esclarecer que a racionalidade constitucional não possui relação exclusiva com uma Constituição positiva específica. Normalmente, o conteúdo da racionalidade constitucional também é determinado pela cultura jurídico-política – e por suas origens extranormativas – dos povos. É uma categoria que exprime as características culturais e normativas, numa inquebrantável configuração bifronte, da estrutura jurídico-política existente em cada sociedade. A racionalidade da Constituição, assim, está bastante ligada à história e à realidade constitucional de cada comunidade política, sem deixar de lado, naturalmente, os pontos de contato que ela mantém com a Constituição em vigor.


Para compreendê-lo com mais facilidade, podemos adiantar que os pressupostos da racionalidade constitucional relacionam-se, inicialmente, com a herança deixada pelo constitucionalismo clássico, abarcando, assim, a limitação do poder político e a garantia de certos direitos fundamentais. Seu conteúdo, todavia, é alterado de acordo com as oscilações do processo histórico e da própria vontade popular, assumindo um conteúdo concreto definido historicamente. A racionalidade constitucional, vale a pena salientar, identifica-se com a tradição jurídico-política na medida em que esta última se impõe como realidade presente.


7.2. Sendo assim, pode-se dizer que há duas manifestações distintas de racionalidade constitucional. A primeira delas é dotada de certa universalidade. Resulta da herança deixada pelos movimentos constitucionais do Ocidente, de um lado, e do próprio caminho constitucional percorrido por cada povo em particular, de outro. Neste caso, o patrimônio constitucional é decorrência de uma mescla entre as características nacionais e a carga ideológica deixada pelo constitucionalismo moderno como um todo.


A segunda manifestação da racionalidade tem relação com a mensagem normativa de cada Constituição concreta, constantemente influenciada pelo modelo racional que surge a partir do constitucionalismo clássico e da cultura jurídico-política de cada país. Sempre que estejam presentes seus pressupostos, expostos a seguir, o pensamento constitucional tem bases racionais e apresenta caráter linear. Quer dizer, evolui num ritmo que respeita as conquistas normativas acumuladas no transcurso do processo histórico e a vontade jurídico-política dos povos.


a) Os pressupostos da racionalidade constitucional


8. O constitucionalismo moderno-iluminista foi, sem lugar a dúvidas, o grande responsável pela criação dos pressupostos que atualmente informam o conteúdo da racionalidade constitucional. Inspirados pelos movimentos revolucionários que eclodiram nos séculos XVII e XVIII, seus fundamentos se identificavam com a limitação do poder político – antes sujeito ao voluntarismo do monarca absoluto – e com a implementação de um sistema normativo de direitos e garantias individuais[14].


8.1. Na ótica do Estado Material de Direito, a racionalidade do discurso constitucional vai ser construída, projetando-se depois no texto da Constituição, a partir do momento em que os elementos do constitucionalismo moderno se conjugam com as exigências de cada momento histórico. A idéia é compatibilizar a limitação do poder político e a consagração de um núcleo básico de direitos e garantias com os valores jurídico-políticos cultivados em cada comunidade nacional – ou mesmo supra-nacional, se pensarmos, por exemplo, nos passos constitucionais dados pela integração européia. A “mediação estruturada pelo pensamento” a que antes fazia referência Castanheira Neves deve ser compreendida, no caso da racionalidade constitucional, como uma mediação estruturada pelos valores e expectativas constitucionais (vontade popular) vigentes em cada fase da história.


8.2. No constitucionalismo clássico, havia uma estreita vinculação entre a cristalização de tais elementos como pressupostos da racionalidade constitucional e a superação do absolutismo como forma de justificação do domínio político. “A exigência de racionalidade – escreve Manuel Segura Ortega – supõe a consagração do espírito moderno e ao mesmo tempo atua como critério de legitimação, tanto do Direito como do Estado”[15]. O ponto central da questão, portanto, situa-se na tentativa de compatibilizar o surgimento do Estado Constitucional com a legitimação do discurso jurídico-político. Nesse caso, a solução encontrada está na escolha de pressupostos que efetivamente consigam limitar o exercício do poder político, sem deixar de situar o indivíduo como núcleo material do sistema constitucional em formação. O conteúdo de tais pressupostos – como se sabe – foi sendo alterado de acordo com a marcha dos acontecimentos históricos.


Por exemplo, em vez de adotar apenas os direitos individuais típicos do liberalismo clássico (liberdade, igualdade, propriedade privada e segurança jurídica), o discurso constitucional contemporâneo se baseia nos amplos pressupostos teóricos, normativos e culturais das várias gerações de direitos fundamentais. Também o Estado Liberal, absenteísta por natureza, vai ser substituído por um Estado Social que tem na intervenção estatal um de seus principais critérios legitimantes. Além disso, a abrangência do conceito de poder político vai sofrer sensível ampliação no decorrer do século XX. É claro que a intervenção estatal, ao contrário do que ocorria durante a vigência do Estado de Polícia setecentista – o Estado do déspota esclarecido –, vai ser limitada pelos marcos jurídicos criados pela supremacia normativa da Constituição. Não é o déspota esclarecido que vai decidir o que é melhor para o povo. Vai fazê-lo o próprio povo, numa indispensável busca de autodeterminação que termina culminando com a consolidação histórica e normativa do princípio democrático.


O poder político liberal era abarcado de forma praticamente exclusiva pela figura estatal, enquanto as sociedades pós-industriais exercem o poder através de instituições como a imprensa livre, as organizações de classe ou mesmo as corporações de empresas. “Sob a influência de tais pressupostos – escreve García-Pelayo –, compreende-se, ainda que não se justifique, que a teoria tradicional da Política – limitada, na prática, ao estudo do Estado ou pelo menos considerando este como conceito central –, tenha sido substituída pela teoria do political system. De acordo com esta última, o Estado ou mesmo os seus componentes, subsistemas e aparatos não são mais que atores junto àqueles oriundos da estrutura e do processo político nos quais fica dissolvida a unidade do Estado”[16]. Por sua vez, a garantia dos direitos permanece, ao lado da necessidade de limitar o poder político, como pressuposto da racionalidade constitucional, sofrendo ambas, entretanto, as alterações determinadas pela dinâmica das contingências históricas.


8.3. Com base em tais pressupostos, é possível dizer que temos uma racionalidade constitucional geral e uma específica – universalista e histórico-nacional. No caso brasileiro, assim, é possível aliar à influência vinda da Europa durante os antecedentes do processo de autonomização política um conjunto de interesses nativistas que contribuíram para a formação do nosso constitucionalismo. As raízes da racionalidade constitucional brasileira se desenvolveram durante o constitucionalismo imperial. Tal herança não reproduzia exatamente os pressupostos do constitucionalismo clássico – inglês, francês e norte-americano –, mas tomava essas referências como base na medida em que a) exigia do poder real o juramento de uma Constituição e b) buscava o rompimento político com Portugal (limitação do poder político)[17].


O problema da proteção dos direitos individuais, que constitui o segundo pressuposto da racionalidade constitucional, era seguramente mais agravado no caso brasileiro, uma vez que não havia uma classe social, a exemplo da burguesia européia, interessada em superar o modelo de domínio oriundo do absolutismo. Entre nós, os segmentos sociais que detinham o poder econômico também dominavam o sistema político imperial. Além disso, nossa tradição autoritária e sua projeção no discurso constitucional foi um dos fatores que dificultaram a manutenção do legado racional deixado pelo constitucionalismo clássico. É um fato presente na nossa tradição jurídico-política, por exemplo, a constante tensão entre as instâncias de controle democrático e a concentração de poder nas esferas do Executivo[18].


8.4. As colocações sobre o passado constitucional brasileiro são meramente exemplificativas. Optamos por mencioná-las só para demonstrar que o pensamento e a prática constitucionais mantêm íntima vinculação com as particularidades de cada comunidade política. De um modo ou de outro, a fundação de qualquer análise acerca da racionalidade constitucional que impera entre nós não pode passar por alto a mensagem normativa da Constituição Federal de 1988. É o somatório de nossa herança jurídico-política com a normatividade da Constituição vigente que vai dar forma à racionalidade constitucional no Brasil de hoje. A natureza jurídica e o funcionamento das instituições que fazem parte do Estado brasileiro devem estar vinculados ao conteúdo da racionalidade constitucional (e vontade popular) que existe no país. No próximo item, trataremos de saber como é possível trazer à luz o conteúdo da racionalidade constitucional.  


III – Princípio democrático e racionalidade constitucional


9. Um dos fatores mais importantes no sentido de operar a transposição dos elementos que integravam o constitucionalismo iluminista (pressupostos da racionalidade constitucional) para o Estado Constitucional contemporâneo reside na positivação do princípio democrático, que aparece como fator indispensável para a manutenção da harmonia existente entre a racionalidade constitucional e os horizontes jurídico-políticos do processo histórico. Normativamente, o princípio democrático impôs a vontade popular onde antes, sob a égide do Estado Liberal, figuravam interesses setoriais e decisões de forte conteúdo classista.


9.1. Resultado da horizontalização da Política, a presença da vontade popular no âmbito do discurso constitucional fez com que o rol de direitos fundamentais fosse ampliado, dando origem, também, a um sistema mais efetivo de garantias jurídico-políticas. Além disso, a limitação do poder ganhou mais força no século passado depois que o sufrágio universal passou a diversificar os grupos e círculos sociais representados nas instituições do Estado. Essa tendência terminou dando forma a um grau mais elevado de discussão no processo de tomada das decisões políticas.


9.2. É claro que o advento do princípio democrático não podia implementar todas as mudanças potencialmente previstas em sua carga normativa. A observância fiel da vontade popular figura sempre como um marco ideal a ser buscado pelas instituições e normas jurídico-políticas. O advento do princípio democrático representou, ainda assim, o surgimento de um marco teórico através do qual o discurso constitucional levou a termo profundas alterações em suas categorias e pressupostos conceituais. Não se trata apenas de dizer que todo poder emana da soberania popular, mas de fazer com que as decisões políticas sejam tomadas pelo povo, direta ou indiretamente[19]. É a partir desse cenário que a racionalidade constitucional, receptiva aos acontecimentos da vida prática, vai alcançar uma formulação dotada de plenitude, fiel à tradição plantada pelo constitucionalismo clássico, ao mesmo tempo em que vai se adequando às necessidades de cada comunidade política concreta.


9.3. Ao contrário do que dizia Carl Schmitt[20], conforme já adiantamos, a democracia deve repousar sobre o pluralismo que existe naturalmente no meio social. A crítica que o autor alemão faz ao parlamentarismo liberal, sistema de governo ainda em vigor durante a República de Weimar (1919-1933), assenta-se na alegada impossibilidade de o parlamento representar uma vontade popular concreta. Afinal, esta não poderia vir à superfície em um ambiente no qual os representantes do povo procuravam situar seus próprios interesses acima dos reclamos populares.


De acordo com a ótica schmittiana, o parlamentarismo funcionaria durante a fase liberal porque a sociedade oitocentista, ao menos os segmentos que participavam do processo político, era mais ou menos dotada de homogeneidade. Seus membros possuíam interesses e perspectivas (econômicas, sociais, culturais e políticas) comuns. Em suma, a representação parlamentar abarcava a quase totalidade dos setores sociais que de alguma forma participavam da direção política e econômica. Esse exclusivismo social era uma das características do liberalismo político por trás do Estado de Direito clássico.


Segundo Carl Schmitt, na sociedade burguesa apenas a homogeneidade social justificava o prestígio da representação política. O pluralismo não tinha vez porque sua implementação impossibilitaria qualquer tipo de equilíbrio político na vigência do Estado Liberal. Em resumo, podemos concluir que a visão schmittiana refletia bem as conjunturas das quais fazia parte a República de Weimar, com os profundos antagonismos ideológicos que marcaram o período revolucionário de 1918 e os acontecimentos políticos a ele posteriores[21]. Nesse cenário, o pluralismo se impunha como fator de desestruturação do modelo liberal de Estado.


9.4. O problema teórico do pluralismo político passou a interferir no sistema constitucional com o advento do princípio democrático, atuando no processo constituinte com a finalidade de criar uma Constituição aberta – caracterizada pela existência de normas dotadas de grande amplitude semântica (possibilidade de interpretar o texto normativo de distintas maneiras), das quais os princípios constituem o exemplo mais emblemático –, capaz de reproduzir a ampla gama de tendências axiológico-culturais verificadas nas sociedades complexas. Ao passo em que dá origem a um dirigismo normativo que vincula a ordem jurídica em todas as suas manifestações, a normatividade da Constituição precisa buscar uma dose razoável de consonância – um equilíbrio constitucionalmente calibrado – com a vontade popular. E esta última é composta, convém repetir, por um amplo leque de posturas culturais, valores e interesses distintos.


9.5. O Estado de Direito é sempre Estado Democrático de Direito. Afinal, após os ciclos revolucionários dos séculos XVII e XVIII, a Constituição só é digna da sua denominação e da sua herança histórico-cultural se encontrar respaldo na lógica da soberania popular. Por isso, através das várias modalidades de concretização constitucional, o princípio democrático é o principal responsável pela exteriorização da racionalidade constitucional. A incidência da vontade popular vai trazer à tona o conteúdo histórico e o núcleo normativo dos seus pressupostos. Em razão disso, a presença do princípio democrático, formado por todos os elementos e matizes da vontade popular, tem um significado tão importante para a elaboração da racionalidade constitucional contemporânea.


IV – Racionalidade constitucional e poder constituinte


10. A Constituição torna-se racional, nos moldes da tradição jurídico-política clássica, sempre que consegue limitar o poder político e garantir um núcleo essencial de direitos fundamentais, submetendo o conteúdo desses elementos ao crivo da vontade popular (razão prática)[22]. Tais pressupostos devem ser interpretados segundo as conjunturas históricas de cada tempo específico, sobretudo quando levamos em conta o respeito ao sentimento constitucional cultivado pela comunidade política[23]. Essa problemática envolve um dos maiores desafios que o fenômeno jurídico apresenta no nosso tempo: delimitar o conteúdo exato da vontade popular e proteger as opções normativas das minorias políticas.


10.1. Ao que parece, essas opções normativas são observadas durante o processo (metodológico) de aplicação do Direito Constitucional. A princípio, as normas constitucionais não estabelecem qualquer diferença entre os valores jurídico-políticos dos membros da comunidade nacional. No plano das decisões políticas, impera a “verdade” constitucional da maioria; no contexto jurisdicional, deve prevalecer a lógica da decisão constitucionalmente mais apropriada, a ser determinada, através da concretização judicial das normas constitucionais, pelas particularidades de cada problema jurídico concreto. Tal ponto de vista pressupõe que a Constituição seja composta por normas jurídicas abertas. Também se baseia na idéia de que essas normas podem ser concretizadas através de iniciativas legislativas, judiciais e administrativas (pluralidade concretizante). No final das contas, em termos de concretização normativa da Constituição as leis elaboradas pela maioria política vão ser complementadas por intermédio de medidas fundadas no equilíbrio entre maioria e minorias.


11. Uma solução que podemos chamar de tradicional define a descoberta da racionalidade constitucional através de explicações relacionadas com a teoria do poder constituinte. O conteúdo da racionalidade constitucional seria definido pelo poder constituinte originário, sofrendo eventuais alterações através do processo de reforma constitucional. Tal solução pode ser recebida como um solução constitucionalmente aceitável? Apesar de ela geralmente ser adotada como axioma, fazendo parte da dinâmica constitucional em seu funcionamento político prático, apresenta um série de dificuldades teóricas que, no final das contas, poderiam colocar em xeque a própria legitimidade do domínio estabelecido pela Constituição. Dito de outra maneira, o poder constituinte originário não é a única instância de exteriorização da racionalidade constitucional.


11.1. Uma das soluções apresentadas com o fim de definir os contornos da racionalidade constitucional tem relação com saber se o poder constituinte deve impor a outras gerações os valores constitucionais vigentes na oportunidade de feitura da Constituição, controvérsia já instalada durante os debates constitucionais da Revolução Francesa. Ainda que o recurso ao procedimento de reforma constitucional possa ser utilizado para minimizar a “inadequação” histórico-normativa do texto constitucional, as dúvidas persistem, por exemplo, quando estão em jogo as chamadas cláusulas pétreas, criadas com a finalidade de assegurar a permanência de um núcleo normativo (aparentemente) estático, onde os valores constitucionais mais importantes não podem ser objeto de alteração formal – apesar de sofrerem mudanças em seu sentido por meio da interpretação normativa (mutação constitucional).


11.2. Mas não se trata apenas disso. A modificação da “fórmula política”[24] da Constituição, ou seja, a modificação de sua identidade político-ideológica, não pode verificar-se sem que haja uma ruptura completa do regime constitucional. Nesse caso, a melhor solução constitucional repousaria na atuação do poder constituinte originário, ainda que se tratasse de uma Constituição onde formalmente não houvesse qualquer tipo de limites ao poder de reforma constitucional, onde, em tese, a fórmula política pudesse ser alterada por meio da reforma constitucional. Nessa linha, tomando como base o problema dos limites teóricos do poder de reforma constitucional, Paulo Bonavides afirma que admitir a revisão total “seria reconhecer ao poder revisor capacidade soberana para ab-rogar a Constituição que o criou, ou seja, para destruir o fundamento de sua competência ou autoridade mesma”[25].


Defender a possibilidade de o poder de reforma constitucional alterar a fórmula política da Constituição é o mesmo que transformar o fenômeno constitucional num emaranhado de supostos formais incompatíveis com as novas tendências do Direito Constitucional e do constitucionalismo. Afinal, a Constituição está diretamente ligada aos setores políticos que compõem o organismo social, sujeitando-se, em virtude disso, a tensões quotidianas que não podem dar causa ao rompimento da sua mensagem normativa. A eventual alteração da fórmula política da Constituição depende da atuação de uma assembléia constituinte especialmente composta para o desempenho de tal tarefa, visto que tal alteração traz consigo a completa ruptura da ordem constitucional. Convém recordar ainda que a incidência desestruturante e reestruturante do poder constituinte originário praticamente pressupõe a ocorrência de uma mudança civilizacional no campo sociopolítico.


11.3. Ao contrário do que afirmava a doutrina do poder constituinte criada na França revolucionária (Sieyès), o pensamento constitucional dos dias de hoje concorda com o fato de que há sempre um conjunto de limites que se impõe ante a atuação do poder constituinte originário[26]. Tais limites se fazem presentes até mesmo no plano do exercício da lógica democrática, pois pressupõem que a soberania popular possui determinadas limitações de natureza material: o conteúdo historicamente determinado da vontade popular. Ademais, o fenômeno constitucional deve ser compreendido de modo que a análise da Constituição enquanto norma jurídica se veja acompanhada pela valorização dos elementos políticos que a ela são inerentes. Afinal, a Constituição corporifica a decisão política fundamental de uma dada comunidade. E, em termos constitucionais, é sempre necessário buscar um equilíbrio suficiente entre o jurídico e o político.


11.4. Outra barreira que surge no instante de atribuir ao poder constituinte originário a faculdade de definir a racionalidade constitucional identifica-se com as particularidades e limites inerentes ao seu próprio exercício. A Constituição está sempre vinculada a determinadas fórmulas culturais, responsáveis pela construção da identidade jurídico-política de cada agregado comunitário. E a racionalidade constitucional se aproxima bastante do conteúdo dessas fórmulas. Também é importante mencionar o tema sempre controvertido da universalidade dos direitos fundamentais, ou seja, a impossibilidade teórica de relativizar certas referências normativas, uma vez que estas manter-se-iam sob a proteção de uma espécie de validade axiológica supranacional. De um lado, o poder constituinte vê-se limitado pela tradição constitucional de cada povo; de outro, também precisa observar, sempre que possível, o suposto caráter universal e indisponível de determinados direitos fundamentais.


A racionalidade constitucional ainda deve refletir a identidade nacional, primando pela proteção da dignidade humana. Prevalece, portanto, mesmo na hipótese de o poder constituinte, no seu funcionamento prático e institucional – no quotidiano de uma assembléia constituinte, por exemplo –, inclinar-se num sentido contrário ao que estabelece a vontade popular. É carente de validade jurídico-política a atuação do poder constituinte, sob uma ótica material, quando ela vai de encontro à vontade popular. Afinal, não se pode esquecer que o poder constituinte também é exercido através de mecanismos representativos. E a representação tem seus limites, o que se pode constatar pelo fato de o povo sempre poder instaurar a ruptura constitucional, esteja a Constituição em vigor há muito tempo ou ainda durante sua fase inicial de vigência.


V – Representatividade política e racionalidade constitucional


15. Nas sociedades complexas da era moderna, o regime democrático se baseia no princípio da representatividade política. Acertadamente, Böckenförde[27] defende a idéia de que a democracia do Estado moderno é sinônimo de democracia representativa, apesar da presença eventual de temperamentos institucionais ligados à tradição da democracia direta (plebiscito, referendum etc.) – democracia participativa. Por isso, torna-se importante estabelecer o vínculo que existe entre a racionalidade constitucional e a representatividade política. Podemos encontrá-lo através da perspectiva do próprio Böckenförde, segundo a qual a “representação democrática significa a atualização e a manifestação da identidade mesma do povo, situada nos cidadãos, significando, também, a atualização e manifestação de uma certa idéia, viva na consciência dos cidadãos, sobre a forma como se deve tratar as questões gerais e como se deve levar a cabo a mediação entre as necessidades e os interesses particulares e estas últimas”[28].


16. Apesar da sua relevância junto ao funcionamento do regime democrático, são dois os principais problemas enfrentados pela representação política. O primeiro deles é de fundo iminentemente teórico e guarda relação com a própria essência da representatividade. Como os representantes eleitos pelo povo provêem de uma sociedade complexa, na qual coexistem incontáveis vetores culturais e axiológicos, a unanimidade nas decisões políticas torna-se praticamente impossível. Em virtude disso, para evitar o relativismo jurídico-político e a instabilidade a ele inerente, a democracia representativa é sempre acompanhada pelo princípio da maioria, através do qual as decisões da maioria devem prevalecer sobre as opções jurídico-políticas dos demais membros da comunidade. Numa democracia, normalmente – já que no âmbito jurisdicional as regras majoritárias não se impõem sempre – o critério para decidir é a vontade da maioria política.


16.1. A questão agora é saber como fica a posição representativa dos grupos políticos minoritários. Em um primeiro momento, as decisões encontrariam legitimidade no fato de as minorias participarem da discussão parlamentar. No entanto, além da complexidade do processo político (manifestação da opinião pública, atuação de grupos de pressão etc.), a pluralidade parlamentar implica necessariamente em um balanceamento dos vários interesses políticos em jogo. Em decorrência deste último fator, e tendo em conta as tensões que se originariam na dialética política, as minorias encontrariam diversas outras formas, que não a vitória parlamentar propriamente dita, de interferir no conteúdo das decisões políticas. O importante é harmonizar o princípio da maioria com a proteção das esferas jurídicas dos grupos políticos minoritários. Afinal – escreve Gustavo Gozzi – a “autodeterminação do povo”[29] deve ser compreendida como uma “co-determinação que, apenas quando fundada sobre a participação da maioria e das minorias, pode encontrar sua legitimação”[30]. A democracia constitucional depende do equilíbrio entre os direitos da maioria e das minorias para funcionar como regime político.


16.2. É claro que esse processo nem sempre consegue compatibilizar os interesses e valores de todos os grupos que formam a comunidade política. Muitas vezes as minorias são incapazes de influenciar de forma relevante o processo de formação das decisões políticas. E mais, há decisões que afetam de modo tão profundo a vida dos indivíduos, como no caso de questões ligadas aos direitos fundamentais, que simplesmente não podem ser impostas às minorias. Em virtude desse problema, o pensamento constitucional vem criando fórmulas ligadas à interpretação e aplicação (realização) constitucionais, cujo conteúdo praticamente fundou uma nova Teoria da Constituição. É o caso da idéia de Constituição aberta e da eficácia imediata dos direitos fundamentais. Trata-se de soluções normativas que refletem a diversidade dos critérios de convivência existentes na comunidade política.


17. A grande dificuldade enfrentada pela democracia representativa, um verdadeiro estrangulamento do sistema, é a eventual falta de relação entre a vontade popular e a atuação dos representantes eleitos pelo povo. Esse problema da democracia representativa se torna dramático no momento em que a representação reveste-se de uma roupagem meramente formal. Na vigência do Estado Constitucional, o funcionamento da democracia representativa precisa repousar sobre alicerces materiais. E a representação tem sentido material, por exemplo, quando o sufrágio universal é secundado pela verificação de condições mínimas de existência, que oferecem ao indivíduo, num certo sentido, as condições básicas para iniciar o exercício da cidadania.


A democracia se realiza enquanto regime constitucional, entre outros aspectos, quando o povo dispõe de condições materiais (educação, saúde, moradia, formação cívica etc.) para exercer sua cidadania. Isso acontece porque a democracia representativa da atualidade depende da participação política para funcionar adequadamente. E esse funcionamento tem lugar quando o indivíduo, impulsionado pela observância dos direitos que lhe são assegurados pelo Estado Constitucional, possui liberdade para decidir de acordo com seus valores e critérios pessoais. Em suma, a liberdade assume conotação democrática tão-somente quando se converte em igualdade[31], podendo ser alcançada basicamente quando partimos de uma igualdade material que lhe é anterior.


18. Em linhas gerais, as deficiências verificadas no exercício prático da representatividade política, aliadas à problemática das minorias, têm como conseqüência o fato de o princípio democrático incidir sobre a concretização constitucional de forma tríplice. Quer dizer, o processo legislativo e a atuação da Administração Pública devem ser acompanhados (ou complementados?) pela aplicação judicial da Constituição. Assim, ao mesmo tempo em que a Constituição vê sua normatividade densificada pelas decisões legislativas e executivas, vale-se da decisão judicial para oferecer um critério jurídico capaz de conformar adequadamente a conduta das minorias políticas. 


VI – Concretização normativa, abertura da Constituição e princípio democrático


19. O postulado básico da concretização constitucional é a abertura da Constituição. De modo geral, a Constituição apresenta “temas vagos, referências a padrões ou condutas cuja concretização depende essencialmente das idéias do momento, os chamados ‘conceitos’, que reclamam dos juízes e legisladores uma complementação ou concretização posteriores”[32]. A força dos direitos fundamentais, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, também ajudou “o princípio a deslocar a regra”[33], fazendo com que a Constituição caminhasse na direção da abertura semântica de suas normas.


20. As normas constitucionais geralmente são abertas, uma vez que os direitos das minorias políticas, entre outros fatores, também devem ser preservados no instante de aplicar o Direito. E tal abertura dificulta a aplicação direta – sem a concretização – do diploma constitucional. Contudo, a Constituição aberta também é responsável pela compatibilização entre o exercício do poder constituinte originário e os limites que recaem sobre ele.


20.1. Essa abertura das normas constitucionais traz consigo dois problemas básicos. Primeiramente, a falta de densidade do dispositivo constitucional dificultaria sua aplicação porque ele deixaria uma margem exageradamente ampla para a atuação judicial, caracterizada, nesse contexto, por uma dose excessivamente elevada de subjetivismo. Na verdade, isso ocorre somente quando tentamos conciliar a abertura normativa da Constituição com os métodos tradicionais de aplicação do Direito (sistemático, lógico, gramatical e histórico). Naquilo que diz respeito à concretização judicial, a abertura normativa da Constituição pressupõe um papel mais ativo a ser desempenhado pelo juiz constitucional – aquele que vai decidir a questão constitucional suscitada pelo caso concreto. Daí a necessidade de substituir o método jurídico herdado do positivismo por um modelo metódico sensível ao novo papel da jurisdição constitucional.


A segunda dificuldade da abertura constitucional está no vazio material a que ela parece dar origem. Podemos afirmar que a Constituição aberta é um projeto jurídico-político a ser implementado pelas instâncias de concretização normativa? Segundo Gomes Canotilho, “a teoria da Constituição ‘aberta’ ou avança para uma teoria material temporalmente adequada – quer quanto à extensão da sua legitimidade, quer quanto à consciência de seus limites – ou corre o risco de, no fundo, estar a defender a perda da legitimidade normativo-constitucional em proveito de uma função de direção fático-política” [34]. Sendo assim, a abertura constitucional não significa abertura completa da Constituição, mas uma abertura limitada pela própria racionalidade constitucional. Isso determina que a concretização normativa da Constituição deve basear-se em um claro substrato material, uma espécie de conteúdo axiológico e normativo diretamente conectado com a Constituição e a vontade popular.


21. Nesses termos, podemos concluir que a abertura constitucional precisa ser limitada pela racionalidade constitucional. Mas qual a sua relevância para a análise do exercício do poder constituinte? Tanto a dinâmica jurídico-política do poder constituinte como a elaboração de uma teoria aberta da Constituição devem ser limitados pela racionalidade constitucional. Além disso, as normas constitucionais devem estar abertas aos influxos da história, tanto em decorrência das alterações jurídico-políticas reclamadas pela evolução das expectativas jurídicas da comunidade, como em virtude da ampla gama de vetores culturais e axiológicos que convivem num mesmo espaço social. Afinal, a soberania popular se realiza quando todo o povo, apesar de suas esperadas divergências convivenciais, vê na Constituição uma referência normativa materialmente justa.


22. A abertura normativa exige a concretização constitucional. Quando a Constituição determina que cabe ao Ministério Público defender o regime democrático, v. g., pode-se observar dois aspectos distintos. O primeiro deles está no art. 129 da Constituição de 1988, que prevê algumas das funções institucionais a serem desempenhadas pelo Ministério Público. A norma constitucional estabelece um conjunto de atribuições através das quais o Ministério Público pode funcionar, com sua nova fisionomia institucional, a partir da imediata promulgação da Constituição, ainda que o legislador nada tenha feito a respeito da regulamentação de suas atividades. O segundo aspecto está relacionado com a abertura normativa do art. 127. Em virtude desta, o art. 129, inc. IX é expresso quando menciona que as funções institucionais previstas em suas disposições são meramente exemplificativas. Isso quer dizer que o legislador também vai agir com o fim de concretizar a carga normativa contida nas formulações do art. 127. E tanto é assim que a própria Lei Orgânica Nacional do Ministério Público aumenta o rol de atribuições originariamente previstas pela Constituição.     


23. Na ausência da democracia, como escreve Paulo Bonavides, “a convivência, a informação, o consenso, o pluralismo não alcançariam, em relação ao bem comum, o sentido perfectivo nem o grau de importância que ora assumem. A democracia, seguindo essa linha de compreensão, sintetiza, na escala ética do poder, valores substanciais, valores supremos, valores que emancipam o homem e a sua consciência”[35]. A posição de Paulo Bonavides ilustra com bastante clareza a relevância do princípio democrático no âmbito da concretização constitucional. Em primeiro lugar, podemos ver que o princípio democrático representa a própria constitucionalização da vontade popular, isto é, sua carga normativa tem como base mais relevante a positivação da soberania popular. Depois, é possível analisar o princípio democrático a partir dos mecanismos por ele criados para impor a vontade popular como referência máxima da legitimidade da ordem jurídica.


24. A concretização legislativa da Constituição está vinculada aos mecanismos elaborados pela democracia constitucional com o fim de fazer valer a vontade popular. O principal deles reside no exercício da própria função legislativa. Em termos de Teoria da Constituição, isso quer dizer que a atuação do legislador está relacionada com a abertura semântica da Constituição, uma vez que as normas infraconstitucionais são editadas na medida em que seu conteúdo está de acordo com os padrões materiais da constitucionalidade (e dos valores jurídicos em vigor no meio social). Dito de outro modo, a legislação infraconstitucional deve desenvolver-se em consonância com os espaços normativos permitidos pela Constituição e pela vontade popular.


24.1. A abertura constitucional exige do legislador a prática da concretização normativa. De algum modo, tal exigência – em virtude do princípio da maioria – terminaria por atingir as expectativas jurídicas das minorias políticas. E os padrões convivenciais destas últimas, sempre que estejam em conformidade com a mensagem normativa da Constituição, não podem ser afetados pelo processo político. Um exemplo bastante ilustrativo pode girar em torno da legalização do aborto. De acordo com as correntes concretistas mais avançadas, a criminalização do aborto não deve ser entendida de forma indiscriminada. Precisa ser interpretada segundo os elementos de cada caso concreto, desde que estes não estejam em desacordo com o disposto na Constituição e com os valores juridicamente relevantes encontrados no âmbito social. Não se trata só de aplicar a norma infraconstitucional, mas de aplicá-la de acordo com o disposto na Constituição.


25. Convém ressaltar que a democracia constitucional tem como base o pluralismo e a tolerância no convívio social. Para evitar que as discussões parlamentares substituam os padrões comportamentais impostos pela racionalidade da Constituição, a abertura normativa do diploma constitucional permite uma concretização concorrente, a ser desenvolvida pelo Executivo e pelo Judiciário. De momento, é válido dizer que as distorções legislativas eventualmente criadas para as expectativas convivenciais das minorias políticas vão ser sanadas pela concretização judicial da Constituição. Isso ocorre porque, seguindo as particularidades de cada caso concreto, também o juiz vai ser responsável pela concretização constitucional. Assim se realiza o princípio democrático, criando critérios objetivos através dos quais vai guiar-se o processo político, sem deixar de lado, obviamente, a dimensão individual que sempre é necessário ter em conta no momento de aplicar as normas constitucionais.


25.1. A democracia constitucional reclama uma atuação judicial baseada em fundamentos democráticos. Nesse sentido, a vinculação democrática da atividade judicial aparece como postulado do Estado de Direito[36], visto que as minorias políticas contam com a mediação judicial quando precisam fugir das regras da maioria e seguir seus próprios padrões de conduta. Com isso, tem lugar uma espécie de sistema jurídico-democrático complementar entre a legislação e a atividade judicial. Sempre que os resultados normativos do processo legislativo forem insuficientes, os indivíduos devem voltar-se para a concretização judicial da Constituição. A partir dessa conclusão, solucionamos o problema da desconformidade entre as referências jurídicas das minorias e as normas jurídico-positivas editadas legislativamente.


Em todas as comunidades políticas, há grupos sociais que não seguem as normas de conduta estabelecidas pelo Direito. Nesse caso, o juiz não tem como decidir de modo a satisfazer as pretensões de seus membros. Trata-se de pretensões não amparadas pelo ordenamento jurídico. Os direitos das minorias vão ser protegidos pela concretização judicial da Constituição quando a norma constitucional oferecer uma solução compatível com as particularidades de cada caso particular. Ainda que decidindo contra a lei, precisa o juiz decidir de acordo com o disposto na Constituição e com os valores jurídicos que estão na base da vontade popular. Assim se manifesta o princípio da supremacia das normas constitucionais e a própria unidade do ordenamento jurídico, garantindo um perfeito equilíbrio entre a concretização normativa da Constituição e o princípio democrático.


 


Notas:

[1] Agassiz Almeida Filho, Constituição e Estado Constitucional: ruptura ou continuidade dos paradigmas liberais? In: Constitucionalismo e Estado, 2006, p. 21.

[2] Cf. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, 2007, p. 173.

[3] António Castanheira Neves, Digesta: escritos acerca do Direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros, v. I, 1995, p. 274.

[4] Nesse sentido, Plínio Melgaré (Um olhar sobre os direitos fundamentais e o Estado de Direito: breves reflexões ao abrigo de uma perspectiva material. Texto inédito gentilmente disponibilizado pelo autor, pp. 3/4) nos lembra que o Estado de Direito deve necessariamente subordinar-se a uma concepção específica de Direito. Trata-se de uma conotação material da juridicidade, que nasce a partir do momento em que o Direito passa a ser «instruído e ajustado a princípios transcendentes à ordem jurídica positivada – portanto, indisponíveis às estruturas do poder –, determinantes e constituintes da intencionalidade axiológica do próprio Direito». Aí ganham espaço as conquistas jurídicas alcançadas por cada comunidade política em particular.  

[5] Sobre as tensões entre princípio democrático e princípio monárquico, cf. Carl Schmitt, Teoría de la constitución, 1992, pp. 104 e ss.

[6] Sobre o tema, cf. Ramón Cotarelo, En torno a la teoría de la democracia, 1990, pp. 28/29. 

[7] A supremacia constitucional se implantou no plano jurídico-político quando o conteúdo da Constituição passou a ser protegido por um sistema eficaz de controle de constitucionalidade. Segundo afirma José Acosta Sánches (Formación de la constitución y jurisdicción constitucional: fundamentos de la democracia constitucional, 1998, pp. 145 e ss.), o período europeu anterior ao aparecimento do controle de constitucionalidade pode ser caracterizado como um “constitucionalismo sem Constituição”, ou seja, como um constitucionalismo conduzido por uma Constituição que não possui força normativa. Se pensarmos numa força normativa efetiva, tal conclusão também pode ser atribuída ao caso brasileiro, apesar de o controle de constitucionalidade ter surgido entre nós com bastante mais antecedência (1891).

[8] Manuel Segura Ortega. La racionalidad del Derecho: sistema y decisión. Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra: Coimbra Editora, n. LXXI, 1995, p. 152.

[9] Sobre a mencionada pluralidade, cf. Aulis Aarnio, Lo racional como razonable: un tratado sobre la justificación jurídica, 1991, pp. 240-250. No mesmo sentido, Manuel Segura Ortega, op. cit., p. 148.  

[10] A racionalidade prática é decorrência de uma situação comunicativa entre os sujeitos que integram a comunidade política de acordo com o sistema sujeito/sujeito. Ela se forma por meio do diálogo que os membros da comunidade política constróem em torno dos problemas da convivência. Trata-se de um “discurso que não visa deste modo nem a inferência ou a demonstração necessárias, nem o conhecimento verdadeiro e a explicação universais, nem a adequação e a aptidão funcionais e técnicas, mas a plausibilidade razoável-situacional e prático-contextual” (António Castanheira Neves, Metodologia jurídica: problemas fundamentais, 1993, pp. 36/ 37). A racionalidade prática se aplica à Constituição em virtude do caráter dialógico por trás da própria idéia de vontade popular. 

[11] Manuel Segura Ortega, op. cit., p. 147.

[12] Antõnio Castanheira Neves, op. cit., pp. 34/ 35.

[13] Nelson Saldanha. A sociedade e a Constituição. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, n. 05, 1959, p. 244.

[14] Cf. Paulo Ferreira da Cunha, Para uma história constitucional do Direito português, 1995, p. 191.

[15] Manuel Segura Ortega, op. cit., p. 152.

[16] Manuel García-Pelayo, Las transformaciones del Estado contemporáneo, 1996, p. 113.

[17] Sobre as peculiaridades políticas do constitucionalismo brasileiro, cf. Agassiz Almeida Filho. Glória política de um império tropical: a formação do constitucionalismo brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, n. 149, 2001, pp. 92-94.

[18] Michele Carducci, Brasile: le ambiguità del controllo parlamentare, In: Il Costitucionalismo “Parallelo” delle Nouve Democrazie – Africa e America Latina, 1999, p. 167.

[19] Nesse sentido, cf. Michele Scudiero. La rappresentanza politica. Quaderni di Iustitia, Roma: Giuffrè, n. 33, 1977, p. 75; Ernst Wolfgang Böckenförde, Estudios sobre el Estado de Derecho y la democracia, 2000, p. 50.

[20] Acerca do tema em questão, Cf. Carl Schmitt, Sobre el parlamentarismo, 1996, p. 12.

[21] Um bom exemplo de tais antagonismos reflete-se nas eleições alemãs de 1920. A Constituição de Weimar (1919), como escreve Francisco Gonzalez Navarro (El Estado Social y Democrático de Derecho, 1992, pp. 33/34), apresentava “não poucos preceitos inovadores no social, alguns deles de clara inspiração marxista”. Entretanto, o resultado das eleições gerais verificadas em 1920 colocou travas à atuação da social-democracia, dando início a uma legislação de caráter liberal (idem, ibidem). No campo constitucional, uma das conseqüências da “restauração” liberal estava na criação do conceito de norma constitucional programática, pensado para evitar a incidência normativa das inovações socializantes previstas pela Constituição de Weimar.

A solução, que acabou traindo “os interesses cardeais das classes trabalhadoras (José Ramón Díez Espinosa, Sociedad y cultura en la República de Weimar: el fracaso de una ilusión, 1996, p. 10), não podia ter sido mais contraditória: “a história do partido social-democrata, nesse período, foi de coalizões e compromissos, primeiro com forças democráticas progressistas da burguesia, depois com grupos reacionários e antidemocráticos, com a velha burocracia e magistrados de direita e com os militares” (José Afonso da Silva. Formação e transformação da social-democracia. In: Direito Constitucional – Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 478).   

[22] A Constituição é racional porque resulta de uma decisão racional do povo; decisão de autolimitação e de auto-preservação; é racional porque a Constituição só pode ser construída de acordo com os critérios jurídico-políticos que regem a comunidade política em cada tempo específico.

[23] Utilizamos o conceito de sentimento constitucional formulado por Pablo Lucas Verdú (El sentimiento constitucional: aproximación al estudio del sentir constitucional como modo de integración política. Madrid: Reus, 1985, p. 71 – há tradução brasileira publicada pela editora Forense (2006): “O sentimento constitucional consiste na adesão interna em relação às normas e instituições fundamentais de um país, experimentada com intensidade mais ou menos consciente porque se estima (sem que seja necessário um conhecimento exato de suas peculiaridades e funcionamento) que são boas e convenientes para a integração, manutenção e desenvolvimento de uma justa convivência”. 

[24] Adotamos o conceito de fórmula política elaborado por Pablo Lucas Verdú (Curso de Derecho Político, v. II, 1981, p. 428): a fórmula política da Constituição é “a expressão ideológica juridicamente organizada em uma estrutura social”.

[25] Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 2000, pp. 178/179.

[26] Nesse sentido, J. J. Gomes Canotilho, op. cit, p. 75; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, v. II, 1996, pp. 105/106.

[27] Ernst Wolfgang Böckenförde, op. cit., pp. 133 e ss.

[28] Idem, ibidem, p. 151.

[29] Sobre a autodeterminação como a base do princípio democrático, cf. Hans Peter Schneider (Democracia y constitución, 1991, p. 140 ).

[30] Gustavo Gozzi, Cittadinanza e democrazia: elementi per una teoria costituzionale de la democrazia contemporanea, In: Democrazia, Diritti, Costituzione: I Fondamenti Costituzionali delle democrazie contemporanee, 1997, p. 201.

[31] Ruggero Meneghelli, Stato e democrazia: visti dall’ alto, 1999, p. 72.

[32] Cristina Queiroz, Interpretação constitucional e poder judicial: sobre a epistemologia da construção constitucional, 2000, p. 72.

[33] Paulo Bonavides, Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade, 2001, p. 221.

[34] J. J. Gomes Canotilho, Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, 1994, p. 148.

[35] Paulo Bonavides, Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado constitucional, 1999, p. 66.

[36] Cf. António Castanheira Neves, Da “jurisdição” no actual Estado-de-Direito, In: Ab Vno ad Omnes: 75 Anos da Coimbra Editora, 1998, pp. 182/183. 


Informações Sobre o Autor

Agassiz Almeida Filho

Consultor Jurídico (www.agassizfilho.com)
Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Coimbra
Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca
Coordenador do Núcleo de Estudos Jurídicos da Fundação Casa de José Américo
Professor Titular de Direito Constitucional da UEPB


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