O Princípio da Igualdade como marco norteador das Políticas Públicas

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Resumo: A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegurou aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, direitos e garantias fundamentais, dispondo textualmente que todos são iguais perante a lei. Deste modo, o princípio da igualdade ou da isonomia, apresenta-se de forma ampla, exigindo do interprete do Direito, quando de sua aplicação ao caso concreto, discernimento suficiente a fim de que se aplique a melhor justiça, principalmente a justiça social, pois, as políticas públicas instituídas pela administração pública, não alcançam de forma efetiva todo o tecido social, notadamente as classes tidas como as menos favorecidas sob o aspecto econômico, as quais, a fim de ver seus direitos efetivamente garantidos e materializadas através dos serviços públicos, tais como saúde, educação, moradia, entre outros, recorrem ao Poder Judiciário, que por sua vez, deve exercer este poder com equilíbrio e equidade, haja vista que, o Estado não é fonte inesgotável de recursos, tendo uma capacidade de suporte limitada, sendo assim, as decisões judiciais que concedem ou negam direitos individuais ou coletivos devem necessariamente considerar aspectos importantes como o mínimo existencial e a reserva do possível, visando sobretudo aproximar a igualdade formal da igualdade material.

Palavras-chave: Princípio; Igualdade; Políticas públicas.


Abstract:  The Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988 assured Brazilians and foreigners resident in the country, rights and guarantees, offering literally that all are equal before the law. Thus, the principle of equity or equality, presents a broad manner, requiring the interpreter of the law when its application to individual cases, sufficient insight in order to apply the best justice, especially social justice, because Public policies instituted by the government, does not effectively reach the entire social fabric, especially the classes taken as disadvantaged under the economic aspect, which, in order to see their rights effectively guaranteed and realized through public services, such as health, education, housing, among others, they resort to the courts, which in turn, must exercise this power with balance and fairness, given that the state is not an inexhaustible source of resources, with a limited carrying capacity, therefore, the judicial decisions that grant or deny individual or collective rights must necessarily consider the least important aspects such as existential and possible reserves, mainly aiming to approximate the formal equality of material equality.


Keywords: Principle, Equality, Public Policy.


Sumário: 1. Introdução. 2. Princípios constitucionais. 3. O Princípio da Igualdade. 4. Políticas Públicas. 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.


1. Introdução


O presente estudo tem por objetivo geral, demonstrar a importância do princípio da igualdade, quando da elaboração e aplicação de políticas públicas, as quais visam efetivar as garantias preconizadas no texto constitucional, relativos aos direitos e garantias fundamentais, notadamente os direitos sociais.


O método utilizado para a pesquisa foi o indutivo, o qual visa pesquisar e identificar as partes de um fenômeno, de modo a obter uma percepção geral do tema, utilizando-se também o método cartesiano para o tratamento dos dados recolhidos.


No desenvolvimento do artigo serão abordados tópicos concernentes aos princípios constitucionais, ao princípio da igualdade e as políticas públicas, dando uma visão panorâmica do tema, objetivando especificamente evidenciar a necessidade de se estabelecer parâmetros aceitáveis, no que se refere à igualdade formal e a igualdade material, no oferecimento de serviços públicos essenciais, tais como saúde, educação, habitação, entre outros, a fim de que o Estado e a Sociedade compreendam cada qual o seu papel neste contexto, almejando uma convivência  harmônica e equilibrada.


Neste viés, o Poder Judiciário atua também como regulador destas relações, quando da judicialização dos conflitos decorrentes da inércia, desídia ou ineficiência da administração pública, agindo, contudo, com equilíbrio em suas decisões, considerando para tanto as limitações do Estado, no que se refere ao aporte de recursos econômicos.


2. Princípios constitucionais


A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, enquanto Norma Mater, guarda em seu seio, os princípios constitucionais que regem todo o nosso ordenamento jurídico, constituindo-se em fonte donde os legisladores constitucional e infraconstitucional se inspirarão para elaborar as futuras emendas constitucionais, leis e outros diplomas legais, quer sejam elas federais, estaduais ou municipais. Segundo Temer (1997, p.16) “A Constituição é o conjunto de preceitos imperativos fixadores de deveres e direitos e distribuidores de competências, que dão à estrutura social, ligando pessoas que se encontram em dato território em certa época”.


A cerca dos princípios, Carvalho citado por Streck (2009, p.109.), leciona que “são máximas que se alojam na Constituição ou que se despregam das regras do ordenamento positivo, derramando-se por todo ele. Conhecê-las é pressuposto indeclinável para a compreensão de qualquer subdomínio normativo”. Para Cruz (2006, p.125), “O caráter de fundamentalidade faz com que os princípios sejam considerados verdadeiras vigas mestras do sistema jurídico. São as principais normas, porque consubstanciam os valores fundamentais vigentes na sociedade.”


Os princípios constitucionais constituem-se em normas fundamentais, que irão nortear toda uma sociedade, fazendo com que as relações de ordem política, jurídica, econômica e social, estejam harmonicamente correlacionadas. Neste sentido Cruz (2006, p.19) argumenta que 


“Princípios Constitucionais são normas jurídicas caracterizadas por seu grau de abstração e de generalidade, inscritas nos textos constitucionais formais, que estabelecem valores e indicam a ideologia fundamentais de determinada Sociedade e de seu ordenamento jurídico. A partir deles todas as outras normas devem ser criadas, interpretadas e aplicadas.”


O posicionamento jurídico a partir de princípios constitucionais, não pode ser tomado como tarefa simplista, e sem o devido comprometimento com sua aplicabilidade e efetividade frente aos conflitos que se apresentam. Cadematori (2007, p.106), em acertado posicionamento estabelece que “os princípios estabelecem as razões para decidir de uma forma determinada e, ao contrário das outras normas comuns, o seu enunciado não determina as condições de sua aplicação, mas sim o seu conteúdo material ou peso específico, ou seja, o valor que encerram, e que define quando eles serão aplicados ou não.”


A coerente compreensão dos princípios segundo Grau (1988, p.79), devem ser tomadas como “proposições descritivas (e não normativas), através dos quais os juristas referem, de maneira sintética, o conteúdo e as grandes tendências do direito positivo.”


Os princípios constitucionais, perante a prudente expressão de Cruz (2006, p.19), caracterizam-se por “I. Condicionarem toda criação, interpretação e aplicação do Direito, ou seja, por serem gerais; II. Condicionarem os outros princípios constitucionais, ou seja, por serem primários; III. Condicionarem os valores expressos em todo ordenamento jurídico, ou seja, por sua dimensão axiológica”. E prossegue informado que “Os Princípios Fundamentais Gerais expressam, principalmente, valores éticos, embora sejam desdobramentos dos Princípios Constitucionais Políticos-Ideológicos. […] e têm aplicação em todos os ramos específicos do Direito tratados pela Constituição (CRUZ, 2006, p.31) […], e estão inscritos no extenso art. 5º da Constituição de 1988 e seus incisos. Por exemplo: O princípio da igualdade Perante a Lei ou da Isonomia, do inc. I (CRUZ, 2006, p.30).


3.  O princípio da Igualdade


Através dos tempos o homem busca incessantemente galgar posições sociais, capazes de lhe garantir o poder, principalmente através do acúmulo de riquezas. Porém, os meios utilizados para a obtenção destas riquezas, nem sempre foram justos ou igualitários, pois a nobreza e posteriormente a burguesia, oprimiam as classes menos favorecidas, não sendo muito diferente nos tempos atuais. A igualdade tornou-se, um objetivo a ser alcançado, neste sentido Bastos (1999, P.180) assevera:


“Assim, quando se dizia que todos são iguais perante a lei, não havia dúvidas que a intenção era impedir que alguém se beneficiasse, por exemplo, de um tratamento mais benévolo, sob o fundamento de ser ele um nobre, como seria o caso de um integrante desta casta social que, tendo matado alguém, pretendesse subtrair-se à prisão, invocando para tanto sua posição nobiliárquica.”


O princípio da igualdade, encontra-se expressamente insculpido no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, informando que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direitos à,[…] igualdade (BRASIL, 2099, p. 17)[…]”. Neste sentido Grau (2008, p.166), ao comentar o texto constitucional, assevera que “com a observação de que, neste enunciado, bem distinto dos que nas nossas Constituições antecedentes o institucionalizaram, há consagração do princípio da igualdade não apenas em termos formais, mas também em termos materiais”.  E prossegue arrematando acertadamente, que “Vale dizer: o que a nova Constituição postula, expressamente, é o entendimento segundo o qual a tão-só igualdade perante a lei pouco ou nada significaria”. (GRAU, 2008, p. 166).


Sobre a igualdade é conveniente observar o que Aristóteles (1997, p.60), historicamente já discorria, afirmando que  “parece que a igualdade seja justiça, e o  é, com efeito; mas não para todos, e sim somente entre os iguais. A desigualdade também parece ser, e o é com efeito, mas não para todos; só o é entre aqueles que não são iguais”.  Já Canotilho (2002, p.426), observa que a igualdade perante a lei, também repousa na aplicação igualitária do direito, afirmando que “A igualdade na aplicação do direito continua a ser uma das dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente garantido e, como se irá verificar, ela assume particular relevância no âmbito da aplicação igual da lei (do direito) pelos órgãos da administração e pelos tribunais”.


A Sociedade brasileira, notadamente a parcela mais carente, não convive com níveis de igualdade material suficiente a satisfazer suas necessidades mais elementares. Portanto, a igualdade perante a lei, neste momento da história brasileira, não nos parece contemplar os anseios primários e essenciais à manutenção da vida, justamente pela falta de efetividade das normas, porém, a argumentação de Morais (2004, p.67) neste norte é bastante precisa, e se posiciona:


“O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.”


Cabe ao Poder Legislativo inserir no ordenamento jurídico brasileiro, leis que efetivamente corrijam distorções sociais históricas, e que o Executivo propicie através de políticas públicas, instrumentos capazes de materializar a igualdade plena no seio social. Neste sentido Melo (1994, p.133) leciona que


“Tudo está a nos indicar que o futuro exigirá não apenas leis reformadas ou corrigidas, mas o próprio Direito reconceituado, cujo alcance não se resuma a permitir, impedir ou sancionar condutas do dia-a-dia, mas que seja capaz de reordenar em novas bases éticas, toda a convivência social, redefinindo o papel do Estado e dos cidadãos perante as reais necessidades da vida, historicamente escamoteadas pela retórica do Poder que pretendeu sempre justificar formas injustas de dominações e privilégios”.


Em razão da inoperância do Executivo e do Legislativo, em suprir condignamente as reais necessidades dos cidadãos, através de leis e de políticas públicas, bem como de estratégias voltadas ao equilíbrio do convívio social, recorre ao Judiciário, para que este através de uma decisão monocrática ou colegiada, distribua ao caso concreto, direitos já garantidos no texto constitucional e não efetivados. Neste sentido Streck (2009, p. 52 e 53), sabiamente, pondera que  


“Tem-se que ter em mente, entretanto, a relevante circunstância de que, se no processo constituinte optou-se por um Estado intervencionista, visando a uma sociedade mais justa, com a erradicação da pobreza, etc., dever-se-ia  esperar que o Poder Executivo e o Legislativo cumprissem tais programas especificados na Constituição. Acontece que a constituição não está sendo cumprida. As normas-programa da Lei Maior não estão sendo implementadas. Por isso na falta de políticas públicas cumpridoras dos ditames do Estado Democrático de Direito, surge o judiciário como instrumento para o resgate dos direitos não realizados.”


O Estado é uma criação do homem, e de difícil conceituação, porém Bonavides (2002, p. 62), citando Maquiavel por ocasião da publicação de sua obra O Príncipe, acentua que “Todos os Estados, todos os domínios que têm tido ou têm império sobre os homens são Estados, e são repúblicas ou principados”. O domínio sobre os homens, não deve ser compreendido nos tempos atuais como opressão e injustiça, mas sim, de organizar suas relações, com o fito de  almejar a igualdade material entre os indivíduos da Sociedade.


Bobbio (1992, p. 118), sabiamente adverte que “Na realidade, os homens não nascem nem livres nem iguais. Que os homens nasçam livres e iguais é uma exigência da razão, não uma constatação de fato ou um dado histórico”, e neste raciocínio prossegue dizendo que “ É uma hipótese que permite inverter radicalmente a concepção tradicional, segundo a qual o poder político – o poder sobre os homens chamado imperium – procede de cima para baixo, e não vice-versa”(BOBBIO, 1992, p.118).


É sabido que o Estado tem uma capacidade de suporte financeiro limitado, equacionado entre os valores que são arrecadados através de impostos e os gastos relativos aos serviços públicos disponibilizados à comunidade, sendo assim, a administração pública deve se utilizar de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, quando implanta políticas públicas e distribui serviços, neste diapasão Di Pietro (2000, p. 81), estabelece que


“[…] o princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar. E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns da sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas mediante do caso concreto. Com efeito, embora a norma legal deixe um espaço livre para decisão administrativa, segundo critérios de oportunidade e conveniência, essa liberdade às vezes se reduz no caso concreto, onde os fatos podem apontar para o administrador a melhor solução […] Se a decisão é manifestamente inadequada para alcançar a finalidade legal, a Administração terá exorbitado dos limites da discricionariedade e o Poder Judiciário poderá corrigir a ilegalidade”.


4. Políticas públicas


As políticas públicas constituem-se em ações de Estado, idealizadas primordialmente para contemplar os anseios de uma determinada Sociedade. Preliminarmente, é coerente discorrer sobre o real sentido de Estado e de Sociedade, para posteriormente compreendermos a finalidade das políticas públicas. Não se trata de tarefa fácil conceituar tais termos, haja vista a difusão das mais variadas acepções.


Bonavides (2002, p. 62) ao tratar do tema, adverte que “há pensadores que intentam caracterizar o Estado segundo posição predominantemente filosófica; outros realçam o lado jurídico e, por último, não faltam aqueles que levam mais em conta a formulação sociológica de seu conceito”. E prossegue informando que para Hegel, sob a ótica filosófica, o Estado define-se “como a ‘realidade da idéia moral’, a ‘substância ética consciente em si mesma’, a ‘manifestação visível da divindade’[…]”(BONAVIDES, 2002,p.63). Sob a perspectiva jurídica Bonavides (2002,p.63), cita que “viu  Kant no Estado apenas o ângulo jurídico, ao concebê-lo como ‘a reunião de multidão de homens vivendo sob as leis do Direito’.


Na acepção sociológica de Estado, Bonavides (2002, p.64) citando Duguit “define o Estado, em sentido geral, como toda a sociedade humana na qual há diferenciação entre governantes e governados, e em sentido estrito como ‘grupo humano fixado em determinado território, onde os mais fortes impõem aos mais fracos a sua vontade’.


A Sociedade, segundo Hegel, citado por  Grau (2008,p.267), “é um momento anterior ao Estado, uma etapa da ordem política”, ou seja, o Estado tem sua gênese, do seio da Sociedade e deve necessariamente estar a serviço desta. Grau (2002, p. 267), ainda citando Hegel, informa que


“A sociedade civil é associação cujos membros são indivíduos independentes, reunidos em uma universalidade formal em função de suas carências e pela constituição jurídica (Rechtsverfassung) como instrumento de segurança da pessoa e da propriedade dos bens e por meio de uma regulamentação exterior destinada a satisfazer os interesses particulares e coletivos.”


A razão da existência do Estado, frente à contemporaneidade, só se justifica pela necessidade da organização social e política da Sociedade, compreendida numa macro visão estatal, neste sentido Pasold (1988, p.87), leciona que


“O Estado deve ser um conjunto de atividades legítimas efetivamente comprometidas com uma Função Social, esta entendida como implicando em ações que – por dever para com a Sociedade – o Estado executa, respeitando, valorizando e envolvendo o seu Sujeito (que é o homem individualmente considerado e inserido na Sociedade), correspondentemente ao seu Objeto (conjunto de áreas de atuação que dão causa às ações estatais) e cumprindo o seu Objetivo (o bem comum ou interesse coletivo, fixado dinamicamente pelo todo social).”


A fim de cumprir o seu mister, o Estado, através de seus governantes, estabelecem políticas públicas específicas, voltadas para as mais variadas áreas das atividades humanas, com o objetivo de proporcionar aos integrantes daquela Sociedade, em regra, bens e serviços que possam ser usufruídos coletivamente, porém, o termo política pública não é uníssono dentre os doutrinadores, uma vez que, Silva (2004, p.103) adverte que


“A utilização da expressão política pública é redundante, verdadeiro pleonasmo, mas em cuja utilização centramos nossos esforços, tendo em vista que desejamos agregar ao fim social, que busca alcançar qualquer atividade identificada na Constituição Federal, como meta a ser alcançada pelos grupos de competências outorgadas, a qualificação de pública.”


No Brasil em razão da imaturidade política da Sociedade, por não conhecer com exatidão seus deveres e direitos, confunde-se rotineiramente o que sejam políticas de governo e políticas de Estado. Neste sentido, Cristóvam (2010) demonstra que “[…] o cenário político brasileiro demonstra ser comum a confusão entre estas duas categorias. A cada eleição, principalmente quando ocorre alternância de partidos, grande parte das políticas públicas fomentadas pela gestão que deixa o poder é abandonada pela gestão que assume.”


Sendo assim, as políticas de Estado, devem prevalecer sobre as políticas de governo, e transcender sobre a vontade de pessoas ou grupos, haja vista que a primeira, originariamente, verte do texto constitucional, como por exemplo, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (BRASIL, 2009, p.17), contido no art. 3º, III, da Constituição Federal de 1988, o qual constitui um dos objetivos da República Federativa do Brasil.


Portanto, reduzir as desigualdades sociais, não é tarefa apenas dos governos e dos partidos políticos por eles representados, mas sim, de toda a Sociedade, a qual personifica o próprio Estado, enquanto ente político. Conforme  Derani (2002, p.239) preconiza, “são políticas públicas porque são manifestações das relações de forças sociais refletidas nas instituições estatais e atuam sobre campos institucionais diversos, para produzir efeitos modificadores na vida social.”


As políticas públicas por sua natureza, necessariamente devem se voltar para os anseios da Sociedade, a qual espera que seus representantes, os quais receberam através do voto a outorga do poder, conforme estabelece o parágrafo único do art. 1º da Constituição federal de 1988, que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2009, p.17), fielmente os represente. Neste sentido, Melo (1994, p.40) em suas sábias palavras leciona que


“Uma política seja educacional, econômica, jurídica, ou outra qualquer, é sempre um conjunto de estratégias visando alcançar determinados fins. Em se tratando de política do Direito, esses fins estarão implicados com o alcance de normas que, além de eficazes, sejam socialmente desejadas e por isso justas e úteis para responderem adequadamente às demandas sociais”.


No que concerne à efetividade das políticas públicas, observa-se que a demanda aos serviços públicos, tais como saúde, educação, segurança pública, dentre outros, se mostra infinitamente superior, a gama de serviços oferecidos pelo Estado, ou seja, há uma enorme defasagem entre demanda e oferta, causando enormes conflitos sociais, desta forma Leal (2005, p.165), alerta com veemência que


“[…] tem funcionado a Administração Pública como se estivesse apagando incêndios e criando soluções absolutamente curativas, e não preventivas, aos problemas detectados (quando detectados, haja vista regra geral, o amadorismo de seus quadros técnicos) de forma endógena e isolada da participação social ou de suas representações oficiosas, agudizando tal quadro o fato de não ter conseguido sequer modernizar suas estruturas e formas operacionais de comportamentos oficiosos”.


Não raras vezes os indivíduos, em face da necessidade de almejar direitos já garantidos constitucionalmente, porém não disponibilizados efetivamente pelo Estado, acessam ao Poder Judiciário, como o último bastião a lhes garantir estes direitos. Porém, Appio (2005, p.57), coerentemente adverte que


“A promoção de ações coletivas em face do Estado para a defesa de direitos de natureza individual permitiria a privatização do Estado, ou seja, a orientação dos programas de governo – políticas públicas – de acordo com os interesses próprios de grupos organicamente bem representados, reprisando-se na esfera judicial as mesmas desigualdades de representação existentes na esfera parlamentar.”


É preciso que a Sociedade exerça seus direitos e garantias fundamentais, tanto os individuais quanto os coletivos, bem como os direitos sociais. Sendo assim o Estado tem a obrigação de garantir, o que Sarlet (2008) refere-se como o mínimo existencial, ou seja, condições mínimas para satisfazer suas necessidades  


“[…] o conteúdo essencial do mínimo existencial encontra-se diretamente fundado no direito à vida e na dignidade da pessoa humana (abrangendo, por exemplo, prestações básicas em termos de alimentação, vestimenta, abrigo, saúde ou os meios indispensáveis para a sua satisfação), o assim designado mínimo sociocultural encontra-se fundado no princípio do Estado Social e no princípio da igualdade no que diz com o seu conteúdo material.”


Por outro lado, é preciso compreender que o Estado não é fonte inesgotável de recursos e que não poderá solucionar de uma única vez, todas as necessidades sociais. Sendo assim, o Poder Judiciário ao deferir pleitos concernentes a direitos sociais, tais como, saúde, educação, moradia, entre outros deve necessariamente observar este aspecto, que Sarlet (2008) oportunamente relata como reserva do possível, ou seja, conciliar as demandas sociais às possibilidades de suporte do erário público, e adverte que


“Diretamente vinculada a esta característica dos direitos fundamentais sociais a prestações está à problemática da efetiva disponibilidade do seu objeto, isto é, se o destinatário da norma se encontra em condições de dispor da prestação reclamada (isto é, de prestar o que a norma lhe impõe seja prestado), encontrando-se, portanto, na dependência da real existência dos meios para cumprir com sua obrigação. Já há tempo averbou-se que o Estado dispõe apenas de limitada capacidade de dispor sobre o objeto das prestações reconhecidas pelas normas definidoras de direitos fundamentais sociais, de tal sorte que a limitação dos recursos constitui, segundo alguns, em limite fático à efetivação desses direitos.”


5. Considerações finais


A Constituição Federal de 1988 é resultado das experiências  constitucionais anteriores, bem como dos anseios políticos e sociais de nossa época, e tem como finalidade teleológica, a paz social e o bem comum. Repousa na Magna Carta, os princípios constitucionais, que se constituem em bases sólidas que orientam todo o ordenamento jurídico pátrio, servindo de escopo para a fundamentação de todas as normas jurídicas que regulam as relações que interessam à sociedade contemporânea.


Partindo dos princípios constitucionais, os quais visam garantir as relações jurídicas de uma sociedade, faz-se necessário abordar conceitualmente um dos princípios mais importantes do nosso ordenamento jurídico, notadamente o princípio da igualdade, o qual se ampara segundo os preceitos contidos no art. 5º da Carta Constituinte, consubstanciado nos direitos e garantias fundamentais.


Todos são iguais perante a lei, é o que estabelece o texto constitucional, porém a igualdade perante a lei, pode ser compreendida apenas como igualdade formal, onde o tratamento seria igual para os iguais e desigual para os desiguais, no entanto, a nossa Sociedade  composta por extratos sociais tão equidistantes, precisa avançar, almejando alcançar além da igualdade formal, o que já foi um considerável avanço em termos de garantia de direitos, também a igualdade material.


O Estado idealizado para suprir as necessidades essenciais da Sociedade, tem por objetivo cumprir uma função político-social, elaborando e distribuindo através de políticas públicas, bens e serviços essências a toda a coletividade. Os direitos sociais, por preceito constitucional, estabelece direitos a saúde, a educação, a moradia, entre outros, porém, em razão da equação, demanda versus disponibilidade de serviços públicos, não possibilita o acesso com qualidade a toda a população, principalmente aquelas menos favorecidas economicamente, tornando-se verdadeiros gargalos sociais e origem de uma gama imensurável de conflitos.


No intuito de dar efetividade aos direitos constitucionalmente garantidos, os indivíduos recorrem ao Poder Judiciário, pois o Poder Executivo, compreendido nos três níveis de administração, por inércia, desídia ou ineficiência, não prestam serviços públicos com quantidade, nem tão pouco com a qualidade desejada.


Neste imbróglio social lastimável, cabe ao Poder Judiciário, quando instado, decidir sobre a concessão ou não de bens e serviços, às pessoas  tomadas individualmente ou à coletividade. Esta decisão, porém, deverá se constituir em sentenças, nutridas com equidade e razoabilidade, haja vista que o Estado, tem uma capacidade de suporte financeiro limitado, não podendo suportar infinitamente todas as demandas. No entanto, é preciso garantir aos indivíduos um mínimo existencial, compatível com a dignidade da pessoa humana, por se traduzir num dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Em contrapartida o magistrado ao sentenciar, deverá ser coerente e observar a reserva do possível, ou seja, se conceder tudo para todos, poderá literalmente arruinar economicamente o Estado, gerando assim problemas econômicos e sociais maiores do que aqueles já existentes.


Portanto, as políticas públicas de cunho social, deverão ser efetivamente políticas de Estado, e não apenas políticas de governo, uma vez que, as necessidades e anseios sociais, ultrapassam os limites dos mandatos eletivos e, neste diapasão, o princípio da igualdade (material) ser objeto de constante busca de todo o Poder Público.


 


Referências bibliográficas:

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Informações Sobre o Autor

Rubens Emilio Stenger

1º Sargento da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina e professor Universitário da Faculdade Metropolitana de Blumenau – UNIASSELVI-FAMEBLU, onde leciona as disciplinas de Direito Ambiental e Direito Penal Parte Especial; Bacharel em Direito, Especialista em Direito Processual Civil, Especialista em Direito Ambiental e Mestrando em Ciência Jurídica


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